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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção)

5 de junho de 2024 (*)

«Responsabilidade extracontratual — Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Decisões tomadas pelo BCE relativamente à Banca Carige — Artigos 4.° e 16.° do Regulamento (UE) n.° 1024/2013 — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Confiança legítima — Conflito de interesses — Proporcionalidade — Igualdade de tratamento — Direito de propriedade — Exceção de ilegalidade»

No processo T‑134/21,

Malacalza Investimenti Srl, com sede em Génova (Itália),

Vittorio Malacalza, residente em Génova,

representados por L. Boggio, S. Carbone e A. D’Angelo, advogados,

demandantes,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por R. Bax e A. Pizzolla, na qualidade de agentes,

demandado,

apoiado por:

Comissão Europeia, representada por D. Triantafyllou, P. Messina e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção),

composto por: O. Porchia, presidente, M. Jaeger, L. Madise, P. Nihoul (relator) e S. Verschuur, juízes,

secretário: P. Nuñez Ruiz, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 26 de setembro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Na ação que propuseram ao abrigo do disposto no artigo 268.° TFUE, os demandantes, Malacalza Investimenti Srl e Vittorio Malacalza, pedem a reparação do prejuízo que alegadamente sofreram com a atuação ilegal do Banco Central Europeu (BCE) no exercício da sua função de supervisão prudencial da Banca Carige (a seguir «banco») entre 2014 e 2019.

 Antecedentes do litígio

2        O banco é uma instituição de crédito de dimensão significativa com sede em Itália, cotada na Bolsa e sujeita à supervisão prudencial direta do BCE desde 2014 por força do Regulamento (UE) n.° 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63).

3        Os demandantes são acionistas do banco. No momento da propositura da presente ação, a Malacalza Investimenti tinha 15 288 774 ações ordinárias, que representavam cerca de 2,016 % do capital do banco, e V. Malacalza tinha 121 017 ações ordinárias, que representavam cerca de 0,011 % do capital do banco.

4        V. Malacalza tinha também sido membro e vice‑presidente do conselho de administração do banco entre 31 de março de 2016 e 3 de agosto de 2018.

5        Em 23 de abril de 2015, a fim de corrigir o défice de fundos próprios que havia sido verificado na avaliação completa realizada pelo BCE em 2014, a assembleia extraordinária de acionistas do banco aprovou um aumento de capital de 850 milhões de euros.

6        Por Decisão de 9 de dezembro de 2016, o BCE adotou uma medida de intervenção precoce que consistia em solicitar ao banco que apresentasse, até 28 de fevereiro de 2017, um plano estratégico e um plano operacional para a redução da concessão de créditos não produtivos, com uma indicação clara das medidas a tomar e do calendário a respeitar para alcançar esse objetivo (a seguir «medida de intervenção precoce»).

7        Para cumprir os objetivos fixados na medida de intervenção precoce, em setembro de 2017, o conselho de administração do banco aprovou um plano de recapitalização que incluía, nomeadamente, um aumento de capital de 560 milhões de euros a realizar até ao final de 2017.

8        Após a aprovação do prospeto pela Commissione nazionale per la societá e la borsa (Comissão Nacional para as Sociedades e a Bolsa, Itália), o aumento de capital acabou por ser realizado em 21 de dezembro de 2017, no montante de 544 milhões de euros.

9        Em 28 de dezembro de 2017, o BCE notificou o banco da decisão que adotou e que estabelece os requisitos prudenciais para 2018.

10      Nessa sequência, o banco tentou, sem sucesso, aumentar os fundos próprios para cumprir os requisitos aplicáveis. Falhou assim por três vezes uma tentativa de emissão de instrumentos de fundos próprios em 2018 (nos meses de março, maio e junho), devido ao fraco interesse dos investidores.

11      Esses fracassos acentuaram tensões no conselho de administração do banco a respeito da forma como corrigir o incumprimento dos requisitos de fundos próprios e de executar o plano de recapitalização de 2017 referido no n.° 7, supra. Estes desacordos conduziram a algumas demissões, entre as quais a de V. Malacalza, que tornaram necessária a nomeação de um novo conselho de administração. Foi assim que os acionistas do banco, na assembleia geral extraordinária de 20 de setembro de 2018, nomearam novos administradores e designaram P. Modiano para o lugar de presidente e F. Innocenzi para o de administrador delegado.

12      Tendo em conta os fracassos do banco na tentativa de colocar os seus instrumentos de fundos próprios no mercado, por Decisão de 14 de setembro de 2018 (a seguir «Decisão relativa aos fundos próprios»), o BCE recusou‑se a aprovar o plano de conservação de fundos próprios elaborado pelo banco e pediu‑lhe que apresentasse e mandasse aprovar pelo seu conselho de administração, até 30 de novembro de 2018, um novo plano destinado a restabelecer e garantir de forma duradoura o cumprimento dos requisitos patrimoniais até 31 de dezembro de 2018.

13      Para dar resposta a este pedido, o conselho de administração do banco adotou, em 12 de novembro de 2018, um plano de reforço dos fundos próprios assente em duas etapas, a saber, desde logo, a emissão de obrigações subordinadas de categoria 2 e, em seguida, um aumento de capital sujeito à aprovação dos acionistas.

14      A primeira etapa foi realizada com uma subscrição de obrigações no valor de 318,2 milhões de euros pelo Fondo interbancario di tutela dei depositi (Fundo Interbancário de Proteção dos Depósitos, Itália) (a seguir «FITD») e de 1,8 milhões de euros pelo Banco di Desio e della Brianza.

15      No âmbito da segunda etapa, foi convocada em 22 de dezembro de 2018 uma assembleia geral extraordinária para aprovar um aumento de capital por permuta de obrigações subordinadas por ações recentemente emitidas, com o objetivo de reforçar os fundos próprios de nível 1.

16      Todavia, esta última proposta não foi aceite na sequência da oposição manifestada, na referida assembleia, por acionistas que tinham 70 % do capital. Antes de se pronunciarem, os acionistas em causa desejavam que lhes fossem comunicados, por um lado, o plano empresarial e, por outro, o balanço relativo às atividades exercidas em 2018 pelo banco.

17      Na sequência destes acontecimentos:

–        em 23 de dezembro de 2018, o banco informou, em comunicado de imprensa, que, na sequência da rejeição da proposta formulada pelo conselho de administração, a vice‑presidente e outro membro desse conselho se tinham demitido com efeitos imediatos;

–        em 2 de janeiro de 2019, noutro comunicado de imprensa, o banco anunciou a demissão, com efeitos a partir dessa data, de outros cinco membros do conselho de administração, incluindo o presidente, P. Modiano, e o administrador delegado, F. Innocenzi;

–        estas demissões acarretaram a cessação de funções desse conselho de administração, em aplicação, por um lado, do artigo 18.°, n.° 12, dos estatutos do banco e, por outro, do artigo 2386.° do Código Civil italiano.

18      Nos termos dos estatutos do banco, os quatro membros não demissionários do conselho de administração mantiveram‑se em funções para assegurar a administração corrente.

19      Em 1 de janeiro de 2019, o BCE decidiu colocar o banco sob administração temporária (a seguir «Decisão de colocação sob administração temporária») em aplicação das disposições do decreto legislativo n.° 385 — Testo unico delle leggi in materia bancaria e creditizia (Decreto Legislativo n.° 385, que aprova o texto único das leis em matéria bancária e de crédito), de 1 de setembro de 1993 (GURI n.° 230, de 30 de setembro de 1993, e suplemento ordinário da GURI n.° 92, a seguir «Texto Bancário Consolidado»), que transpõe o artigo 29.° da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/UE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.° 1093/2010 e (UE) n.° 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190), com os seguintes efeitos:

–        dissolução do conselho de administração do banco e substituição dos antigos membros por três administradores temporários, entre os quais, nomeadamente, P. Modiano e o F. Innocenzi;

–        dissolução do comité de supervisão do banco e substituição dos antigos membros por três outras pessoas;

–        atribuição aos novos órgãos da incumbência de tomar as medidas necessárias para garantir que o banco cumpra novamente os requisitos patrimoniais de forma duradoura.

20      Em 2 de janeiro de 2019, foi anunciada a tomada da Decisão de colocação sob administração temporária através de um comunicado de imprensa e foi suspensa a negociação dos títulos emitidos ou garantidos pelo banco pela Comissão Nacional italiana para as sociedades e a Bolsa durante o período de aplicação da referida decisão ou até estar disponível, nomeadamente na sequência das novas iniciativas das autoridades competentes em matéria de supervisão prudencial, um conjunto de informações completo sobre os títulos emitidos ou garantidos pelo banco.

21      Na sequência de uma reavaliação das condições com base nas quais a Decisão de colocação sob administração temporária tinha sido tomada, esta medida foi prorrogada três vezes, em 29 de março, 30 de setembro e 20 de dezembro de 2019, a fim de estabilizar a situação do banco e permitir a finalização do reforço dos fundos próprios.

22      Em 9 de agosto de 2019, o Banco, Cassa Centrale Banca — Credito Cooperativo Italiano, o FITD e o Fundo de Intervenção Voluntário do FITD assinaram um acordo‑quadro que define as características de um plano de negócios que previa, nomeadamente, um aumento de capital de 700 milhões de euros e a emissão de novas obrigações subordinadas de categoria 2.

23      Por carta de 18 de setembro de 2019, o BCE considerou, com base no artigo 56.° do Texto Bancário Consolidado, que o aumento de capital previsto não era contrário à boa e prudente gestão do banco.

24      Assim, em 20 de setembro de 2019, foi convocada uma assembleia geral extraordinária dos acionistas do banco para aprovar o aumento de capital de 700 milhões de euros, a qual aprovou a proposta de aumento de capital. A Malacalza Investimenti não participou na assembleia geral.

25      Em 31 de janeiro de 2020, após a realização do aumento de capital, na assembleia‑geral ordinária dos acionistas do Banco, foram eleitos um novo conselho de administração e um novo conselho de supervisão. Na sequência dessas eleições, os administradores temporários e o Comité de Supervisão transferiram, na mesma data, a administração do banco para os órgãos recentemente eleitos, pondo assim termo à administração temporária dessa instituição de crédito, que, no total, durou cerca de treze meses.

 Pedidos das partes

26      Os demandantes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        condenar o BCE a pagar, a título de indemnização dos danos:

–        à Malacalza Investimenti, o montante de 870 525 670 euros, ou qualquer outro montante superior ou inferior considerado adequado, a determinar, se necessário, segundo a equidade;

–        a V. Malacalza, o montante de 9 546 022 euros ou qualquer outro montante superior ou inferior considerado adequado, a determinar, se necessário, segundo a equidade;

–        a ambos, as despesas e os honorários incorridos para efeitos do presente processo;

–        declarar, na medida do necessário, a invalidade das medidas cuja ilegalidade é alegada;

–        ordenar ao BCE, a título de medidas de instrução:

–        a apresentação de vários relatórios de inspeção, projetos de decisão e decisões;

–        a apresentação, dentre os documentos de supervisão prudencial, de várias atas das reuniões do conselho de administração do banco;

–        ordenar, a título de medida de instrução:

–        a realização de uma peritagem:

–        para verificação, relativamente aos exercícios de 2015 a 2019, dos dados relativos à situação de outros bancos italianos e da União Europeia, no que respeita, em especial, aos elementos pertinentes das contas de resultados e das posições patrimoniais, aos níveis de exposição e de constituição de provisões dos créditos reduzidos, às situações de liquidez, aos requisitos de fundos próprios e ao processo de supervisão prudencial e de avaliação (Supervisory Review and Evaluation Process, SREP) impostos a cada um desses bancos pelo BCE e pelos bancos centrais nacionais competentes, de qualquer eventual prescrição de exoneração dos créditos reduzidos, bem como da comparação entre esses dados e os dados correspondentes do banco, relativamente aos mesmos exercícios de 2015 a 2019;

–        para avaliação da igualdade ou da falta de igualdade de tratamento do banco e dos diferentes bancos pelas autoridades de supervisão a nível da União e a nível nacional;

–        para avaliação do montante dos prejuízos sofridos pelos demandantes.

27      Apoiado pela Comissão Europeia, o BCE conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar a ação improcedente;

–        indeferir os pedidos relativos às medidas de instrução;

–        condenar os demandantes na totalidade das despesas.

 Questão de direito

 Quanto ao pedido de indemnização

28      Na ação, os demandantes baseiam a responsabilidade extracontratual da União em oito ilegalidades:

–        a primeira, por violação suficientemente caracterizada, por parte do BCE, da legislação italiana pela sua falta de intervenção na retificação de declarações enganosas formuladas sobre a solidez do banco pelos seus administradores;

–        a segunda, por violação suficientemente caracterizada, por parte do BCE, da regulamentação da União nas suas relações com o conselho de administração do banco;

–        a terceira, por violação suficientemente caracterizada, por parte do BCE, da legislação italiana no que respeita à aprovação, em 18 de setembro de 2019, de um aumento de capital contrário ao direito de preferência previsto nos estatutos do banco;

–        a quarta, por violação suficientemente caracterizada, por parte do BCE, da legislação italiana relativa à nomeação de administradores temporários afetados por um conflito de interesses;

–        a quinta, por violação suficientemente caracterizada por parte do BCE, no momento da adoção da medida de intervenção precoce, de diferentes regras e princípios;

–        a sexta, por violação suficientemente caracterizada, por parte do BCE, na decisão relativa aos fundos próprios, do princípio da proporcionalidade devido à imposição ao banco de um prazo demasiado curto para lhe permitir respeitar os requisitos que lhe eram impostos em matéria de fundos próprios;

–        a sétima, por violação suficientemente caracterizada, por parte do BCE, do princípio da proteção da confiança legítima pelas garantias dadas aos acionistas sobre a situação do banco;

–        a oitava, por violação suficientemente caracterizada, por parte do BCE, do direito de propriedade reconhecido aos acionistas em razão da redução significativa do valor das suas participações no banco.

29      A título preliminar, importa recordar que a União é uma união de direito em que as suas instituições, órgãos e organismos estão sujeitos à fiscalização da conformidade dos seus atos, nomeadamente, com o Tratado e com os princípios gerais de direito (Acórdão de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, EU:C:1986:166, n.° 23; v., igualmente, Acórdão de 26 de junho de 2012, Polónia/Comissão, C‑336/09 P, EU:C:2012:386, n.° 36 e jurisprudência referida).

30      Assim, os particulares que se considerem afetados por atos adotados pelo BCE no âmbito das suas atribuições de supervisão prudencial das instituições de crédito podem pôr em causa a validade desses atos com fundamento nos artigos 263.°, 267.° ou 277.° TFUE, quando estejam preenchidos os requisitos previstos para a aplicação destas disposições.

31      Além disso, os particulares que considerem que o BCE não lhes dirigiu um ato que não seja uma recomendação ou um parecer podem pôr em causa a omissão desta instituição nos modos previstos no artigo 265.° TFUE.

32      Por outro lado, os particulares podem acionar a responsabilidade extracontratual da União e reclamar uma indemnização ao abrigo do artigo 340.°, terceiro parágrafo, TFUE, quando considerem ter sofrido um prejuízo com a atuação do BCE no âmbito das suas atribuições de supervisão prudencial.

 Quanto aos requisitos da responsabilidade extracontratual da União no âmbito da supervisão prudencial das instituições de crédito pelo BCE

33      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, resulta do artigo 76.° e do artigo 84.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral que o litígio é, em princípio, determinado e circunscrito pelas partes e que o juiz da União não pode decidir ultra petita (v. Acórdão de 17 de setembro de 2020, Alfamicro/Comissão, C‑623/19 P, não publicado, EU:C:2020:734, n.° 40 e jurisprudência referida).

34      Para efetivar a responsabilidade extracontratual da União, os particulares devem demonstrar o preenchimento cumulativo de três requisitos: a ilegalidade do comportamento imputável à instituição ou aos seus agentes no exercício das suas funções, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o dano invocado (Acórdão de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.° 64; v., igualmente, Acórdão de 7 de outubro de 2015, Accorinti e o./BCE, T‑79/13, EU:T:2015:756, n.° 65 e jurisprudência referida).

35      No caso em apreço, o Tribunal Geral considera oportuno analisar se o primeiro destes requisitos está preenchido. Assim sucede, segundo a jurisprudência, quando o comportamento contestado implica uma norma jurídica que tem por objeto conferir direitos aos particulares e quando a violação imputada à instituição é suficientemente caracterizada (Acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.° 42; de 7 de outubro de 2015, Accorinti e o./BCE, T‑79/13, EU:T:2015:756, n.° 67, e de 24 de janeiro de 2017, Nausicaa Anadyomène e Banque d’escompte/BCE, T‑749/15, não publicado, EU:T:2017:21, n.° 69).

–       Quanto ao primeiro requisito, relativo à natureza das normas que podem desencadear a responsabilidade extracontratual da União

36      Quanto ao primeiro requisito, a jurisprudência precisa que uma norma jurídica tem por objeto conferir direitos aos particulares quando gera em seu proveito uma vantagem suscetível de ser qualificada de direito adquirido, quando tem por função proteger os seus interesses ou quando procede à atribuição de direitos em proveito dos particulares cujo conteúdo possa ser suficientemente identificado (v. Acórdãos de 23 de maio de 2019, Steinhoff e o./BCE, T‑107/17, EU:T:2019:353, n.° 140 e jurisprudência referida, e de 9 de fevereiro de 2022, QI e o./Comissão e BCE, T‑868/16, EU:T:2022:58, n.° 90 e jurisprudência referida).

37      Para que a União incorra em responsabilidade, é necessário que a proteção oferecida pela norma invocada seja efetiva em relação ao particular que a invoca. Uma norma não pode ser tida em conta se não conferir nenhum direito a esse particular, mesmo que confira um direito a outras pessoas singulares ou coletivas (Acórdão de 23 de maio de 2019, Steinhoff e o./BCE, T‑107/17, EU:T:2019:353, n.° 77; v., igualmente, Acórdão de 9 de fevereiro de 2022, QI e o./Comissão e BCE, T‑868/16, EU:T:2022:58, n.° 90 e jurisprudência referida).

–       Quanto ao segundo requisito, relativo ao tipo de violação exigida para desencadear a responsabilidade extracontratual da União

38      Quanto ao segundo requisito, o critério considerado decisivo para determinar se uma violação é suficientemente caracterizada é a violação grave e manifesta, pela instituição, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação (Acórdãos de 4 de julho de 2000, Bergaderm e Goupil/Comissão, C‑352/98 P, EU:C:2000:361, n.° 43; de 7 de outubro de 2015, Accorinti e o./BCE, T‑79/13, EU:T:2015:756, n.° 67, e de 24 de janeiro de 2017, Nausicaa Anadyomène e Banque d’escompte/BCE, T‑749/15, não publicado, EU:T:2017:21, n.° 69).

39      Assim, um elemento determinante para estabelecer se estamos em presença de uma violação suficientemente caracterizada é a extensão da margem de apreciação de que a instituição dispõe (Acórdão de 12 de julho de 2005, Comissão/CEVA e Pfizer, C‑198/03 P, EU:C:2005:445, n.os 65 e 66).

40      Para este efeito, cabe ao juiz da União tomar em consideração a complexidade da situação a regular, as dificuldades de aplicação ou de interpretação dos textos, o grau de clareza e de precisão da norma violada e o caráter doloso ou indesculpável do erro cometido (Acórdão de 3 de março de 2010, Artegodan/Comissão, T‑429/05, EU:T:2010:60, n.° 62).

41      Nestas condições, meros erros de apreciação não são suficientes, por si só, para qualificar uma violação como manifesta e grave (v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2008, MyTravel/Comissão, T‑212/03, EU:T:2008:315, n.° 85).

42      No caso em apreço, importa salientar que as atuações criticadas do BCE ocorreram no exercício das atribuições de supervisão prudencial que lhe são conferidas para lhe permitir garantir a segurança e a solidez das instituições de crédito.

43      Para desempenhar essas atribuições, o artigo 4.° do Regulamento n.° 1024/2013 confere ao BCE o poder de efetuar operações como a autorização e revogação das licenças bancárias, o controlo da aplicação dos requisitos prudenciais regulamentares em vigor e dos sistemas internos de avaliação dos riscos, a possibilidade de impor requisitos adicionais em matéria de fundos próprios, bem como a possibilidade de impor regras de governo adequadas.

44      Ao efetuar essas operações, o BCE, como indica o considerando 17 do Regulamento n.° 1024/13, deve avaliar o perfil de risco dos bancos em causa e determinar, para cada um, os acontecimentos suscetíveis de o afetar, considerando a diversidade das instituições, as suas dimensões e modelos empresariais.

45      Tais análises implicam a realização de avaliações que, pela complexidade da sua natureza, justificam que seja reconhecido ao BCE, segundo a jurisprudência, um amplo poder de apreciação (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2019, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, C‑450/17 P, EU:C:2019:372, n.° 86; de 4 de maio de 2023, BCE/Crédit lyonnais, C‑389/21 P, EU:C:2023:368, n.° 55; e de 13 de dezembro de 2017, Crédit mutuel Arkéa/BCE, T‑712/15, EU:T:2017:900, n.° 181).

46      Em conclusão, decorre da jurisprudência acima examinada que, no presente processo, os demandantes, caso pretendam demonstrar a responsabilidade extracontratual do BCE, devem fazer prova bastante de que este violou de forma grave e manifesta, além do poder de apreciação que lhe é reconhecido, uma norma de direito da União que confere direitos aos particulares.

47      Para determinar se essa violação foi cometida, o juiz da União deve ter em conta, à luz dos elementos apresentados pelos demandantes, o amplo poder de apreciação reconhecido ao BCE no exercício das suas atribuições de supervisão prudencial.

–       Quanto ao pedido formulado pelo BCE, com o apoio da Comissão, para que haja referência aos princípios gerais comuns aos direitos dos EstadosMembros para definir o regime de responsabilidade extracontratual aplicável à União em matéria de supervisão prudencial

48      O BCE, apoiado pela Comissão, convidou o Tribunal Geral a definir, em função do direito nacional em vigor nos Estados‑Membros, o regime de responsabilidade extracontratual a que a União deve estar sujeita em matéria de supervisão prudencial.

49      Em primeiro lugar, o BCE sugeriu a aplicação, ao nível da União, da jurisprudência decorrente do Acórdão de 12 de outubro de 2004, Paul e o. (C‑222/02, EU:C:2004:606), no qual o Tribunal de Justiça considerou compatível com o direito da União uma legislação nacional que exclui a responsabilidade extracontratual das autoridades nacionais de supervisão prudencial quando estas atuam no âmbito de regras adotadas para servir o interesse público.

50      A este respeito, deve notar‑se que o Acórdão de 12 de outubro de 2004, Paul e o. (C‑222/02, EU:C:2004:606), não pode ser diretamente aplicado ao presente litígio, uma vez que diz respeito a autoridades nacionais, ao passo que o Tribunal Geral é chamado a pronunciar‑se sobre um processo relativo à responsabilidade extracontratual de uma instituição da União, ainda que, segundo o artigo 4.° do Regulamento n.° 1024/2013, esta instituição possa ser levada a exercer, nas circunstâncias que aí definidas, as atribuições reconhecidas às autoridades nacionais no âmbito da supervisão prudencial das instituições de crédito.

51      Todavia, importa salientar que, no Acórdão de 12 de outubro de 2004, Paul e o. (C‑222/02, EU:C:2004:606), o Tribunal de Justiça estabeleceu uma relação entre, por um lado, o objetivo prosseguido pela norma alegadamente violada e, por outro, a possibilidade ou, pelo contrário, a impossibilidade de os particulares acionarem a responsabilidade extracontratual das autoridades de supervisão. Com efeito, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça entendeu que, uma vez que as atribuições da autoridade nacional de supervisão eram desempenhadas no interesse público, o direito da União não se opunha a que o direito nacional, no caso em apreço o direito alemão, excluísse a responsabilidade da autoridade supervisora (Acórdão de 12 de outubro de 2004, Paul e o., C‑222/02, EU:C:2004:606, n.° 32).

52      De forma análoga, entendeu‑se existir responsabilidade extracontratual das instituições, ao nível da União, em situações que implicam uma norma que cria direitos em benefício dos demandantes (v. n.os 36 e 37, supra), a qual foi excluída em hipóteses que não implicam a criação de tais direitos, nomeadamente situações em que as normas invocadas prosseguiam um objetivo de interesse público ou tinham caráter institucional, procedendo nomeadamente a uma atribuição ou a uma repartição de competências entre instituições (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de abril de 2012, Artegodan/Comissão, C‑221/10 P, EU:C:2012:216, n.° 81; de 11 de julho de 2007, Fédération des industries condimentaires de France e o./Comissão, T‑90/03, não publicado, EU:T:2007:208, n.° 61; de 23 de maio de 2019, Steinhoff e o./BCE, T‑107/17, EU:T:2019:353, n.os 136 a 141; de 9 de fevereiro de 2022, QI e o./Comissão e BCE, T‑868/16, EU:T:2022:58, n.os 93 a 99).

53      Em segundo lugar, o BCE alegou, com o apoio da Comissão, que, segundo as análises que efetuou, a maioria dos Estados‑Membros limita a responsabilidade das autoridades de supervisão aos casos de dolo ou de culpa grave. Em seu entender, esta abordagem deve ser seguida ao nível da União em aplicação dos princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros, referidos no artigo 340.°, terceiro parágrafo, TFUE. Tal abordagem é necessária para preservar a ação do BCE, permitindo‑lhe agir no interesse público sem ficar paralisado pelo receio de ser posto em causa mesmo em caso de culpa leve ou de simples ilegalidade.

54      A este respeito, importa salientar que, no Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame (C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79), o Tribunal de Justiça considerou, no que respeita à responsabilidade dos Estados‑Membros por violação do direito da União, que a obrigação de reparar os danos causados aos particulares não pode estar sujeita a um requisito extraído do conceito de «culpa que vá além da violação suficientemente caracterizada do direito da União». Com efeito, a imposição de um tal requisito suplementar seria o mesmo que pôr em causa o direito à reparação, o qual tem o seu fundamento na ordem jurídica da União (Acórdão de 5 de março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C‑46/93 e C‑48/93, EU:C:1996:79, n.° 79).

55      No mesmo sentido, no Acórdão de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka (C‑501/18, EU:C:2021:249), o Tribunal de Justiça declarou que o direito da União se opunha a uma legislação nacional que subordinava o direito dos particulares a obterem uma indemnização ao requisito suplementar, além da violação suficientemente caracterizada do direito da União, do caráter intencional desse comportamento, como o que decorre do artigo 79.°, n.° 8, da Lei das Instituições de Crédito (v. Acórdão de 25 de março de 2021, Balgarska Narodna Banka, C‑501/18, EU:C:2021:249, n.° 121 e jurisprudência referida).

56      Ora, o princípio da equivalência exige que a totalidade das regras aplicáveis às ações ou recursos se aplique indiferentemente às ações ou recursos baseados na violação do direito da União e às ações ou recursos semelhantes, baseados na violação do direito interno (v. Acórdão de 4 de outubro de 2018, Kantarev, C‑571/16, EU:C:2018:807, n.° 124 e jurisprudência referida).

57      Daqui resulta que o direito da União se opõe a que a responsabilidade extracontratual de um Estado‑Membro e, com fundamento no princípio da equivalência, a de uma instituição da União sejam subordinadas a requisitos que, como os relativos à existência de dolo ou de culpa grave, vão além da violação suficientemente caracterizada do direito da União.

58      É à luz destes princípios que importa examinar as oito ilegalidades invocadas pelos demandantes.

 Quanto à primeira ilegalidade, relativa ao facto de o BCE ter violado, de forma suficientemente caracterizada, a legislação italiana ao não intervir para retificar declarações enganosas formuladas sobre a solidez do banco pelos seus administradores

59      Quanto à primeira ilegalidade da atuação imputada ao BCE, os demandantes alegam que, ao não ter retificado as declarações alegadamente enganosas sobre a solidez do banco, feitas pelos administradores deste, o mesmo violou de forma suficientemente caracterizada três disposições da legislação bancária italiana, a saber, o artigo 53.°, n.° 1, alínea d‑A), o artigo 53.°‑A, n.° 1, alínea d), e o artigo 67.°, n.° 1, alínea e), do Texto Bancário Consolidado.

60      O BCE, apoiado pela Comissão, contesta a argumentação dos demandantes.

61      A este respeito, importa recordar que as omissões imputáveis às instituições podem desencadear a responsabilidade da União quando estas violem uma obrigação legal de agir resultante de uma disposição do direito da União (Acórdãos de 15 de setembro de 1994, KYDEP/Conselho e Comissão, C‑146/91, EU:C:1994:329, n.° 58; e de 26 de fevereiro de 2016, Šumelj e o./Comissão, T‑546/13, T‑108/14 e T‑109/14, EU:T:2016:107, n.° 42).

62      Importa igualmente recordar que, em conformidade com a jurisprudência, para poder desencadear a responsabilidade extracontratual da União, a disposição em causa deve ter por objeto conferir aos demandantes um direito que consideram ter sido violado e a violação alegadamente ocorrida deve ser suficientemente caracterizada. (v. n.° 35, supra).

63      No caso em apreço, as disposições que foram violadas de forma suficientemente caracterizada aplicam‑se ao BCE no presente litígio por força do artigo 9.° do Regulamento n.° 1024/2013, segundo o qual esta instituição intervém como autoridade competente em vez da autoridade nacional quando, como no caso em apreço, as instituições a supervisionar estão sob a alçada da sua competência por força do artigo 4.° do Regulamento n.° 1024/2013.

64      A fim de se poder proferir uma decisão, estas disposições devem ser examinadas segundo o objeto que prosseguem.

65      Em primeiro lugar, o artigo 53.°, n.° 1, alínea d‑A), e o artigo 67.°, n.° 1, alínea e), do Texto Bancário Consolidado identificam as informações a publicar pelo BCE sobre as instituições de crédito e, se for caso disso, sobre a sociedade‑mãe dessas instituições, para assegurar a transparência dos mercados e, assim, o seu bom funcionamento e a estabilidade do sistema financeiro no seu todo.

66      Com efeito, o artigo 53.°, n.° 1, alínea d‑A), do Texto Bancário Consolidado confia à autoridade de supervisão a publicação de informações relativas a instituições de crédito, nomeadamente informações sobre a adequação dos fundos próprios, a limitação do risco, as participações que podem ser detidas, o governo e a organização administrativa ou contabilística.

67      Por outro lado, o artigo 67.°, n.° 1, alínea e), do Texto Bancário Consolidado prevê que, para o exercício da supervisão consolidada, a autoridade de supervisão fornece à sociedade‑mãe, através de medidas gerais, informações relativas ao grupo bancário no seu conjunto ou aos seus componentes, relativas à adequação dos fundos próprios, à limitação do risco nas suas diferentes configurações, às participações, ao governo das sociedades, à organização administrativa e contabilística, bem como aos controlos internos e aos sistemas de remuneração e de incentivo.

68      Resulta da sua redação que estas disposições impõem ao BCE uma obrigação geral de publicação de categorias de informação com uma finalidade de interesse público, a saber, assegurar o bom funcionamento e a estabilidade dos mercados. Em contrapartida, por si só, não impõem ao BCE, direta ou indiretamente, nenhuma obrigação de reagir de forma específica quando, a propósito da solidez de certas instituições, operadores de mercado formulam declarações analisadas como enganosas por outros. Por conseguinte, não se pode deduzir destas disposições nenhum direito para os investidores, seja de que natureza for, a que o BCE intervenha, em cada Estado‑Membro, sempre que neles sejam formulados comentários sobre as instituições sujeitas à sua supervisão que possam ser considerados pelos investidores como total ou parcialmente infundados.

69      É certo que, no caso em apreço, as referidas declarações podem ter sido feitas pelos administradores do banco. Em razão das suas funções, os mercados poderão ter dado uma certa credibilidade a essas declarações. Assim, o valor das ações que compõem o capital do banco poderá ter sido afetado por essas declarações, o que pode ter causado um prejuízo aos demandantes.

70      Todavia, importa recordar que a existência de um alegado dano financeiro não basta, por si só, para desencadear a responsabilidade extracontratual da União. Para que esta responsabilidade possa ser efetivada, os demandantes devem demonstrar a existência de um comportamento ilegal. Para este efeito, devem demonstrar, segundo a jurisprudência, que uma norma que confere direitos aos particulares foi violada de forma suficientemente caracterizada. Ora, os demandantes não demonstraram a existência dessa norma, e muito menos a de tal violação.

71      No caso em apreço, afigura‑se que, se considerassem ter sofrido um dano devido a essas declarações, era aos próprios demandantes que cabia reagir, retificando as declarações e acionando os seus autores, sendo o caso, nos tribunais competentes.

72      Em segundo lugar, o artigo 53.°‑A, n.° 1, alínea d), do Texto Bancário Consolidado prevê que, sempre que a situação o exija, a autoridade de supervisão pode adotar medidas específicas relativamente a um ou mais bancos ou a todo o sistema bancário.

73      Segundo esta disposição, as referidas medidas podem implicar a restrição das atividades ou da estrutura territorial do banco; a proibição de este efetuar certas operações, mesmo de natureza societária, e de distribuir lucros ou outros elementos do capital, bem como, para os instrumentos financeiros que possam ser incluídos no capital para efeitos de supervisão, a proibição de pagamento de juros; a fixação de limites ao montante total da parte variável da remuneração no banco, sempre que necessário para a manutenção de uma base de capital saudável e, para os bancos que beneficiem de intervenções excecionais de apoio público, a fixação dos limites à remuneração total dos diretores da sociedade.

74      À luz da sua redação, afigura‑se que, por si só, o artigo 53.°‑A, n.° 1, alínea d), do Texto Bancário Consolidado não é pertinente quando se trate de determinar se foi imposta ao BCE uma obrigação de retificação de declarações atribuídas a certos operadores, e consideradas erradas por outros, sobre a estabilidade financeira do banco. Nenhuma obrigação desta natureza é direta ou indiretamente imposta, neste sentido, ao BCE. Sob pena de estender indevidamente o seu alcance, esta disposição não pode ser interpretada de uma forma que leve a acrescentar uma obrigação a cargo do BCE que, não tendo sido introduzida no texto, não foi consagrada pelo legislador da União.

75      Daqui resulta que a argumentação dos demandantes, relativa à primeira ilegalidade da atuação imputada ao BCE, deve ser rejeitada.

 Quanto à segunda ilegalidade, relativa ao facto de o BCE ter violado, de forma suficientemente caracterizada, a regulamentação da União nas suas relações com o conselho de administração do banco

76      Quanto à segunda ilegalidade da atuação imputada ao BCE, os demandantes alegam que este violou, de forma suficientemente caracterizada, os artigos 4.° e 16.° do Regulamento n.° 1024/2013:

–        ao concertar‑se com P. Modiano e F. Innocenzi para que se demitissem, em 2 de janeiro de 2019, provocando a cessação de funções do conselho de administração do banco e abrindo assim o caminho à colocação dessa instituição sob administração temporária;

–        procurando limitar os poderes do conselho de administração do banco a uma mera ratificação das decisões tomadas pelo administrador delegado, na reunião de 16 de fevereiro de 2018 e durante os sucessivos contactos entre o F. Malacalza, D. Nouy (presidente do Conselho de Supervisão do BCE) e R. Quintana (membro da Direção‑Geral da Supervisão Microprudencial do BCE);

–        ocultando, durante vários meses, ao conselho de administração a dimensão da dificuldade que o banco enfrentava em matéria de fundos próprios, informando‑o apenas em 21 de junho de 2018 sobre o conteúdo de uma carta que o BCE tinha, no entanto, enviado, em 4 de junho de 2018, ao administrador delegado.

77      O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

78      A fim de se poder proferir uma decisão, importa examinar sucessivamente as duas disposições invocadas pelos demandantes.

79      Em primeiro lugar, o artigo 4.° do Regulamento n.° 1024/2013 prevê que o BCE exerce em exclusivo, para fins de supervisão prudencial relativamente às instituições de crédito estabelecidas nos Estados‑Membros, as atribuições que consistem, nomeadamente, em conceder autorizações a instituições de crédito, apreciar as notificações de aquisição e alienação de participações qualificadas em instituições de crédito e assegurar o cumprimento dos atos que impõem requisitos prudenciais às instituições de crédito em matéria de requisitos de fundos próprios, limites aos grandes riscos, liquidez e governo, incluindo os requisitos de adequação e idoneidade das pessoas responsáveis pela gestão de instituições de crédito.

80      A este respeito, importa salientar que a atuação imputada ao BCE não está relacionada com o artigo 4.° do Regulamento n.° 1024/2013. Com efeito, esta disposição atribui ao BCE competências em matéria prudencial e prevê, mais precisamente, que o BCE «exerce exclusivamente» algumas delas, repartindo pois entre essa instituição e as autoridades nacionais as atribuições que podem ser previstas nesta matéria.

81      Assim, esta disposição, uma vez que atribui competências a instituições e as reparte entre si, tem por escopo pôr em prática o objetivo geral de organizar um sistema regulamentar num domínio de atividade em benefício do interesse público, sem que, em si mesma, conceda a particulares direitos suscetíveis de fundamentar uma ação no Tribunal Geral.

82      Em segundo lugar, o artigo 16.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1024/2013 atribui ao BCE, para o exercício das atribuições que lhe são conferidas, poderes para exigir que as instituições de crédito tomem, numa fase precoce, diversas medidas quando essas instituições não cumpram os requisitos prudenciais ou possam não os cumprir, ou ainda quando outras falhas não permitam assegurar, nessas instituições, uma boa gestão ou uma cobertura satisfatória dos riscos.

83      As medidas referidas nesta disposição podem consistir, nomeadamente, em exigir o reforço dos fundos próprios, em restringir ou limitar a atividade da instituição de crédito, em solicitar o desinvestimento em atividades que apresentem riscos excessivos para a solidez da instituição ou em destituir os membros do órgão de administração das instituições que não cumpram os requisitos que lhes são impostos.

84      Novamente aqui, essa disposição, uma vez que se limita a atribuir poderes, não comporta, em si mesma, regras que tenham por objeto conferir direitos aos particulares, mas organiza o funcionamento do sistema de supervisão bancária no interesse público e não é suscetível, a esse título, de desencadear a responsabilidade extracontratual da União.

85      Nestas circunstâncias, há que considerar que, não tendo por objeto conferir direitos aos particulares, o artigo 4.° e o artigo 16.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1024/2013 não podem fundamentar a ilegalidade da atuação imputada ao BCE no âmbito da supervisão prudencial que exerceu sobre o banco de para desencadear a responsabilidade da União pela referida atuação.

86      A argumentação dos demandantes, relativa à segunda ilegalidade da atuação imputada ao BCE, deve, portanto, ser rejeitada.

 Quanto à terceira ilegalidade, relativa ao facto de o BCE ter violado, de forma suficientemente caracterizada, a legislação italiana ao aprovar, em 18 de setembro de 2019, um aumento de capital contrário ao direito de preferência previsto nos estatutos do banco

87      Quanto à terceira ilegalidade da atuação imputada ao BCE, os demandantes alegam que este violou, de forma suficientemente caracterizada, o artigo 56.° do Texto Bancário Consolidado ao aprovar, em 18 de setembro de 2019, um aumento de capital contrário ao direito de preferência reconhecido aos acionistas pelos estatutos do banco.

88      O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

89      O artigo 56.° do Texto Bancário Consolidado tem a seguinte redação:

«1. O Banco de Itália deve assegurar que as alterações dos estatutos dos bancos não conflituam com uma gestão boa e prudente.

2. O processo de inscrição no registo comercial só pode ser iniciado se for efetuada a verificação prevista no n.° 1.»

90      No caso em apreço, o artigo 56.° do Texto Bancário Consolidado é aplicável ao BCE por força do artigo 9.° do Regulamento n.° 1024/2013, segundo o qual esta instituição intervém como autoridade competente em vez da autoridade nacional quando, como no caso em apreço, as instituições a supervisionar estão sob a alçada da sua competência nos termos do artigo 4.° do referido regulamento.

91      Resulta do artigo 56.° do Texto Bancário Consolidado que, no exercício das atribuições que lhe são confiadas, a autoridade de supervisão deve verificar a compatibilidade das alterações introduzidas nos estatutos das instituições de crédito com os condicionalismos decorrentes de uma gestão boa e prudente, antes de as referidas alterações poderem ser inscritas no registo comercial.

92      Ora, esta verificação não deve incidir sobre a compatibilidade da alteração estatutária prevista com os direitos de preferência dos acionistas, mas sobre a compatibilidade dessa alteração com o imperativo da gestão boa e prudente que figura no artigo 56.° do Texto Bancário Consolidado.

93      Assim, a exigência de uma gestão boa e prudente demonstra que, contrariamente ao que sustentam os demandantes, o objetivo a ter em conta, no âmbito da avaliação realizada pela autoridade de supervisão com base no artigo 56.° do Texto Bancário Consolidado, é a estabilidade da instituição de crédito e, mais amplamente, do sistema financeiro no seu todo.

94      Nestas circunstâncias, há que considerar que o artigo 56.° do Texto Bancário Consolidado não confere, em si mesmo, direitos aos particulares na aceção dos n.os 36 e 37, supra. Por conseguinte, a argumentação relativa à terceira ilegalidade da atuação imputada ao BCE deve ser rejeitada.

 Quanto à quarta ilegalidade, relativa ao facto de o BCE ter violado, de forma suficientemente caracterizada, a legislação italiana ao nomear administradores temporários afetados por um conflito de interesses

95      Quanto à quarta ilegalidade da atuação imputada ao BCE, os demandantes sustentam que este violou, de forma suficientemente caracterizada, o artigo 71.°, n.° 6, do Texto Bancário Consolidado ao nomear, como administradores temporários, o antigo presidente do conselho de administração, P. Modiano, e o antigo administrador delegado do banco, F. Innocenzi. Uma vez que estes últimos se tornaram administradores temporários, tornou‑se delicado para eles intentar ações judiciais contra os órgãos de administração e de controlo (ou de alguns dos seus membros) dissolvidos entretanto. Assim, pelo facto de terem sido nomeados administradores temporários, estas duas pessoas estavam protegidas de uma ação de indemnização que podia ter sido proposta contra si relativamente às decisões tomadas quando eram, respetivamente, o presidente do conselho de administração e o administrador delegado do banco.

96      O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

97      A título preliminar, há que salientar que a Decisão de colocação sob administração temporária foi anulada pelo Tribunal Geral no Acórdão de 12 de outubro de 2022, Corneli/BCE (T‑502/19, pendente de recurso, EU:T:2022:627), sem que esta circunstância deva obstar ao seu exame no presente processo.

98      Por um lado, a anulação não ocorreu por violação de um conflito de interesses, contrariamente ao que os demandantes pedem no âmbito do presente processo, mas por ter sido cometido um erro na determinação da base jurídica utilizada pelo BCE para adotar a referida decisão (Acórdão de 12 de outubro de 2022, Corneli/BCE, T‑502/19, pendente de recurso, EU:T:2022:627, n.os 113 e 114).

99      Por outro lado, a ação de indemnização, em razão da sua natureza, constitui uma via de recurso autónoma que exerce uma função particular no âmbito do sistema dos meios processuais concebidos pelos Tratados e está subordinada a condições de exercício concebidas tendo em vista o seu objeto específico (Acórdão de 28 de abril de 1971, Lütticke/Comissão, 4/69, EU:C:1971:40, n.° 6, e Despacho de 21 de junho de 1993, Van Parijs e o./Conselho e Comissão, C‑257/93, EU:C:1993:249, n.° 14).

100    Assim, admite‑se que o Tribunal Geral possa examinar de forma autónoma, para efeitos de uma ação de indemnização, a legalidade de um ato objeto de um recurso de anulação. Todavia, enquanto o recurso de anulação visa declarar a ilegalidade de um ato juridicamente vinculativo, a ação de indemnização tem por objeto a reparação de um prejuízo decorrente de um ato ou de um comportamento ilícito imputável a uma instituição ou a um órgão da União (v., neste sentido, Acórdão de 7 de outubro de 2015, Accorinti e o./BCE, T‑79/13, EU:T:2015:756, n.os 61 e 62).

101    Feita esta precisão, resulta do artigo 71.°, n.° 6, do Texto Bancário Consolidado que, para poderem exercer as suas funções, os administradores temporários devem ter várias características entre as quais o facto de não terem conflitos de interesses. Tal requisito implica, por parte do BCE, que, quando procede à nomeação de administradores temporários, deve verificar a inexistência de conflitos de interesses relativamente às pessoas em causa. Com efeito, na falta dessa verificação, essas pessoas não podem exercer as suas funções, mesmo que tenham sido nomeadas, quando não respeitem este requisito.

102    Ora, o requisito de estar isento de conflito de interesses enquadra‑se, de maneira geral, no princípio da imparcialidade, que visa proteger, segundo a jurisprudência, por um lado, o interesse geral e, por outro, o interesse dos particulares que possam ser afetados negativamente na sequência de haver esse conflito de interesses (v., por analogia, Acórdãos de 6 de abril de 2006, Camós Grau/Comissão, T‑309/03, EU:T:2006:110, n.° 102, e de 6 de junho de 2019, Dalli/Comissão, T‑399/17, não publicado, EU:T:2019:384, n.° 100).

103    Assim, segundo a jurisprudência, o princípio da imparcialidade cria em relação aos particulares que podem ser afetados um direito subjetivo que, se for violado de forma suficientemente caracterizada, é suscetível de desencadear a responsabilidade extracontratual da União pelo dano eventualmente causado por uma instituição no exercício das atribuições que lhe são confiadas.

104    Nestas circunstâncias, há que considerar que o artigo 71.°, n.° 6, do Texto Bancário Consolidado tem por objeto conferir direitos aos particulares na aceção dos n.os 36 e 37, supra.

105    Quanto a verificar se o BCE cometeu uma violação suficientemente caracterizada do artigo 71.°, n.° 6, do Texto Bancário Consolidado, há que observar que, para fundamentar a adoção da Decisão de colocação sob administração temporária, esta instituição não indicou que a mesma decisão se justificava pela existência de «graves irregularidades» cometidas «no âmbito da administração» do banco, na aceção do artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea b), do Texto Bancário Consolidado, conjugado com o artigo 70.° do referido diploma.

106    A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea b), e do artigo 70.° do Texto Bancário Consolidado, a autoridade de supervisão pode colocar uma instituição sob administração temporária em caso de violações graves das disposições legislativas ou regulamentares, de irregularidades graves na gestão da instituição de crédito, sempre que a deterioração da situação do banco ou do grupo bancário seja particularmente significativa, quando sejam previsíveis perdas graves de ativos, ou quando seja pedida a administração temporária mediante requerimento fundamentado dos órgãos de administração ou pela assembleia geral extraordinária da instituição de crédito.

107    No caso em apreço, se tivessem sido cometidas irregularidades na gestão do banco, teria sido necessário, para proteger os acionistas, assegurar a possibilidade de instauração de um processo contra os responsáveis. Com efeito, só uma ação de indemnização contra os antigos membros dos órgãos de administração seria suscetível de permitir a indemnização, por esses responsáveis, dos danos sofridos pelos acionistas. Em tal hipótese, poderia ter sido inadequado nomear como administradores temporários pessoas que tinham, anteriormente, exercido funções de administração no banco. Com efeito, essa nomeação, como sustentam os demandantes, teria tornado pouco realista a perspetiva de tal ação, não tendo os administradores temporários nenhum interesse em pôr em causa a sua própria responsabilidade.

108    Todavia, a situação era diferente no caso em apreço, uma vez que, segundo os termos aí utilizados, a Decisão de colocação sob administração temporária não se baseou em «graves irregularidades» cometidas pelos antigos órgãos de administração do banco, mas na «deterioração significativa da situação do banco», na aceção dos artigos 69.° octiesdecies e 70.° do Texto Bancário Consolidado.

109    Por outro lado, as dificuldades financeiras que afetaram o banco precederam a nomeação, na qualidade, respetivamente, de presidente do conselho de administração do banco, de P. Modiano, e de administrador delegado, de F. Innocenzi, como resulta da exposição dos factos acima reproduzida (n.os 5 a 10, supra).

110    De resto, importa recordar que, no exercício da sua atribuição prudencial, o BCE goza de um amplo poder de apreciação, sem que o juiz possa substituir a apreciação efetuada pela instituição pela sua própria apreciação (v. n.° 45, supra).

111    Ora, o BCE podia considerar, no exercício desse poder e sem exceder os seus limites, que era oportuno confiar a gestão da administração temporária a pessoas familiarizadas com a instituição de crédito visada pela medida em causa, sendo essa familiarização suscetível de lhes permitir reagir mais rapidamente num contexto de crise face às dificuldades que sucessivamente se apresentavam.

112    Com base neste fundamento, pode considerar‑se que o BCE utilizou o seu poder de apreciação de forma razoável ao nomear para a administração temporária P. Modiano e F. Innocenzi, que eram suficientemente conhecedores dos negócios do banco para poderem agir com prontidão face à situação de crise que o banco vivia.

113    É verdade, como assinalam os demandantes, que a ação de indemnização contra os membros dos órgãos dissolvidos de administração e de controlo é exercida, durante o período da administração temporária, pelos comissários temporários, em conformidade com o artigo 72.°, n.° 5, do Texto Bancário Consolidado.

114    Todavia, a assembleia de acionistas e os acionistas que detenham, individual ou conjuntamente, um quinto do capital social ou o montante diferente previsto nos estatutos de uma instituição de crédito podem, a partir do momento em que a administração ordinária de uma instituição de crédito assuma a sua atividade, intentar uma ação de indemnização contra os membros dos órgãos de administração e de fiscalização no prazo de cinco anos após estes terem cessado as suas funções, em conformidade com os artigos 2393.° e 2393.°‑A do Código Civil italiano.

115    Assim, desde a retoma da gestão ordinária do banco, a assembleia de acionistas e os acionistas que detinham, individual ou conjuntamente, um quinto do capital social ou o montante diferente previsto nos estatutos do banco tinham a possibilidade de intentar uma ação de indemnização contra P. Modiano e F. Innocenzi, na sua qualidade de antigos membros do conselho de administração, no prazo de cinco anos a contar da data de cessação das suas funções.

116    Nestas condições e por maioria de razão, há que considerar que, ao nomear P. Modiano e F. Innocenzi como administradores temporários, o BCE se manteve dentro dos limites do razoável no exercício do seu poder de apreciação.

117    Assim, uma vez que não foi demonstrada nenhuma violação suficientemente caracterizada, a argumentação relativa à quarta ilegalidade da atuação imputada ao BCE deve ser rejeitada.

 Quanto à quinta ilegalidade, relativa ao facto de, na adoção da medida de intervenção precoce, o BCE ter violado, de forma suficientemente caracterizada, diferentes regras e diferentes princípios

118    Quanto à quinta ilegalidade da atuação imputada ao BCE, os demandantes apresentam seis alegações contra a adoção da medida de intervenção precoce, as quais são contestadas pelo BCE com o apoio da Comissão.

–       Quanto à primeira alegação, relativa à adoção da medida de intervenção precoce com base num mero risco de infração à legislação

119    Na primeira alegação, os demandantes alegam que o BCE violou, de forma suficientemente caracterizada, o artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado ao adotar a medida de intervenção precoce perante um mero risco de infração à legislação aplicável, quando, na sua opinião, devia ser feita prova de uma violação previsível nos termos desta disposição.

120    A este respeito, importa salientar que, nos termos do artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado, o Banca d’Italia (Banco de Itália) pode adotar as medidas de intervenção precoce nele mencionadas quando, na sequência de uma rápida deterioração da situação do banco em causa ou do seu grupo, verifique ou preveja, nomeadamente, uma violação do Regulamento (UE) n.° 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais das instituições de crédito e que altera o Regulamento (UE) n.° 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 337), e do título II da Diretiva 2014/65/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativa aos mercados de instrumentos financeiros e que altera a Diretiva 2002/92/CE e a Diretiva 2011/61/UE (JO 2014, L 173, p. 349).

121    No caso em apreço, o artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado é aplicável ao BCE por força do artigo 9.° do Regulamento n.° 1024/2013, segundo o qual esta instituição intervém como autoridade competente em vez da autoridade nacional quando, como no caso em apreço, as instituições a supervisionar estão sob a alçada da sua competência nos termos do artigo 4.° do referido regulamento.

122    Daqui resulta que, uma vez que o artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado se limita a dar à autoridade de supervisão o poder de adotar uma medida de intervenção precoce quando, no final da apreciação que lhe cabe efetuar, estejam preenchidos os requisitos nele previstos, este artigo não confere, por si só, direitos aos particulares cujo reconhecimento possa ser pedido ao juiz da União.

123    Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento dos demandantes segundo o qual os seus direitos e interesses enquanto acionistas foram afetados ao terem sido privados de qualquer envolvimento possível na gestão do banco na sequência da adoção, pelo BCE, da medida de intervenção precoce.

124    A este respeito, importa considerar que o efeito eventualmente produzido por uma intervenção do BCE nos interesses dos acionistas de uma instituição de crédito não pode ser tido em conta para desencadear a responsabilidade extracontratual dessa instituição se a regra que fundamenta essa intervenção não tiver por objeto criar ou proteger, de forma específica, um direito que lhes é conferido de modo suficientemente definido.

125    Ora, como indicado no n.° 122, supra, o artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado não visa criar direitos a favor dos particulares, mesmo que sejam acionistas.

126    Com efeito, foi para proteger a estabilidade do sistema financeiro e, portanto, para implementar um objetivo de interesse público que foi adotada a medida de intervenção precoce com base no artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado.

127    Assim, o BCE fundamentou a adoção da medida de intervenção precoce com o risco de violação dos requisitos estabelecidos pela legislação aplicável. Nesta medida, o risco tido em conta foi fundamentado de forma específica e concreta à luz dos critérios previstos no artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado, que se refere à existência de uma rápida deterioração da situação da entidade supervisionada como um dos indícios de uma possível violação por esta dos requisitos de fundos próprios.

128    A este respeito, o BCE referiu na medida de intervenção precoce que:

–        em junho de 2016, o rácio de fundos próprios principais de nível 1 (CET 1) e o rácio de fundos próprios de nível 2 (T2) do Banco foram de 12,29 % e 14,37 %, respetivamente. No entanto, a evolução esperada destes dois rácios em 2017 iria conduzi‑los a valores inferiores aos do ano anterior, a saber, 10,35 % para o CET 1 e 12,19 % para o T2 em violação do requisito global de fundos próprios de 12,50 %. (v. ponto 1.1.1 da medida de intervenção precoce);

–        os rácios de fundos próprios eram suscetíveis de diminuir mesmo para além dos valores acima indicados, com perdas patrimoniais ainda mais significativas, tendo em conta o desempenho constante e insuficiente em termos de rentabilidade do banco nos últimos anos, o elevado risco de crédito decorrente do nível dos créditos não produtivos, que punha em risco a capacidade da instituição supervisionada de gerar lucro, bem como incertezas relacionadas com as medidas de economia de custos previstas no plano estratégico adotado pelo banco (v. pontos 1.1.2 e 1.1.3 da medida de intervenção precoce).

129    Nestas circunstâncias, há que considerar que, por prosseguir um objetivo de interesse público, o artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado não tem por objeto conferir direitos aos particulares e que foi efetivamente para realizar este objetivo que foi aplicado no caso em apreço através da adoção da medida de intervenção precoce, com a consequência de que a primeira alegação deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à segunda alegação, relativa à obrigação prevista pela medida de intervenção precoce de conceder, em condições pouco vantajosas, créditos alegadamente não produtivos

130    Na segunda alegação, os demandantes sustentam que o BCE violou, de forma suficientemente caracterizada, o artigo 69.° noviesdecies do Texto Bancário Consolidado ao impor ao banco, na medida de intervenção precoce, a obrigação de conceder, em condições pouco vantajosas, créditos alegadamente não produtivos. Ora, segundo os demandantes, esta disposição não permite a imposição deste tipo de obrigação, prevendo apenas a possibilidade de execução de um plano de recuperação ou de preparação um plano destinado a negociar a reestruturação da dívida com os credores.

131    Nos termos do artigo 69.° noviesdecies do Texto Bancário Consolidado, o Banco de Itália pode solicitar a uma instituição de crédito ou à empresa‑mãe de um grupo bancário, quando estejam preenchidos os requisitos previstos no artigo 69.° octiesdecies, n.° 1, alínea a), do Texto Bancário Consolidado, que execute mesmo parcialmente o plano de recuperação adotado, que elabore um plano para negociar a reestruturação da dívida com todos ou alguns dos credores ou, se for caso disso, que altere a sua forma social.

132    No exercício desse poder, o Banco de Itália pode exigir a atualização do plano de recuperação quando as condições que levaram à adoção da medida de intervenção precoce diferirem das hipóteses previstas no plano. Além disso, pode fixar um prazo para a execução do plano e a eliminação das causas que conduziram à adoção da medida de intervenção precoce.

133    No caso em apreço, o artigo 69.° noviesdecies do Texto Bancário Consolidado é aplicável ao BCE por força do artigo 9.° do Regulamento n.° 1024/2013, segundo o qual esta instituição intervém como autoridade competente em vez da autoridade nacional quando, como no caso em apreço, as instituições a supervisionar estão sob a alçada da sua competência nos termos do artigo 4.° do referido regulamento.

134    Dado que o artigo 69.° noviesdecies do texto bancário consolidado se limita a dar à autoridade de supervisão o poder de solicitar às instituições de crédito que preparem ou executem um plano para negociar a restruturação da dívida, deve considerar‑se que, quando os requisitos que prevê estiverem preenchidos, o mesmo não confere, por si só, direitos aos particulares.

135    Assim, no caso em apreço, foi para alcançar um objetivo de interesse público que o BCE pediu ao banco, na medida de intervenção precoce, que apresentasse, até 28 de fevereiro de 2017, um plano estratégico e um plano operacional que deviam, pelo menos:

–        indicar as medidas que o banco tencionava tomar para reduzir o nível dos créditos não produtivos;

–        incluir objetivos quantitativos para a redução dos créditos não produtivos;

–        indicar o calendário de execução dessas medidas;

–        ter em conta os objetivos mínimos definidos pelo BCE aquando da escolha das medidas a tomar para a redução dos créditos não produtivos, ou seja, um máximo de 5,5 mil milhões de euros de créditos não produtivos em 31 de dezembro de 2017, 4,6 mil milhões de euros em 31 de dezembro de 2018 e 3,7 mil milhões de euros em 31 de dezembro de 2019; e

–        ser aprovados pelo órgão de direção do banco.

136    Assim, contrariamente ao que sustentam os demandantes, a medida de intervenção precoce não exigiu que o banco concedesse créditos não produtivos, e ainda menos que o fizesse a preços definidos para um período determinado. Em conformidade com o artigo 69.° noviesdecies do Texto Bancário Consolidado, na medida de intervenção precoce, o BCE limitou‑se a solicitar ao banco que apresentasse um plano estratégico e um plano operacional para reduzir a proporção dos créditos não produtivos no seu balanço. Todavia, esses planos deviam ser preparados e aprovados pelo banco. Cabia‑lhe, nomeadamente, identificar e executar as medidas adequadas indicando, por exemplo, quais os créditos não produtivos que deviam ser cedidos, segundo que modalidades, a quem e a que preço.

137    Além disso, o artigo 69.° noviesdecies do Texto Bancário Consolidado não se opõe a que a medida de intervenção precoce indique objetivos mínimos e fixe prazos para a redução dos créditos não produtivos. Com efeito, esta disposição atribui expressamente ao BCE o poder de fixar um prazo para a execução do plano e a eliminação das causas que estão na origem da intervenção precoce.

138    Nestas circunstâncias, há que considerar que o artigo 69.° noviesdecies do Texto Bancário Consolidado prossegue um objetivo de interesse público sem ter por objeto conferir direitos aos particulares e que foi efetivamente para realizar esse objetivo que o BCE o aplicou no caso em apreço quando adotou a medida de intervenção precoce em causa na segunda alegação.

139    Por conseguinte, a segunda alegação deve ser julgada improcedente.

–       Quanto à terceira alegação, relativa ao cumprimento, num período determinado, dos requisitos impostos em matéria de fundos próprios

140    Na terceira alegação, os demandantes sustentam que o BCE violou, de forma suficientemente caracterizada, o artigo 16.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1024/2013, uma vez que, na medida de intervenção precoce, considerou que a violação pelo banco dos requisitos de fundos próprios se poderia ter materializado num horizonte temporal superior a doze meses após a adoção dessa medida.

141    Ora, segundo os demandantes, o artigo 16.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 1024/2013 limita o poder do BCE para adotar uma medida relativamente a uma instituição de crédito apenas aos casos em que o risco de infração, por essa instituição, da legislação aplicável ocorra, o mais tardar, nos doze meses seguintes à intervenção do BCE.

142    A este respeito, importa recordar que, como indicado nos n.os 82 e seguintes, supra, o artigo 16.° do Regulamento n.° 1024/2013 atribui poderes ao BCE em matéria de supervisão prudencial, prosseguindo um objetivo de interesse público sem conferir direitos aos particulares.

143    Assim, há que julgar improcedente a terceira alegação.

–       Quanto à quarta alegação, relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento

144    Na quarta alegação, os demandantes alegam que o BCE violou, de forma suficientemente caracterizada, o princípio da igualdade de tratamento ao impor ao banco, no âmbito da medida de intervenção precoce, medidas mais exigentes do que as adotadas em relação a outras instituições de crédito que, no entanto, se encontravam numa situação semelhante.

145    A este respeito, importa recordar que o princípio da igualdade de tratamento está consagrado nos artigos 20.° e 21.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e exige que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente ou que situações diferentes não sejam tratadas de maneira igual, a menos que esse tratamento seja objetivamente justificado (v. Acórdão de 7 de março de 2017, RPO, C‑390/15, EU:C:2017:174, n.° 41 e jurisprudência referida).

146    A este título, o princípio da igualdade de tratamento é suscetível, segundo a jurisprudência, de conferir direitos aos particulares (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de outubro de 2015, Accorinti e o./BCE, T‑79/13, EU:T:2015:756, n.° 87, e de 24 de janeiro de 2017, Nausicaa Anadyomène e Banque d’escompte/BCE, T‑749/15, não publicado, EU:T:2017:21, n.° 110).

147    Nestas circunstâncias, há que verificar se, ao adotar a medida de intervenção precoce, o BCE violou o princípio da igualdade de tratamento de forma grave e manifesta, além do amplo poder de apreciação que lhe é reconhecido.

148    A este respeito, importa salientar que, no exercício da sua atribuição prudencial, o BCE deve efetuar avaliações técnicas que tenham em conta um vasto leque de variáveis, nomeadamente os níveis de fundos próprios e de liquidez, os modelos económicos, o governo, os riscos, o impacto sistémico e os cenários macroeconómicos. Assim, a supervisão prudencial das instituições de crédito não se reduz a uma comparação quantitativa e mecânica de números isolados e extrapolados, mas exige uma decisão prudencial global sobre a situação da instituição de crédito que é acompanhada de um amplo poder de apreciação.

149    Na medida de intervenção, para comprovar a ocorrência de uma rápida deterioração do banco, o BCE não se limitou a declarar a violação dos requisitos patrimoniais ligadas ao nível dos créditos não produtivos, mas fez igualmente referência a vários elementos que demonstravam, em seu entender, a fragilidade dessa instituição: o risco de crédito (página 2, ponto 1.1.1), a baixa rentabilidade (página 2, ponto 1.1.1), as perdas sofridas nos anos anteriores [página 3, ponto 1.12 (i)], os resultados modestos a gerar receitas de exploração [página 3, ponto 1.1.2 (i)], a relação custo‑lucro muito elevada [página 4, ponto 1.1.2 (i)], as incertezas relativas às medidas de economia de custos [página 4, ponto 1.1.2 (iii)] e a fraqueza que caracteriza a situação de liquidez (página 7, ponto 2.4).

150    Segundo a jurisprudência, se sustentar que o princípio da igualdade de tratamento foi violado, cabe ao demandante identificar com precisão as situações comparáveis que considera terem sido tratadas de maneira diferente ou as situações diferentes que entende terem sido tratadas de forma idêntica (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2018, K. Chrysostomides & Co. e o./Conselho e o., T‑680/13, EU:T:2018:486, n.° 442 e jurisprudência referida).

151    Assim, os demandantes deveriam ter demonstrado, no caso em apreço, se era essa a sua intenção, à luz dos parâmetros indicados no n.° 149, supra, que outras instituições de crédito italianas que se encontravam numa situação comparável tinham sido tratadas de maneira diferente.

152    É certo que, nos seus articulados, os demandantes apresentaram um relatório que compara a quantidade de créditos não produtivos detidos pelo banco com os detidos por outras instituições de crédito italianas. Todavia, não relacionaram esta situação particular com as decisões tomadas pelo BCE a fim de estabelecer a existência de uma verdadeira diferença de tratamento entre o banco e outras instituições de crédito italianas.

153    Assim, há que julgar improcedente a quarta alegação.

–       Quanto à quinta alegação, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

154    Na quinta alegação, os demandantes alegam que o BCE violou, de forma suficientemente caracterizada, o princípio da proporcionalidade ao impor ao banco uma obrigação que causava à partida uma depreciação imediata dos empréstimos do banco e lhe provocava perdas consideráveis, quando eram possíveis medidas menos radicais.

155    A este respeito, importa salientar que, enquanto princípio geral de direito, o princípio da proporcionalidade está consagrado no artigo 5.°, n.° 4, TUE e é suscetível, segundo a jurisprudência, de conferir direitos aos particulares (Acórdãos de 6 de dezembro de 2001, Emesa Sugar/Conselho, T‑43/98, EU:T:2001:279, n.° 64, e de 29 de novembro de 2016, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, T‑279/11, não publicado, EU:T:2016:683, n.° 58).

156    Assim, os particulares têm a possibilidade de desencadear a responsabilidade extracontratual da União ao demonstrarem que o BCE lhes causou um prejuízo quando atuou de modo contrário ao princípio da proporcionalidade, se demonstrarem que esse princípio foi violado pela instituição de forma grave e manifesta.

157    Segundo a jurisprudência, o princípio da proporcionalidade exige que os atos das instituições da União sejam suscetíveis de realizar os objetivos legitimamente prosseguidos pela regulamentação em causa e não vão além do necessário à realização desses objetivos, sendo que, quando exista uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, não devendo os inconvenientes causados ser desmedidos relativamente aos objetivos prosseguidos (Acórdão de 8 de julho de 2020, VQ/BCE, T‑203/18, EU:T:2020:313, n.° 61; v., igualmente, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, ABLV Bank/CUR, T‑758/18, EU:T:2021:28, n.° 142 e jurisprudência referida).

158    Quando lhe seja submetido um pedido de fiscalização do respeito do princípio da proporcionalidade, o juiz deve respeitar a margem de apreciação reconhecida às instituições da União (Acórdão de 16 de maio de 2017, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑122/15, EU:T:2017:337, n.° 68).

159    A este respeito, importa recordar que, como indicado no n.° 45, supra, o BCE goza de uma ampla margem de apreciação no exercício das suas atribuições de supervisão prudencial.

160    Segundo os termos utilizados para justificar a adoção da medida de intervenção precoce, o BCE analisou da seguinte forma a proporcionalidade da obrigação que tencionava adotar relativamente aos empréstimos que figuravam no património do banco sem apresentar o caráter produtivo que considerava necessário para que fossem respeitados os requisitos de fundo próprios decorrentes da regulamentação da União.

161    No início da sua análise, o BCE avaliou como provável o risco de uma violação, por parte do banco, dos requisitos patrimoniais associados à detenção de créditos não produtivos (ponto 1.1.1 da medida de intervenção precoce).

162    Em seguida, tomou nota da inadequação do plano estratégico apresentado pelo banco, em 14 de junho de 2016, para cumprir os objetivos que tinha formulado em termos de redução do rácio custo‑lucro e de redução dos créditos não produtivos (ponto 1.1.5 da medida de intervenção precoce).

163    Além disso, salientou que o banco sofreu uma grave deterioração da sua situação financeira, com um aumento significativo do risco de crédito no período de 2013‑2016 e uma baixa significativa em termos de liquidez disponível (pontos 2.3 e 2.4 da medida de intervenção precoce).

164    Com este fundamento, o BCE concluiu que a medida que consistia em solicitar ao banco que apresentasse um plano estratégico e um plano operacional para a redução dos créditos não produtivos era:

–        proporcionada à situação do banco;

–        adequada a melhorar a situação prudencial da entidade supervisionada, uma vez que o elevado nível dos créditos não produtivos era um dos principais fatores de risco a que o banco estava exposto;

–        indispensável para atingir o objetivo pretendido, ou seja, a recuperação da situação patrimonial do banco, não lhe parecendo poder ser executada qualquer outra medida para atingir o resultado pretendido (ponto 1.1.5 da medida de intervenção precoce).

165    Com base nesta análise, o BCE podia considerar, tendo em conta o risco que impende sobre o banco, que era adequado e necessário adotar a medida de intervenção precoce, não existindo soluções alternativas que permitissem pôr termo, de forma satisfatória, às dificuldades que o banco então atravessava.

166    Tendo em conta as considerações precedentes, deve entender‑se que os demandantes não evidenciaram elementos que permitam considerar que, ao adotar a medida de intervenção precoce, o BCE violou de forma grave e manifesta o princípio da proporcionalidade.

167    A quinta alegação deve, portanto, ser julgada improcedente e, com ela, toda a argumentação relativa à quinta ilegalidade da atuação imputada ao BCE.

–       Quanto à sexta alegação, relativa à exceção de ilegalidade arguida pelos demandantes relativamente à medida de intervenção precoce

168    Os demandantes pedem ao Tribunal Geral que, com base no artigo 277.° TFUE, declare, a título incidental, a inaplicabilidade da medida de intervenção precoce devido à sua ilegalidade pelos fundamentos indicados nos n.os 119 a 167, supra.

169    A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 277.° TFUE, qualquer parte pode, em caso de litígio que ponha em causa um ato de alcance geral adotado por uma instituição, um órgão ou um organismo da União, recorrer aos meios previstos no segundo parágrafo do artigo 263.°, para arguir, no Tribunal de Justiça da União Europeia, a inaplicabilidade desse ato, mesmo depois de decorrido o prazo previsto no sexto parágrafo do artigo 263.° TFUE.

170    Segundo a jurisprudência, a exceção de ilegalidade aplica‑se apenas, sob pena de inadmissibilidade, aos atos de alcance geral (Acórdão de 26 de outubro de 1993, Reinarz/Comissão, T‑6/92 e T‑52/92, EU:T:1993:89, n.° 56).

171    Um ato tem alcance geral, na aceção do artigo 277.° TFUE, se se aplicar a situações determinadas objetivamente e se produzir os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas visadas de forma abstrata (Acórdãos de 28 de fevereiro de 2018, Paulini/BCE, T‑764/16, não publicado, EU:T:2018:101, n.° 32, e de 5 de maio de 2021, Pharmaceutical Works Polpharma/EMA, T‑611/18, EU:T:2021:241, n.° 90).

172    Não é o que sucede no caso em apreço, uma vez que a medida de intervenção precoce foi especificamente dirigida pelo BCE ao banco, impondo‑lhe, tendo em conta as dificuldades patrimoniais a que estava exposto, que apresentasse um plano estratégico e um plano operacional para a redução da concessão de créditos não produtivos.

173    Daqui resulta que a medida de intervenção precoce não constitui um ato de alcance geral, na aceção da jurisprudência referida no n.° 171, supra.

174    Assim, há que julgar inadmissível a exceção de ilegalidade.

 Quanto à sexta ilegalidade, relativa ao facto de, na decisão referente aos fundos próprios, o BCE ter imposto ao banco um prazo demasiado curto para lhe permitir cumprir os requisitos que lhe eram impostos em matéria de fundos próprios

175    Quanto à sexta ilegalidade da atuação imputada ao BCE, os demandantes alegam que, na decisão relativa aos fundos próprios, este impôs ao banco um prazo demasiado curto para lhe permitir cumprir os requisitos que lhe eram impostos em matéria de fundos próprios. Mais precisamente, na opinião dos demandantes, não era razoável pedir ao banco que cumprisse estes requisitos até 31 de dezembro de 2018, ou seja, apenas 19 dias úteis após a data fixada pelo BCE para a apresentação e a aprovação, pelo conselho de administração do banco, de um plano para a conservação dos fundos próprios.

176    O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

177    A este respeito, há que recordar que a avaliação feita pelo BCE das medidas a tomar para pôr termo a uma situação problemática faz parte da apreciação a efetuar ao abrigo do princípio da proporcionalidade. No que respeita à quinta ilegalidade da atuação imputada ao BCE, este último foi examinado em relação à medida de intervenção precoce (quinta alegação). Agora, é invocado, no que respeita à sexta ilegalidade da atuação imputada ao BCE, a propósito da decisão relativa aos fundos próprios, que é igualmente posta em causa por violação do princípio da proporcionalidade.

178    Como foi referido nos n.os 155 e 156, supra, segundo a jurisprudência, o princípio da proporcionalidade é suscetível de conferir direitos aos particulares. Com efeito, este princípio dá‑lhes a possibilidade de desencadearem a responsabilidade extracontratual da União ao demonstrarem que o BCE lhes causou um prejuízo quando atuou de modo contrário ao princípio da proporcionalidade, se demonstrarem que este princípio foi violado de forma grave e manifesta pela instituição.

179    No caso em apreço, importa verificar se, ao adotar a decisão relativa aos fundos próprios, o BCE respeitou o princípio da proporcionalidade.

180    A este respeito, há que considerar que o BCE avaliou de forma precisa, no texto da decisão relativa aos fundos próprios, a sua proporcionalidade.

181    Antes de mais, salientou que, em 2018, o banco tinha falhado três vezes (nos meses de março, maio e junho) na sua tentativa de emissão no mercado dos fundos próprios e que esses fracassos tinham conduzido a algumas demissões no conselho de administração, entre as quais a de V. Malacalza, o que tinha tornado necessária a nomeação de um novo conselho de administração. Segundo o BCE, o banco apresentava, assim, perfis de risco e de incerteza no que respeita à sua solidez patrimonial e ao seu governo (ponto 1.1 da Decisão relativa aos fundos próprios).

182    Em seguida, o BCE alegou que o plano para a conservação dos fundos próprios apresentado pelo banco, em 22 de junho de 2018, não permitia cumprir o requisito global de fundos próprios num prazo adequado, dado que a viabilidade, o calendário e a eficácia das medidas propostas dependiam muito das condições do mercado e do interesse dos investidores, que, aquele momento, não eram favoráveis ao banco (ponto 2.1.1 da Decisão relativa aos fundos próprios).

183    Por último, o BCE considerou que, mesmo admitindo que as medidas previstas pelo banco, no plano para a conservação dos fundos próprios de 22 de junho de 2018, fossem executadas, não teriam constituído uma base credível para garantir, de forma duradoura, o cumprimento dos requisitos relativos aos fundos próprios (ponto 2.1.2 da Decisão relativa aos fundos próprios).

184    Com base nesta análise, o BCE, tendo em conta o risco real de o banco não conseguir restaurar imediatamente os seus fundos próprios, considerou que era adequado e necessário solicitar‑lhe que apresentasse e mandasse aprovar pelo seu conselho de administração, o mais tardar até 30 de novembro de 2018, um novo plano destinado a restabelecer e a garantir de forma duradoura o cumprimento dos requisitos patrimoniais até 31 de dezembro de 2018. Segundo o BCE, esta decisão era a única que permitia alcançar o objetivo pretendido, a saber, a recuperação da situação patrimonial do banco (ponto 2.1.2 da Decisão relativa aos fundos próprios).

185    Tendo em conta as considerações precedentes, há que considerar que os demandantes não puseram em destaque elementos que permitam considerar que, ao adotar a Decisão relativa aos fundos próprios, o BCE violou de forma suficientemente caracterizada o princípio da proporcionalidade.

186    A argumentação dos demandantes, relativa à sexta ilegalidade da atuação imputada ao BCE, deve, portanto, ser rejeitada.

 Quanto à sétima ilegalidade, relativa ao facto de o BCE ter violado, de forma suficientemente caracterizada, o princípio da proteção da confiança legítima pelas garantias dadas aos acionistas sobre a situação do banco

187    Quanto à sétima ilegalidade, os demandantes apresentam três alegações que se referem à pretensa violação suficientemente caracterizada pelo BCE do princípio da proteção da confiança legítima.

188    As três alegações são contestadas pelo BCE com o apoio da Comissão.

189    A título preliminar, deve recordar‑se que, segundo a jurisprudência, o princípio da proteção da confiança legítima é um princípio geral do direito da União que tem por objeto conferir direitos aos particulares (Acórdãos de 19 de maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão, C‑104/89 e C‑37/90, EU:C:1992:217, n.° 15, e de 6 de dezembro de 2001, Emesa Sugar/Conselho, T‑43/98, EU:T:2001:279, n.° 64).

190    Segundo a jurisprudência, a possibilidade de invocar o princípio da proteção da confiança legítima está sujeita a três requisitos cumulativos. A Administração da União Garantias deve ter fornecido ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis. Essas garantias devem ser de molde a criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem essas garantias se dirigem. As garantias devem ser conformes com as normas aplicáveis (Acórdãos de 7 de outubro de 2015, Accorinti e o./BCE, T‑79/13, EU:T:2015:756, n.° 75, e de 24 de janeiro de 2017, Nausicaa Anadyomène e Banque d’escompte/BCE, T‑749/15, não publicado, EU:T:2017:21, n.° 81).

191    A jurisprudência precisa igualmente que a possibilidade de invocar o princípio de proteção da confiança legítima é reconhecida a qualquer operador económico junto do qual uma autoridade nacional tenha suscitado esperanças fundadas. Todavia, quando um operador económico prudente e avisado esteja em condições de prever a adoção de uma medida suscetível de afetar os seus interesses, não pode invocar o benefício de tal princípio quando essa medida for adotada. Além disso, os operadores económicos não podem alegar que tinham confiança legítima na manutenção de uma situação existente, a qual pode ser alterada no âmbito do poder discricionário das autoridades (v. Acórdão de 22 de setembro de 2022, Admiral Gaming Network e o. (C‑475/20 a C‑482/20, EU:C:2022:714, n.° 62 e jurisprudência referida).

192    É neste contexto que devem ser apreciadas as três alegações formuladas pelos demandantes.

–       Quanto à primeira alegação, relativa à falta de intervenção do BCE relativamente às declarações enganosas formuladas por administradores do banco

193    Na primeira alegação, os demandantes sustentam que o BCE violou, de forma suficientemente caracterizada, o princípio da proteção da confiança legítima ao não intervir para retificar declarações enganosas que foram formuladas por administradores a propósito da solidez financeira do banco.

194    A este respeito, importa recordar que esta atuação atribuída ao BCE foi igualmente criticada no âmbito da argumentação relativa à primeira ilegalidade, na qual os demandantes sustentaram, em vão, que esta instituição devia ter intervindo, nos termos do direito italiano, para corrigir as declarações enganosas formuladas por administradores do banco (n.os 59 e seguintes, supra).

195    Quanto à sétima ilegalidade da atuação imputada ao BCE, a mesma atuação é posta em causa à luz do princípio da proteção da confiança legítima, sustentando os demandantes que a falta de intervenção retificativa por parte do BCE lhes criou uma expectativa legítima quanto à solidez financeira do banco.

196    Não contestando a possibilidade de os demandantes terem podido esperar que a situação do banco melhorasse, importa salientar, em primeiro lugar, que a não intervenção do BCE na correção de declarações alegadamente enganosas não pode ser considerada como a prestação pelo BCE de garantias quanto à sua atuação futura em relação ao banco e, em segundo lugar e em todo o caso, no que respeita à forma, essa não intervenção não cumpre manifestamente o requisito segundo a qual as garantias devem ser precisas, incondicionais e concordantes para poderem suscitar uma confiança legítima, como recordado no n.° 190, supra.

197    A primeira alegação deve, portanto, ser rejeitada.

–       Quanto à segunda alegação, relativa às apreciações positivas formuladas pelo BCE a propósito dos aumentos de capital realizados pelo banco antes de 2019

198    Na segunda alegação, os demandantes sustentam que o BCE violou, de forma suficientemente caracterizada, o princípio da proteção da confiança legítima ao formular apreciações positivas a propósito dos aumentos de capital realizados pelo banco antes de 2019.

199    A este respeito, há que salientar que, nos seus articulados, os demandantes se referiram de forma genérica aos aumentos de capital efetuados pelo banco em 2015, 2016, 2017 e 2018, sem identificarem com precisão os que eram especificamente afetados pela alegação.

200    Além disso, os demandantes não apresentaram nenhum elemento que permita considerar que tinham sido formuladas pelo BCE apreciações positivas a propósito dos aumentos de capital realizados pelo banco antes de 2019 e que essas apreciações cumpriam os requisitos referidos no n.° 190, supra, para poderem legitimamente criar no seu espírito uma expectativa determinada quanto à atuação que adotaria.

201    Ora, para que uma alegação seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente mas de um modo coerente e compreensível, dos articulados do próprio demandante. Tais indicações são indispensáveis para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal Geral pronunciar‑se sobre a argumentação apresentada (v., neste sentido, Acórdão de 6 de outubro de 2015, Corporación Empresarial de Materiales de Construcción/Comissão, T‑250/12, EU:T:2015:749, n.° 101 e jurisprudência referida).

202    A segunda alegação deve, portanto, ser julgada inadmissível.

–       Quanto à terceira alegação, relativa às garantias dadas pelo BCE sobre a solidez do banco

203    Na terceira alegação, os demandantes sustentam que o BCE violou, de forma suficientemente caracterizada, o princípio da proteção da confiança legítima ao fornecer aos acionistas do banco, quanto à solidez deste último, garantias que os levaram a efetuar investimentos significativos.

204    A este respeito, há que salientar que os demandantes não apresentaram, em apoio da sua pretensão, nenhum elemento que permita identificar as garantias dadas pelo BCE quanto à solidez financeira do banco, nem as circunstâncias em que essas garantias foram fornecidas.

205    Ora, em conformidade com a jurisprudência referida no n.° 201, supra, para que uma alegação seja admissível é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente mas de um modo coerente e compreensível, dos articulados da própria parte.

206    Nestas circunstâncias, a terceira alegação deve, portanto, ser julgada inadmissível.

207     Tendo todas as alegações sido rejeitadas, há que rejeitar na sua totalidade a argumentação relativa à sétima ilegalidade.

 Quanto à oitava ilegalidade, relativa ao facto de o BCE ter violado, de forma suficientemente caracterizada, o direito de propriedade dos acionistas ao provocar, através dos seus atos e omissões, uma redução significativa do valor das suas participações no banco

208    Quanto à oitava ilegalidade da atuação imputada ao BCE, os demandantes alegam que este violou o seu direito de propriedade ao provocar, através dos seus atos e omissões, uma redução significativa do valor das suas participações no banco.

209    O BCE, apoiado pela Comissão, contesta esta argumentação.

210    A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 17.°, n.° 1, da Carta, todas as pessoas têm o direito de fruir da propriedade dos seus bens legalmente adquiridos, de os utilizar, de dispor deles e de os transmitir em vida ou por morte. Ninguém pode ser privado da sua propriedade, exceto por razões de utilidade pública, nos casos e condições previstos por lei e mediante justa indemnização pela respetiva perda, em tempo útil. A utilização dos bens pode ser regulamentada por lei na medida do necessário ao interesse geral.

211    A jurisprudência considera que o direito de propriedade, tal como enunciado no artigo 17.°, n.° 1, da Carta, constitui uma norma jurídica que confere direitos aos particulares (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de setembro de 2016, Ledra Advertising e o./Comissão e BCE, C‑8/15 P a C‑10/15 P, EU:C:2016:701, n.° 66, e de 23 de maio de 2019, Steinhoff e o./BCE, T‑107/17, EU:T:2019:353, n.° 96).

212    Assim, importa examinar se o direito de propriedade dos demandantes foi violado pelo BCE de forma grave e manifesta.

213    A este respeito, há que recordar que, segundo a jurisprudência referida no n.° 201, supra, para que uma ação seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente mas de forma coerente e compreensível, dos articulados apresentados pelos demandantes.

214    Ora, no caso em apreço, os demandantes referiram que o valor das suas participações tinha diminuído e imputaram essa evolução às decisões adotadas pelo banco na sequência das medidas tomadas pelo BCE, sem no entanto demonstrarem que essas medidas tinham causado esse resultado e sem terem apresentado uma análise que permitisse considerar que este resultado não tinha sido causado, direta ou indiretamente, parcial ou totalmente, por outros factos ou por outras circunstâncias.

215    Nestas circunstâncias, a argumentação relativa à oitava ilegalidade da atuação imputada ao BCE deve ser julgada inadmissível.

216    Tendo em conta as considerações precedentes, há que concluir que nenhuma das ilegalidades da atuação imputada ao BCE, invocadas pelos demandantes, é suscetível de desencadear a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.°, terceiro parágrafo, TFUE.

217    Por este motivo, há que julgar a ação improcedente, não sendo necessário apreciar se estão preenchidos os demais requisitos cuja observância é exigida pela jurisprudência para que possa ser desencadeada a responsabilidade de uma instituição da União, a saber, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento alegado e o dano invocado, nem pronunciar‑se sobre as medidas de instrução pedidas pelos demandantes.

 Quanto às despesas

218    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

219    Tendo os demandantes sido vencidos, há que condená‑los nas despesas nos termos dos pedidos do BCE e da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção)

decide:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A Malacalza Investimenti Srl e Vittorio Malacalza são condenados nas despesas.

Porchia

Jaeger

Madise

Nihoul

 

      Verschuur

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de junho de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.