Language of document : ECLI:EU:C:2024:529

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

20 de junho de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores — Organização do tempo de trabalho — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 9.o, n.o 1, alínea a) — Obrigação de avaliação do estado de saúde dos trabalhadores noturnos — Violação desta obrigação pela entidade patronal — Direito a indemnização — Necessidade de demonstrar a existência de um prejuízo específico»

No processo C‑367/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por Decisão de 7 de junho de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 9 de junho de 2023, no processo

EA

contra

Artemis security SAS,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Prechal (relatora), presidente de secção, F. Biltgen, N. Wahl, J. Passer e M. L. Arastey Sahún, juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de EA, por L. Boré e G. Mégret, avocats,

–        em representação da Artemis security SAS, por J.‑J. Gatineau, avocat,

–        em representação do Governo Francês, por M. de Lisi, B. Fodda e M. Raux, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo Italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por M. F. Severi, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por F. Clotuche‑Duvieusart e D. Recchia, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe EA à Artemis security SAS (a seguir «Artemis»), a respeito de um pedido de EA destinado a obter uma indemnização pela violação, pela Artemis, de obrigações que incumbem à entidade patronal em matéria de avaliação do estado de saúde dos trabalhadores noturnos.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos dos considerandos 5 e 7 a 10 da Diretiva 2003/88:

«(5)      Todos os trabalhadores devem beneficiar de períodos de descanso suficientes. […] Os trabalhadores da Comunidade devem beneficiar de períodos mínimos de descanso — diários, semanais e anuais — e de períodos de pausa adequados. Assim sendo, é conveniente prever igualmente um limite máximo para o horário de trabalho semanal.

[…]

(7)      Os estudos efetuados demonstraram que, durante a noite, o organismo humano é mais sensível às perturbações ambientais e a certas formas penosas de organização do trabalho e que a prestação de longos períodos de trabalho noturno é prejudicial para a saúde dos trabalhadores e pode ameaçar a sua segurança no trabalho.

(8)      Deve‑se limitar a duração do trabalho noturno, incluindo as horas extraordinárias, e prever que, quando recorra regularmente ao trabalho noturno, a entidade patronal deve informar do facto as autoridades competentes, a pedido destas.

(9)      Importa que os trabalhadores noturnos beneficiem de um exame gratuito destinado a avaliar o seu estado de saúde antes da respetiva colocação e, em seguida, a intervalos regulares, e que, se sofrerem de problemas de saúde, sejam transferidos, na medida do possível, para um trabalho diurno que estejam aptos a desempenhar.

(10)      A situação dos trabalhadores noturnos e dos trabalhadores por turnos exige que o nível de proteção de que gozam em matéria de segurança e de saúde seja compatível com a natureza das suas tarefas e que os serviços e meios de proteção e de prevenção estejam organizados e funcionem de forma eficaz.»

4        O artigo 6.o desta diretiva, com a epígrafe «Duração máxima do trabalho semanal», dispõe:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que, em função dos imperativos de proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores:

[…]

b)      A duração média do trabalho em cada período de sete dias não exceda 48 horas, incluindo as horas extraordinárias […]»

5        O artigo 8.o da referida diretiva, com a epígrafe «Duração do trabalho noturno», enuncia:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que:

a)      O tempo de trabalho normal dos trabalhadores noturnos não ultrapasse oito horas, em média, por cada período de 24 horas;

b)      Os trabalhadores noturnos cuj[o] trabalho implique riscos especiais ou uma tensão física ou mental significativa não trabalhem mais de oito horas num período de 24 horas durante o qual executem trabalho noturno.

Para efeitos da alínea b), o trabalho que implique riscos especiais ou uma tensão física ou mental significativa deve ser definido pelas legislações e/ou práticas nacionais ou por convenções coletivas ou acordos celebrados entre parceiros sociais, atendendo aos efeitos e riscos inerentes ao trabalho noturno.»

6        O artigo 9.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Avaliação do estado de saúde e transferência dos trabalhadores noturnos para um trabalho diurno», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que:

a)      Os trabalhadores noturnos, antes da sua colocação e, seguidamente, a intervalos regulares, beneficiem de um exame gratuito destinado a avaliar o seu estado de saúde;

b)      Os trabalhadores noturnos que sofram de problemas de saúde que sejam reconhecidos como estando relacionados com o facto de esses trabalhadores executarem um trabalho noturno, sejam transferidos, sempre que possível, para um trabalho diurno que estejam aptos a desempenhar.»

 Direito francês

7        O artigo L. 3122‑11 do code du travail (Código do Trabalho) dispõe:

«Todos os trabalhadores noturnos beneficiam de um acompanhamento individual regular do seu estado de saúde, nas condições previstas no artigo L. 4624‑1.»

8        O artigo L. 4624‑1 deste código prevê:

«Todos os trabalhadores beneficiam, a título de vigilância do estado de saúde dos trabalhadores […] de um acompanhamento individual do seu estado de saúde assegurado pelo médico do trabalho e, sob a autoridade deste, pelo médico assistente […], pelo médico estagiário em medicina do trabalho e pelo enfermeiro.

[…]

Todos os trabalhadores noturnos beneficiam de um acompanhamento individual regular do seu estado de saúde. A periodicidade deste acompanhamento é fixada pelo médico do trabalho em função das particularidades do posto ocupado e das características do trabalhador, segundo modalidades determinadas por decreto do Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França).»

9        O artigo R. 3122‑11 do referido código dispõe:

«O acompanhamento do estado de saúde dos trabalhadores noturnos tem, nomeadamente, por objeto permitir ao médico do trabalho apreciar as eventuais consequências do trabalho noturno para a sua saúde e segurança, nomeadamente, devido às alterações dos ritmos cronobiológicos, e apreender as potenciais repercussões na sua vida social.»

10      Nos termos do artigo L. 4624‑11 do code du travail (Código do Trabalho):

«A visita de informação e de prevenção de que beneficia o trabalhador é individual. Esta tem, nomeadamente, por objeto:

1.o      questionar o trabalhador assalariado sobre o seu estado de saúde;

2.o      informá‑lo sobre os eventuais riscos a que o seu posto de trabalho o expõe;

3.o      sensibilizá‑lo sobre os meios de prevenção a aplicar;

4.o      identificar se o seu estado de saúde ou se os riscos a que está exposto exigem um encaminhamento para o médico do trabalho;

5.o      informá‑lo acerca das modalidades de acompanhamento do seu estado de saúde pelo serviço e sobre a possibilidade de que dispõe, a qualquer momento, de beneficiar de uma consulta, a seu pedido, com o médico do trabalho.»

11      O artigo L. 4624‑18 deste código enuncia:

«Todos os trabalhadores noturnos […] devem beneficiar de uma visita de informação e de prevenção realizada por um profissional de saúde referido no primeiro parágrafo do artigo L. 4624‑1 antes da sua colocação no posto de trabalho.»

12      O artigo R. 3124‑15 do referido código prevê:

«O incumprimento das disposições relativas ao trabalho noturno previstas pelos artigos L. 3122‑1 a L. 3122‑24 […], bem como das disposições dos decretos adotados para a respetiva aplicação, é punível com a coima prevista para as contraordenações de quinto grau, pronunciada tantas vezes quantos os trabalhadores assalariados afetados pela infração.

A reincidência é punível em conformidade com os artigos 132‑11 e 132‑15 do code pénal (Código Penal).»

13      O artigo R. 4745‑3 do mesmo código dispõe:

«O incumprimento das disposições relativas à ação do médico do trabalho previstas no artigo L. 4624‑1 e das disposições dos decretos adotados para a respetiva aplicação é punível com a coima prevista para as contraordenações de quinto grau.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

14      Em 1 de abril de 2017, EA foi contratado pela Artemis na qualidade de agente de serviço de segurança contra incêndios e de assistência pessoal.

15      Por petição inicial de 25 de abril de 2019, EA intentou uma ação no conseil de prud’hommes de Compiène (Tribunal do Trabalho de Compiègne, França) com vista a obter a rescisão judicial do seu contrato de trabalho e a condenação da Artemis a pagar‑lhe uma indemnização. Em apoio destes pedidos, EA invocou, por um lado, a circunstância de o seu contrato de trabalho ter sido unilateralmente alterado pela Artemis devido à sua transferência de um posto de trabalho diurno para um posto de trabalho noturno e, por outro, a circunstância de não ter beneficiado do acompanhamento médico reforçado aplicável em caso de trabalho noturno.

16      Em 1 de julho de 2019, EA foi despedido.

17      Por Sentença de 4 de dezembro de 2019, o conseil de prud’hommes de Compiègne (Tribunal do Trabalho de Compiègne), julgou nomeadamente improcedente o pedido de indemnização de EA. Chamada a conhecer de um recurso interposto dessa sentença, a cour d’appel d’Amiens (Tribunal de Recurso de Amiens, França), por Acórdão de 2 de setembro de 2021, confirmou a referida sentença quanto a este ponto do dispositivo, com o fundamento de que EA não tinha demonstrado a efetividade e o teor do prejuízo que alegou ter sofrido devido à falta de acompanhamento médico reforçado exigido em caso de trabalho noturno.

18      Em apoio do recurso que interpôs desse acórdão na Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), EA alega que a simples constatação do incumprimento das disposições de proteção relativas ao acompanhamento médico reforçado em caso de trabalho noturno confere um direito a indemnização ao trabalhador em causa e que, ao ter julgado improcedente o seu pedido de indemnização, a cour d’appel d’Amiens (Tribunal de Recurso de Amiens) violou, nomeadamente, o artigo L. 3122‑11 do code du travail (Código do Trabalho), lido em conjugação com o artigo 9.o da Diretiva 2003/88.

19      A Cour de cassation (Tribunal de Cassação), que é o órgão jurisdicional de reenvio, indica que, segundo jurisprudência constante, a existência de um prejuízo e a sua avaliação são, em princípio, matérias da competência dos tribunais que conhecem do mérito. No entanto, considerou recentemente que, tendo em conta os ensinamentos decorrentes, em seu entender, do Acórdão de 14 de outubro de 2010, Fuß (C‑243/09, EU:C:2010:609), a simples constatação de que a duração média máxima do trabalho semanal prevista no artigo 6.o, alínea b), da Diretiva 2003/88 foi excedida confere ao trabalhador um direito a indemnização, e isto com base, por um lado, no efeito direto associado a esta disposição do direito da União e, por outro, na circunstância de esse excesso prejudicar ipso facto a saúde do trabalhador.

20      Ora, o órgão jurisdicional interroga‑se sobre a questão de saber se uma abordagem semelhante deve prevalecer em caso de violação do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88. A este respeito, o referido órgão jurisdicional salienta, nomeadamente, que a redação desta disposição, lida à luz dos considerandos 9 e 10 desta diretiva, se afigura menos clara que a redação do artigo 6.o, alínea b), da referida diretiva.

21      Nestas condições, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) considera, em primeiro lugar, que é necessário questionar o Tribunal de Justiça sobre se deve ser reconhecido efeito direto ao artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88. Com efeito, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, em caso de resposta afirmativa do Tribunal de Justiça, pode, tendo em conta a inexistência de efeito direto horizontal das diretivas, ver‑se confrontado com a impossibilidade de interpretar os artigos L. 3122‑11, L. 4624‑1 e R 4624‑18 do code du travail (Código do Trabalho) em conformidade com a Diretiva 2003/88, considerando a natureza contra legem que tal interpretação poderia revestir.

22      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio considera necessário obter esclarecimentos do Tribunal de Justiça sobre se o simples incumprimento, pela entidade patronal, das medidas nacionais destinadas a assegurar o exame médico dos trabalhadores noturnos previsto no artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88 confere, enquanto tal, um direito a indemnização, sem que seja necessário demonstrar a existência de um prejuízo específico sofrido pelo trabalhador em causa em resultado desse incumprimento.

23      Foi neste contexto que a Cour de Cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2003/88] preenche os requisitos para produzir efeito direto e ser invocado por um trabalhador num litígio que lhe diga respeito?

2)      Deve o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva [2003/88] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação ou a práticas nacionais nos termos das quais, em caso de incumprimento das disposições adotadas para implementar as medidas necessárias para proceder à avaliação gratuita do estado de saúde do trabalhador, o direito do trabalhador a uma indemnização está subordinado à prova do prejuízo resultante desse incumprimento?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à segunda questão

24      Com a sua segunda questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional ao abrigo da qual, em caso de violação pela entidade patronal das disposições nacionais que implementam esta disposição do direito da União e que preveem que os trabalhadores noturnos beneficiam de um exame gratuito destinado a avaliar o seu estado de saúde antes da respetiva colocação e, em seguida, em intervalos regulares, o direito do trabalhador noturno em causa de obter uma indemnização devido a essa violação está sujeito à condição de este fazer prova do prejuízo daí resultante que sofreu.

25      A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, essas modalidades não sejam, nas situações abrangidas pelo direito da União, menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes submetidas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) [v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2023, Österreichische Post (Dano imaterial ligado ao tratamento de dados pessoais), C‑300/21, EU:C:2023:370, n.o 53 e jurisprudência referida].

26      Ora, como o Tribunal de Justiça já salientou, a Diretiva 2003/88 não comporta nenhuma disposição no que diz respeito às sanções aplicáveis em caso de violação das prescrições mínimas que estabelece nem nenhuma regra particular relativamente à reparação do dano eventualmente sofrido pelos trabalhadores em razão de tal violação (Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß, C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 44).

27      Por conseguinte, na falta de disposições do direito da União que tenham por objeto definir as regras relativas à eventual indemnização a que tem direito um trabalhador afeto a um posto de trabalho noturno, em caso de violação, pela sua entidade patronal, das regras nacionais relativas ao exame médico previsto no caso dessa colocação que visam implementar o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88, cabe à ordem jurídica de cada Estado‑Membro fixar as modalidades das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes por essa disposição, e, em particular, as condições em que esse trabalhador pode obter, a cargo desse empregador, uma indemnização em razão da referida violação, sem prejuízo do respeito dos princípios da equivalência e da efetividade [v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2023, Österreichische Post (Dano imaterial ligado ao tratamento de dados pessoais), C‑300/21, EU:C:2023:370, n.o 54 e jurisprudência referida].

28      Quanto ao princípio da equivalência, o Tribunal de Justiça não dispõe, no presente processo, de nenhum elemento que permita suscitar dúvidas quanto à conformidade da legislação em causa no processo principal com este princípio, uma vez que esta legislação subordina o direito a uma eventual indemnização do trabalhador noturno à obrigação de este último demonstrar a efetividade do prejuízo sofrido devido a uma violação das disposições nacionais que transpuseram o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88.

29      No respeitante ao princípio da efetividade, cabe, em última análise, ao órgão jurisdicional de reenvio, único competente para apreciar os factos do processo, determinar se as modalidades previstas no direito interno, para o eventual reconhecimento desse direito a indemnização, em particular, a disposição nacional relativa à prova do prejuízo sofrido mencionada no número anterior, não tornam impossível na prática ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88 [v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2023, Österreichische Post (Dano imaterial ligado ao tratamento de dados pessoais), C‑300/21, EU:C:2023:370, n.o 56].

30      Com efeito, importa recordar que o artigo 267.o TFUE não habilita o Tribunal de Justiça a aplicar as regras do direito da União a uma determinada situação, mas apenas a pronunciar‑se sobre a interpretação dos Tratados e dos atos adotados pelas instituições da União Europeia. No entanto, em conformidade com jurisprudência constante, o Tribunal de Justiça pode, no âmbito da cooperação judiciária estabelecida por este artigo 267.o TFUE, a partir dos elementos dos autos, fornecer ao órgão jurisdicional nacional, os elementos de interpretação do direito da União que lhe possam ser úteis para a apreciação dos efeitos de uma determinada disposição deste direito (v., neste sentido, Acórdão de 11 de maio de 2023, Inspecţia Judiciară, C‑817/21, EU:C:2023:391, n.o 58 e jurisprudência referida).

31      No caso vertente, importa, antes de mais, salientar que, em caso de violação, para uma entidade patronal, das obrigações de avaliação do estado de saúde dos trabalhadores noturnos previstas no artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88, as quais, como resulta das disposições do code du travail (Código do Trabalho) reproduzidas nos n.os 7 a 10 do presente acórdão, foram transpostas para o direito interno, o trabalhador em causa deve poder exigir à referida entidade patronal que cumpra as referidas obrigações, dirigindo‑se, se for caso disso, à autoridade nacional competente em matéria de fiscalização do cumprimento das referidas obrigações ou, se necessário, requerendo a sua correta execução nos órgãos jurisdicionais competentes, em conformidade com os requisitos decorrentes do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O exercício do direito a uma proteção jurisdicional efetiva garantido por esta última disposição a qualquer pessoa cujos direitos garantidos pelo direito da União tenham sido violados é, assim, suscetível de contribuir para assegurar a efetividade do direito à avaliação do seu estado de saúde de que beneficia um trabalhador noturno nos termos do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88.

32      Em seguida, contribui igualmente para assegurar essa efetividade o facto de um trabalhador noturno poder, em caso de violação das obrigações previstas no artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88 pelo empregador, obter uma indemnização adequada, no sentido de que deve permitir compensar integralmente o prejuízo efetivamente sofrido devido às referidas violações [v., neste sentido, Acórdãos de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.o 95), e de 14 de setembro de 2023, TGSS (Recusa de complemento de maternidade), C‑113/22, EU:C:2023:665, n.o 50 e jurisprudência referida].

33      Com efeito, o direito do trabalhador a pedir a indemnização de um prejuízo reforça, nomeadamente, o caráter operacional das regras de proteção previstas neste artigo 9.o, n.o 1, alínea a), e é suscetível de desencorajar a reiteração de comportamentos ilícitos [v., por analogia, Acórdão de 4 de maio de 2023, Österreichische Post (Dano imaterial ligado ao tratamento de dados pessoais), C‑300/21, EU:C:2023:370, n.o 40]. O pagamento à pessoa lesada de uma indemnização que cubra integralmente os prejuízos sofridos, segundo as modalidades que os Estados‑Membros fixem, é adequado para garantir que esse prejuízo seja efetivamente reparado ou indemnizado de modo dissuasivo e proporcionado [v., neste sentido, Acórdão de 14 de setembro de 2023, TGSS (Recusa do complemento de maternidade), C‑113/22, EU:C:2023:665, n.o 51 e jurisprudência referida].

34      Em contrapartida, importa recordar que o direito da União não obsta a que os órgãos jurisdicionais nacionais zelem por que a proteção dos direitos garantidos pela ordem jurídica da União não conduza a um enriquecimento sem causa dos seus titulares (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2006, Manfredi e o., C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.o 94 e jurisprudência referida).

35      Assim, tendo em conta a função compensatória do direito a indemnização, no caso vertente, prevista pelo direito nacional aplicável, há que considerar que uma indemnização integral do prejuízo efetivamente sofrido é suficiente para os fins descritos no n.o 33 do presente acórdão, sem que seja necessário impor à entidade patronal o pagamento de uma indemnização de natureza punitiva [v., neste sentido, Acórdãos de 17 de dezembro de 2015, Arjona Camacho, C‑407/14, EU:C:2015:831, n.o 37, e de 4 de maio de 2023, Österreichische Post (Dano imaterial ligado ao tratamento de dados pessoais), C‑300/21, EU:C:2023:370, n.o 58].

36      A este respeito, importa, por último, salientar que, como resulta dos n.os 12 e 13 do presente acórdão e como sublinharam os Governos Francês e Italiano, bem como a Comissão Europeia, o direito nacional aplicável contém regras específicas que permitem aplicar coimas em caso de violação, pela entidade patronal, das disposições nacionais que transpuseram o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88. Estas regras específicas contribuem, por sua vez, para garantir a efetividade do direito à avaliação do seu estado de saúde de que beneficia um trabalhador noturno por força da referida disposição. Tais regras, que têm essencialmente uma finalidade punitiva, não estão, por seu lado, sujeitas à existência de um prejuízo. Assim, embora essas regras punitivas e as que regulam a responsabilidade contratual ou extracontratual, como as que estão em causa no processo principal, sejam complementares, uma vez que ambas militam a favor do respeito da referida disposição do direito da União, não deixam de ter funções bem distintas [v., neste sentido, Acórdão de 4 de maio de 2023, Österreichische Post (Dano imaterial ligado ao tratamento de dados pessoais), C‑300/21, EU:C:2023:370, n.o 40].

37      Em face do exposto e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, não se afigura que uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal seja suscetível de lesar a efetividade dos direitos decorrentes do artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88.

38      Como recorda o órgão jurisdicional de reenvio, é certo que o Tribunal de Justiça, no n.o 54 do seu Acórdão de 14 de outubro de 2010, Fuß (C‑243/09, EU:C:2010:609) considerou que, tendo a Diretiva 2003/88 por objetivo garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores, mediante o reconhecimento de um descanso suficiente, o legislador da União considerou que o facto de se exceder a duração média máxima do trabalho semanal prevista no artigo 6.o, alínea b), desta diretiva, na medida em que priva o trabalhador desse descanso, causa‑lhe, por si só, um prejuízo porque põe em risco a sua segurança e a sua saúde. No n.o 59 do Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717), o Tribunal de Justiça referiu‑se igualmente, a este respeito, ao dano sofrido pelo trabalhador, resultante da perda do tempo de descanso de que deveria ter beneficiado se a duração máxima do tempo de trabalho semanal, prevista nesta disposição, tivesse sido respeitada.

39      Tais considerações não são, todavia, transponíveis para as obrigações de acompanhamento médico previstas no artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88.

40      Com efeito, enquanto o considerando 5 da Diretiva 2003/88 enuncia que todos os trabalhadores «devem beneficiar de períodos de descanso suficientes» e que os considerandos 7 e 8 desta diretiva sublinham, nomeadamente, que «[o]s estudos efetuados demonstraram que […] a prestação de longos períodos de trabalho noturno é prejudicial para a saúde dos trabalhadores» e que «[se deve] limitar a duração do trabalho noturno», o considerando 9 da referida diretiva, por seu lado, refere que «[i]mporta» que os trabalhadores noturnos beneficiem de um «exame gratuito destinado a avaliar o seu estado de saúde» antes da sua colocação e, em seguida, em intervalos regulares e que, «se sofrerem de problemas de saúde», sejam transferidos, «na medida do possível», para um trabalho diurno que estejam aptos a desempenhar.

41      Como alegou com razão a Comissão, a finalidade das medidas de avaliação do estado de saúde, instituídas no artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88, consiste assim, tendo em conta o caráter mais exigente do trabalho noturno e os riscos específicos para a saúde que lhe estão associados, em garantir que um trabalhador seja e continue apto a efetuar esse trabalho, em diagnosticar em tempo útil uma eventual doença, em assegurar o seu tratamento, bem como em impedir o seu desenvolvimento, nomeadamente, favorecendo a transferência do trabalhador para um trabalho diurno.

42      Por conseguinte, distintamente dos requisitos que decorrem, em matéria de duração do trabalho, do artigo 6.o, alínea b), e do artigo 8.o da Diretiva 2003/88, cujo incumprimento resulta, por si só, num prejuízo para o trabalhador em causa, uma vez que a sua saúde é, assim, prejudicada pela privação de tempo de descanso de que devia ter beneficiado ou pela imposição de horas de trabalho noturno excessivas, a falta de exame médico que deve preceder a colocação num trabalho noturno e de acompanhamento médico regular consecutivo a essa colocação, previstos no artigo 9.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, não causa inevitavelmente uma deterioração da saúde do trabalhador em causa nem, portanto, um prejuízo indemnizável para este. Com efeito, a eventual ocorrência de tal prejuízo depende, nomeadamente, do estado de saúde específico de cada trabalhador e da sua evolução concreta. A este respeito, também há que recordar que, como salientado pelo Tribunal de Justiça, as tarefas realizadas de noite podem ser diferentes em termos de dificuldade e de stress (Acórdão de 24 de fevereiro de 2022, Glavna direktsia «Pozharna bezopasnost i zashtita na naselenieto», C‑262/20, EU:C:2022:117, n.o 52).

43      Tendo em conta o que precede, há que responder à segunda questão que o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional ao abrigo da qual, em caso de violação pela entidade patronal das disposições nacionais que implementam esta disposição do direito da União e que preveem que os trabalhadores noturnos beneficiam de um exame gratuito destinado a avaliar o seu estado de saúde antes da respetiva colocação e, em seguida, em intervalos regulares, o direito do trabalhador noturno em causa de obter uma indemnização devido a essa violação está sujeito à condição de este fazer prova do prejuízo daí resultante que sofreu.

 Quanto à primeira questão

44      Tendo em conta a resposta dada à segunda questão e na falta de aparente contradição entre o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88 e a regulamentação nacional aplicável no âmbito do litígio no processo principal, não há que examinar a primeira questão.

 Quanto às despesas

45      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho,

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a uma regulamentação nacional ao abrigo da qual, em caso de violação pela entidade patronal das disposições nacionais que implementam esta disposição do direito da União e que preveem que os trabalhadores noturnos beneficiam de um exame gratuito destinado a avaliar o seu estado de saúde antes da respetiva colocação e, em seguida, em intervalos regulares, o direito do trabalhador noturno em causa de obter uma indemnização devido a essa violação está sujeito à condição de este fazer prova do prejuízo daí resultante que sofreu.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.