Language of document : ECLI:EU:T:2021:588

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

15 de setembro de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílios individuais a favor da exploração de parques eólicos marítimos — Obrigação de compra da eletricidade a um preço superior ao preço de mercado — Procedimento preliminar de exame — Decisão de não suscitar objeções — Recurso de anulação — Artigo 1.o, alínea h), do Regulamento (UE) 2015/1589 — Qualidade de parte interessada — Empresas de pesca — Implantação dos parques em zonas de pesca — Relação de concorrência — Inexistência — Risco de afetação dos interesses das empresas de pesca pela concessão dos auxílios controvertidos — Inexistência — Inexistência de afetação direta e individual — Inadmissibilidade»

No processo T‑777/19,

Coopérative des artisans pêcheurs associés (CAPA) Sarl, com sede em Tréport (França), e os outros recorrentes cujos nomes figuram anexos (1), representados por M. Le Berre, advogado,

recorrentes,

apoiadas por:

Comité régional des pêches maritimes e des élevages marins des HautsdeFrança (CRPMEM), com sede em Boulogne‑sur‑Mer (França),

Fonds régional d’organisation du marché du poisson (FROM NORD), com sede em Boulogne‑sur‑Mer,

Organisation de producteurs CME MancheMer du Nord (OP CME MancheMer du Nord), com sede em Portel (França),

representados por A. Durand, advogada,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada por B. Stromsky e A. Bouchagiar, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Francesa, representada por E. de Moustier, P. Dodeller e T. Stehelin, na qualidade de agentes,

por

Ailes Marines SAS, com sede em Puteaux (França), representada por M. Petite e A. Lavenir, advogados,

por

Éoliennes Offshore des Hautes Falaises SAS, com sede em Paris (França),

Éoliennes Offshore du Calvados SAS, com sede em Paris,

Parc du Banc de Guérande SAS, com sede em Paris,

representados por J. Derenne e D. Vallindas, advogados,

e por

Éoliennes en Mer Dieppe Le Tréport SAS, com sede em Dieppe (França),

Éoliennes en Mer Îles d’Yeu e de Noirmoutier SAS, com sede em Nantes (França),

representadas por C. Lemaire e A. Azzi, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE e destinado a obter a anulação da Decisão C (2019) 5498 final da Comissão, de 26 de julho de 2019, relativa aos auxílios de Estado SA.45274 (2016/NN), SA.45275 (2016/NN), SA.45276 (2016/NN), SA.47246 (2017/NN), SA.47247 (2017/NN) e SA.48007 (2017/NN), postos em execução pela República Francesa a favor de seis parques eólicos marítimos (Courseulles‑sur‑Mer, Fécamp, Saint‑Nazaire, Ilhas de Yeu e Noirmoutier, Dieppe e Le Tréport, Saint‑Brieuc),

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, M. J. Costeira, D. Gratsias (relator), M. Kancheva e T. Perišin, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

 Matéria de facto e antecedentes do litígio

 Contexto factual

1        A primeira recorrente, a Coopérative des artisans pêcheurs associés (CAPA) Sarl, foi constituída pelos pescadores do Treport (França) e portos circundantes para mutualizar a compra e a revenda de combustíveis, de lubrificantes e de matérias gordas. Os segundo a décimo primeiro recorrentes (a seguir «pescadores recorrentes») são empresas de pesca ou patrões pescadores estabelecidos, designadamente, em Tréport (França), em Erquy (França) e em Noirmoutier (França), e que exercem atividades de pesca artesanal ao largo da costa francesas da Mancha ou do Atlântico.

2        A Ailes Marines SAS (a seguir «AM»), Éoliennes Offshore des Hautes Falaises SAS (a seguir «EOHF»), Éoliennes Offshore du Calvados SAS (a seguir «EOC»), Parc du Banc de Guérande SAS (a seguir «PBG»), Éoliennes en Mer Dieppe Le Tréport SAS (a seguir «EMDT») e Éoliennes en Mer Îles d’Yeu e de Noirmoutier SAS (a seguir «EMYN»), intervenientes em apoio da Comissão Europeia (a seguir «beneficiárias dos auxílios controvertidos»), são sociedades criadas com vista à exploração de parques eólicos marítimos, respetivamente, de Saint‑Brieuc (França, a seguir «projeto de Saint‑Brieuc»), de Fécamp (France, a seguir «projeto de Fécamp»), de Courseulles‑sur‑Mer (France, a seguir «projeto de Courseulles‑sur‑Mer»), de Saint‑Nazaire (France, a seguir «projeto de Saint‑Nazaire»), de Dieppe (França) e do Tréport (a seguir «projeto de Dieppe/Le Tréport») e das Ilhas de Yeu e de Noirmoutier (França, a seguir «projeto das ilhas de Yeu/Noirmoutier»).

3        Na sequência de um primeiro concurso, realizado em 2011, as autoridades francesas selecionaram, por um lado, a proposta da sociedade eólica Maritime France (EMF) para um lote que agrupava os projetos de Saint‑Nazaire, Fécamp e Courseulles‑sur‑Mer e, por outro, a proposta da AM para o projeto de Saint‑Brieuc. A exploração destes projetos foi autorizada por portaria de 18 de abril de 2012.

4        Na sequência de um segundo concurso, realizado em 2013, as autoridades francesas selecionaram a proposta ligada do consórcio formado pelas sociedades ENGIE, EDP Renewables e Neoen Marine para os projetos das Ilhas de Yeu/Noirmoutier e de Dieppe/Le Tréport. A exploração destes últimos foi autorizada por portaria de 1 de julho de 2014.

5        Os seis projetos em causa deveriam criar os primeiros parques eólicos marítimos explorados em França. Estes deveriam fornecer, no total, 10,8 terawats‑hora por ano, ou seja, cerca de 2 % da produção anual total de eletricidade em França. A duração previsível da sua exploração é de 25 anos a contar da sua entrada em funcionamento. A área afetada por estes seis projetos situa‑se em zonas marítimas exploradas para a pesca, designadamente pelos pescadores recorrentes.

6        À data da Decisão C (2019) 5498 final da Comissão, de 26 de julho de 2019, relativa aos auxílios de Estado SA.45274 (2016/NN), SA.45275 (2016/NN), SA.45276 (2016/NN), SA.47246 (2017/NN), SA.47247 (2017/NN) e SA.48007 (2017/NN), postos em execução pela República Francesa a favor de seis parques eólicos marítimos (Courseulles‑sur‑Mer, Fécamp, Saint‑Nazaire, Îles d’Yeu e de Noirmoutier, Dieppe e Le Tréport, Saint‑Brieuc) (a seguir «decisão controvertida»), a construção desses parques não tinha começado, em razão, designadamente, dos recursos para os órgãos jurisdicionais franceses. A sua entrada em funcionamento está prevista entre 2022 e 2024, em função do desenlace destes litígios.

7        Os projetos em causa são subvencionados por auxílios ao funcionamento, sob a forma de uma obrigação de compra de eletricidade a uma tarifa superior ao preço de mercado, que incumbe à sociedade EDF Obrigação de compra (EDF‑OA), sendo o custo adicional integralmente compensado pelo Estado (a seguir «auxílios controvertidos»). Este mecanismo baseia‑se nas disposições dos artigos L. 121‑7, L. 311‑10 e L. 311‑12 do Código da Energia francês.

 Procedimento administrativo

8        As autoridades francesas notificaram à Comissão os auxílios controvertidos, respetivamente, em 29 de abril de 2016, no que respeita aos projetos de Courseulles‑sur‑Mer, de Fécamp e de Saint‑Nazaire, em 6 de janeiro de 2017, no que respeita aos projetos das Ilhas de Yeu/Noirmoutier e de Dieppe/Le réport, e em 12 de abril de 2017, no que respeita ao projeto de Saint‑Brieuc.

9        Não tendo ainda começado a construção dos parques eólicos marítimos em causa, as autoridades francesas decidiram renegociar as tarifas de compra concedidas inicialmente.

10      Em 9 de junho de 2018, dois dos pescadores recorrentes apresentaram à Comissão uma queixa relativa ao auxílio ao projeto de Saint‑Brieuc.

11      Em 29 de junho de 2018, a Comissão apresentou um pedido de informações complementares sobre o estado da renegociação das tarifas de compra. Em 6 de dezembro de 2018, as autoridades francesas informaram a Comissão do resultado desta, que se traduziu numa baixa dessas tarifas.

12      Em 18 de dezembro de 2018, alguns pescadores recorrentes apresentaram uma denúncia à Comissão relativa aos auxílios controvertidos concedidos para os projetos de Dieppe/LeTreport, de Fécamp e de Courseulles‑sur‑Mer.

13      Em 23 de janeiro de 2019, a Comissão indicou às pessoas que apresentaram as denúncias referidas nos n.os 10 e 12, supra, que não as considerava partes interessadas na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9). Por conseguinte, segundo a Comissão, o pedido dessas pessoas não podia ser examinado como uma «denúncia formal na aceção do artigo 24.o, n.o 2, [deste regulamento]». Por correspondência de 21 de fevereiro de 2019, essas pessoas contestaram esta posição.

14      Em 28 de março de 2019, várias pessoas, entre as quais um dos pescadores decorrentes, apresentaram à Comissão uma denúncia relativa aos auxílios controvertidos concedidos para os projetos de São Nazaire e Ilhas de Yeu/Noirmoutier.

15      Em 3 de abril de 2019, a Comissão rejeitou a denúncia referida no número anterior por motivos análogos aos indicados na sua carta de 23 de janeiro de 2019. Por carta de 12 de abril de 2019, as pessoas em causa contestaram esta posição.

16      Em 26 de julho de 2019, a Comissão adotou a decisão impugnada.

 Decisão impugnada

17      Em primeiro lugar, após ter descrito os auxílios controvertidos (n.os 9 a 60 da decisão impugnada), a Comissão declarou que estes constituíam auxílios de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Com efeito, em primeiro lugar, salientou que, em razão do mecanismo das tarifas de compra descrito no n.o 7, supra, o financiamento dessas medidas assentava nos recursos do Estado e que eram imputáveis a este. Em segundo lugar, salientou que essas medidas conferiam uma vantagem seletiva aos produtores de eletricidade a partir da energia eólica marítimos nas zonas em causa. Em terceiro lugar, salientou que, tendo em conta as interligações da rede de eletricidade francesa com a de vários outros Estados‑Membros, as referidas medidas eram suscetíveis de falsear as trocas de eletricidade entre a França e estes (n.os 61 a 70 da decisão recorrida).

18      Em segundo lugar, após ter constatado que os auxílios controvertidos eram ilegais, por não terem sido notificados antecipadamente, a Comissão apreciou a compatibilidade desses auxílios com o mercado interno à luz do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE e à luz das secções 3.1.6.2 (auxílios ao funcionamento a favor das energias renováveis) e 3.2 (efeito de incentivo e necessidade do auxílio) das Orientações relativas aos auxílios estatais a favor do ambiente de 1 de abril de 2008 (JO 2008, C 82, p. 1, a seguir «orientações de 2008»), em especial, do seu n.o 109 (n.os 71 a 76 da decisão impugnada).

19      A este respeito, em primeiro lugar, salientou que os auxílios controvertidos contribuíam para o cumprimento dos objetivos fixados pelas normas nacionais e pelo direito da União em termos de quota das energias renováveis no consumo final de energia em França e, consequentemente, para o combate às alterações climáticas (n.os 77 a 79 da decisão impugnada).

20      Em segundo lugar, considerou que os auxílios controvertidos eram necessários para sanar uma falha de mercado. Assim, considerou que as autoridades francesas tinham demonstrado que os respetivos custos de produção no âmbito dos projetos em causa («levelised costs of electricity», LCOE) eram nitidamente mais elevados do que os preços do mercado e que, por conseguinte, em razão da rentabilidade negativa destes projetos, as tarifas de compra consideradas por essas autoridades eram necessárias para incitar os operadores a executá‑los (n.os 80 a 86 da decisão impugnada).

21      Em terceiro lugar, a Comissão considerou que os auxílios controvertidos reuniam os requisitos para satisfazer a exigência de proporcionalidade. Com efeito, antes de mais, salientou que o mecanismo dos auxílios controvertidos garantia que a compensação era concedida para a diferença entre o custo de produção da eletricidade e o preço de base da eletricidade. Em seguida, constatou que o processo de seleção dos operadores decorreu de forma não discriminatória, transparente e aberta. Por último, tendo em conta a taxa de rendimento prevista para cada um dos projetos em causa, que refletia um nível de lucro normal que se poderia esperar de um investimento semelhante, e dos compromissos assumidos pelas autoridades francesas para vigiar a evolução dos custos, considerou que os auxílios controvertidos eram limitados ao mínimo e que as medidas previstas por essas autoridades eram aptas a prevenir uma sobrecompensação (n.os 87 a 106 da decisão impugnada).

22      Em quarto lugar, a Comissão considerou que, atendendo à capacidade total dos projetos em causa e ao volume de eletricidade produzido em relação à dimensão do mercado francês da eletricidade, os auxílios controvertidos teriam um impacto apenas limitado nas trocas comerciais entre os Estados‑Membros (n.os 107 e 108 da decisão impugnada).

23      Com fundamento na análise recordada nos n.os 19 a 22, supra, a Comissão concluiu que os efeitos positivos no ambiente de cada um dos auxílios controvertidos eram superiores aos eventuais efeitos negativos de distorção da concorrência. Além disso, salientou que, na medida em que o financiamento desses auxílios assentava numa taxa que não incidia sobre a eletricidade, não existia risco de discriminação, em conformidade com os artigos 30.o e 110.o TFUE. Por conseguinte, a Comissão considerou que esses auxílios eram compatíveis com o mercado interno, ao abrigo do artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, e, por esse motivo, decidiu não suscitar objeções (n.os 109 a 117 da decisão impugnada).

 Tramitação processual e pedidos das partes

24      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de novembro de 2019, os recorrentes interpuseram o presente recurso.

25      Em 13 de fevereiro de 2020, a Comissão apresentou a sua contestação.

26      Em 9 de março de 2020, a AM apresentou um pedido de intervenção em apoio da Comissão. Os recorrentes apresentaram observações sobre este pedido em 31 de março de 2020.

27      Em 13 de março de 2020, a República Francesa apresentou um pedido de intervenção em apoio dos pedidos da Comissão.

28      Em 17 de março de 2020, a EOHF, a EOC, a PBG, a EMDT e a EMYN apresentaram, cada uma no que lhe diz respeito, um pedido de intervenção em apoio da Comissão.

29      Em 18 de março de 2020, o Comité régional des pêches maritimes et des élevages marins des Hauts‑de‑France (CRPMEM), a associação sem fins lucrativos Fonds régional d’organisation du marché du poisson (FROM NORD) e a sociedade cooperativa marítima anónima de capital variável Organisation de producteurs CME Manche‑Mer du Nord (CME), organizações de pescadores profissionais que operam nas zonas de pesca da Mancha Este (a seguir, conjuntamente, «QPMEM e o.»), de que fazem parte alguns pescadores recorrentes, apresentaram um pedido de intervenção conjunta em apoio dos recorrentes. No mesmo dia, foram apresentados dois outros pedidos de intervenção em apoio destes últimos, por um lado, pelo município de Erquy e, por outro, conjuntamente, pelos municípios do Treport e de Mers‑les‑Bains (França).

30      Em 19 de maio de 2020, os recorrentes apresentaram a réplica.

31      Em 20 de maio de 2020, os recorrentes apresentaram observações sobre os pedidos de intervenção referidos nos n.os 27 a 29, supra. A Comissão apresentou observações sobre os pedidos referidos no n.o 29, supra, e contestou a sua admissibilidade.

32      Por Despacho de 24 de julho de 2020, a presidente da Nona Secção deferiu os pedidos de intervenção da AM, da EOHF, da EOC, da PBG, da EMDT e da EMYN. Por decisão do mesmo dia, deferiu o pedido de intervenção da República Francesa.

33      Em 25 de agosto de 2020, a Comissão apresentou a tréplica.

34      Por Despacho de 21 de setembro de 2020, CAPA e o./Comissão (T‑777/19, não publicado, EU:T:2020:452), a presidente da Nona Secção, por um lado, deferiu o pedido de intervenção do CRPMEM e o. e, por outro, indeferiu o pedido do município de Erquy e o dos municípios do Treport e de Mers‑les‑Bains.

35      Em 6 de outubro de 2020, a AM apresentou o seu articulado de intervenção. A República Francesa, a EOHF, a EOC, a PBG, a EMDT e a EMYN apresentaram os seus articulados em 7 de outubro de 2020. Em 26 de novembro de 2020, os recorrentes e a Comissão apresentaram as respetivas observações sobre estes diferentes articulados.

36      Em 3 de dezembro de 2020, o CRPMEM e o. apresentaram o seu articulado de intervenção. Os recorrentes e a Comissão apresentaram as suas observações sobre este articulado, respetivamente, em 20 e 21 de janeiro de 2021.

37      Em 12 de fevereiro de 2021, os recorrentes pediram a organização de uma audiência de alegações.

38      Em 16 de abril de 2021, sob proposta da Nona Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

39      Através de uma medida de organização do processo de 3 de maio de 2021, o Tribunal Geral convidou os recorrentes a apresentarem, por escrito, certas precisões de ordem factual, os quais responderam a este pedido em 31 de maio de 2021.

40      Em 4 de junho de 2021, o sexto a décimo primeiro recorrentes apresentaram um pedido de medidas provisórias destinado a obter a suspensão da execução da decisão impugnada, bem como a adoção de outras medidas provisórias destinadas, em substância, à suspensão da execução dessa decisão.

41      Em 7 de junho de 2021, por impedimento de um membro da formação de julgamento, o presidente do Tribunal designou‑se ele próprio para a completar. No mesmo dia, realizou‑se a audiência de alegações. A fase oral do processo foi encerrada no termo da audiência.

42      Por Despacho de 2 de julho de 2021, Bourel e o./Comissão (T‑777/19 R, não publicado, EU:T:2021:407), o vice‑presidente do Tribunal Geral indeferiu o pedido de medidas provisórias referido no n.o 40, supra, e reservou para final a decisão quanto às despesas.

43      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar a Comissão nas despesas;

—        condenar as intervenientes em apoio da Comissão a suportarem as suas próprias despesas.

44      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar os recorrentes nas despesas.

—        condenar o CRPMEM e o. nas despesas resultantes da sua intervenção.

45      A República Francesa conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

46      A AM, a EOHF, a EOC, a PBG, a EMDT e a EMYN concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar os recorrentes nas despesas.

47      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

48      Sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade, a Comissão sustenta, a título principal, que o recurso é inadmissível.

49      A Comissão afirma que os recorrentes não são interessados, na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, com legitimidade para interpor recurso para salvaguardar os seus direitos processuais, e que, por maioria de razão, não demonstram que dispõem de um estatuto particular na aceção do Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17), que lhes permita pôr em causa o bem fundado da decisão de apreciação dos auxílios controvertidos.

50      Por um lado, quanto à qualidade de parte interessada, a Comissão alega, em especial, que as considerações do Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341), não são transponíveis para o caso em apreço. Com efeito, segundo a Comissão, diferentemente dos recorrentes nesse processo, os recorrentes no caso em apreço não se encontram numa relação de concorrência com os beneficiários dos auxílios controvertidos. Por outro lado, quanto à afetação direta dos recorrentes, a Comissão sustenta que os pescadores recorrentes são afetados essencialmente pelas opções regulamentares das autoridades francesas de consagrar determinadas zonas à produção elétrica, ou mesmo de lhes proibir o acesso a essas zonas. Em contrapartida, a concessão dos auxílios controvertidos e a decisão impugnada têm uma incidência apenas indireta na sua situação material. Além disso, a Comissão sustenta que a instalação dos parques eólicos marítimos em causa tem, na situação material dos pescadores recorrentes, uma incidência mais reduzida do estes que afirmam. Por último, quanto à primeira recorrente, a Comissão alega que esta não tem uma atividade de pesca.

51      Por sua vez, os recorrentes sustentam que são partes interessadas na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, baseando‑se, nomeadamente, nos n.os 63 a 65 do Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341).

52      No que respeita aos pescadores recorrentes, em primeiro lugar, estes sustentam que a sua atividade de pesca está sujeita a uma delimitação geográfica, que depende tanto dos recursos haliêuticos, das variações meteorológicas e das aberturas regulamentares dos diferentes setores das zonas de pesca como da regulamentação aplicável aos tipos de navios que utilizam e às autorizações de navegação correspondentes. Assim, o espaço marítimo em que podem exercer as suas atividades é determinado ou determinável a partir do porto de afetação ou do porto que utilizam pontualmente. Ora, as zonas a que os projetos em causa dizem respeito ocupam uma parte importante desse espaço e utilizam‑nas, por vezes de maneira privilegiada, para as suas atividades.

53      Em segundo lugar, os pescadores recorrentes sustentam que os projetos em causa terão um impacto previsível nas suas atividades, em razão, por um lado, das limitações regulamentares à navegação previstas nas zonas a que esses projetos dizem respeito, e à sua viabilidade incerta nas referidas zonas e na proximidade destas, e, por outro, do impacto potencialmente negativo dos referidos projetos no meio marinho e nos recursos haliêuticos.

54      Em terceiro lugar, os pescadores recorrentes sublinham, por analogia com o Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341), que se deve considerar que o acesso e a utilização das zonas do espaço marítimo identificadas como sítios dos projetos em causa constituem uma «matéria‑prima» na aceção desse acórdão, pelo que se encontram, a esse título, em relação de concorrência com os exploradores desses projetos. Na réplica, acrescentam que a definição do conceito de «parte interessada» na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 não está estritamente condicionada a uma relação de concorrência.

55      No que respeita à primeira recorrente, cuja clientela é constituída por pescadores do Treport e dos portos circundantes, os projetos de Dieppe/Le Tréport, de Fécamp e de Courseulles‑sur‑Mer afetam diretamente a sua atividade, que não pode ser diversificada para além dessa clientela e dessa localização.

56      Em apoio da exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão, a República Francesa, a AM, a EOHF, a EOC, a PBG, a EMDT e a EMYN desenvolvem, em substância, uma argumentação análoga. Nas suas observações sobre o articulado de intervenção destas intervenientes, os recorrentes contestam esta argumentação.

57      O CRPMEM e o. desenvolvem, no essencial, uma argumentação análoga à dos recorrentes. Nas suas observações sobre o memorando de intervenção do CRPMEM e o., a Comissão contesta essa argumentação.

 Considerações preliminares

58      A título preliminar, importa recordar que, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, quando a Comissão considerar que um projeto de auxílio não é compatível com o mercado interno, dá imediatamente início ao procedimento formal de investigação previsto no n.o 2 do mesmo artigo. Em conformidade com o primeiro parágrafo do referido n.o 2, se se verificar, no âmbito desse procedimento, depois de ter notificado os interessados para apresentarem as suas observações, nomeadamente que o auxílio concedido não é compatível com o mercado interno, a Comissão decidirá que o Estado em causa deve suprimir ou modificar esse auxílio no prazo por ela determinado.

59      No entanto, o artigo 4.o do Regulamento n.o 2015/1589 prevê uma fase preliminar de análise das medidas de auxílio que tem por objeto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade com o mercado interno do auxílio em causa.

60      Em conformidade com o artigo 4.o, n.o 3, do Regulamento 2015/1589, se a Comissão verificar que a medida, desde que entre no âmbito do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, não suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, adota uma decisão de não suscitar objeções. Tal decisão constitui uma recusa tácita de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no n.o 2 do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do regulamento acima referido (v., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 45).

61      Em contrapartida, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 4, do Regulamento 2015/1589, se a Comissão verificar que a medida notificada suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno, deve adotar uma decisão de dar início ao procedimento formal de investigação. Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, deste regulamento, tal decisão convida o Estado‑Membro em causa e as outras partes interessadas a apresentarem as suas observações num prazo determinado.

62      Resulta, portanto, destas disposições que qualquer parte interessada, na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 2015/1589, é direta e individualmente afetada por uma decisão de não suscitar objeções. Com efeito, os beneficiários das garantias processuais previstas no artigo 108.o, n.o 2, do TFUE e no artigo 6.o, n.o 1, do regulamento acima referido só podem obter o seu respeito se tiverem a possibilidade de contestar essa decisão perante o juiz da União Europeia (v., neste sentido, Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 47 e jurisprudência referida).

63      Nos termos do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento n.o 2015/1589, considera‑se parte interessada, designadamente, qualquer pessoa, empresa ou associação de empresas cujos interesses possam ser afetados pela concessão de um auxílio, ou seja, em especial o beneficiário deste, as empresas concorrentes e as associações profissionais. Trata‑se, por outras palavras, de um conjunto indeterminado de destinatários (v. Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 63 e jurisprudência referida).

64      Além disso, para que uma pessoa, empresa ou associação de empresas seja qualificada de parte interessada, importa que demonstre suficientemente que o auxílio pode ter uma incidência concreta na sua situação (Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 65 e jurisprudência referida).

65      Em contrapartida, se o recorrente põe em causa o bem fundado da decisão de apreciação do auxílio enquanto tal, o simples facto de poder ser considerado interessado na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE não pode ser suficiente para reconhecer a admissibilidade do recurso. Deve então demonstrar que goza de um estatuto especial, na aceção do Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17). Será esse o caso, nomeadamente, se a posição do recorrente no mercado for substancialmente afetada pelo auxílio que é objeto da decisão em causa (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C‑78/03 P, EU:C:2005:761, n.o 37 e jurisprudência referida).

66      Dito isto, um recorrente, quando pede a anulação de uma decisão de não suscitar objeções, põe em causa, no essencial, o facto de a decisão tomada pela Comissão a respeito do auxílio em causa ter sido adotada sem que essa instituição tivesse iniciado o procedimento formal de investigação, violando assim os seus direitos processuais. Para que o seu pedido de anulação seja julgado procedente, o recorrente pode invocar quaisquer fundamentos que demonstrem que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispunha, quando da fase de exame preliminar da medida notificada, deveria ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno. A utilização desses argumentos não pode ter por efeito transformar o objeto do recurso nem alterar os seus requisitos de admissibilidade. Pelo contrário, a existência de dúvidas sobre essa compatibilidade é precisamente a prova que deve ser fornecida para demonstrar que a Comissão devia ter dado início ao procedimento formal de investigação (v. Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 59).

67      No caso em apreço, como resulta do n.o 23, supra, a decisão impugnada é uma decisão de não suscitar objeções. Através desta decisão, a Comissão recusou, portanto, implicitamente mas necessariamente, dar início ao procedimento formal de investigação. Ora, os recorrentes sustentam que têm a qualidade de partes interessadas e invocam dois fundamentos relativos, um, a violação dos seus direitos processuais e, o outro, a falta de fundamentação. No âmbito do primeiro fundamento, expõem as razões pelas quais, em seu entender, as circunstâncias da adoção da decisão impugnada e o conteúdo dessa decisão demonstram que a Comissão se confrontava com dificuldades sérias que deveriam ter conduzido à abertura do procedimento formal de investigação. No âmbito do segundo fundamento, referem‑se a um certo número de partes da decisão impugnada, já contestadas no âmbito do primeiro fundamento, para alegar que a Comissão não fundamentou suficientemente a sua apreciação quanto à compatibilidade dos auxílios controvertidos, de modo a permitir aos terceiros interessados entender as razões pelas quais considerou não estar perante dificuldades sérias.

68      À luz da jurisprudência referida nos n.os 62 a 66, supra, basta, portanto, que os recorrentes demonstrem que, no caso em apreço, têm a qualidade de partes interessadas, o que se impõe verificar a seguir. No âmbito deste exame, há que estabelecer uma distinção entre a situação dos pescadores recorrentes, por um lado, e a da primeira recorrente, por outro.

 Quanto à qualidade de partes interessadas dos pescadores recorrentes

69      A argumentação dos pescadores recorrentes em apoio da sua qualidade de partes interessadas assenta em dois fundamentos, a saber, por um lado, a existência de uma relação de concorrência entre as suas atividades e as dos beneficiários dos auxílios controvertidos e, por outro, o risco de uma incidência concreta desses auxílios na sua situação. Importa examinar estes dois fundamentos de modo distinto.

 Quanto à existência de uma relação de concorrência entre os pescadores recorrentes e os beneficiários dos auxílios controvertidos

70      A argumentação dos pescadores recorrentes suscita a questão de saber se se pode considerar que se encontram numa relação de concorrência com os beneficiários dos auxílios controvertidos, com o fundamento alegado de que, por analogia com a situação analisada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 67), utilizam a mesma «matéria‑prima».

71      Importa desde já salientar que, com esta argumentação, os pescadores recorrentes não pretendem sustentar que são concorrentes diretos dos beneficiários dos auxílios controvertidos, isto é, que concorrem com estes últimos nos mercados em que estes estão ativos, a saber, a produção de eletricidade. De resto, é evidente que não é esse o caso, uma vez que os pescadores recorrentes apenas exercem atividade no setor da pesca artesanal. Dito isto, o conceito de parte interessada, na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, não está limitado aos concorrentes diretos dos beneficiários dos auxílios em questão (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 70, e de 10 de dezembro de 2008, Kronoply e Kronotex/Comissão, T‑388/02, não publicado, EU:T:2008:556, n.o 73).

72      É verdade que, como resulta da redação do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589, tal como interpretado pela jurisprudência, a expressão «empresas concorrentes», que figura nesta disposição, designa apenas os concorrentes diretos dos beneficiários do auxílio em causa. Pode ser inferido da sua redação, designadamente da locução adverbial «em especial» que introduz, designadamente, a expressão «empresas concorrentes» que esses concorrentes diretos figuram incontestavelmente entre os «interessados», na aceção do artigo 108.o, n.o 2, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.os 63 e 64, e de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 50 e jurisprudência referida).

73      Em contrapartida, diferentemente dessa relação de concorrência direta com o beneficiário do auxílio em causa, uma relação de concorrência indireta, como a que é reivindicada pelos pescadores recorrentes, não é suscetível de conferir, de pleno direito, a qualidade de parte interessada. Com efeito, como resulta do n.o 65 do Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341), essa relação de concorrência indireta não dispensa aqueles que a invocam de demonstrar suficientemente que o auxílio em causa pode ter uma incidência concreta na sua situação.

74      A este respeito, importa recordar que, no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal Geral examinado pelo Tribunal de Justiça, em recurso, no Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341), as recorrentes, empresas que produziam painéis de fibras e painéis de aparas de madeira orientadas, e a beneficiária do auxílio em causa, um fabricante de pasta de papel, utilizavam no seu processo de produção a mesma matéria‑prima, a saber, madeira industrial. Por esta razão, o Tribunal Geral inferiu daí que estas empresas se encontravam numa relação de concorrência enquanto compradoras de madeira industrial, conclusão que o Tribunal de Justiça considerou isenta de erro de direito (v., neste sentido, n.os 9, 10, 67 e 70 do Acórdão do Tribunal de Justiça).

75      No caso em apreço, os pescadores recorrentes operam no setor da pesca artesanal costeira, ao passo que os beneficiários dos auxílios controvertidos exploram parques eólicos marítimos com vista a produzir eletricidade vendida no mercado grossista.

76      Por conseguinte, como a Comissão e as intervenientes em apoio desta sublinham, por um lado, os mercados em que os pescadores recorrentes e os beneficiários dos auxílios controvertidos vendem os seus produtos respetivos são totalmente distintos e, por outro, o seu processo de produção respetivo não implica a utilização da mesma «matéria‑prima». Quanto a este segundo aspeto, em especial, como salientam EMDT e EMYN, enquanto os pescadores cobram recursos haliêuticos, os exploradores de parques eólicos marítimos utilizam a energia cinética do vento.

77      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo postulado dos pescadores recorrentes segundo o qual o acesso às zonas de implantação dos projetos em causa e a sua utilização devem ser considerados uma «matéria‑prima» na aceção do Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341).

78      Com efeito, segundo o sentido corrente da expressão «matéria‑prima», utilizada no Acórdão de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex (C‑83/09 P, EU:C:2011:341), esta expressão designa um recurso natural ou um produto, não transformado, utilizado como fator de produção no processo de fabrico de uma mercadoria. Assim, como sublinha a AM, é erradamente que os pescadores recorrentes sugerem, na réplica, que o referido acórdão diz respeito a uma relação de concorrência para o uso de uma zona comum de abastecimento em madeira. Com efeito, como foi recordado no n.o 74, supra, resulta desse acórdão que o Tribunal Geral tinha identificado, acertadamente, uma relação de concorrência entre as recorrentes nesse processo e a beneficiária do auxílio em causa enquanto compradoras no mercado da madeira industrial. Do mesmo modo, no caso em apreço, não é a zona do espaço público marítimo utilizada quer pelos pescadores recorrentes quer pelos beneficiários dos auxílios controvertidos que constitui, enquanto tal, a «matéria‑prima» da sua atividade económica respetiva, mas os recursos naturais que aí se encontram. Ora, como já foi salientado no n.o 76, supra, estes recursos são distintos e os operadores em causa não estão, portanto, em situação de concorrência para a sua exploração.

79      De qualquer modo, no caso em apreço, como expõem, em substância, a Comissão e os intervenientes em apoio desta, o conflito existente entre os pescadores recorrentes e os beneficiários dos auxílios controvertidos no que respeita ao acesso às zonas previstas para a exploração dos parques eólicos em causa e a sua utilização resulta de decisões regulamentares das autoridades francesas, relativas ao controlo e à gestão das diferentes utilizações do espaço público marítimo. Em contrapartida, esse conflito não decorre de uma «abertura à concorrência» por essas autoridades para o referido acesso e a referida utilização.

80      A este respeito, como resulta das explicações, nomeadamente, da República Francesa, a autorização conferida aos referidos beneficiários para explorar esses parques nas referidas zonas não exclui outras utilizações destas, e em especial a pesca, uma vez que as autoridades competentes aplicam um princípio de coexistência dessas diferentes utilizações. Embora, na prática, como resulta dos documentos juntos aos autos, as atividades de pesca possam ser objeto de limitações nessas zonas, daí resulta igualmente que essas limitações correspondem a objetivos, prosseguidos por essas autoridades, de segurança e de prevenção dos riscos, e não ao exercício pelos beneficiários dos auxílios controvertidos de um direito de utilização exclusiva que lhes tenha sido concedida por essas mesmas autoridades. As eventuais consequências dessas limitações sobre a atividade económica dos pescadores recorrentes são, portanto, inerentes à regulamentação do espaço público marítimo e não se pode considerar que confiram uma vantagem aos exploradores dos parques eólicos em causa em relação às empresas de pesca que utilizam as mesmas zonas (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de março de 2001, PreussenElektra, C‑379/98, EU:C:2001:160, n.o 62 e jurisprudência referida).

81      Acrescente‑se que, como os próprios pescadores recorrentes indicam e como sublinha, em substância, a República Francesa, o acesso às zonas de pesca e a utilização destas estão sujeitos a uma regulamentação estrita que pode, se necessário, proibi‑los às atividades de pesca, tendo em conta, nomeadamente, objetivos de gestão dos recursos haliêuticos. Os pescadores recorrentes não dispõem, portanto, de um direito incondicional de exploração dessas zonas que os coloque «em concorrência» com os operadores autorizados a explorar sítios que se encontrem no interior das referidas zonas para fins de produção de eletricidade.

82      Por conseguinte, os pescadores recorrentes não podem ser considerados partes interessadas, com legitimidade para interpor o presente recurso com fundamento numa pretensa relação de concorrência indireta com os beneficiários dos auxílios controvertidos.

 Quanto à existência de um risco de incidência concreta dos auxílios controvertidos na situação dos pescadores recorrentes

83      A título preliminar, importa salientar que, como os pescadores recorrentes alegaram na réplica, a qualificação de parte interessada não está estritamente condicionada à existência de uma relação de concorrência, direta ou indireta. Com efeito, por força de jurisprudência constante, recordada no n.o 63, supra, este conceito visa um conjunto indeterminado de destinatários.

84      A este respeito, é verdade que a jurisprudência fornece um certo número de exemplos de situações em que tanto o Tribunal Geral como o Tribunal de Justiça reconheceram a qualidade de partes interessadas a pessoas cujos interesses eram suscetíveis de ser afetados pela concessão de auxílios, sem averiguar se essas pessoas se encontravam numa relação de concorrência, ainda que indireta, com os beneficiários desses auxílios.

85      Assim, por exemplo, no Acórdão de 16 de setembro de 1998, Waterleiding Maatschappij/Comissão (T‑188/95, EU:T:1998:217, n.os 79 a 81, 85 e 86), o Tribunal Geral reconheceu a uma sociedade de distribuição de água a qualidade de parte interessada num procedimento relativo a auxílios destinados a encorajar a autoalimentação em água das empresas, uma vez que os beneficiários dos referidos auxílios eram clientes potenciais da referida sociedade.

86      Do mesmo modo, no Acórdão de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão (C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.os 45 a 60 e jurisprudência referida), o Tribunal de Justiça considerou que o recorrente, o sindicato geral dos trabalhadores da Dinamarca, podia utilmente sustentar, para demonstrar a sua qualidade de parte interessada, que os auxílios em causa, isenções fiscais a favor dos marítimos nacionais e estrangeiros empregados pelos armadores dinamarqueses, que aproveitam in fine a estes últimos, afetavam a sua «posição concorrencial» no que respeita a outros sindicatos quando da negociação de convenções coletivas aplicáveis aos marinheiros.

87      Por último, no Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, Braesch e o./Comissão (T‑161/18, pendente de recurso, EU:T:2021:102), o Tribunal Geral considerou que os recorrentes, detentores de obrigações subordinadas às ações da instituição bancária beneficiária de auxílios concedidos pela República Italiana no âmbito de um plano de reestruturação, tinham demonstrado que a concessão da totalidade desses auxílios podia ter uma incidência concreta na situação dos recorrentes. A este respeito, o Tribunal Geral declarou que os referidos auxílios e os compromissos desses Estado‑Membro, os quais comportavam medidas de repartição dos encargos que podiam acarretar perdas financeiras importantes em detrimento dos recorrentes, revestiam um caráter indissociável, na medida em que esses compromissos condicionavam a declaração de compatibilidade dos auxílios e que a decisão que os tinha autorizado tornava simultaneamente esses compromissos vinculativos (v., neste sentido, Acórdão de 24 de fevereiro de 2021, Braesch e o./Comissão, T‑161/18, pendente de recurso, EU:T:2021:102, n.os 39 e 40).

88      No entanto, na jurisprudência anterior, designadamente nos acórdãos evocados nos n.os 85 a 87, supra, os órgãos jurisdicionais da União não se pronunciaram sobre um conflito, como no caso em apreço, entre duas atividades económicas diferentes para a utilização de uma mesma zona com vista à exploração de recursos distintos e sobre os efeitos negativos alegados sobre uma dessas atividades que resultariam da escolha das autoridades nacionais de pagarem um auxílio em proveito da segunda dessas atividades. Mais precisamente, o presente processo suscita a questão de saber se os impactos negativos presumidos da exploração dos parques eólicos que é objeto dos auxílios controvertidos no seu ambiente, em especial sobre as atividades de pesca coexistentes, no meio marinho e nos recursos haliêuticos, podem ser considerados uma incidência concreta da concessão desses auxílios na situação das empresas de pesca em causa.

89      A este respeito, embora não se possa excluir, por princípio, que um auxílio afeta concretamente os interesses de terceiros em razão dos impactos que a instalação auxiliada gera no seu ambiente, nomeadamente sobre as outras atividades que se exercem nas imediações, resulta dos n.os 64 e 73, supra, que, segundo a jurisprudência, esses terceiros, para serem qualificados de partes interessadas, devem demonstrar suficientemente o risco dessa afetação concreta. Além disso, não basta, para tal, demonstrar a existência dos referidos impactos, mas é ainda necessário demonstrar que estes impactos resultam do próprio auxílio. No caso contrário, qualquer indivíduo ou empresa que, em virtude da sua localização, tenha interesses suscetíveis de ser afetados por esses impactos, poderia potencialmente reivindicar a qualidade de parte interessada, o que seria manifestamente incompatível com o artigo 108.o, n.o 2, do TFUE, tal como interpretado pela jurisprudência (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, BPC Lux 2 e o./Comissão, T‑812/14 RENV, não publicado, EU:T:2019:885, n.o 60 e jurisprudência referida).

90      No caso em apreço, em primeiro lugar, há que salientar que, como alegam a Comissão e as intervenientes em apoio desta, os riscos de alegados impactos dos projetos em causa sobre as atividades de pesca nas zonas em causa resultam, por um lado, das decisões das autoridades francesas de implantar esses projetos em sítios onde se exercem essas atividades e, por outro, das que essas autoridades podem tomar para regulamentar a navegação marítima e a pesca nesses sítios e nos arredores destes. Como sublinha a República Francesa, estas decisões materializam‑se, respetivamente, através de autorizações de exploração e através de decisões de ocupação e de gestão do domínio público, mas não através da concessão dos auxílios controvertidos.

91      Em segundo lugar, há que salientar que as decisões de concessão dos auxílios controvertidos não são suscetíveis de influenciar a implantação dos projetos em causa ou o controlo da limitação das atividades de pesca nas zonas afetadas por essa implantação.

92      Com efeito, antes de mais, como resulta da decisão impugnada e da petição e como confirmam os documentos relativos aos concursos de 2011 e de 2013 relativos aos projetos em causa, aos quais se refere essa decisão, a localização exata dos locais desses projetos já tinha sido fixada à data desses concursos e fazia parte integrante das condições destes.

93      Em seguida, foi só posteriormente à abertura dos referidos concursos, quando da aceitação das propostas dos candidatos selecionados, que a decisão de concessão dos auxílios foi adotada (v. n.o 71 da decisão impugnada). Por outro lado, não resulta da decisão impugnada nem dos elementos apresentados pelas partes que a renegociação desses auxílios que teve lugar em 2018, que tinha por objeto unicamente a diminuição do seu montante, tendo em conta, nomeadamente, as evoluções tecnológicas e jurídicas relativas a esses projetos, teve ela própria incidência nas condições dessa implantação.

94      Por último, o pagamento dos auxílios controvertidos está relacionado com o compromisso das autoridades francesas de procederem a um reexame desses auxílios em caso de alteração posterior das características técnicas dos projetos em causa (ponto 105 da decisão impugnada). Por outro lado, as condições de concessão desses auxílios preveem uma diminuição do seu montante no termo do contrato com o comprador de eletricidade e uma limitação da duração dos referidos auxílios a 20 anos, período além do qual a produção de eletricidade deixará de ser subvencionada (n.os 23 e 24 da decisão impugnada). Ora, não se pode deixar de observar que este mecanismo degressivo de pagamento dos auxílios é totalmente independente dos riscos de alegados impactos dos projetos em causa sobre as atividades dos pescadores recorrentes e não é suscetível de influenciar estes últimos, uma vez que estes impactos dependem unicamente das medidas técnicas e regulamentares eventuais tomadas para limitar essas atividades ou, pelo contrário, para facilitar a sua coexistência com esses projetos. Assim, mesmo depois de os auxílios controvertidos deixarem de ser pagos, esses impactos alegados são suscetíveis de perdurar independentemente desse pagamento.

95      Em terceiro lugar, os auxílios controvertidos, que correspondem à diferença entre o montante das tarifas de compra da eletricidade produzida pelas instalações que são objeto dos projetos em causa e o preço do mercado da eletricidade, só são suscetíveis de ter incidência nos mercados em que os beneficiários operam, a saber, a jusante, o mercado da eletricidade e, eventualmente, a montante, os contratos relativos aos fornecimentos necessários ao funcionamento dessas instalações. Não podem ter, por si mesmos, impacto nos mercados em que os próprios pescadores recorrentes exercem a sua atividade, o que, de resto, estes últimos não sustentam.

96      Em quarto lugar, quanto aos alegados impactos dos projetos em causa nos recursos haliêuticos e o meio marinho, basta salientar que, de modo análogo aos impactos dos referidos projetos no exercício da pesca nas zonas em causa, dependem unicamente das decisões das autoridades francesas de implantação desses projetos e das medidas técnicas e regulamentares que lhes são aplicáveis, suscetíveis de influenciar positivamente ou negativamente esses impactos. A este respeito, não resulta das alegações dos pescadores recorrentes e dos intervenientes em apoio destes nem dos elementos que apresentaram em apoio das alegações que o pagamento dos auxílios controvertidos apresenta uma ligação com esses impactos nos recursos haliêuticos e o meio marinho. Por conseguinte, sem que seja necessário examinar a argumentação da Comissão e dos intervenientes em apoio desta quanto à falta de prova desses impactos, estes últimos não podem, de qualquer modo, conferir aos pescadores recorrentes a qualidade de partes interessadas.

97      Resulta do que precede que o mecanismo de concessão dos auxílios controvertidos não apresenta qualquer relação com os impactos alegados dos projetos em causa nas atividades dos pescadores recorrentes. Com efeito, estes impactos são inerentes, por um lado, às decisões das autoridades francesas de implantação desses projetos nas zonas em causa no âmbito da sua política de exploração dos recursos energéticos e, por outro, à regulamentação do espaço público marítimo e às medidas técnicas aplicáveis aos referidos projetos. Em contrapartida, a decisão dessas autoridades de conceder aos exploradores desses projetos auxílios sob a forma de uma obrigação de compra assumida pelo Estado embora lhes confira uma vantagem em relação aos produtores de eletricidade não subvencionada, tal decisão não tem, por si só, influência nos resultados económicos dos pescadores recorrentes. Os auxílios controvertidos não podem, portanto, ser considerados, em si mesmos, suscetíveis de ter incidência concreta na sua situação, na aceção da jurisprudência acima recordada no n.o 64, supra.

98      Esta conclusão não é posta em causa pelos diferentes argumentos dos pescadores recorrentes destinados a demonstrar a existência de uma ligação entre os auxílios controvertidos e os impactos alegados dos projetos em causa sobre a sua situação.

99      Em primeiro lugar, os pescadores recorrentes alegam na réplica e nas suas observações sobre os articulados das intervenientes em apoio da Comissão que o pagamento dos auxílios é necessário à execução dos projetos em causa e à sua exploração.

100    A este respeito, por um lado, como resulta da secção 3.2 das Orientações de 2008 (efeito de incentivo e necessidade do auxílio), na qual a Comissão se baseou nos n.os 81 a 86 da decisão impugnada, e desses próprios pontos, a necessidade dos auxílios para efeitos da execução e da exploração de projetos destinados à proteção do ambiente, como os projetos em causa, é precisamente uma condição da sua compatibilidade. Em especial, nos termos do ponto 146, alínea c), das Orientações de 2008, para demonstrar o efeito de incentivo do auxílio, o Estado‑Membro em causa deve provar que o investimento não teria sido suficientemente rentável sem auxílio. Por conseguinte, admitir, como sustentam, que o risco de incidência concreta dos auxílios controvertidos nas suas atividades estaria demonstrado pelo simples facto da necessidade do auxílio para a existência dos referidos projetos equivale a conferir potencialmente a qualidade de parte interessada a qualquer empresa ou a qualquer particular sobre cujos interesses os referidos projetos podem ter impactos, o que, como foi indicado no n.o 89, supra, não pode ser aceite. Além disso, há que salientar que tal conceção da qualidade de parte interessada permitiria, na prática, a contestação sistemática das decisões de não suscitar objeções relativas aos auxílios à proteção do ambiente por essas empresas ou por esses particulares, uma vez que a prova do risco de uma incidência concreta na sua situação estaria automaticamente demonstrada devido à necessidade desses auxílios.

101    Por outro lado, há que salientar que a argumentação dos pescadores recorrentes tem por objeto, no caso em apreço, como resulta, em substância, da réplica, não os efeitos dos auxílios controvertidos em si mesmos, mas os efeitos das decisões de implantação dos parques eólicos marítimos a que os projetos em causa dizem respeito, os quais, em seu entender, implicam, nomeadamente, a proibição total ou parcial das atividades de pesca e as limitações técnicas que os tornam dificilmente praticáveis nas zonas em causa. Assim, como sugerem as intervenientes em apoio da Comissão, o recurso da decisão impugnada apenas constitui, de certo modo, o prolongamento dos recursos dos pescadores recorrentes contra as decisões das autoridades públicas francesas relativas a estes projetos nos órgãos jurisdicionais nacionais. Ora, resulta do artigo 194.o, n.o 2, segundo parágrafo, TFUE que os Tratados não afetam o direito dos Estados‑Membros de determinar as condições de exploração dos seus recursos energéticos, a sua escolha entre as diferentes fontes de energia e a estrutura geral do seu abastecimento energético (v., neste sentido, Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.o 48).

102    Por conseguinte, mesmo que os pescadores recorrentes possam ter interesse em impugnar nos órgãos jurisdicionais nacionais as decisões e as opções das autoridades francesas quanto à exploração da energia eólica marítimos, em razão das potenciais incidências dessa exploração na sua situação, esta circunstância não basta para lhes conferir, no entanto, a qualidade de parte interessada no âmbito de um procedimento formal de investigação relativo ao pagamento de auxílios de Estado às empresas que participam na execução das referidas decisões e das referidas opções.

103    Em segundo lugar, o facto de que os pescadores recorrentes, como invocam, exerciam uma atividade de interesse geral, beneficiando de uma importância e de um estatuto particular por força do artigo 39.o TFUE, não pode, contrariamente ao que sustentam, ser tido em consideração no caso em apreço.

104    A este respeito, antes de mais, importa, é certo, recordar, à semelhança dos pescadores recorrentes, que os objetivos definidos no artigo 39.o TFUE, transponíveis para a política comum da pesca por força do artigo 38.o, n.o 1, TFUE, consistem, nomeadamente, em assegurar um nível de vida equitativo à população agrícola e a sua aplicação deve ter em conta, entre outras, o caráter especial da atividade agrícola, decorrente da estrutura social da agricultura e das disparidades estruturais e naturais entre as diversas regiões agrícolas.

105    Todavia, no caso em apreço, há que salientar que, segundo os pontos 74 a 79 da decisão recorrida, os auxílios controvertidos visam o desenvolvimento da produção de eletricidade a partir de fontes de energia renováveis, tendo em vista, nomeadamente, contribuir para o objetivo da República Francesa de aumentar a quota dessas fontes de energia no consumo final de eletricidade. Ora, estas finalidades são completamente alheias aos objetivos da política comum das pescas, definidos no artigo 39.o TFUE.

106    Em seguida, há que recordar que, no que respeita à concessão de auxílios como os auxílios controvertidos, baseado no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, o Tribunal de Justiça declarou que, em conformidade com esta disposição, um auxílio de Estado deve preencher duas condições, sendo a primeira destinada a facilitar o desenvolvimento de certas atividades ou regiões económicas, sendo a segunda, formulada de forma negativa, a de que não deve alterar as condições das trocas comerciais numa medida contrária ao interesse comum. Por conseguinte, esta disposição não subordina a compatibilidade de um auxílio à condição de prosseguir um objetivo de interesse comum, e isto sem prejuízo da circunstância de as decisões adotadas pela Comissão a esse título deverem velar pelo respeito do direito da União (Acórdão de 22 de setembro de 2020, Áustria/Comissão, C‑594/18 P, EU:C:2020:742, n.os 19 e 20).

107    Por conseguinte, a questão de saber se, como sugerem os pescadores recorrentes, os objetivos de interesse comum visados no artigo 39.o TFUE devem ser tidos em conta no âmbito do exame dos auxílios controvertidos carece de pertinência à luz dos requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 3, alínea c), TFUE, recordados no n.o 106, supra. Esta questão não pode, portanto, ser tida em conta para apreciar a sua qualidade de partes interessadas. Com efeito, o direito de uma parte interessada de apresentar observações no âmbito do procedimento formal de investigação e, portanto, como foi recordado no n.o 62, supra, de contestar uma decisão de não levantar objeções, que recusa implicitamente dar início a esse procedimento, deve ser analisado à luz do seu objetivo, que é, nomeadamente, permitir à Comissão reunir todos os pareceres necessários quando um primeiro exame de um auxílio não lhe tenha permitido ultrapassar todas as dificuldades ligadas à verificação da compatibilidade desta última com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2020, Vereniging tot Behoud van Natuurmonumenten in Nederland e o./Comissão, C‑817/18 P, EU:C:2020:637, n.o 76 e jurisprudência referida).

108    Por último, de qualquer modo, os riscos de impactos alegados dos projetos em causa no exercício da pesca nas zonas em causa e nos recursos haliêuticos e o ambiente marinho não podem, admitindo‑os demonstrados, constituir a prova de que os auxílios em causa são contrários aos objetivos definidos no artigo 39.o TFUE.

109    Por um lado, devido ao seu caráter muito geral, os objetivos definidos no artigo 39.o TFUE não podem ser postos em causa em razão de uma eventual incidência negativa dos referidos projetos nas atividades dos pescadores recorrentes.

110    Por outro lado, como já foi indicado no n.o 81, supra, os pescadores recorrentes não dispõem de um direito incondicional à utilização do espaço público marítimo abrangido pelas suas zonas de pesca e, como indicam eles próprios, as suas atividades já estão sujeitas a limitações devido à regulamentação que lhes é aplicável. De resto, como resulta, nomeadamente, das cartas relativas ao seu esforço de pesca, juntas à petição, os sítios de implantação dos projetos em causa apenas cobrem uma parte dessas zonas e não é alegado nem está demonstrado que esses projetos sejam suscetíveis de pôr em causa o seu nível de vida ou a estrutura social da pesca artesanal nessas zonas. Além disso, como já foi referido no n.o 80, supra, contrariamente ao que estes recorrentes parecem sugerir, os documentos apresentados pela República Francesa ilustram a vontade das autoridades francesas de permitir a coexistência das atividades de pesca e dos parques eólicos marítimos em questão.

111    Em terceiro lugar, os pescadores recorrentes alegam, na réplica, que, de qualquer modo, têm interesse em agir contra a decisão impugnada em razão dos recursos interpostos por alguns deles nos órgãos jurisdicionais nacionais contra as autorizações de exploração de dois dos projetos em causa.

112    A este respeito, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, o interesse em agir e a legitimidade para agir constituem dois requisitos de admissibilidade distintos que uma pessoa singular ou coletiva deve preencher cumulativamente para poder interpor um recurso de anulação ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.o 62 e jurisprudência referida). Ora, ainda que os processos nos órgãos jurisdicionais nacionais conferissem aos pescadores recorrentes interesse em agir contra a decisão impugnada, há que salientar que, como resulta nomeadamente da jurisprudência recordada no n.o 62, supra, a questão de saber se um recorrente é uma parte interessada na aceção do artigo 1.o, alínea h), do Regulamento 2015/1589 e se tem, a este título, legitimidade para impugnar uma decisão de não suscitar objeções refere‑se à legitimidade para agir do referido recorrente.

113    Resulta de tudo o que precede que os pescadores recorrentes não demonstram suficientemente o risco de uma incidência concreta dos auxílios controvertidos na sua situação. O recurso da decisão impugnada, na parte em que lhes diz respeito, deve, portanto, ser julgado inadmissível.

 Quanto à qualidade de parte interessada da primeira recorrente

114    No que respeita à primeira recorrente, uma cooperativa formada pelos pescadores do Tréport e dos portos circundantes para mutualizar a compra e a revenda de combustíveis, de lubrificantes e de matérias gordas (v. n.o 1, supra), saliente‑se que a sua atividade depende das decisões económicas da sua clientela e não do pagamento dos auxílios controvertidos. Não existe, portanto, de qualquer modo, nenhum elo de ligação entre este pagamento e a evolução desta atividade, tanto mais que, como resulta dos anexos da petição apresentados a este respeito, esta clientela não se reduz aos pescadores recorrentes, mas inclui cerca de 70 profissionais matriculados em Hauts‑de‑France, na Normandia e na Bretanha. Acrescente‑se que os mapas de densidade da frequentação dos navios clientes da primeira recorrente, que foram igualmente vertidos aos autos, sugerem um perímetro de atividade mais importante do que o dos pescadores recorrentes. Daqui resulta que o risco de uma incidência concreta dos auxílios controvertidos na sua situação não está, de qualquer modo, demonstrado e que esta recorrente não pode ser considerada parte interessada. Por conseguinte, o recurso da decisão impugnada, na parte em que lhe diz respeito, deve igualmente ser julgado inadmissível.

115    Em face do exposto, sem que seja necessário examinar a argumentação da Comissão segundo a qual os recorrentes não têm um estatuto particular na aceção do Acórdão de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, EU:C:1963:17), nomeadamente segundo a qual a sua posição no mercado não é substancialmente afetada pelos auxílios controvertidos, há que concluir que nenhum dos recorrentes tem legitimidade para agir contra a decisão impugnada.

116    Por conseguinte, o recurso deve ser julgado inadmissível.

 Quanto às despesas

117    Nos termos do n.o 1 do artigo 134.o do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

118    Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

119    Tendo o vice‑presidente do Tribunal Geral, por Despacho de 2 de julho de 2021, Bourel e o./Comissão (T‑777/19 R, não publicado, EU:T:2021:407), reservado para final a decisão quanto às despesas do processo de medidas provisórias, há que decidir sobre este último. A este respeito, tendo o sexto a décimo primeiro recorrentes sido vencidos no âmbito deste processo, há que condená‑los nas despesas deste, em conformidade com os pedidos da Comissão.

120    Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a República Francesa suportará as suas próprias despesas.

121    Segundo o artigo 138.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral pode decidir que um interveniente diferente dos referidos nos n.os 1 e 2 do referido artigo suporte as suas próprias despesas.

122    No caso em apreço, há que decidir que os intervenientes diferentes da República Francesa suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

É negado provimento ao recurso.A Coopérative des artisans pêcheurs associés (CAPA) Sarl e as restantes recorrentes cujos nomes figuram em anexo são condenadas nas despesas.David Bourel e os restantes recorrentes no processo T777/19 R, cujos nomes figuram em anexo, são condenados nas despesas do processo de medidas provisórias.A República Francesa, o comité régional des pêches maritimes et des élevages marins des HautsdeFrance (CRPMEM), o Fonds régional d’organisation du marché du poisson (FROM NORD), a Organisation de producteurs CME MancheMer du Nord (OP CME MancheMer du Nord), Ailes Marines SAS, Éoliennes Offshore des Hautes Falaises SAS, Éoliennes Offshore du Calvados SAS, Parc du Banc de Guérande SAS, Éoliennes en Mer Dieppe Le Tréport SAS e Éoliennes en Mer Îles d’Yeu et de Noirmoutier SAS suportarão as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de setembro de 2021.


*      Língua do processo: francês.


1      A lista dos outros recorrentes está anexada unicamente à versão notificada às partes.