Language of document : ECLI:EU:T:2000:93

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

30 de Março de 2000 (1)

«Concorrência - Vidro float - Direitos de defesa e direitos processuais da denunciante - Mercado do produto e mercado geográfico - Artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE)»

No processo T-65/96,

Kish Glass & Co. Ltd, com sede em Dublim (Irlanda), representada por M. Byrne, solicitor, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por R. Lyal, membro do Serviço Jurídico, e R. Caudwell, funcionária nacional destacada junto da Comissão, depois, na audiência, por B. Doherty, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

apoiada por

Pilkington United Kingdom Ltd, com sede em Saint Helens, Merseyside (Reino Unido), representada por J. Kallaugher, solicitor, Andreas Weitbrecht, advogadoem Berlim, e M. Hansen, advogado em Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolter, 11, rue Goethe,

interveniente,

que tem por objecto a anulação da decisão da Comissão de 21 de Fevereiro de 1996 (processo IV/34.193 - Kish Glass) que indeferiu uma queixa apresentada pela recorrente, em 17 de Janeiro de 1992, com fundamento no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), na qual denunciava uma violação do artigo 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de Abril de 1999,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto na origem do litígio

1.
    Em 17 de Janeiro de 1992, a Kish Glass & Co Ltd. (a seguir «Kish Glass» ou «recorrente»), sociedade de direito irlandês fornecedora de vidro, apresentou à Comissão uma queixa nos termos do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17»), na qual denunciava o abuso de posição dominante que teriam cometido a Pilkington United Kingdom Ltd. (a seguir «Pilkington») e a sua filial alemã, Flabeg GmbH, no mercado irlandês do vidro float de 4 mm ao aplicarem-lhe condições diferentes das oferecidas a outros compradores para prestações equivalentes e ao recusarem fornecer-lhe o referido tipo de vidro para além de determinado limite, colocando-a desse modo numa situação de concorrência desvantajosa.

2.
    Em 14 de Fevereiro de 1992, a Comissão enviou um pedido de informações à recorrente, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, ao qual esta respondeu em 10 de Março de 1992.

3.
    Convidada pela Comissão a tomar posição sobre a queixa em causa, a Pilkington afirmou que não ocupava uma posição dominante no mercado do vidro float e que aplicava um sistema de descontos baseado na importância do cliente, nos prazos de pagamento e na quantidade adquirida.

4.
    Em 1 de Julho de 1992, a recorrente apresentou à Comissão os seus comentários sobre as observações da Pilkington. Reiterou que o sistema de classificação dos clientes utilizado pela Pilkington era discriminatório e que esta, com uma quota de mercado superior a 80%, era o primeiro fornecedor de vidro float de 4 mm na Irlanda, mercado geográfico relevante na apreciação da posição dominante que a mesma ocupava.

5.
    Em 9 de Julho de 1992, a Comissão respondeu à recorrente que um sistema de descontos baseado na classificação dos clientes por categorias e na quantidade não era discriminatório. A recorrente enviou as suas observações sobre estas afirmações em 10 de Agosto de 1992.

6.
    Em 18 de Novembro de 1992, a Comissão enviou à recorrente uma carta nos termos do artigo 6.° do seu Regulamento n.° 99/63/CEE, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições previstas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir «Regulamento n.° 99/63»), na qual referia que não havia fundamento suficiente para dar sequência favorável à queixa apresentada e convidava a recorrente a apresentar eventuais observações complementares com vista à sua tomada de posição definitiva. A Kish Glass correspondeu a essa solicitação.

7.
    Na sequência de uma reunião informal realizada em 27 de Abril de 1993, a Comissão informou a recorrente, por carta de 24 de Junho de 1993, de que as suas observações não continham qualquer elemento de facto ou de direito susceptível de afectar as conclusões contidas na sua carta de 18 de Novembro de 1992. Contudo, a Comissão comunicou à recorrente a sua intenção de enviar à Pilkington um pedido de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, e referiu-lhe que seria informada da sequência do processo.

8.
    Em 3 de Dezembro de 1993, a Comissão enviou à recorrente uma versão não confidencial da resposta da Pilkington ao referido pedido de informações.

9.
    Por cartas de 16 de Fevereiro e 1 de Março de 1994, a Pilkington expôs à Comissão o seu ponto de vista sobre a definição do mercado geográfico em causa e sobre a alegada posição dominante que no mesmo ocuparia.

10.
    Por duas cartas de 8 de Março de 1994 enviadas à Comissão, a Kish Glass confirmou o seu ponto de vista sobre a definição do mercado geográfico relevante, que é o mercado irlandês, e sobre o alegado abuso de posição dominante que a Pilkington teria cometido sobre o mercado específico do vidro float de 4 mm. Forneceu também à Comissão informações sobre os preços praticados pela Pilkington no mercado irlandês.

11.
    Em 24 e 27 de Maio de 1994, a recorrente apresentou à Comissão outros elementos que demonstravam que as despesas de transporte da Europa continental para a Irlanda são muito mais elevadas que as do Reino Unido para a Irlanda e provavam a existência de um mercado geográfico local.

12.
    Por carta de 10 de Junho de 1994, a Pilkington manifestou à Comissão o seu desacordo sobre as informações relativas às despesas de transporte fornecidas pela recorrente.

13.
    Após ter recolhido informações junto de outros fabricantes de vidro da Comunidade, a Comissão enviou à recorrente, em 19 de Julho de 1995, uma segunda carta nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, na qual confirmava que o mercado do produto em causa era o da venda aos distribuidores de vidro float de todas as espessuras, que o mercado geográfico relevante abrangia toda a Comunidade e que a Pilkington não ocupava no mesmo uma posição dominante.

14.
    Em 31 de Agosto de 1995, a recorrente apresentou as suas observações sobre esta segunda carta nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, nas quais contestava de novo tanto a definição do mercado geográfico e do mercado do produto adoptada pela Comissão como a sua apreciação da posição dominante detida pela Pilkington.

15.
    Entre 31 de Outubro e 3 de Novembro de 1995, a Comissão informou-se junto de oito importadores de vidro com sede na Irlanda, telefonicamente e por telecópia, quanto aos métodos de aquisição de vidro float de 4 mm.

16.
    Em 14 de Novembro de 1995, a Comissão enviou pedidos de informações, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, a sociedades que operam no mercado irlandês, incluindo a recorrente e a Pilkington, a fim de obter informações sobre a quantidade de vidro float de 4 mm vendida na Irlanda, as espessuras do vidro vendido e os preços de transporte para a zona de Dublim.

17.
    Em 18 de Dezembro de 1995, a Comissão enviou à recorrente cinco respostas de sociedades vidreiras, que foram recebidas em 22 de Dezembro de 1995. Em 7 de Fevereiro de 1996, a Comissão enviou-lhe cinco outras respostas de sociedades vidreiras, que foram recebidas em 12 de Fevereiro de 1996.

18.
    Por decisão de 21 de Fevereiro de 1996, que foi recebida pela recorrente em 1 de Março de 1996, a Comissão indeferiu definitivamente a queixa apresentada pela Kish Glass (processo IV/34.193 - Kish Glass) (a seguir «decisão impugnada»). Nela a Comissão mantém a sua posição anterior, ou seja, que o mercado do produto em causa é constituído pela venda de vidro float de quaisquer espessuras aos distribuidores, que o mercado geográfico em causa abrange a Comunidade considerada no seu todo, ou pelo menos a parte norte da Comunidade, e que a Pilkington não ocupa no mesmo uma posição dominante.

Tramitação processual

19.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Maio de 1996, a Kish Glass interpôs o presente recurso.

20.
    Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 30 de Setembro de 1996, a Pilkington pediu para intervir em apoio dos pedidos da recorrida. Por despacho de 30 de Junho de 1997, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu esta intervenção.

21.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo sem instrução. Convidou, contudo, a Comissão a responder a determinadas questões escritas, às quais a Comissão respondeu em 22 de Março de 1999.

22.
    Foram ouvidas alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal de Primeira Instância na audiência de 28 de Abril de 1999.

Pedidos das partes

23.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão da Comissão, de 21 de Fevereiro de 1996, no processo IV/34.193 - Kish Glass;

-    condenar a Comissão nas despesas.

24.
    A recorrida, apoiada pela interveniente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Questão de direito

25.
    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca cinco fundamentos. No primeiro fundamento, que se divide em duas partes, queixa-se de que a Comissão, por um lado, violou os seus direitos de defesa e, por outro, violou o princípio da segurança jurídica e cometeu um desvio de poder. No segundo fundamento, queixa-se de que a recorrida ignorou as regras processuais. O terceiro fundamento assenta na violação de formalidades essenciais e do princípio da segurança jurídica. Nos quarto e quinto fundamentos, a recorrente queixa-se de que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na determinação, por um lado, do mercado do produto relevante e, por outro, do mercado geográfico.

Quanto ao primeiro fundamento, assente em violação dos direitos de defesa da recorrente e do princípio da segurança jurídica, bem como em desvio de poder

Argumentos das partes

26.
    Em primeiro lugar, a recorrente afirma que a Comissão não lhe concedeu um prazo suficiente para lhe permitir apresentar o seu ponto de vista, violando dessemodo os seus direitos de defesa. Em segundo lugar, afirma que a Comissão, ao recolher informações segundo métodos não previstos no Regulamento n.° 17, cometeu um desvio de poder e violou o princípio da segurança jurídica.

- Quanto à violação dos direitos de defesa da recorrente

27.
    A recorrente salienta, por um lado, que a Comissão, por carta de 14 de Novembro de 1995, solicitou às sociedades irlandesas que lhe fornecessem informações sobre a quantidade, dimensões e espessuras do vidro float vendido no mercado irlandês e nos mercados da Europa continental. A recorrente recebeu cópia das respostas das sociedades irlandesas em 22 de Dezembro de 1995 e 12 de Fevereiro de 1996, nas quais se baseia a decisão impugnada, adoptada em 21 de Fevereiro de 1996. O conteúdo das respostas poderia apoiar a sua tese, mas a Comissão deu à recorrente um prazo demasiado curto (nove dias) para comentar o conjunto das respostas das sociedades irlandesas, impedindo-a assim de exercer os seus direitos de defesa.

28.
    A recorrente lembra, por outro lado, que, na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça estabeleceu que a protecção dos direitos da defesa constitui um princípio fundamental do direito comunitário que deve ser garantido, mesmo não existindo qualquer regulamentação específica, em qualquer processo susceptível de conduzir a uma medida desfavorável a uma pessoa. No âmbito da aplicação dos direitos da defesa, a Comissão estabeleceu, aliás, regras que regulam o acesso ao processo tanto para o requerido como para o requerente. Além disso, a jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, tanto em matéria de concorrência como em matéria de dumping, esclareceu que resulta implicitamente do direito de acesso ao processo o direito de comentar as peças que o compõem.

29.
    A Comissão afirma que os documentos anexos à petição inicial demonstram que, durante a instrução da sua queixa, a recorrente teve várias vezes ocasião de apresentar à Comissão o seu ponto de vista; em especial, desde a apresentação da queixa até à carta que lhe foi enviada em 19 de Julho de 1995, a recorrente usou por nove vezes da faculdade de apresentar as suas observações. A este respeito, a Comissão precisa que, em 18 de Dezembro de 1995, foram enviadas à recorrente cópias não confidenciais das respostas da Pilkington e de quatro importadores irlandeses de vidro, ou seja, dois meses antes da adopção da decisão impugnada; duas destas quatro empresas figuravam entre os três principais importadores e as duas restantes entre os importadores de vidro mais pequenos. Acresce que foram enviadas à recorrente, em 7 de Fevereiro de 1996, cópias não confidenciais de cinco outras respostas: estas respostas corroboravam as informações que a Comissão obteve através dos seus inquéritos telefónicos, realizados entre 31 de Outubro e 3 de Novembro de 1995, informações que foram comunicadas à recorrente. Esta beneficiou de duas semanas adicionais para apresentar as suas observações quanto às respostas referidas em último lugar. A recorrente estava plenamente informada do seu direito de dar a conhecer o seu ponto de vista sobre os documentos juntos ao processo, aos quais tinha acesso; não era, assim, necessário que lhe fosse dirigido um convite formal nesse sentido.

- Quanto ao desvio de poder e à violação do princípio da segurança jurídica

30.
    A recorrente salienta que, durante a fase escrita do processo, a Comissão esclareceu que os pedidos de informações enviados em 14 de Novembro de 1995 às empresas irlandesas tinham como único objectivo obter provas documentais das respostas que as mesmas tinham já dado por telecópia e por telefone. Afirma que o método escolhido pela Comissão para obter as informações de que necessitava, ou seja, por telefone e seguidamente por escrito, não está previsto no artigo 11.°, n.os 2 a 6, do Regulamento n.° 17 e, consequentemente, é incompatível com estas últimas disposições. A Comissão cometeu, por isso, um desvio de poder e violou o princípio da segurança jurídica.

31.
    A Comissão considera que o artigo 11.° do Regulamento n.° 17 não exclui a possibilidade de obter informações verbalmente, acompanhadas posteriormente por pedidos de informação oficiais.

Apreciação do Tribunal

- Quanto à violação dos direitos de defesa da recorrente

32.
    Segundo jurisprudência bem assente, o respeito dos direitos da defesa em qualquer processo dirigido contra uma pessoa e susceptível de levar à adopção de um acto que lese os interesses desta constitui um princípio fundamental do direito comunitário e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação especifica. Este princípio exige que a empresa interessada tenha sido posta em condições,desde a fase do procedimento administrativo, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos, acusações e circunstâncias alegadas pela Comissão (v., designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1990, França/Comissão, C-301/87, Colect., p. I-307, n.° 29, de 12 de Fevereiro de 1992, Países Baixos e o./Comissão, C-48/90 e C-66/90, Colect., p. I-565, n.° 37, de 29 de Junho de 1994, Fiskano/Comissão, C-135/92, Colect., p. I-2885, n.os 39 e 40, e de 14 de Maio de 1998, Windpark Groothusen/Comissão, C-48/96 P, Colect., p. I-2873, n.° 47).

33.
    Contudo, deve realçar-se que este princípio diz respeito aos direitos de defesa de pessoas contra as quais a Comissão dirige o seu inquérito. Ora, como a Comissão já observou, um inquérito deste tipo não constitui um processo contraditório entre as empresas interessadas, mas um processo instaurado pela Comissão, oficiosamente ou na sequência de uma queixa, no exercício da sua missão de zelar pelo respeito das regras de concorrência. Daqui resulta que as empresas contra as quais foi instaurado o processo e as que apresentaram um pedido nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17, justificando o interesse legítimo na cessação de uma alegada violação, não se encontram na mesma situação processual e que as últimas não podem invocar os direitos da defesa na acepção da jurisprudência invocada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 19, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Julho de 1994, Matra Hachette/Comissão, T-17/93, Colect., p. II-595, n.° 34).

34.
    No que respeita ao direito de acesso ao processo, dado que o mesmo se enquadra também nas garantias processuais destinadas a proteger os direitos da defesa, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, de modo análogo, que o princípio da natureza plenamente contraditória do procedimento administrativo perante a Comissão no domínio das regras de concorrência aplicáveis às empresas só se impõe relativamente às empresas susceptíveis de ser sancionadas por uma decisão da Comissão que declare uma infracção aos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° e 82.° CE), no sentido em que os direitos dos terceiros, tais como consagrados no artigo 19.° do Regulamento n.° 17, estão limitados ao direito de ser associados ao processo administrativo. Em especial, os terceiros não podem pretender dispor de um direito de acesso ao procedimento em poder da Comissão em condições idênticas àquelas que podem pretender as empresas acusadas (acórdão Matra Hachette/Comissão, já referido, n.° 34).

35.
    No que respeita aos direitos da recorrente enquanto queixosa, o Tribunal de Primeira Instância recorda que, no presente caso, o processo de instrução da queixa se prolongou por mais de quatro anos e a recorrente teve ocasião de manifestar o seu ponto de vista por várias vezes. Quanto, em especial, às cinco últimas respostas das sociedades irlandesas que foram comunicadas à recorrente, as mesmas não alteravam os pontos essenciais que são objecto do processo e, consequentemente, o facto de a Comissão só ter dado nove dias à recorrente, antesda adopção da decisão impugnada, para comentar as suas respostas não a impediu de dar a conhecer validamente o seu ponto de vista.

36.
    Nestas circunstâncias, não se pode afirmar que os direitos de defesa da recorrente foram violados.

- Quanto ao desvio de poder e à violação do princípio da segurança jurídica

37.
    No que respeita ao argumento segundo o qual a Comissão cometeu um desvio de poder ao solicitar às sociedades vidreiras irlandesas informações por telefone ou telecópia, embora o artigo 11.° do Regulamento n.° 17 estabeleça que esses pedidos devem ser feitos por escrito, deve recordar-se previamente que, segundo jurisprudência constante, constitui um desvio de poder a adopção, por uma instituição comunitária, de um acto com a finalidade exclusiva ou, pelo menos, determinante de atingir fins diversos dos invocados (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Novembro de 1996, Reino Unido/Conselho, C-84/94, Colect., p. I-5755, n.° 69, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Janeiro de 1997, SFEI e o./Comissão, T-77/95, Colect., p. II-1, n.° 116).

38.
    No presente processo, há que observar, por um lado, que o artigo 11.° do Regulamento n.° 17 não impede a Comissão de obter informações por meio de pedidos verbais, acompanhando-os de pedidos formulados em devida forma e, por outro, que a recorrente não apresentou prova de que a recolha verbal dessas informações tivesse outro fim que não o previsto no referido artigo.

39.
    Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na totalidade.

Quanto ao segundo fundamento, assente em violação das regras processuais

Argumentos das partes

40.
    A recorrente afirma que a Comissão ignorou as garantias processuais previstas pelo direito comunitário ao dirigir à Pilkington um pedido de informações não redigido de forma objectiva.

41.
    Em apoio da sua tese, a recorrente realça que a Comissão enviou à Pilkington um pedido de informações, em 14 de Novembro de 1995, no próprio dia em que enviou pedidos de informações às sociedades irlandesas. Nos termos do pedido de informações da Comissão: «Na sua resposta, a Kish reitera que o vidro float claro de 4 mm constitui um mercado distinto na Irlanda... a Kish reitera ainda que apenas a Pilkington pode fornecer as dimensões requeridas pelo mercado irlandês. A Comissão analisou este ponto, que se afigura pouco fundamentado. Apesar disso, para que do processo constem todos os elementos necessários ao indeferimento da queixa, mostrou-se necessário apresentar um novo pedido de informações.» Emconsequência, a Comissão informou a Pilkington de que o pedido tinha pouco fundamento, embora o problema em questão não tivesse ainda sido analisado, dado que não tinha ainda recebido as respostas às questões colocadas na carta de 14 de Novembro de 1995. Daqui resulta que a Comissão não podia fazer qualquer ideia do que poderia resultar dos pedidos de informações, mas, apesar disso, declarou à requerida que tinha intenção de indeferir a queixa, solicitando-lhe que lhe fornecesse as provas que lhe permitiriam assim proceder.

42.
    A Comissão observa que o artigo 11.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17 a obriga a indicar o objectivo para o qual são solicitadas as informações. Já sabia, no momento em que foram escritas as referidas cartas, que as afirmações da Kish Glass não tinham provavelmente fundamento, uma vez que, telefonicamente e por telecópia, já tinha obtido as respostas das empresas às quais se ia dirigir por escrito. A Comissão tinha, por isso, analisado seriamente e com a diligência exigida os argumentos da Kish Glass, mas tinha constatado que os mesmos eram incorrectos.

43.
    Segundo a interveniente, para que não seja violado o dever de imparcialidade, é essencial que a Comissão, no âmbito das suas averiguações, não faça juízos prévios sobre a sequência a dar a uma queixa; isto não significa que os funcionários da Comissão não possam formar uma primeira ideia quanto aos problemas levantados por uma queixa. O dever de imparcialidade exige que, pelo menos até que a queixosa tenha exercido o seu direito de apresentar observações nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, a Comissão continue aberta a toda e qualquer discussão que a possa fazer mudar de opinião. Contudo, quando os funcionáriosda Comissão tenham formado uma ideia preliminar, não existe qualquer obstáculo jurídico a que estes a comuniquem à empresa visada no inquérito. No caso em apreço, a Comissão já tinha comunicado o seu ponto de vista à Kish Glass, por carta nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, segundo a qual não havia que dar sequência à sua queixa. Além disso, a mesma já tinha tido ocasião de apresentar as suas observações sobre a posição da Comissão. Quando enviou o pedido de informação em questão, a Comissão já tinha uma primeira ideia, e a comunicação desta à Pilkington não constitui uma violação do princípio de objectividade e imparcialidade.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

44.
    Em primeiro lugar, deve recordar-se que, nos termos do artigo 11.°, n.° 3, do Regulamento n.° 17, quando a Comissão envia um pedido de informações a uma empresa ou a uma associação de empresas, é obrigada a indicar as bases jurídicas e o objectivo do pedido, bem como as sanções previstas no caso de ser fornecida uma informação incorrecta. Consequentemente, a Comissão tinha obrigação de informar a Pilkington, na carta de 14 de Novembro de 1995, das razões que a levavam a solicitar-lhe informações complementares.

45.
    Em segundo lugar, deve salientar-se que, segundo jurisprudência bem assente, quando a Comissão decide proceder à instrução de uma denúncia que lhe seja apresentada, deve, salvo fundamentação devidamente pormenorizada, fazê-lo com o cuidado, a seriedade e a diligência necessários para poder apreciar com pleno conhecimento de causa os elementos de facto e de direito submetidos à sua apreciação pelos denunciantes (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1993, Asia Motor France e o./Comissão, T-7/92, Colect., p. II-669, n.° 36).

46.
    No caso em apreço, resulta do processo que o inquérito da Comissão decorreu por um período que excedeu quatro anos, durante o qual a Comissão recolheu as observações de um número significativo de empresas do sector, as analisou e deu à queixosa, por várias vezes, a oportunidade de apresentar todos os elementos que podiam ser tidos em consideração. Ao assim proceder, a Comissão desempenhou todas as suas actividades com o cuidado, a seriedade e a diligência exigidos. Ao limitar-se a observar que a Comissão, na sua carta de 14 de Novembro de 1995, considerou que a sua queixa tinha «pouco fundamento» e solicitou informações suplementares à Pilkington para a «indeferir», a recorrente não demonstrou o contrário.

47.
    Consequentemente, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, assente em violação de formalidades essenciais e do princípio da segurança jurídica

Argumentos das partes

48.
    A recorrente afirma que a decisão da Comissão está viciada do ponto de vista formal e viola o princípio da segurança jurídica.

49.
    A este respeito, afirma que as decisões de indeferimento de queixas assumem habitualmente a forma de uma carta fundamentada, assinada pelo membro da Comissão encarregado da concorrência. No caso presente, este assinou simplesmente uma carta confirmativa que, depois de fazer um resumo do processo, indeferiu a queixa remetendo, quanto à fundamentação, para um documento separado. O referido documento não contém qualquer elemento (tal como uma assinatura ou mesmo iniciais) que prove que o membro da Comissão competente o tenha visado. Tendo em conta este procedimento não habitual, a recorrente não dispõe, então, de qualquer meio para determinar se o membro da Comissão competente viu ou aprovou a argumentação que serviu de fundamento ao indeferimento da sua queixa. Trata-se, assim, no presente caso, de um problema de forma e não de um problema de fundamentação.

50.
    A Comissão observa, por um lado, que a decisão impugnada não reveste uma forma não habitual e, por outro, que a mesma remete expressamente para o anexo que contém os fundamentos pelos quais decidiu indeferir a queixa.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

51.
    Deve recordar-se que a jurisprudência considera que a referência feita num acto a um acto distinto deve ser analisada à luz do artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE) e não viola o dever de fundamentação que incumbe às instituições comunitárias. No seu acórdão de 12 de Junho de 1997, Tiercé Ladbroke/Comissão (T-504/93, Colect., p. II-923, n.° 55), o Tribunal de Primeira Instância decidiu, assim, que uma decisão da Comissão comunicada ao autor da queixa que deu origem a um inquérito e que se refere a uma carta que lhe foi enviada nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 evidencia de modo suficientemente claro as razões pelas quais a referida queixa foi indeferida e preenche assim a obrigação de fundamentação imposta no artigo 190.° do Tratado. Independentemente da circunstância de a utilização desta referência ser qualificada como um problema de fundamentação ou de forma, esta análise é válida, a fortiori, quando é feita referência a um documento anexo a uma decisão e, consequentemente, contido na mesma. Além disso, a recorrente de modo algum fundamentou as suspeitas de que o membro da Comissão responsável não tenha tido conhecimento da fundamentação do acto impugnado.

52.
    A referência acima mencionada é suficiente para satisfazer os requisitos de segurança jurídica exigidos pelo direito comunitário.

53.
    Daqui resulta que o terceiro fundamento deve igualmente ser julgado improcedente.

Quanto ao quarto fundamento, assente em erro manifesto de apreciação na definição do mercado do produto em causa.

Argumentos das partes

54.
    A recorrente afirma que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao definir, no n.° 19 da decisão impugnada, o mercado do produto em causa não como o do vidro float de 4 mm, mas como o do vidro float em bruto ou tosco de quaisquer espessuras, vendido aos distribuidores, tomando em consideração a identidade dos operadores do referido mercado, tanto do lado da oferta como do lado da procura, para todas as espessuras de vidro. Quando produtos de dimensões e tipos diferentes não são substituíveis entre si do ponto de vista do utilizador, não basta averiguar se os operadores de mercado são os mesmo mas, como fez o Tribunal de Justiça no acórdão de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão (322/81, Recueil, p. 3461), convém igualmente tomar em consideração as condições de concorrência e a estrutura da oferta e da procura no mercado.

55.
    No que respeita às condições da concorrência, a recorrente salienta que, uma vez que uma percentagem significativa do mercado está reservada, de facto, apenas a um fabricante, os produtores que não vendem placas de vidro com as dimensões britânicas (2 440 mm x 1 220 mm) não são provavelmente competitivos no resto do mercado e podem, assim, decidir não o explorar e nem procurar apoiar aí a concorrência. Isto tem uma repercussão importante sobre as condições da concorrência no resto do mercado e é confirmado pela circunstância de grande parte do mercado (84%) do vidro float de 4 mm ser detida pela Pilkington. A este respeito, a recorrente salienta que, tanto quanto sabe, a Pilkington é o único fabricante de vidro float de 4 mm que utiliza chapas de determinadas dimensões, sobre as quais o vidro é arrefecido («lehr-beds»), que lhe permitem adaptar o vidro às dimensões britânicas sem desperdícios. A recorrente julga saber que os outros produtores, que produzem vidro continental, utilizam «lehr-beds» que só lhes permitem fabricar placas de formato continental (3 210 mm x 2 250 mm). Por último, é provável que, no mercado irlandês, apenas dois distribuidores possuam o equipamento necessário para reduzir as dimensões continentais às dimensões britânicas e que, além disso, um dos dois se abasteça junto da Pilkington em 30% do que necessita no que respeita a dimensões britânicas.

56.
    Por outro lado, no que diz respeito à estrutura da oferta, a recorrente afirma que, como foi confirmado pelas respostas das sociedades irlandesas, mais de 27% do vidro float de 4 mm vendido na Irlanda é de formato britânico. A Pilkington ocupa uma posição de quase monopólio no que respeita ao formato em questão (95% das vendas) e, além disso, detém 84% do mercado irlandês de vidro float de 4 mm. A oferta no mercado do vidro float é consequentemente afectada: devido a esta estrutura do mercado, os clientes que adquirem placas de formato britânico são obrigados a negociar, para o conjunto dos formatos, com este fabricante, que está em condição de satisfazer às suas outras necessidades em vidro float de 4 mm.

57.
    Além disso, a recorrente afirma que o vidro float de 4 mm deve ser considerado como o mercado do produto em causa, uma vez que o referido produto não pode ser substituído por vidro float de outras espessuras: a elasticidade cruzada da procura de vidro float de 4 mm e da de vidro de outras espessuras é igual a zero; os aumentos de preço do vidro float de 4 mm não têm provavelmente qualquer efeito sobre a procura de outros produtos de vidro float. A este respeito, apesar da flutuação importante do preço do vidro float de 4 mm na Irlanda, a procura de outros produtos de vidro float manteve-se constante. Resulta tanto da jurisprudência do Tribunal de Justiça e do Tribunal de Primeira Instância como das decisões da Comissão [Decisão 88/138/CEE da Comissão, de 22 de Dezembro de 1987, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/30.787 e 31.488 - Eurofix - Bauco/Hilti) (JO 1988, L 065, p. 19); Decisão 92/163/CEE da Comissão, de 24 de Julho de 1991, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/31.043 - Tetra Pak II) (JO 1992, L 72, p. 1); acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C-53/92 P, Colect., p. I-667; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 12 deDezembro de 1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect., p. II-1439, e de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T-83/91, Colect., p. II-755] que existe um mercado do produto em causa quando a elasticidade cruzada da procura entre produtos que podem ser considerados como substituíveis entre si é escassa: daí resulta que um mercado de produto é, por maioria de razão, distinto de outro quando a elasticidade cruzada é igual a zero.

58.
    Por último, acrescenta que se pode deduzir do facto de uma das quatro instalações de fabrico da Pilkington ser especializada na produção de vidro float de 4 mm que não é possível converter rapidamente a produção para outras espessuras.

59.
    A Comissão afirma que, no acórdão Michelin/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça declarou que produtos de tipos e dimensões diferentes, que não são substituíveis entre si do ponto de vista do utilizador, podem, apesar disso, ser considerados como fazendo parte de um único mercado quando sejam tecnicamente semelhantes ou complementares e sejam fornecidos por intermédio de revendedores que tenham de dar resposta a uma procura relativa a toda a gama dos produtos. Isto aplica-se ao mercado do vidro float em bruto, no qual os operadores do lado da oferta e do lado da procura, no primeiro estádio da distribuição, são os mesmos para todas as espessuras de vidro. Afirma que a recorrente não apresentou prova da sua afirmação e segundo as quais as condições da concorrência são afectadas quando, por um lado, uma percentagem significativa do mercado é efectivamente detida por um produtor e, por outro, os produtores que não vendem placas de vidro float de 4 mm de formato britânico têm poucas hipóteses de concorrer no resto do mercado e podem decidir não entrar em concorrência nesta última parte do mercado.

60.
    No que respeita às afirmações da recorrente sobre a estrutura da oferta segundo as quais a posição de quase monopólio sobre a parte de mercado do vidro float vendido nas dimensões britânicas confere à Pilkington uma vantagem insuperável sobre o conjunto do mercado, a Comissão responde que o vidro de determinada espessura vendido em certas dimensões pode ser substituído por vidro da mesma espessura vendido noutras dimensões, dado que todos os grossistas podem cortar os formatos maiores para obter o formato pretendido pelos transformadores eutilizadores finais. O vidro float de dimensões britânicas é utilizado exactamente para os mesmos fins económicos que o vidro float de medidas continentais.

61.
    Por último, salienta que a recorrente não apresentou qualquer prova em apoio da sua afirmação de que o comportamento do mercado do vidro float de 4 mm na Irlanda, pela sua alegada especificidade, seja independente do dos mercados de vidro de outras espessuras. Na realidade, a produção de vidro é tecnicamente quase idêntica para todas as espessuras, e a linha de produção pode ser rapidamente adaptada, sem custos excessivos, a fim de passar de uma espessura a outra.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

62.
    Deve recordar-se que, segundo jurisprudência bem assente, para efeitos da análise da posição, eventualmente dominante, de uma empresa em determinado mercado, as possibilidades de concorrência devem ser apreciadas no âmbito do mercado que agrupa o conjunto dos produtos que, em função das suas características, são particularmente aptos à satisfação das necessidades constantes e são pouco susceptíveis de substituição por outros produtos (v., designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 11 de Dezembro de 1980, L'Oreal, 31/80, Recueil, p. 3775, n.° 25, e Michelin/Comissão, já referido, n.° 37). Por outro lado, segundo a mesma jurisprudência (acórdão Michelin/Comissão, já referido, n.° 44), a inexistência de substituição entre diferentes tipos e dimensões de um produto do ponto de vista das necessidades específicas do utilizador não permite considerar que, para cada um dos referidos tipos e medidas, existe um mercado distinto para efeitos de apreciação da existência de uma posição dominante. Além disso, dado que a determinação do mercado em causa serve para avaliar se a empresa em questão tem a possibilidade de obstar à manutenção de uma concorrência efectiva e de, em medida apreciável, se comportar independentemente dos seus concorrentes, dos clientes e dos consumidores, não se pode, para este efeito, limitar a análise apenas às características objectivas dos produtos em questão, mas é também necessário ter em consideração as condições de concorrência e a estrutura da procura e da oferta no mercado (acórdão Michelin/Comissão, já referido, n.° 37).

63.
    No presente processo, o Tribunal de Primeira Instância deve analisar se as condições de concorrência e a estrutura da oferta no mercado do vidro float impediam que a Comissão, baseando-se no acórdão Michelin/Comissão, já referido, pudesse afirmar que, mesmo não sendo o vidro de diferentes espessuras susceptível de substituição para os utilizadores finais, o mercado do produto em causa deve ser considerado como o do vidro float em bruto de qualquer espessura, uma vez que os distribuidores devem dar resposta a uma procura que abrange a totalidade da gama de produtos.

64.
    A título preliminar, o Tribunal de Primeira Instância recorda que resulta de jurisprudência constante que, embora o órgão jurisdicional comunitário exerça, de modo geral, um controlo integral no que respeita à questão de saber se estão ou não reunidas as condições de aplicação das regras de concorrência, o controlo que exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão deve, contudo, limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder.

65.
    A recorrente afirma que o facto de os produtores continentais não produzirem vidro com as medidas britânicas os impede de concorrer eficazmente com a Pilkington. A este respeito, deve observar-se que a Comissão, no n.° 15 da decisão impugnada, analisou esta questão e chegou a uma conclusão oposta à da recorrente. Com base nas informações fornecidas por nove importadores irlandeses, a Comissão salientou que os grossistas não tinham uma preferência nítida peloformato britânico, e isto na medida em que são capazes de cortar - sem demasiado desperdício - o vidro de formato continental para obter o formato britânico. No processo no Tribunal de Primeira Instância, a recorrente limitou-se, a este respeito, a afirmar que, tanto quanto era do seu conhecimento, a Pilkington era o único fabricante de vidro float de 4 mm capaz de adaptar o vidro às dimensões britânicas sem desperdício, que julgava saber que os restantes produtores utilizavam «lehr-beds» que lhes permitiam fabricar somente placas de formatos diferentes e que era provável que os grossistas não pudessem cortar as placas continentais sem desperdício. Ora, não só a recorrente não oferece qualquer prova em apoio da sua tese, mas também não apresenta qualquer elemento susceptível de infirmar a apreciação feita pela Comissão sobre essa matéria, baseada nas informações recolhidas directamente junto dos operadores no mercado.

66.
    A recorrente afirma também, no essencial, que, tendo em consideração a posição de quase monopólio da Pilkington no sector do vidro de formato britânico de 4 mm, a mesma mantém relações comerciais privilegiadas com os importadores de vidro. Por outro lado, afirma que o vidro de 4 mm não pode ser substituído por vidro float de outras espessuras.

67.
    A este respeito, deve salientar-se que a recorrente não demonstrou que a eventual preferência dos importadores pelos produtos da Pilkington não era a manifestação do seu interesse económico ou do exercício, por aqueles, da sua liberdade contratual. Consequentemente, essa preferência não pode ser interpretada como indício de uma alteração da estrutura da oferta no mercado. É ainda de notar que resulta dos dados constantes das respostas das sociedades irlandesas, não contestados pela recorrente, que as vendas na Irlanda de vidro float de 4 mm de formato britânico representam cerca de 27% do mercado. Ora, mesmo admitindo que a Pilkington detém uma posição de quase-monopólio no sector do vidro de 4 mm de formato britânico, esta percentagem não é manifestamente suficiente, por si só, para afirmar, como faz a recorrente, que a maior parte das compras de vidro float de 4 mm na Irlanda é condicionada pela Pilkington. Efectivamente, cerca de 73% da procura deste produto é constituída por compras de vidro de formato continental, que não podem ser influenciadas pela Pilkington.

68.
    Por último, no n.° 18 da decisão impugnada, a Comissão refere que a produção de vidro de 4 mm é, do ponto de vista técnico, virtualmente idêntica à produção de vidro de outras espessuras e que os fabricantes de vidro podem converter rapidamente a sua produção sem custos excessivos. A este respeito, deve observar-se que a circunstância de uma das quatro instalações de produção da Pilkington ser especializada no fabrico de determinado tipo de vidro não significa que os processos técnicos de fabrico do vidro sejam diferentes e não demonstra que um operador económico que disponha apenas de uma única instalação de produção não possa converter rapidamente a sua produção, pelo que também não pode ser aceite o argumento da recorrente assente na falta de elasticidade da oferta de vidro de 4 mm e de vidro de outras espessuras.

69.
    O Tribunal considera, por isso, que a recorrente não demonstrou que a posição da Comissão expressa no n.° 19 da decisão impugnada, segundo a qual o mercado do produto em causa é o do vidro de todas as espessuras, está viciada por erro manifesto de apreciação. Daqui resulta que este argumento não pode ser aceite pelo Tribunal.

70.
    O quarto fundamento deve, consequentemente, ser julgado improcedente.

Quanto ao quinto fundamento, assente em erro manifesto de apreciação do mercado geográfico

Argumentos da recorrente

71.
    A recorrente salienta que, embora a Comissão admita que determinadas características do mercado do vidro float na Irlanda o diferencia do mercado da Europa continental (isto é, a ausência de instalações de produção e o facto de todo o vidro float ser transportado por mar), no n.° 23 da decisão impugnada, a Comissão considerou que a análise dos custos de transporte e do nível dos preços do vidro nas diferentes partes da Comunidade levava à conclusão de que o mercado geográfico em causa era a Comunidade, ou a parte norte da Comunidade. A Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação na medida em que deveria ter considerado que o mercado geográfico em causa era a Irlanda, ou a Irlanda e o Reino Unido.

72.
    No essencial, a recorrente formula três críticas entra a definição do mercado geográfico adoptada na decisão impugnada.

- Quanto à primeira crítica

73.
    O critério que a Comissão aplicou para definir o mercado geográfico em causa não está em conformidade com o definido pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão (27/76, Recueil, p. 207; Colect., p. 77). Com efeito, em vez de determinar o mercado do vidro tomando apenas em consideração os custos de transporte para a Irlanda, a Comissão deveria ter determinado a zona em que outras condições objectivas de concorrência do produto em causa são semelhantes para todos os operadores económicos: a aplicação deste critério tê-la-ia levado a concluir que o mercado geográfico relevante era a Irlanda (ou a Irlanda e o Reino Unido). A determinação da Irlanda como mercado geográfico relevante tem apoio na circunstância de, neste país, os exportadores do continente não terem qualquer peso concorrencial no que respeita às vendas de vidro float de 4 mm, uma vez que a sua quota de mercado acumulada é de cerca de 16%, enquanto a da Pilkington é de 84%.

- Quanto à segunda crítica

74.
    A Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao declarar que dois produtores do norte da Europa tinham custos de transporte para a Irlanda superiores em cerca de 7% a 8% aos da Pilkington, enquanto um produtor da dessa parte da Europa suportava custos menos elevados do que os da Pilkington para o mesmo transporte. A este respeito, resulta de uma análise contida na carta que a recorrente enviou à Comissão em 24 de Maio de 1994 que os custos de transporte marítimo e terrestre, para a Irlanda, dos produtores continentais são na realidade bastante mais elevados do que os da Pilkington: o vidro fabricado por um produtor continental tem uma distância maior a percorrer por estrada e por navio e não beneficia de descontos importantes no transporte rodoviário e marítimo de que a Pilkington pode beneficiar.

75.
    A este respeito, a abordagem que levou a esta análise está em conformidade com a seguida pela Comissão em determinadas decisões [Decisão 94/359/CE da Comissão, de 21 de Dezembro de 1993, que declara a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum (processo n.° IV/M358 - Pilkington-Techint/SIV) (JO 1994, L 158, p. 24, a seguir «decisão Pilkington-Techint/SIV»), na qual considerou que o vidro float em bruto é um produto volumoso e pesado, cujo transporte a longa distância é oneroso); Decisão 89/93/CEE da Comissão, de 7 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CEE (IV/31.906 - Vidro plano) (JO 1989, L 33, p. 44, a seguir «decisão vidro plano»), na qual a situação geográfica das instalações de produção foi considerada como um factor vital no que respeita ao transporte do vidro plano; Decisão 89/22/CEE da Comissão, de 5 de Dezembro de 1988, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/31.900, BPB Industries PLC) (JO 1989, L 10, p. 50, a seguir «decisão BPB»), na qual foi considerado impossível, devido aos custos de transporte e aos benefícios que implica a instalação de unidades de produção na proximidade dos mercados, abastecer em condições de rentabilidade os mercados britânicos ou irlandês a partir do estrangeiro em grande escala e durante longos períodos].

76.
    Além disso, a importância dos custos de transporte para a determinação do mercado geográfico em causa é confirmada pelas respostas das sociedades irlandesas, de onde resulta que as sociedades vidreiras com sede na região de Dublim (próximo da fábrica da Pilkington) ou de localidades facilmente acessíveis por estrada a partir de Dublim (Galway) se abastecem quase na totalidade junto da Pilkington (98%), enquanto as sociedades mais afastadas (com sede emTipperary, Limerick e Wexford) adquirem àquela quantidades de vidro inferiores (respectivamente 77%, 62% e 66%).

- Quanto à terceira crítica

77.
    Uma análise dos preços fob (preço franco a bordo) e cif (custo, seguro e frete) do vidro float de 4 mm proveniente do Reino Unido para os outros Estados-Membros, de 1990 a 1992, demonstra que o mercado irlandês não apresenta característicascomuns aos outros mercados europeus e que constitui um mercado autónomo; segundo esta análise, a média dos preços cif, para o período considerado, com destino à Irlanda, era de 470 ecus por tonelada; com destino aos países da Europa do Norte (Alemanha, Países Baixos, Bélgica e Luxemburgo), variava entre 500 ecus e 540 ecus por tonelada e, com destino aos países da Europa do Sul (França, Itália, Portugal, Espanha e Grécia), variava entre 330 ecus e 430 ecus por tonelada; por outro lado, a média dos preços fob para o período considerado, com destino à Irlanda, era de 370 ecus por tonelada, com destino aos países da Europa do Norte, variava entre 300 ecus e 330 ecus por tonelada e, com destino aos países da Europa do Sul, variava entre 300 ecus e 370 ecus por tonelada.

Argumentos da Comissão

- Quanto à primeira crítica

78.
    A Comissão nega não ter aplicado o critério definido pelo Tribunal de Justiça no acórdão United Brands/Comissão, já referido, e recorda que, no n.° 24 da decisão impugnada, afirmou que a zona com referência à qual deve ser determinada a existência de uma posição dominante é aquela em que «as condições objectivas de concorrência do produto em causa devem ser semelhantes para todos os operadores económicos»: com base neste critério, concluiu que os custos de transporte não isolavam a Irlanda do mercado continental.

- Quanto à segunda crítica

79.
    A Comissão reitera que as conclusões extraídas da sua análise sobre os custos de transporte estão correctas; com base nas informações fornecidas em resposta às suas cartas baseadas no artigo 11.°, do Regulamento n.° 17 pelos produtores em causa, verificou que os custos de um produtor da Europa do Norte eram ligeiramente inferiores aos da Pilkington enquanto que dois outros produtores tinham de suportar custos, expressos em proporção do valor do carregamento, que não ultrapassavam em 7% a 8%, no máximo, os da Pilkington. A própria Comissão verificou que os produtores da Europa do Sul tinham de suportar custos sensivelmente superiores ao valor do carregamento. Tendo em conta o facto de que o excesso de custo tolerado por um fabricante para o transporte até aos limites do seu mercado nacional era da ordem de 10% do valor do produto, concluiu que os custos de transporte para a Irlanda dos produtores da Europa do Norte estavam dentro dos limites que os mesmos toleravam nos respectivos mercados nacionais. Além disso, verificando que a recorrente não apresentou qualquer elemento que permita demonstrar que estavam erradas as informações obtidas em resposta à carta enviada a determinado número de empresas neutras, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17, declara não estar convencida da falta de fiabilidade das informações que recebeu.

- Quanto à terceira crítica

80.
    A Comissão recorda que as informações sobre os preços, com base nas quais adoptou a decisão impugnada, foram recolhidas directamente junto dos produtores, enquanto os números indicados pela recorrente eram contestáveis: durante a averiguação, obteve uma repartição pormenorizada dos preços da Pilkington e os mesmos não tinham relação com os apresentados pela recorrente. Relativamente ao período de 1990-1992, o preço médio praticado pela Pilkington na Irlanda era muito próximo do praticado em cada um dos países da Europa do Norte. Acrescenta que os preços fob e cif utilizados pela recorrente não representam um indício fiável; o termo fob refere-se aos preços do produto carregado a bordo e não inclui qualquer custo de transporte posterior, enquanto o vidro float é vendido com base num preço «incluindo portes», no qual o custo do transporte é suportado pelo produtor. Os números cif indicam apenas os preços reais do mercado, uma vez que não têm em conta os descontos concedidos.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

- Quanto à primeira crítica

81.
    No acórdão United Brands/Comissão, já referido, o Tribunal de Justiça afirmou que as possibilidades de concorrência face ao disposto no artigo 86.° do Tratado devem ser analisadas em função das características do produto em causa e por referência a uma zona geográfica definida na qual é comercializado e onde as condições de concorrência são suficientemente homogéneas para se poder apreciar o efeito do poder económico da empresa em questão (n.° 11). Por outro lado, no mesmo acórdão, o Tribunal de Justiça, para verificar se, no caso concreto, as condições de concorrência eram suficientemente homogéneas, referiu-se principalmente aos custos de transporte, considerando que, se esses custos não constituírem um obstáculo à distribuição dos produtos, eles são, designadamente, factores unificadores do mercado em causa (acórdão United Brands/Comissão, já referido, n.os 55 e 56).

82.
    Daqui resulta que, no presente caso, a determinação do mercado geográfico em causa, considerando, designadamente, os custos de transporte do vidro dos produtores continentais, é justificada. Por outro lado, deve salientar-se que, para determinar as condições de concorrência nos mercados europeus, a Comissão, na decisão impugnada, não só analisou os custos acima mencionados, mas verificou também que o volume exportado pelos produtores continentais para a Irlanda, entre 1988 e 1994, foi de cerca de um terço do volume de vidro float procurado nesse país, que as diferenças de preços do vidro praticadas na irlanda e em cinco outros países europeus pelos cinco principais produtores continentais não indiciavam a existência de mercados separados e que a existência de barreiras à entrada no mercado irlandês, de natureza técnica ou normativa, podia ser excluída. Por último, deve salientar-se que, embora a recorrente conteste a correcta aplicação dos critérios que decorrem do acórdão United Brands/Comissão, já referido, não indica de que modo deveriam os mesmos ser aplicados, para, pelocontrário, delimitar ela mesma o mercado geográfico considerando a incidência dos preços do transporte sobre as condições de concorrência.

83.
    Resulta do que antecede que a primeira crítica deve ser julgada improcedente.

- Quanto à segunda crítica

84.
    No que se refere à crítica relativa à exactidão da análise dos custos de transporte efectuada pela Comissão, deve salientar-se que a mesma tem em conta informações fornecidas pelos operadores do sector por ocasião da investigação relativa à concentração Pilkington-Techint/SIV e da decisão adoptada na sequência da mesma investigação. Nessa decisão, a Comissão observou que: 1) cerca de 80% a 90% da produção de vidro de uma unidade é vendida num raio de 500 km; esta distância é por vezes ultrapassada e pode ir até 1 000 km, além da qual o custo de transporte se torna proibitivo, ou seja, não concorrencial; 2) uma empresa produtora de vidro encontra-se em concorrência, na sua área natural de fornecimento de um raio de 500 km, com as outras empresas cujas áreas de fornecimento se sobrepõem à sua; 3) dado que cada uma destas empresas tem o seu próprio raio de fornecimento ulterior, a concorrência de uma empresa em relação às que se encontram no seu raio tende a alargar-se às áreas naturais de fornecimento destas; 4) consequentemente, é adequado considerar a Comunidade no seu todo como o mercado geográfico de referência.

85.
    Deve, desde logo, notar-se que a argumentação desenvolvida pela Comissão na decisão impugnada para definir o mercado geográfico em causa não é contraditória; com efeito, revelou-se na audiência que, em vários pontos da decisão impugnada, a Comissão remetia para a sua decisão Pilkington-Techint/SIV, cujo n.° 16 parece não ser coerente com o n.° 33 da decisão impugnada. A este respeito, deve recordar-se que uma contradição na fundamentação de uma decisão constitui uma violação da obrigação que decorre do artigo 190.° do Tratado, susceptível de afectar a validade do acto em causa se se concluir que, devido a essa contradição, o destinatário do acto não está em condições de conhecer os motivos reais da decisão, no todo ou em parte, e que, por isso, o dispositivo do acto é, no todo ou em pare, desprovido de qualquer base jurídica (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1995, Tremblay e o./Comissão, T-5/93, Colect., p. II-185, n.° 42).

86.
    No n.° 16 dos considerandos da decisão Pilkington-Techint/SIV, a Comissão afirma que o vidro float em bruto é um produto volumoso e pesado, «o seu transporte a longas distâncias oneroso, situando-se, por exemplo, o custo de transporte por camião entre 7,5% e 10% do preço de venda num raio de 500 km». No n.° 33 da decisão impugnada, a Comissão afirma que os custos de transporte até ao termo da sua área natural de fornecimento («domestic market») ultrapassam aproximadamente 10% do valor do produto dos suportados na proximidade da fábrica.

87.
    Após análise atenta de ambas as decisões, deve observar-se que, em primeiro lugar, a decisão impugnada remete para a decisão Pilkington-Techint/SIV sem se referir especificamente às percentagens indicadas no n.° 16 dos considerandos desta, em segundo lugar, as percentagens constantes do referido n.° 16 dos considerandos são ali indicadas a título de exemplo e a sua importância é absorvida pelas conclusões a que a Comissão chega na mesma decisão, em exacta correspondência com aquelas a que chegou na decisão impugnada, concluindo que se mostra apropriado considerar a Comunidade no seu conjunto como o mercado geográfico de referência e, em terceiro lugar, o verdadeiro fundamento da determinação do mercado geográfico de referência contido na decisão Pilkington-Techint/SIV encontra-se no segundo parágrafo do n.° 16 dos seus considerandos, onde se esclarece que «devido à dispersão das diferentes unidades de produção de vidro float e à sobreposição variável das áreas naturais de fornecimento, podendo os efeitos de um círculo repercutir-se a nível de um outro, afigura-se pertinente considerar o mercado geográfico de referência como a Comunidade no seu conjunto».

88.
    Deve observar-se que a Comissão de modo algum se contradiz na medida em que, por um lado, na decisão Pilkington-Techint/SIV, delimitou o mercado geográfico de referência baseando-se, no essencial, no conceito de área geográfica natural de fornecimento para uma determinada instalação de produção de vidro float, representada por círculos concêntricos cujo raio é determinado pelo custo relativo do transporte e, por outro, chegou à mesma delimitação na decisão impugnada, após verificar que os custos de transporte admissíveis para um produtor na área natural de fornecimento da sua unidade de produção ultrapassam os que suporta na área de proximidade da referida unidade em, aproximadamente, 10% do valor do produto. Os conceitos de área de fornecimento natural e de área de proximidade da unidade de produção, a partir dos quais a Comissão considerou que os custos de transporte não ultrapassavam 10%, são, com efeito, coerentes. Ambos os conceitos levam a que se determine o mercado geográfico de referência para uma empresa com base no custo de transporte, avaliando este a partir não da sua unidade de produção, mas de uma série de pontos que se encontram na extremidade de um círculo ou de uma série de círculos à sua volta e que determinam a sua área natural de fornecimento ou a área que se encontra em relação a ela numa situação de proximidade.

89.
    Daqui resulta que, ao contrário do que parece resultar da audiência, a decisão impugnada não está viciada por uma contradição na medida em que o seu n.° 33 se refere à decisão Pilkington-Techint/SIV.

90.
    Por seu lado, a recorrente não contesta, em si mesmos, os critérios que a Comissão utilizou para definir a área natural de fornecimento («domestic market»), com base nos quais foi fundada a decisão impugnada. Ao imputar à Comissão um erromanifesto de apreciação no que respeita à determinação do mercado geográfico em causa, a recorrente apenas contesta a fiabilidade das respostas dos produtores de vidro em que se baseou a referida apreciação.

91.
    A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância recorda que as empresas terceiras interrogadas nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 podem ser penalizadas em caso de informações incorrectas, pelo que, em princípio, se não pode considerar que as mesmas não forneceram indicações precisas e fiáveis, salvo prova em contrário. A recorrente não pode pretender negar todo e qualquer valor aos dados fornecidos nessas respostas referindo-se simplesmente à análise dos custos de transporte que propôs durante o procedimento administrativo, na sua carta de 24 de Maio de 1994, e que não foi aceite pela Comissão na decisão impugnada.

92.
    Efectivamente, na carta de 24 de Maio de 1994, a recorrente refere-se ao relatório solicitado pela Dublin Port and Doks Board à Dublin City University Business School (a seguir «Dublin Port Report») relativo aos custos de transporte no porto de Dublim. No que respeita às vantagens nos custos de transporte, de que beneficiaria a Pilkington, a recorrente baseia-se em dados que não se referem especificamente à Pilkington mas apenas à presumida actividade comercial desta. Por exemplo, na página 4 da sua carta, afirma: «[A Pilkington] não é obrigada a recorrer a navios particulares e, consequentemente, utiliza os que oferecem menores custos. Os livros do porto de Dublim (páginas 172-173) indicam que podem ser concedidos descontos de 15% a 18% em função do volume ou das unidades garantidas. Dado que a Pilkington importa grandes quantidades de vidro com destino ao mercado irlandês (e tem escritórios em Dublim), pode obter os descontos mais interessantes. Por outro lado, o desconto de 18% é concedido para transportes de dia enquanto o de 15% constitui o máximo para os transportes de noite. Devido à proximidade de Liverpool, a Pilkington tem a possibilidade de beneficiar do melhor desconto, ou seja, o de 18%. Por último, a Kish considera que a Pilkington pode enviar até cerca de 40 unidades por semana e beneficia de um estatuto de cliente privilegiado pagando as tarifas mais baixas, designadamente se o espaço for reservado em bloco.» Por outro lado, a recorrente, nessa carta, não referiu números exactos relativos aos custos dos transportes continentais, e, ainda na página 4 dessa carta, indica: «Os livros do porto de Dublim não referem a percentagem dos 20 contentores abertos existentes, mas é certamente muito escassa, uma vez que apenas duas linhas marítimas oferecem este tipo especial de transporte...».

93.
    O argumento que a recorrente extrai da importância dos custos de transporte, que resultaria das respostas das sociedades vidreiras irlandesas, não é suficiente para demonstrar que o mercado geográfico em causa é constituído apenas pelo território irlandês. O facto de as sociedades vidreiras com sede na região de Dublim e Galway se abastecerem da quase totalidade de que necessitam junto da Pilkington indica apenas que, tendo em consideração os custos de transporte, esta última tem uma vantagem competitiva na área geográfica próxima da sua fábrica, mas essa vantagem deve ser considerada como sendo comum à maior parte dos mercados. Além disso, como a própria recorrente salienta, muitas outras sociedades irlandesas adquirem quantidades significativas de vidro aos produtores continentais. A esterespeito, é de notar que a sociedade estabelecida em Limerick, que, em relação a Dublim, se situa a uma distância análoga à de Galway, só adquire à Pilkington 62% do vidro que necessita. É, por isso, evidente que os dados relativos às importações de vidro, extraídos das respostas das sociedades irlandesas, não permitem deduzir, como a recorrente fez, que o mercado irlandês é distinto do da Europa do Norte.

94.
    Por último, o Tribunal de Primeira Instância conclui que a argumentação da recorrente não tem qualquer apoio nas decisões que invoca. Assim, e em primeiro lugar, embora decorra do n.° 77 dos considerandos da decisão vidro plano que o custo do transporte do vidro é um factor muito importante para a comercialização além das fronteiras nacionais e que a parte da produção destinada à exportação é limitada em relação às quantidades destinadas ao mercado interno, isso não implica que a análise dos custos efectuada na decisão impugnada esteja errada. Em segundo lugar, a situação do mercado de placas de estuque, no processo que deu lugar à decisão BPB, era completamente diferente da do mercado do vidro float. Efectivamente, na decisão em questão afigura-se que, ao contrário do presente caso, a sociedade BPB Industries, acusada de abuso de posição dominante, possuía uma fábrica na Irlanda que abastecia o mercado nacional e uma fábrica na Grã-Bretanha que não exportava para a Irlanda. A este respeito, a Comissão salientou que os preços da fábrica situada na Grã-Bretanha não eram concorrenciais relativamente ao da Irlanda (v. n.° 21 dos considerandos da decisão BPB). A Comissão concluiu que a Grã-Bretanha e a Irlanda constituíam o mercado geográfico em causa, dado que estes países eram «as únicas regiões da Comunidade em que a BPB [era] simultaneamente a única produtora e [detinha] uma posição de quase-monopólio no fornecimento de placas de estuque» (considerando 24 da decisão BPB). Determinou, assim, o mercado geográfico em função de factores completamente diferentes dos invocados pela recorrente no presente processo.

95.
    Resulta do que antecede que improcede a segunda crítica.

- Quanto à terceira crítica

96.
    Quanto à análise das diferenças de preços fob e cif do vidro float de 4 mm proveniente do Reino Unido e vendido nos outros países da Comunidade, o Tribunal de Primeira Instância considera que essa análise não é susceptível de contrariar as conclusões que a Comissão das mesmas extraiu na decisão impugnada.

97.
    No que respeita aos preços fob, deve salientar-se que, como a Comissão realçou, os mesmos correspondem ao preço do produto carregado a bordo e não incluem os custos de transporte posteriores que, neste tipo de mercado, são normalmente suportados pelos produtores; consequentemente, não se pode considerar que os referidos preços fornecem indicações adequadas sobre os preços reais do mercado.

98.
    Em contrapartida, o preço cif, que abrange os custos de produção, de seguro e de qualquer tipo de transporte, pode ser tido em conta para determinar os preçosreais de mercado. Contudo, deve salientar-se que os dados apresentados pela recorrente não são susceptíveis de apoiar a tese da mesma, segundo a qual o mercado geográfico em causa é a Irlanda. Efectivamente, resulta dos referidos dados que a diferença entre a média dos preços praticados na Irlanda e a média dos preços praticados nos Países Baixos (470/500; 30 ecus por tonelada) é inferior à que existe entre a média dos preços praticados nos Países Baixos e a média dos preços praticados na Alemanha, na Bélgica ou no Luxemburgo (500/540, 40 ecus por tonelada). Considerando apenas este argumento, chegar-se-á à conclusão de que a Irlanda pertence ao mesmo mercado geográfico a que pertencem os Países Baixos, e não, como a recorrente afirma, que a Irlanda constitui um mercado separado do resto da Europa do Norte.

99.
    Decorre do que antecede que improcede a terceira crítica.

100.
    Daqui resulta também que deve ser julgado improcedente o quinto fundamento.

101.
    Consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

Quanto às despesas

102.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida e a recorrida pedido a sua condenação, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A recorrente é condenada nas despesas.

Moura Ramos
Tiili
                Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Março de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: inglês.