Language of document : ECLI:EU:T:2019:650

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

20 de setembro de 2019 (*)

«Função pública — Funcionários — Processo disciplinar — Assédio moral — Sanção disciplinar — Retrogradação de um grau e reposição a zero dos pontos de promoção — Indeferimento do pedido de assistência apresentado pela recorrente — Modalidades do inquérito administrativo — Exigência de imparcialidade — Direito de ser ouvido — Irregularidade processual — Consequências da irregularidade processual»

No processo T‑47/18,

UZ, funcionária do Parlamento Europeu, representada por J.‑N. Louis, advogado,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado inicialmente por V. Montebello‑Demogeot e Í. Ní Riagáin Düro, e em seguida por Montebello‑Demogeot e I. Lázaro Betancor, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 270.o TFUE e destinado, por um lado, à anulação da Decisão de 27 de fevereiro de 2017 do Parlamento, que aplica à recorrente a sanção disciplinar de retrogradação do grau AD 13, escalão 3, para o grau AD 12, escalão 3, com reposição a zero dos pontos de mérito adquiridos no grau AD 13 e, por outro, à anulação da decisão de indeferimento do seu pedido de assistência,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: D. Gratsias, presidente, I. Labucka e I. Ulloa Rubio (relator), juízes,

secretário: M. Marescaux, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 9 de abril de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A recorrente, UZ, ocupava um lugar de chefe de unidade no Parlamento Europeu desde 1 de janeiro de 2009. Estava classificada, por último, no grau AD 13, escalão 3.

2        Em 24 de janeiro de 2014, catorze dos quinze membros da sua unidade (a seguir «queixosos») apresentaram ao secretário‑geral do Parlamento um pedido de assistência, nos termos do artigo 24.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), alegando assédio moral por parte da recorrente.

3        Na sequência desse pedido, por carta de 17 de fevereiro de 2014, o diretor‑geral da Direção‑Geral do Pessoal (a seguir «DG PERS») indicou aos queixosos que tinham sido fixadas medidas provisórias. Tratava‑se, nomeadamente, de confiar a gestão do pessoal da unidade em causa a outra pessoa e de instaurar um inquérito administrativo.

4        Por carta de 19 de março de 2014, o secretário‑geral do Parlamento informou a recorrente da abertura de um inquérito administrativo.

5        A recorrente foi ouvida em 20 de novembro de 2014 pelo diretor‑geral da DG PERS.

6        Dois investigadores, um dos quais substituiu o outro em razão de passagem à reforma, elaboraram dois relatórios, datados de 3 de março e 17 de novembro de 2015. Na sequência destes relatórios, a recorrente foi ouvida, respetivamente em 17 de junho e em 2 de dezembro de 2015 pelo diretor‑geral da DG PERS.

7        Por correspondência de 6 de janeiro de 2016, a recorrente foi informada pelo secretário‑geral do Parlamento de que o processo tinha sido submetido ao Conselho de Disciplina devido a incumprimento de obrigações estatutárias.

8        A recorrente foi ouvida pelo Conselho de Disciplina em 17 de fevereiro, 9 de março, 8 de abril e 26 de maio de 2016.

9        Em 25 de fevereiro de 2016, a recorrente remeteu uma correspondência ao diretor‑geral da DG PERS, o qual respondeu por correspondência de 1 de março de 2016.

10      Em 25 de julho de 2016, o Conselho de Disciplina adotou por unanimidade o seu parecer, cujas conclusões são do teor seguinte:

«28.      Tendo em consideração o exposto, o Conselho de Disciplina propõe à [Autoridade investida do poder de nomeação] que sancione quaisquer faltas cometidas por [UZ] com uma sanção global que consista na retrogradação de um grau no mesmo grupo de funções.

29.      Atendendo às falhas graves de [UZ] na gestão do pessoal e tendo em conta o dever de diligência da instituição em relação a [UZ] e a outras pessoas que possam ser afetadas pelos atos desta, o Conselho de Disciplina considera que a [Autoridade investida do poder de nomeação], na medida das possibilidades que lhe são facultadas pelo Estatuto, deve ponderar seriamente uma reafetação desta noutro lugar‑tipo no Secretariado‑Geral, em qualquer caso, como pedido pela própria, numa [direção‑geral] distinta […].»

11      Por carta de 7 de setembro de 2016, o Conselho de Disciplina transmitiu à recorrente o seu parecer.

12      Por Decisão de 20 de setembro de 2016, o secretário‑geral do Parlamento autorizou o diretor‑geral da DG PERS a representá‑lo na audição da recorrente prevista no artigo 22.o do anexo IX do Estatuto e encarregou‑o de lhe comunicar as eventuais observações desta última quanto ao parecer emitido pelo Conselho de Disciplina e comunicado em 7 de setembro de 2016.

13      Por correio eletrónico de 4 de outubro de 2016, o diretor‑geral da DG PERS convidou a recorrente a comparecer, em 20 de outubro de 2016 numa audição, em conformidade com o artigo 22.o, n.o 1, do Estatuto, para que esta pudesse apresentar as suas observações sobre o parecer do Conselho de Disciplina.

14      A recorrente acusou a receção deste convite em 6 de outubro de 2016 e, por correspondência de 11 de novembro de 2016, remeteu as suas observações ao diretor‑geral da DG PERS.

15      Em 14 de novembro de 2016, a recorrente foi ouvida pelo diretor‑geral da DG PERS. No decurso desta audição, a recorrente apresentou uma nota e pediu a assistência do Parlamento devido a ameaças que lhe foram feitas por membros da sua unidade.

16      Por carta de 30 de novembro de 2016, o diretor‑geral da DG PERS propôs a transferência da recorrente, a título temporário, para outra unidade.

17      Por correio eletrónico de 9 de janeiro de 2017, a recorrente aceitou essa transferência.

18      Por decisão de 27 de fevereiro de 2017, o secretário‑geral do Parlamento adotou a decisão de aplicar à recorrente a sanção disciplinar de retrogradação, no mesmo grupo de funções, do grau AD 13, escalão 3, para o grau AD 12, escalão 3, com reposição a zero dos pontos de mérito adquiridos no antigo grau AD 13 (a seguir «decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito»).

19      Por carta de 2 de março de 2017, o secretário‑geral do Parlamento informou a recorrente da decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito e propôs‑lhe uma reafetação num lugar de administrador noutra unidade.

20      Por carta de 3 de abril de 2017, a recorrente remeteu ao secretário‑geral do Parlamento observações relativas à proposta da sua reafetação noutra unidade.

21      Por carta de 9 de maio de 2017, o secretário‑geral do Parlamento acusou a receção das observações da recorrente e informou‑a da decisão de reafetação noutra unidade no lugar de «diretor administrativo».

22      Por carta de 6 de junho de 2017, a recorrente apresentou à Autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») do Parlamento uma reclamação dirigida contra a decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito.

23      Por carta de 14 de junho de 2017, a recorrente apresentou ao secretário‑geral do Parlamento uma reclamação do indeferimento implícito do seu pedido de assistência.

24      Por carta de 20 de julho de 2017, o diretor‑geral da DG PERS indeferiu o pedido de assistência da recorrente.

25      Por carta de 6 de outubro de 2017, o presidente do Parlamento indeferiu as reclamações da recorrente formuladas na correspondência de 6 e 14 de junho de 2017.

26      Por carta de 17 de novembro de 2017, a recorrente perguntou ao secretário‑geral do Parlamento se a Administração tinha identificado uma vaga de emprego correspondente à sua formação, à sua experiência profissional, às suas qualificações e aos seus desejos.

27      Por carta de 18 de janeiro de 2018, o secretário‑geral do Parlamento respondeu que a afetação da recorrente no lugar de «diretor administrativo» noutra unidade devia ser considerada permanente.

 Tramitação processual e pedidos das partes

28      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de janeiro de 2018, a recorrente interpôs o presente recurso. Por carta que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, completada por uma carta de 5 de fevereiro de 2018, apresentou um pedido baseado no artigo 66.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, com vista à concessão de anonimato, que o Tribunal Geral deferiu por Decisão de 4 de abril de 2018. Em 23 de abril de 2018, o Parlamento apresentou a sua defesa.

29      Em 6 de agosto de 2018, a recorrente apresentou a réplica e, em 4 de outubro de 2018, o Parlamento apresentou a tréplica.

30      Por requerimento fundamentado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de outubro de 2018, a recorrente pediu para ser ouvida no âmbito de uma audiência de alegações, em aplicação do artigo 106.o do Regulamento de Processo.

31      Por proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quinta Secção) decidiu abrir a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 91.o do Regulamento de Processo, convidou as partes a responder a algumas perguntas e convidou o Parlamento a apresentar vários documentos.

32      Em 18 de março de 2019, a recorrente e o Parlamento responderam às perguntas e o Parlamento apresentou os documentos pedidos.

33      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal Geral na audiência de 9 de abril de 2019.

34      No âmbito de uma nova medida de organização do processo adotada na audiência, o Tribunal Geral convidou o Parlamento a responder por escrito a outras perguntas e a apresentar outros documentos. O Parlamento respondeu às referidas perguntas e apresentou aos referidos documentos em 16 de abril de 2019 e a recorrente apresentou as suas observações em 6 de maio de 2019.

35      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito;

–        anular a decisão de indeferimento do seu pedido de assistência;

–        condenar o Parlamento nas despesas.

36      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito

37      A recorrente invoca, em substância, dois fundamentos em apoio do seu recurso interposto decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito. O primeiro fundamento é relativo a uma irregularidade do inquérito administrativo, o segundo fundamento é relativo a uma irregularidade dos trabalhos do Conselho de Disciplina e à falta de audição, pela autoridade competente, no termo destes trabalhos.

 Quanto à irregularidade do inquérito administrativo

38      Importa recordar que o direito da União Europeia exige que os procedimentos administrativos sejam conduzidos com respeito pelas garantias conferidas pelo princípio da boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Entre estas garantias figura a obrigação de a instituição competente examinar, de forma diligente e imparcial, todos os elementos pertinentes do caso concreto. O direito, que a todos assiste, de que os seus assuntos sejam tratados com imparcialidade abrange, por um lado, a imparcialidade subjetiva, no sentido de que nenhum membro da instituição em causa, que está encarregada do processo, deve manifestar ideias preconcebidas ou um juízo antecipado pessoal e, por outro, a imparcialidade objetiva, no sentido de que a instituição deve oferecer garantias suficientes para excluir a este respeito quaisquer dúvidas legítimas (v. Acórdão de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 155 e jurisprudência referida).

39      É à luz destas considerações que devem ser apreciados os argumentos da recorrente relativos, em substância, em primeiro lugar, ao facto de não ter sido ouvida pela autoridade competente, em segundo lugar, à presença de vários investigadores no decurso do procedimento administrativo, em terceiro lugar, à falta de imparcialidade dos investigadores, em quarto lugar, à não tomada em conta do comportamento dos queixosos e, em quinto lugar, à não tomada em conta dos testemunhos a seu favor.

40      No que respeita ao primeiro argumento, segundo o qual a recorrente não foi ouvida pela AIPN competente, há que observar que, na audiência, esta afirmou que não mantinha este argumento, o que foi registado na ata da audiência.

41      No que respeita ao segundo argumento relativo à presença de vários investigadores no decurso do inquérito administrativo, resulta das explicações fornecidas pelo Parlamento que este inquérito administrativo era composto por duas partes. Foram nomeados dois investigadores para a parte «disciplinar», que visava diversos incumprimentos da recorrente às obrigações estatutárias com exceção do assédio, e foi nomeado um terceiro investigador para a parte «assédio».

42      Importa recordar que a audição realizada na fase do inquérito administrativo, a pedido da AIPN, destina‑se a permitir a esta última apreciar se é necessário submeter a questão ao Conselho de Disciplina nos termos do artigo 12.o do anexo IX do Estatuto e, se for caso disso, elaborar um relatório que indique os comportamentos imputados e, eventualmente, as circunstâncias em que foram adotados (v., por analogia, Acórdão de 19 de março de 1998, Tzoanos/Comissão, T‑74/96, EU:T:1998:58, n.o 340).

43      A este respeito, a autoridade encarregada de um inquérito administrativo dispõe, como resulta da jurisprudência, de um amplo poder de apreciação na condução do inquérito (Acórdãos de 11 de julho de 2013, Tzirani/Comissão, F‑46/11, EU:F:2013:115, n.o 124; e de 18 de setembro de 2014, CV/CESE, F‑54/13, EU:F:2014:216, n.o 43; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2012, Skareby/Comissão, F‑42/10, EU:F:2012:64, n.o 38).

44      Por conseguinte, uma vez que a recorrente não demonstra de que modo a presença de vários investigadores no decurso do inquérito administrativo constituiu uma violação dos seus direitos, este segundo argumento deve ser rejeitado.

45      No que respeita ao terceiro argumento, relativo à falta de imparcialidade dos investigadores, a recorrente alega, designadamente, por um lado, que, antes da abertura de qualquer processo contra ela, um dos dois investigadores encarregados da parte «disciplinar» interveio, como consultor de um dos queixosos. Por conseguinte, esse investigador deixou de dispor da independência e da imparcialidade necessárias para participar no inquérito administrativo. Daqui resulta uma violação dos direitos de defesa da recorrente. Por outro lado, o investigador encarregado da parte «assédio» prestou uma informação inexata ao declarar a um dos queixosos, no âmbito da audição deste, que tinha acabado de ser informado do processo em objeto, apesar de ter sido consultado quando do pedido de assistência dos queixosos. Nunca deveria ter aceitado as funções de investigador relativamente às acusações de assédio, uma vez que as suas opiniões eram necessariamente influenciadas pelos testemunhos recolhidos no inquérito baseado no artigo 24.o do Estatuto.

46      O Parlamento alega, quanto a um dos dois investigadores encarregados da parte «disciplinar», que o secretário‑geral já informou a recorrente de que o objeto do encontro em causa visava principalmente as modalidades de um pedido de licença parental e que, no momento em que esse encontro teve lugar, o membro da DG PERS que se encontrou com o referido queixoso ainda não sabia que iria ser nomeado investigador. Além disso, nenhuma informação relativa ao presente processo foi comunicada. Quanto ao investigador encarregado da parte «assédio», o Parlamento explicou na audiência que este investigador era o presidente do Comité Consultivo sobre o assédio e a prevenção deste no local de trabalho e que foi a este título que teve conhecimento do presente processo, sem que deva concluir‑se que existiu um conflito de interesses a este respeito.

47      No que se refere à falta de imparcialidade de um dos investigadores da parte «disciplinar», resulta da resposta da recorrente à medida de organização do processo que, na sua audição, em 26 de maio de 2016, um dos queixosos afirmou ter‑se encontrado com este investigador numa data anterior à abertura do inquérito administrativo que visava a recorrente. Segundo o testemunho deste queixoso, este deslocou‑se ao Luxemburgo (Luxemburgo) para obter informações sobre um eventual inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) instaurado contra ele, tendo‑lhe sido explicado por colegas que o marido da recorrente o tinha denunciado, por iniciativa desta, ao referido organismo, a propósito de pretensas irregularidades ligadas a uma licença parental, «por vingança», «porque o colega em causa [teria] sabotado o seu trabalho».

48      O Parlamento não nega a existência deste encontro anterior à abertura do inquérito administrativo entre um dos queixosos e um futuro investigador, mas sustenta, em primeiro lugar, que nenhuma informação relativa ao processo em objeto foi comunicada a este último durante esse encontro e, em segundo lugar, que o membro da DG PERS não podia saber que iria ser nomeado investigador.

49      No que respeita ao primeiro argumento do Parlamento, segundo a resposta dada por este na sequência da medida de organização do processo, não existe qualquer registo do conteúdo da conversa entre um dos queixosos e o membro da DG PERS.

50      De qualquer modo, no que respeita ao segundo argumento do Parlamento, como acaba de ser recordado, a imparcialidade objetiva pressupõe que a instituição ofereça garantias suficientes para excluir quaisquer dúvidas legítimas (v. n.o 38, supra).

51      No caso em apreço, resulta do testemunho de um dos queixosos (v. n.o 47, supra) que um membro da DG PERS se tinha encontrado com este último antes da abertura do inquérito e que, nesse encontro, informou o referido membro, posteriormente nomeado investigador, de que tinha sido denunciado ao OLAF pela recorrente e, mais especificamente, por intermédio do marido desta, «a título de vingança», por alegadas irregularidades.

52      Há que constatar que tal testemunho é suscetível de suscitar na recorrente uma dúvida legítima quanto à imparcialidade do investigador, que pode ter sido influenciado pelo caráter particularmente maldoso do seu pretenso comportamento, tal como este lhe foi descrito.

53      Além disso, importa observar que a recorrente tinha posto em causa essa falta de imparcialidade na nota que apresentou ao Parlamento por ocasião da sua audição de 14 de novembro de 2016 (v. n.o 15, supra).

54      A este respeito, há que salientar que nada indica que teria sido difícil para o Parlamento escolher, entre os seus funcionários, uma pessoa que não tivesse nenhum conhecimento prévio dos factos do processo e que não suscitasse, deste modo, nenhuma dúvida legítima a respeito da recorrente.

55      Por conseguinte, deve concluir‑se que o Parlamento não devia ter nomeado um investigador que se encontrou com um dos queixosos antes da abertura do inquérito.

56      Tal constatação não pode ser posta em causa pela indicação dada pelo Parlamento na audiência, segundo a qual o OLAF não tinha aberto um inquérito a esse respeito.

57      Quanto à pretensa falta de imparcialidade do investigador da parte «assédio», resulta das explicações dadas pelo Parlamento na audiência que, antes de ser nomeado investigador para a parte «assédio» no âmbito do inquérito administrativo baseado no artigo 86.o, n.o 2, do Estatuto, este tinha presidido ao Comité Consultivo sobre o assédio e a sua prevenção no local de trabalho que concluiu, na sequência do pedido de assistência dos queixosos ao abrigo do artigo 24.o do Estatuto, que a gestão da unidade da qual a recorrente era chefe devia ser confiada a outra pessoa.

58      Assim, há que constatar, tendo em conta a conclusão do Comité Consultivo sobre o assédio no local de trabalho e a prevenção deste, que, quando foi nomeado investigador da parte «assédio», este podia já ter uma opinião negativa da recorrente. Este facto é igualmente suscetível de pôr em causa a imparcialidade objetiva dos investigadores.

59      Por conseguinte, deve concluir‑se que, quer ao nomear como investigador no âmbito do inquérito administrativo um membro da DG PERS que já se tinha encontrado com um dos queixosos quer ao nomear como outro investigador o presidente do Comité Consultivo sobre o assédio no local de trabalho e a prevenção deste que decidiu o afastamento da recorrente, o Parlamento não ofereceu garantias suficientes para excluir quaisquer dúvidas legítimas na aceção da jurisprudência recordada no n.o 38, supra.

60      No entanto, é jurisprudência constante que, para que uma irregularidade processual possa justificar a anulação de um ato, é necessário que, na falta dessa irregularidade, o processo tivesse podido conduzir a um resultado diferente (v. Acórdão de 14 de fevereiro de 2017, Kerstens/Comissão, T‑270/16 P, não publicado, EU:T:2017:74, n.o 74 e jurisprudência referida).

61      No âmbito deste exame, foi declarado que deviam ser tidas em conta todas as circunstâncias do caso em apreço, designadamente, a natureza das acusações e a dimensão das irregularidades processuais cometidas relativamente às garantias de que o agente pôde beneficiar (v. Acórdão de 15 de abril de 2015, Pipiliagkas/Comissão, F‑96/13, EU:F:2015:29, n.o 65 e jurisprudência referida).

62      Ora, o processo disciplinar estabelecido no anexo IX do Estatuto prevê duas fases distintas. A primeira fase é constituída pela realização de um inquérito administrativo imparcial (v. n.o 38, supra), iniciado por decisão da AIPN, seguido da redação de um relatório de inquérito, e encerrado, após o interessado ter sido ouvido sobre os factos que lhe são imputados, com as conclusões extraídas do referido relatório. A segunda fase é constituída pelo processo disciplinar propriamente dito, iniciado pela AIPN com base nesse relatório de inquérito, e consiste quer na abertura de um processo disciplinar sem consulta do Conselho de Disciplina quer na submissão do processo ao referido Conselho, com base num relatório elaborado pela AIPN em função das conclusões do inquérito e das observações apresentadas pela pessoa em causa a respeito do inquérito.

63      Daqui resulta que o inquérito administrativo condiciona o exercício, pela AIPN, do seu poder de apreciação sobre o seguimento a dar ao inquérito e que pode conduzir, in fine, à aplicação de uma sanção disciplinar. Com efeito, é com fundamento nesse inquérito e na audição do agente em causa que a AIPN aprecia, em primeiro lugar, se é necessário instaurar um processo disciplinar, em segundo lugar, se este deve, se for caso disso, consistir ou não na consulta do Conselho de Disciplina e, em terceiro lugar, quando o processo é submetido ao Conselho de Disciplina, os factos submetidos ao referido Conselho.

64      Por conseguinte, não sendo a competência da AIPN uma competência vinculada, não se pode excluir que, se o inquérito administrativo tivesse sido conduzido com cuidado e imparcialidade, o referido inquérito poderia ter dado origem a uma outra apreciação inicial dos factos e, assim, levado a consequências diferentes (Acórdãos de 14 de fevereiro de 2017, Kerstens/Comissão, T‑270/16 P, não publicado, EU:T:2017:74, n.o 82).

65      Atento o exposto, e sem que seja necessário examinar os outros argumentos apresentados pela recorrente, os pedidos da recorrente que têm por objeto a anulação da decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito devem ser julgados procedentes.

66      No entanto, por razões ligadas a uma boa administração da justiça, o Tribunal Geral considera útil examinar o segundo fundamento, relativo a uma irregularidade dos trabalhos do Conselho de Disciplina e à falta de audição da recorrente pela autoridade competente no termo dos trabalhos do Conselho de Disciplina.

 Quanto à irregularidade dos trabalhos do Conselho de Disciplina e à falta de audição pela autoridade competente no termo destes

67      Em apoio do segundo fundamento, a recorrente alega, por um lado, que os trabalhos do Conselho de Disciplina não foram conduzidos de modo regular e, por outro, que não foi ouvida pela autoridade competente no termo desses trabalhos.

68      Em primeiro lugar, no que respeita à pretensa irregularidade dos trabalhos do Conselho de Disciplina, em substância, por um lado, a recorrente alega que, numa das seis reuniões do Conselho de Disciplina, o Parlamento estava representado por dois membros e que, no final dessa reunião, o seu consultor e ela própria foram convidados a abandonar a sala finda a sua audição, ao passo que os dois representantes do Parlamento permaneceram para deliberar com os membros do Conselho de Disciplina. Daqui resulta uma violação do artigo 16.o, n.o 2, do anexo IX do Estatuto. Por outro lado, no que respeita às outras reuniões, nem todos os membros do Conselho de Disciplina a elas assistiram, embora todos tivessem participado na deliberação e na adoção do parecer do Conselho de Disciplina. Trata‑se de uma violação dos direitos de defesa, uma vez que o Parlamento não pode afirmar que, se todos os membros do Conselho de Disciplina tivessem assistido a todas as reuniões, o parecer do Conselho teria sido idêntico.

69      O Parlamento sustenta que a presença de dois dos seus representantes numa das reuniões do Conselho de Disciplina se explica pelo facto de, conforme salientado no âmbito do primeiro fundamento (v. n.o 41, supra), o inquérito administrativo incluir duas partes, designadamente, a parte «disciplinar» e a parte «assédio». A intervenção de investigadores diferentes nestas duas partes justifica a presença desses dois funcionários no Conselho de Disciplina. Quanto ao facto de nem todos os membros do Conselho de Disciplina terem assistido a todas as reuniões, o Parlamento explica que, uma vez que o Conselho de Disciplina é composto por membros titulares e suplentes, cada um pôde validamente deliberar e adotar o parecer do Conselho de Disciplina no termo do processo de consulta e de instrução.

70      Importa sublinhar que, quanto ao facto de, numa das seis reuniões do Conselho de Disciplina, o Parlamento estar representado por dois membros, embora a autoridade encarregada de um inquérito administrativo disponha de um amplo poder de apreciação na condução do inquérito (v. n.o 42, supra), o processo no Conselho de Disciplina é, por sua vez, estritamente enquadrado pelas disposições previstas no anexo IX do Estatuto.

71      Assim, o artigo 16.o, n.o 2, do anexo IX do Estatuto indica explicitamente que a instituição em causa é representada no Conselho de Disciplina por um funcionário mandatado para o efeito pela AIPN e dispõe de direitos idênticos aos do funcionário acusado.

72      No caso em apreço, o Parlamento não podia ser validamente representado, numa das suas seis reuniões, por dois funcionários. Com efeito, a recorrente, cujos interesses eram defendidos por um único representante, encontrou‑se assim, em princípio, numa situação desvantajosa. Além disso, os representantes do Parlamento não deveriam ter continuado na sala da reunião para deliberar com os membros do Conselho de Disciplina quando a recorrente e o seu consultor tinham sido convidados a abandonar a referida sala. Por conseguinte, há que constatar que o processo controvertido também enferma de uma irregularidade processual no que se refere este aspeto.

73      Quanto ao facto de nem todos os membros do Conselho de Disciplina terem assistido a todas as reuniões, mas terem sido por vezes substituídos por suplentes, basta referir que o artigo 5.o do anexo IX do Estatuto prevê a designação de membros suplentes.

74      A este respeito, importa sublinhar que resulta dos documentos dos autos que as últimas deliberações do Conselho de Disciplina decorreram com base em registos e transcrições de todos as testemunhas ouvidas, ou seja, as quatro testemunhas apresentadas pelos queixosos e as quatro testemunhas apresentadas pela recorrente.

75      Assim, há que rejeitar o argumento da recorrente relativo ao facto de nem todos os membros do Conselho de Disciplina terem assistido a todas as reuniões.

76      Em segundo lugar, no que respeita à pretensa falta de audição pela autoridade competente na sequência do parecer do Conselho de Disciplina, a recorrente alega, designadamente, que o secretário‑geral do Parlamento é o único habilitado para ouvir um funcionário antes de decidir aplicar‑lhe uma sanção disciplinar. Ora, tal audição não se realizou.

77      O Parlamento sustenta que a Decisão da Mesa do Parlamento de 13 de janeiro de 2014 estabelece que o secretário‑geral é a AIPN competente na aceção do artigo 22.o do anexo IX para ouvir o funcionário após parecer do Conselho de Disciplina antes de adotar uma sanção disciplinar, nomeadamente, uma retrogradação no grau. O Parlamento explica que, no caso em apreço, foi o diretor‑geral da DG PERS, atuando com base numa delegação do secretário‑geral, que ouviu a recorrente acompanhada pelo seu advogado. Além disso, a recorrente dispôs de dois meses para completar a ata dessa audição a fim de apresentar por escrito as suas eventuais observações. Por último, mesmo que a conversa tivesse decorrido na presença do secretário‑geral em vez do diretor‑geral da DG PERS, a sanção aplicada teria sido a mesma, uma vez que o secretário‑geral dispôs da íntegra do processo, ou seja, das conclusões da conversa com a recorrente, com o seu consultor, e das observações por estes aditadas.

78      A este respeito, importa recordar que o Tribunal de Justiça tem afirmado sempre a importância do direito de ser ouvido e o alcance muito lato deste na ordem jurídica da União, ao considerar que esse direito devia aplicar‑se a qualquer processo que possa culminar num ato lesivo (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 85 e jurisprudência referida).

79      O direito de ser ouvido garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar os seus interesses de modo desfavorável (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 87 e jurisprudência referida).

80      O direito de ser ouvido tem, designadamente, por objeto, a fim de assegurar uma proteção efetiva da pessoa em causa, permitir que esta última possa corrigir um erro ou invocar esses elementos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de que a decisão seja tomada, não seja tomada ou tenha determinado conteúdo (Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 37).

81      O direito de ser ouvido implica igualmente que a Administração preste toda a atenção exigida às observações assim submetidas pelo interessado, examinando, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto (v. Acórdão de 22 de novembro de 2012, M., C‑277/11, EU:C:2012:744, n.o 88 e jurisprudência referida).

82      Assim, o direito de ser ouvido deve permitir à Administração instruir o processo de maneira a tomar uma decisão com pleno conhecimento de causa e fundamentar adequadamente esta última, a fim de que, se for caso disso, o interessado possa exercer validamente o seu direito de recurso (v., por analogia, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Boudjlida, C‑249/13, EU:C:2014:2431, n.o 59).

83      Por último, a existência de uma violação do direito de ser ouvido deve ser apreciada em função, designadamente, das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. Acórdão de 9 de fevereiro de 2017, M., C‑560/14, EU:C:2017:101, n.o 33 e jurisprudência referida).

84      A este respeito, o artigo 22.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto dispõe que a AIPN tomará a sua decisão, fundamentada, após ter ouvido o funcionário em causa, no prazo de dois meses a contar da receção do parecer do Conselho de Disciplina.

85      Como o próprio Parlamento afirma, a Decisão da sua Mesa de 13 de janeiro de 2014 estabelece que o secretário‑geral é a AIPN competente na aceção do artigo 22.o do anexo IX do Estatuto para ouvir o funcionário após parecer do Conselho de Disciplina antes de adotar uma sanção disciplinar, como uma retrogradação no grau («Quadro VI — Disciplina» da referida decisão).

86      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que, devido à gravidade das sanções a que podia conduzir o processo previsto no anexo IX do Estatuto, e tendo em conta os termos utilizados, a disposição então em vigor, correspondente ao artigo 22.o do anexo IX do Estatuto, era uma disposição legal estrita e que devia ser interpretada no sentido de que impõe à AIPN a obrigação de proceder ela própria à audição do funcionário. Só no respeito deste princípio e nas condições que asseguram a salvaguarda dos direitos dos interessados é que a AIPN pode, por razões relativas ao bom funcionamento dos serviços, confiar a um ou a vários dos seus membros a missão de ouvir o funcionário (Acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão, 35/67, EU:C:1968:39, p. 503 e 504).

87      Resulta desta jurisprudência que a AIPN apenas pode confiar a missão de ouvir o interessado, como no caso em apreço, a um ou a vários dos seus próprios membros, e isto unicamente por razões relativas ao bom funcionamento dos serviços. Ora, manifestamente não é o que sucede no caso em apreço, na medida em que a AIPN não é composta por vários membros.

88      De qualquer modo, saliente‑se que o Parlamento nunca evocou a existência de razões relativas ao bom funcionamento do serviço para justificar o facto de a recorrente ter sido ouvida não pelo secretário‑geral mas pelo diretor‑geral da DG PERS.

89      Por conseguinte, há que constatar que a decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito foi adotada sem que o requisito previsto no artigo 22.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto tenha sido respeitado.

90      Os argumentos suscitados pelo Parlamento não podem pôr em causa esta conclusão.

91      A este respeito, em primeiro lugar, o Parlamento alega que o juiz da União aceitou, em processos mais recentes, que o direito de ser ouvido se considera respeitado sempre que a pessoa em causa tenha podido dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista, oralmente ou por escrito, antes da adoção de uma decisão que lhe causa prejuízo.

92      Ora, há que constatar que nenhum dos acórdãos referidos pelo Parlamento nas suas respostas de 16 de abril de 2019 tinha por objeto um processo disciplinar regulado no anexo IX do Estatuto, em relação ao qual o Tribunal de Justiça sublinhou a gravidade das sanções a que esse processo podia conduzir. Por conseguinte, este argumento deve ser rejeitado.

93      De qualquer modo, mesmo que se considere que teria bastado, para que o direito da recorrente de ser ouvida seja respeitado, que esta tenha apresentado as suas observações por escrito, resulta do Acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão (35/67, EU:C:1968:39), que tais observações deveriam ter sido apresentadas diretamente à AIPN, para que esta pudesse formar a sua própria opinião sobre as alegações da recorrente, antes de tomar a sua decisão com conhecimento de causa. A este respeito, não basta que, antes de tomar a sua decisão, o secretário‑geral do Parlamento tenha podido dispor da ata da audição da recorrente ou das observações desta sobre o parecer emitido pelo Conselho de Disciplina.

94      Em segundo lugar, o Parlamento alega igualmente que o teor da redação da disposição então em vigor, ou seja, o artigo 7.o, terceiro parágrafo, do anexo IX do Estatuto, impõe uma interpretação mais estrita em razão da menção «após audição do interessado [pela AIPN]». Ora, este argumento deve ser igualmente rejeitado, na medida em que a redação do artigo 22.o, n.o 1, do anexo IX do Estatuto não permite nenhuma possibilidade de uma interpretação menos estrita, uma vez que contém a menção segundo a qual «[a]pós ter ouvido o funcionário, a entidade competente para proceder a nomeações tomará a sua decisão».

95      Em terceiro lugar, o Parlamento alega que o Estatuto em vigor à data do processo que deu origem ao Acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão (35/67, EU:C:1968:39), não continha uma disposição como o artigo 4.o do anexo IX do Estatuto, que permite expressamente a formulação de observações por escrito pelo funcionário em causa.

96      Ora, nos termos do artigo 4.o do anexo IX do Estatuto, o funcionário em causa pode ser convidado a formular as suas observações por escrito se não puder ser ouvido «por razões objetivas». No caso em apreço, o Parlamento não invocou a existência de tais razões objetivas. Por conseguinte, este argumento deve ser rejeitado.

97      O Parlamento invoca, nas suas respostas de 16 de abril de 2019, os acórdãos nos quais o juiz da União admitiu a apresentação de observações por escrito. No entanto, há que constatar que nenhum dos processos que deu origem aos referidos acórdãos tinha por objeto um processo disciplinar regulado pelo anexo IX do Estatuto.

98      Em quarto lugar, segundo o Parlamento, ao passo que o processo que deu origem ao Acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão (35/67, EU:C:1968:39), era relativo ao despedimento de um funcionário, a situação em causa no presente processo é bastante menos grave, uma vez que se trata apenas da retrogradação num único grau com manutenção do escalão 3. Contrariamente ao que a recorrente alega, ainda é possível ser promovida para um lugar de enquadramento.

99      A este respeito, importa observar que o processo que deu origem ao Acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão (35/67, EU:C:1968:39), não se limita à hipótese de uma sanção de despedimento, mas visa, de um modo geral, qualquer processo disciplinar, em razão da gravidade das consequências que tal processo é suscetível de ter para o interessado. Ora, não é possível contestar que a retrogradação de um lugar de enquadramento de grau AD 13 para um lugar de administrador de grau AD 12 é uma sanção grave, uma vez que implica a perda de uma posição de enquadramento. Além disso, pode admitir‑se que as hipóteses de recuperar um lugar de enquadramento são, após a perda desse lugar na sequência de um processo disciplinar, particularmente reduzidas. Por conseguinte, este argumento deve ser igualmente rejeitado.

100    Por último, em quinto lugar, o Parlamento considera que as circunstâncias do processo que deu origem ao Acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão (35/67, EU:C:1968:39) eram diferentes, uma vez que, nesse processo, nenhuma audiência prévia ao despedimento tinha sido realizada, ao passo que a recorrente, no caso em apreço, foi ouvida com base numa delegação de poderes do secretário‑geral do Parlamento ao diretor‑geral da DG PERS, pôde transmitir as suas observações escritas e pôde ser acompanhada e representada pelo seu advogado.

101    A este respeito, há que constatar que o argumento acolhido pelo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 11 de julho de 1968, Van Eick/Comissão (35/67, EU:C:1968:39), baseava‑se no facto de a missão conferida pela AIPN ao diretor‑geral da Administração, de ouvir o interessado, era contrária às disposições do Estatuto relativas a esse processo. A este respeito, de modo nenhum resulta do referido acórdão que o Tribunal de Justiça teve em conta a circunstância invocada pelo Parlamento. Por conseguinte, este último argumento deve ser rejeitado.

102    Resulta do exposto, que deve ser igualmente acolhido o fundamento da recorrente relativo à falta de audição pela autoridade competente no termo dos trabalhos do Conselho de Disciplina.

 Quanto à decisão de indeferimento do pedido de assistência

103    A recorrente afirma que, na sua audição de 14 de novembro de 2016 pelo diretor‑geral da DG PERS, pediu formalmente a assistência do Parlamento em razão de ameaças precisas e graves feitas à sua pessoa pelos queixosos. Não se contesta que o diretor‑geral da DG PERS interveio duas vezes junto do consultor da recorrente em razão de ameaças proferidas por alguns queixosos, dirigidas à sua pessoa. De igual modo, não se contesta que o diretor‑geral da DG PERS pediu ao consultor da recorrente que intercedesse junto desta a fim de que esta renunciasse à sua participação em dois eventos públicos em cujo programa o seu nome figurava como interveniente. Com a sua carta de 30 de novembro de 2016 que propôs, a título temporário, a transferência da recorrente no interesse da própria e para assegurar a sua proteção, o diretor‑geral da DG PERS reconheceu que a gravidade das ameaças exigia a adoção de medidas de proteção a seu favor. Por último, a AIPN tinha o dever de ouvir a recorrente, em conformidade com o artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, antes de indeferir o seu pedido de assistência.

104    O Parlamento alega que resulta da jurisprudência que a AIPN não tem o dever de prestar assistência a um funcionário sobre o qual recaem, com base em elementos precisos e pertinentes, suspeitas de incumprimento grave das suas obrigações profissionais e que pode, a este título, ser alvo de um processo disciplinar. Além disso, no caso em apreço, a AIPN encarregada da assistência ao abrigo do artigo 24.o do Estatuto adotou medidas concretas destinadas a proteger a recorrente em diferentes situações, recomendando‑lhe que evitasse qualquer contacto com os seus colegas e afetando‑a temporariamente a outra unidade.

105    Na réplica, a recorrente acrescenta que apenas aceitou esta reafectação temporária em razão das ameaças graves dirigidas à sua pessoa por alguns queixosos. O facto de ter sido instaurado o processo disciplinar não pode justificar, por si só, que os queixosos não sejam considerados culpados de factos censuráveis a respeito da recorrente.

106    Importa recordar que, quando a AIPN é chamada a pronunciar‑se, ao abrigo do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, sobre um pedido de assistência na aceção do artigo 24.o do referido Estatuto, essa autoridade deve, por força do dever de assistência e se se encontrar perante um incidente incompatível com a ordem e a serenidade do serviço, intervir com toda a energia necessária e responder com a rapidez e a diligência exigidas pelas circunstâncias do caso, para apurar os factos e deles retirar, com conhecimento de causa, as consequências adequadas. Para este efeito, basta que o funcionário ou agente que solicita a proteção da sua instituição ofereça um começo de prova da realidade dos ataques de que afirma ser objeto. Perante tais elementos, compete à instituição em causa tomar as medidas adequadas, nomeadamente instaurando um inquérito administrativo, para apurar os factos na origem do pedido de assistência, em colaboração com o autor deste (Acórdãos de 26 de janeiro de 1989, Koutchoumoff/Comissão, 224/87, EU:C:1989:38, n.os 15 e 16; de 12 de julho de 2011, Comissão/Q, T‑80/09 P, EU:T:2011:347, n.o 84; e de 24 de abril de 2017, HF/Parlamento, T‑570/16, EU:T:2017:283, n.o 46).

107    No entanto, a Administração não pode ser obrigada a prestar assistência a um funcionário sobre o qual recaem, com base em elementos precisos e pertinentes, suspeitas de incumprimento grave das suas obrigações profissionais e que pode, a este título, ser alvo de um processo disciplinar, mesmo que tal incumprimento se tenha verificado devido a comportamentos irregulares de terceiros (Acórdão de 23 de novembro de 2010, Wenig/Comissão, F‑75/09, EU:F:2010:150, n.o 49).

108    Assim, no processo principal, o diretor‑geral da DG PERS, na sua carta de 20 de julho de 2017, informou a recorrente de que a Administração não tinha o dever de prestar assistência a um funcionário sobre o qual recaem suspeitas de incumprimento grave das suas obrigações profissionais.

109    A este respeito, basta constatar que no momento em que a recorrente apresentou o seu pedido de assistência, já tinha sido aberto um inquérito administrativo a seu respeito, por factos que, sendo provados, seriam passíveis de processo disciplinar. De qualquer modo, resulta dos autos que, no decurso do referido inquérito, surgiram elementos precisos e pertinentes, que levaram o Parlamento a suspeitar que a recorrente tinha violado de forma grave as suas obrigações profissionais e a considerar que poderia ser instaurado contra ela um processo disciplinar.

110    Por conseguinte, deve concluir‑se que o Parlamento podia indeferir, sem audição prévia, o pedido de assistência da recorrente.

111    Assim, há que indeferir o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de assistência da recorrente.

 Quanto às despesas

112    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do referido regulamento, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas.

113    No processo principal, tendo o pedido de anulação da decisão de retrogradação e de reposição a zero dos pontos de mérito sido diferido e tendo o pedido de anulação da decisão de indeferimento do pedido de assistência da recorrente sido indeferido, a recorrente e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

decide:

1)      A Decisão do Parlamento Europeu de 27 de fevereiro de 2017 que aplica a UZ a sanção disciplinar de retrogradação do grau AD 13, escalão 3, para o grau AD 12, escalão 3, com reposição a zero dos pontos de mérito adquiridos no grau AD 13, é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      UZ e o Parlamento suportarão as suas próprias despesas.

Gratsias

Labucka

Ulloa Rubio

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 20 de setembro de 2019.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.