Language of document : ECLI:EU:C:2023:876

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção)

16 de novembro de 2023 (*)

«Reenvio prejudicial — União aduaneira — Pauta aduaneira comum — Nomenclatura Combinada — Posições pautais — Posições 2304 e 2309 — Bagaço de soja»

No processo C‑366/22,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Pécsi Törvényszék (Tribunal Regional de Pécs, Hungria), por Decisão de 29 de abril de 2022, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de junho de 2022, no processo

Viterra Hungary Kft.

contra

Nemzeti Adó és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Sexta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, P. G. Xuereb (relator) e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Viterra Hungary Kft., por B. Balog, D. Kelemen e Z. Várszegi, ügyvédek,

–        em representação do Governo Húngaro, por Zs. Biró‑Tóth, M. Z. Fehér e K. Szíjjártó, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por B. Béres e M. Salyková, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação das posições pautais 2304 e 2309 da Nomenclatura Combinada constante do anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1), na sua versão resultante do Regulamento de Execução (UE) 2016/1821 da Comissão, de 6 de outubro de 2016 (JO 2016, L 294, p. 1) (a seguir «NC»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Viterra Hungary Kft. à Nemzeti Adó‑ és Vámhivatal Fellebbviteli Igazgatósága (Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Hungria), a respeito da classificação pautal de mercadorias importadas por esta sociedade para a Hungria, descritas como bagaço de soja.

 Quadro jurídico

 SH

3        O Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias (a seguir «SH») foi instituído pela Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias, celebrada em Bruxelas, em 14 de junho de 1983, no âmbito da Organização Mundial das Alfândegas (OMA), e aprovada, juntamente com o seu Protocolo de alteração de 24 de junho de 1986, em nome da Comunidade Económica Europeia, pela Decisão 87/369/CEE do Conselho, de 7 de abril de 1987 (JO 1987, L 198, p. 1). As notas explicativas do SH são elaboradas pela OMA em conformidade com as disposições dessa convenção.

4        Por força do artigo 3.o, n.o 1, alínea a), ponto 2, desta convenção, cada Parte Contratante compromete‑se a aplicar as Regras Gerais de Interpretação do SH, bem como todas as notas de secção, de capítulo e de subposição e a não modificar a estrutura das secções, dos capítulos, das posições ou das subposições.

5        O capítulo 23 do SH, intitulado «Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares; alimentos preparados para animais», contém uma nota 1 com a seguinte redação:

«Incluem‑se na posição 23.09 os produtos dos tipos utilizados para alimentação de animais, não especificados nem compreendidos [noutras] posições, obtidos pelo tratamento de matérias vegetais ou animais de tal forma que perderam as características essenciais da matéria de origem, excluídos os desperdícios vegetais, resíduos e subprodutos vegetais resultantes desse tratamento.»

6        As considerações gerais que figuram nas notas explicativas relativas ao capítulo 23 do SH têm a seguinte redação:

«Este capítulo inclui diversos resíduos e desperdícios provenientes do tratamento das matérias vegetais utilizadas pelas indústrias alimentares, bem como certos produtos residuais de origem animal. A maior parte destes produtos tem uma utilização idêntica e quase exclusiva: a alimentação de animais, isolada ou misturada com outras matérias, embora algumas sejam próprias para alimentação humana. A título excecional, alguns deles (borras de vinho, tártaro, bagaços, etc.) têm utilizações industriais.

[…]»

7        A nota explicativa relativa à posição 23.04 do SH, intitulada «Bagaços (Tortas) e outros resíduos sólidos, mesmo triturados ou em pellets, da extração do óleo de soja», enuncia:

«A presente posição compreende os bagaços e outros resíduos sólidos da extração, por prensagem, por meio de solventes ou por centrifugação, do óleo contido nos grãos de soja. Estes resíduos constituem alimentos para o gado muito apreciados.

Os resíduos da presente posição podem apresentar‑se em pães achatados, grumos ou sob a forma de farinha grossa ou em pellets […]

A presente posição abrange igualmente a farinha de soja desengordurada não texturizada, própria para alimentação humana.

Excluem‑se desta posição:

[…]

b)      Os concentrados de proteínas, obtidos por eliminação de alguns constituintes das farinhas de soja desengordurada, que se destinam a ser adicionados a preparações alimentícias, e a farinha de soja texturizada (n.o 21.06).»

8        A nota explicativa relativa à posição 23.09 do SH, que se intitula «Preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais», refere:

«Esta posição compreende não só as preparações forrageiras adicionadas de melaço ou de açúcares, como também as preparações empregadas na alimentação de animais, constituídas por uma mistura de diversos elementos nutritivos, destinados:

[…]

2)      Quer a completar os alimentos produzidos na propriedade agrícola, por adição de algumas substâncias orgânicas ou inorgânicas (alimentos complementares);

3)      Quer a entrar na fabricação dos alimentos completos ou dos alimentos complementares.

[…]

Excluem‑se da presente posição:

[…]

c)      As preparações que, devido nomeadamente à natureza, ao grau de pureza, às proporções respetivas dos diferentes componentes, às condições de higiene em que foram elaboradas e, se for caso disso, às indicações constantes das embalagens ou de quaisquer outras informações fornecidas para a sua utilização, podem ser utilizadas quer na alimentação dos animais quer na alimentação humana (designadamente, n.os 19.01 e 21.06).

[…]»

 NC

9        Como resulta do artigo 1.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2658/87, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 254/2000 do Conselho, de 31 de janeiro de 2000 (JO 2000, L 28, p. 16) (a seguir «Regulamento n.o 2658/87»), a Nomenclatura Combinada, estabelecida pela Comissão Europeia, regula a classificação pautal das mercadorias importadas para a União Europeia. Segundo o artigo 3.o, n.o 1, deste regulamento, esta nomenclatura reproduz as posições e as subposições com seis algarismos do SH, e só o sétimo e oitavo algarismos formam subdivisões próprias.

10      Nos termos do artigo 12.o, n.o 1, do Regulamento n.o 2658/87, a Comissão adotará anualmente um regulamento com a versão completa da Nomenclatura Combinada e das taxas dos direitos em conformidade com o artigo 1.o, tal como resulta das medidas aprovadas pelo Conselho ou pela Comissão. Este regulamento é publicado no Jornal Oficial da União Europeia até 31 de outubro e é aplicável a partir de 1 de janeiro do ano seguinte.

11      Resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que a versão da Nomenclatura Combinada aplicável no processo principal é a que decorre do Regulamento de Execução 2016/1821.

12      Nos termos das Regras Gerais para a interpretação da NC, que figuram no anexo I, primeira parte, título I, secção A, deste regulamento de execução:

«A classificação das mercadorias na [NC] rege‑se pelas seguintes regras:

1.      Os títulos das secções, capítulos e subcapítulos têm apenas valor indicativo. Para os efeitos legais, a classificação é determinada pelos textos das posições e das notas de secção e de capítulo e, desde que não sejam contrárias aos textos das referidas posições e notas, pelas regras seguintes:

2. a)      Qualquer referência a um artigo em determinada posição abrange esse artigo mesmo incompleto ou inacabado, desde que apresente, no estado em que se encontra, as características essenciais do artigo completo ou acabado. Abrange igualmente o artigo completo ou acabado, ou como tal considerado nos termos das disposições precedentes, mesmo que se apresente desmontado ou por montar.

[…]

4.      As mercadorias que não possam ser classificadas por aplicação das regras acima enunciadas classificam‑se na posição correspondente aos artigos mais semelhantes.

[…]»

13      A segunda parte da NC, intitulada «Tabela dos direitos», contém uma secção IV, intitulada «Produtos das indústrias alimentares; bebidas, líquidos alcoólicos e vinagres; tabaco e seus sucedâneos manufaturados», no qual figura o capítulo 23, intitulado «Resíduos e desperdícios das indústrias alimentares; alimentos preparados para animais». A nota 1 deste capítulo enuncia:

«Incluem‑se na posição 2309 os produtos do tipo utilizado para alimentação de animais, não especificados nem compreendidos noutras posições, obtidos pelo tratamento de matérias vegetais ou animais, de tal forma que tenham perdido as características essenciais da matéria de origem, excluindo os desperdícios vegetais, resíduos e subprodutos vegetais resultantes desse tratamento.»

14      Nesse capítulo 23, a posição 2304 tem a seguinte redação:

Código NC

Descrição das mercadorias

Taxas dos direitos convencionais (%)

Unidade suplementar

2304 00 00

Bagaços (Tortas) e outros resíduos sólidos, mesmo triturados ou em pellets, da extração do óleo de soja

Isenção


15      A posição 2309 da NC está estruturada da seguinte forma:

Código NC

Descrição das mercadorias

Taxas dos direitos convencionais (%)

Unidade suplementar

2309

Preparações do tipo utilizado na alimentação de animais:



2309 10

— Alimentos para cães ou gatos, acondicionados para venda a retalho



[…]




2309 90

— outras:



2309 90 10

— — Produtos denominados «solúveis» de peixe ou de mamíferos marinhos

3,8

2309 90 20

— — Produtos referidos na nota complementar 5 do presente capítulo

Isenção


— — Outras, incluindo as pré‑misturas:




— — — Que contenham amido ou fécula, glicose ou xarope de glicose, maltodextrina ou xarope de maltodextrina, classificáveis pelas subposições 1702 30 50, 1702 30 90, 1702 40 90, 1702 90 50 e 2106 90 55, ou produtos lácteos:




— — — — Que contenham amido ou fécula, glicose ou maltodextrina, xarope de glicose ou xarope de maltodextrina:




— — — — — Que não contenham nem amido nem fécula ou de teor, em peso, destas matérias inferior ou igual a 10 %:



2309 90 31

— — — — — — Que não contenham produtos lácteos ou de teor, em peso, destes produtos inferior a 10 %

23 €/t […]

[…]




 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      A Viterra Hungary, recorrente no processo principal, pediu a introdução em livre prática de uma mercadoria denominada «bagaço de soja», proveniente do Brasil (a seguir «produto em causa»), que classificou na posição 2304 da NC.

17      Uma amostra desta mercadoria foi examinada pelo Nemzeti Adó‑és Vámhivatal Szakértői Intézete (Serviço de Peritagem da Administração Nacional Tributária e Aduaneira, Hungria) (a seguir «Serviço de Peritagem»).

18      Este serviço considerou, antes de mais, que o produto em causa se destinava à alimentação de animais. Em seguida, salientou que, segundo as declarações da recorrente no processo principal, o fabrico deste produto compreendia várias etapas que consistiam, primeiro, em limpar os grãos de soja e eliminar os corpos estranhos, segundo, em triturar e trabalhar a matéria para facilitar a extração do óleo, terceiro, em acondicionar e em preaquecer a matéria, quarto, em extrair o óleo por meio de um desengordurante hexano comum até que o teor de óleo de bagaço de soja seja reduzido ao máximo, quinto, em separar o óleo e o solvente por destilação a vapor, sexto, em proceder a um tratamento térmico, durante o qual o bagaço é cozido e perde por evaporação o seu teor de solvente (hexano), e sétimo, em secar e em arrefecer o bagaço.

19      Por último, o Serviço de Peritagem considerou que o objetivo do tratamento térmico, denominado torrefação, era eliminar o hexano e inativar os fatores antinutricionais, devido à sua nocividade para o ambiente ou para a saúde humana e animal. Segundo este serviço, a torrefação altera os valores nutricionais do produto. A inativação dos fatores antinutricionais tornaria possível a utilização deste produto na alimentação de animais e constituiria um elemento importante em termos de classificação pautal.

20      O Serviço de Peritagem concluiu que o produto em causa era uma preparação resultante de uma transformação suplementar por tratamento térmico do resíduo vegetal, com um teor reduzido de óleo, obtido durante a extração por hexano do óleo de soja. Considerou que esse produto devia ser classificado na posição 2309 da NC.

21      Por Decisões de 1 de agosto de 2019, baseadas nas conclusões do Serviço de Peritagem e no Acórdão de 3 de março de 2016, Customs Support Holland (C‑144/15, EU:C:2016:133, n.os 22, 36 e 38), a Autoridade Tributária de primeiro grau considerou que a classificação pautal proposta pela Viterra Hungary não estava correta e que o produto em causa devia ser classificado na posição 2309 da NC. Por conseguinte, cobrou à Viterra Hungary direitos aduaneiros e imposto sobre o valor acrescentado adicionais.

22      A Viterra Hungary impugnou essas decisões na Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira, alegando que a Autoridade Tributária de primeiro grau tinha considerado, erradamente, que estavam preenchidos os requisitos que, segundo o Acórdão de 3 de março de 2016, Customs Support Holland (C‑144/15, EU:C:2016:133), são pertinentes para que um produto possa ser classificado na posição 2309 da NC. Com efeito, segundo a recorrente no processo principal, o produto em causa não se destina exclusivamente à alimentação de animais, não constitui uma preparação e não sofreu uma transformação definitiva, na aceção desse acórdão.

23      A Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira confirmou as decisões da Autoridade Tributária de primeiro grau.

24      A Viterra Hungary interpôs recursos das decisões da Direção de Recursos da Administração Nacional Tributária e Aduaneira no Pécsi Törvényszék (Tribunal Regional de Pécs, Hungria), o órgão jurisdicional de reenvio.

25      Por Acórdão de 17 de setembro de 2021, o órgão jurisdicional de reenvio negou provimento aos recursos da Viterra Hungary. Com base nos resultados de uma peritagem que tinha ordenado, considerou que o produto em causa se destinava exclusivamente à alimentação de animais, que se tratava de uma preparação e que tinha sido objeto de transformação definitiva. Sublinhou também que, segundo essa peritagem, este produto era idêntico, para efeitos pautais, ao bagaço de soja proveniente da Argentina, relativamente ao qual a Kúria (Supremo Tribunal, Hungria) tinha decidido definitivamente que devia ser classificado na posição 2309 da NC.

26      A Viterra Hungary interpôs recurso de cassação dessa sentença do órgão jurisdicional de reenvio na Kúria (Supremo Tribunal). Nesse recurso, pediu que fosse submetido ao Tribunal de Justiça um pedido de decisão prejudicial.

27      Por Despacho de 20 de janeiro de 2022, a Kúria (Supremo Tribunal) anulou a Sentença de 17 de setembro de 2021 do órgão jurisdicional de reenvio e remeteu o processo a esse órgão jurisdicional. Nesse despacho, a Kúria (Supremo Tribunal) referiu que o órgão jurisdicional de reenvio devia examinar se a classificação do produto em causa na NC podia ser efetuada com base na jurisprudência existente do Tribunal de Justiça e que, se esse órgão jurisdicional considerasse que o Tribunal de Justiça ainda não se tinha pronunciado sobre essa questão, podia ser instaurado um processo de reenvio prejudicial a fim de obter uma classificação correta.

28      Nestas condições, o Pécsi Törvényszék (Tribunal Regional de Pécs) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o direito da União, em especial [a NC], ser interpretado no sentido de que se opõe à prática de um Estado‑Membro segundo a qual a realização de um processo de torrefação, necessário à eliminação do hexano (utilizado para extrair o óleo e prejudicial para a saúde dos animais e para a saúde humana) do resíduo que permanece após a extração do óleo dos grãos de soja com o solvente hexano, é considerada uma transformação definitiva que serve de fundamento à classificação desse produto na posição 2309 da [NC] e que exclui a sua classificação na posição 2304 da nomenclatura?

2)      Deve o direito da União, em especial [a NC], ser interpretado no sentido de que se deve considerar que um produto é “impróprio para alimentação humana” quando

a)      seja totalmente excluído e seja impossível utilizar esse produto na indústria alimentar, isto é, quando não seja possível utilizar ou transformar o produto em causa na indústria alimentar e não seja possível fabricar a partir desse produto um produto suscetível de ser consumido pelo homem, ou

b)      esse produto não possa ser consumido pelo homem no estado em que se encontra no momento da sua importação, mas, a partir desse produto, após a sua utilização ou a sua transformação na indústria alimentar, possa ser fabricado um produto suscetível de ser consumido pelo homem?

3)      Deve o direito da União, em especial [a NC], ser interpretado no sentido de que um produto também se considera alimento para o gado muito apreciado quando o produto importado sob a forma [aglomerada,] de pellets ou de grânulos deva ser triturado fisicamente e misturado com uma ração composta para que possa ser consumido pelos animais?

4)      Deve o direito da União, em especial [a NC], ser interpretado no sentido de que o direito da União se opõe à prática de um Estado‑Membro segundo a qual o facto de um produto conter modificações genéticas exclui que seja adequado à alimentação humana, ou seja, que o bagaço de soja geneticamente modificado não pode ser utilizado na indústria alimentar?

5)      Deve o direito da União, em especial [a NC], ser interpretado no sentido de que, no âmbito da classificação de um produto na posição 2304 ou na posição 2309 da [NC], há que examinar

a)      a utilização real do produto após a sua importação, ou

b)      as características objetivas do produto no momento da importação, isto é, se o produto, no estado em que se encontra no momento da sua importação, pode ser utilizado para a alimentação humana ou dos animais?

6)      Deve o direito da União, em especial [a NC], ser interpretado no sentido de que o facto de o bagaço de soja ser impróprio para alimentação humana não exclui a sua classificação na posição 2304 da [NC]?

7)      Deve o direito da União, em especial [a NC], ser interpretado no sentido de que um bagaço de soja como o que está em causa no presente processo, ou seja, submetido ao processo de torrefação necessário à eliminação do hexano utilizado para a extração do óleo e prejudicial para a saúde dos animais e para a saúde humana, é abrangido pela posição 2304 ou pela posição 2309 da [NC]?»

 Quanto às questões prejudiciais

29      Com as suas questões prejudiciais, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a NC deve ser interpretada no sentido de que um produto importado sob a forma aglomerada, de pellets ou de grânulos, obtido após a extração do óleo de soja por meio de solventes e por tratamento térmico que visa eliminar esses solventes para que esse produto possa ser incorporado, após fragmentação física, numa mistura destinada ao consumo animal, está abrangido pela posição 2304 ou pela posição 2309 da referida nomenclatura.

30      A título preliminar, importa recordar que, quando é submetido ao Tribunal de Justiça um reenvio prejudicial em matéria de classificação pautal, a função deste consiste mais em esclarecer o órgão jurisdicional de reenvio sobre os critérios cuja aplicação lhe permitirá classificar corretamente os produtos em causa segundo a NC do que em proceder ele próprio a essa classificação. Esta classificação resulta de uma apreciação puramente factual que não cabe ao Tribunal de Justiça efetuar no âmbito de um reenvio prejudicial [Acórdão de 9 de fevereiro de 2023, LB (Air loungers), C‑635/21, EU:C:2023:85, n.o 31 e jurisprudência referida].

31      Todavia, para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça pode, num espírito de cooperação com os órgãos jurisdicionais nacionais, fornecer‑lhe todas as indicações que entender necessárias (Acórdão de 26 de maio de 2016, Invamed Group e o., C‑198/15, EU:C:2016:362, n.o 17 e jurisprudência referida).

32      Importa igualmente recordar que, em conformidade com a regra geral 1 para a interpretação da NC, a classificação pautal das mercadorias é determinada pelos termos das posições e das notas de secção e de capítulo desta nomenclatura.

33      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para garantir a segurança jurídica e a facilidade dos controlos, o critério decisivo para a classificação pautal dessas mercadorias deve ser procurado, de maneira geral, nas suas características e propriedades objetivas, como definidas no teor da posição da NC e das notas de secção ou de capítulo correspondentes. O destino do produto pode constituir um critério objetivo de classificação, desde que seja inerente a esse produto, e deve ser apreciado em função das características e das propriedades objetivas do referido produto [Acórdão de 9 de fevereiro de 2023, LB (Air loungers), C‑635/21, EU:C:2023:85, n.o 33 e jurisprudência referida].

34      Além disso, o Tribunal de Justiça tem declarado reiteradamente que, apesar de as notas explicativas do SH e da NC não terem força vinculativa, constituem instrumentos importantes para assegurar a aplicação uniforme da pauta aduaneira comum e fornecem, enquanto tais, elementos válidos para a sua interpretação [Acórdão de 9 de fevereiro de 2023, LB (Air loungers), C‑635/21, EU:C:2023:85, n.o 34 e jurisprudência referida].

35      Do mesmo modo, embora os pareceres da OMA que classificam mercadorias no SH não sejam juridicamente vinculativos, constituem, no que respeita à classificação dessas mercadorias na NC, elementos significativos para a interpretação do alcance das diferentes posições da NC (v., neste sentido, Acórdãos de 6 de dezembro de 2007, Van Landeghem, C‑486/06, EU:C:2007:762, n.o 25, e de 25 de julho de 2018, Pilato, C‑445/17, EU:C:2018:609, n.o 26).

36      No caso em apreço, as posições da NC pertinentes estão abrangidas pelo capítulo 23 dessa nomenclatura e são, por um lado, a posição 2304, intitulada «Bagaços (Tortas) e outros resíduos sólidos, mesmo triturados ou em pellets, da extração do óleo de soja», e, por outro, a posição 2309 da referida nomenclatura, que se intitula «Preparações dos tipos utilizados na alimentação de animais».

37      Resulta da nota 1 do capítulo 23 da NC que um produto só pode ser considerado uma «preparação» pertencente à posição 2309 da NC se não se tratar de resíduos ou de desperdícios pertencentes a outra posição do capítulo 23 da NC ou especificados ou compreendidos noutras posições. A posição 2309 da NC é, por isso, uma posição residual, nomeadamente em relação à posição 2304 da NC, como salientaram a recorrente no processo principal e a Comissão.

38      Por conseguinte, há que examinar, antes de mais, se um produto, como o produto em causa, está abrangido por esta última posição.

39      A posição 2304 da NC intitula‑se «Bagaços (Tortas) e outros resíduos sólidos, mesmo triturados ou em pellets, da extração do óleo de soja».

40      Nem a NC nem as suas notas de secção ou de capítulo definem exatamente o que abrange o termo «resíduos». Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nesse caso, deve‑se determinar o seu significado de acordo com o sentido habitual na linguagem corrente desse termo, não deixando de ter em conta o contexto em que é utilizado e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (Acórdão de 9 de fevereiro de 2023, Global Gravity, C‑788/21, EU:C:2023:86, n.o 46).

41      Em linguagem corrente, um resíduo é o que permanece após uma operação física ou química ou um tratamento industrial.

42      Esta interpretação do termo «resíduos» é confirmada pelas considerações gerais que figuram nas notas explicativas relativas ao capítulo 23 do SH, segundo as quais este capítulo inclui diversos resíduos e desperdícios provenientes do tratamento das matérias vegetais utilizadas pelas indústrias alimentares.

43      Além disso, resulta da nota explicativa relativa à posição 23.04 do SH, que corresponde à posição 2304 da NC, que os resíduos abrangidos por esta posição provêm da extração, por prensagem, por meio de solventes ou por centrifugação, do óleo contido nos grãos de soja e que constituem alimentos para o gado muito apreciados.

44      No caso em apreço, um produto, como o produto em causa, descrito como bagaço de soja, importado sob a forma aglomerada, de pellets ou de grânulos, obtido após a extração do óleo contido nos grãos de soja por meio de um solvente, o hexano, e destinado à alimentação de animais, parece apresentar todas as características dos produtos abrangidos pela posição 2304 da NC, tal como resultam da redação desta posição e da nota explicativa referida no n.o 43, supra.

45      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, todavia, sobre se outras características deste produto o excluem do âmbito de aplicação da posição 2304 da NC, a saber, o facto de o referido produto ter sido submetido, após a extração do óleo dos grãos de soja por meio de um solvente, a um tratamento térmico, denominado torrefação, destinado a eliminar este solvente, o facto de dever ser objeto de fragmentação física e ser incorporado numa mistura antes de ser consumido pelo animal ou ainda a circunstância de ser, eventualmente, impróprio para consumo humano.

46      A este respeito, importa salientar, em primeiro lugar, que, uma vez que resulta da nota explicativa relativa à posição 23.04 do SH que os produtos abrangidos por esta posição, incluindo os que resultam da extração do óleo de soja por meio de solventes, são «alimentos para o gado muito apreciados», estes produtos devem poder ser consumidos pelos animais. Ora, para este efeito, é necessário que o solvente utilizado para extrair o óleo seja eliminado, uma vez que é prejudicial para a saúde animal. O tratamento térmico denominado torrefação, que visa eliminar este solvente, deve, por conseguinte, ser considerado indissociável da produção dos resíduos visados pela posição 2304 da NC que provêm da extração do óleo por meio de solventes.

47      Além disso, uma vez que a extração do óleo por meio de solventes é um processo técnico normal para produzir bagaço de soja, como resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, se se considerasse que a torrefação, sofrida pelo produto em causa, constitui uma transformação que o faz perder o seu caráter de resíduo, isso levaria a excluir desta posição todos os produtos resultantes da extração do óleo contido nos grãos de soja por meio de solventes e esvaziaria assim esta posição de uma grande parte da sua substância.

48      A interpretação da NC no sentido de que o facto de um produto, como o produto em causa, ter sido submetido a um tratamento térmico não o faz perder o seu caráter de resíduo abrangido pela posição 2304 da NC é igualmente corroborada pelo parecer de classificação SH da OMA 2304.00/1 de 1991, que consta do anexo 2 às observações escritas da Comissão, que constitui, como resulta da jurisprudência referida no n.o 35 do presente acórdão, um elemento significativo para a interpretação do alcance dessa posição. Com efeito, este parecer classifica na posição 23.04 do SH uma «[f]arinha de soja desengordurada, com um teor em proteínas calculado sobre matéria seca, de cerca de 50 %, obtida por tratamento térmico a vapor dos grãos de soja secos separados da sua vagem, extração por meio de solventes e moagem».

49      Em segundo lugar, a recorrente no processo principal explicou que o bagaço de soja sob a forma aglomerada, de pellets ou de grânulos, devido ao seu elevado teor proteico, devia ser sujeito a fragmentação física, isto é, ser triturado e incorporado numa mistura destinada à alimentação de animais.

50      A este respeito, importa recordar que resulta das considerações gerais das notas explicativas relativas ao capítulo 23 do SH que a maior parte dos produtos abrangidos por este capítulo, e, por conseguinte, em especial, os abrangidos pela posição 2304 da NC, se destinam à «alimentação de animais, isolada ou misturada com outras matérias». Assim, o facto de um produto, como o produto em causa, dever, após importação, ser triturado e incorporado numa mistura para poder ser consumido pelo animal não o exclui do âmbito de aplicação da posição 2304 da NC.

51      Em terceiro e último lugar, no que respeita à circunstância de o produto em causa ser, eventualmente, impróprio para consumo humano, importa salientar que resulta das considerações gerais que figuram nas notas explicativas relativas ao capítulo 23 do SH e das notas explicativas relativas à posição 2304 do SH que os «resíduos» abrangidos por esta posição são principalmente utilizados como alimentos para animais. Podem, além disso, ser próprios para consumo humano sem que isso constitua um requisito para que possam ser abrangidos pela referida posição.

52      Atendendo ao que precede, há que considerar que a NC deve ser interpretada no sentido de que um produto como o que está em causa deve ser classificado na posição 2304 da NC.

53      Esta interpretação não é posta em causa pelos argumentos invocados pelo Governo Húngaro nas suas observações escritas relativas ao Acórdão de 3 de março de 2016, Customs Support Holland (C‑144/15, EU:C:2016:133).

54      Por um lado, no que respeita ao argumento segundo o qual, nesse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que um produto similar ao produto em causa, a saber, o Imcosoy 62, que é um concentrado proteico de soja, não estava abrangido pela posição 2304 da NC, importa salientar que resulta dos n.os 33, 35 e 41 do referido acórdão que esta conclusão se baseava, nomeadamente, no facto de esse produto ser obtido a partir do bagaço de soja, no termo de um processo que visa, por um lado, extrair a gordura restante deste bagaço e certas substâncias nocivas e, por outro, reduzir o teor em elementos diferentes dos proteicos. Com efeito, o processo de transformação do bagaço de soja, do qual provém o Imcosoy 62, prosseguia um objetivo zootécnico determinado, já que se destinava a criar um concentrado proteico que pode ser ingerido pelos vitelos de tenra idade, ao contrário do bagaço de soja.

55      Ora, no caso em apreço, a recorrente no processo principal sublinhou que o produto em causa não sofreu nenhuma transformação destinada a aumentar o teor em proteínas, a reduzir a estrutura em fibras ou a alterar a sua composição e que a torrefação tinha por objetivo eliminar o hexano, que não é um componente natural da soja. Tendo em conta estas indicações, que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, deve considerar‑se que um produto como o produto em causa conservou o caráter de resíduo resultante da extração do óleo de soja, abrangido pela posição 2304 da NC, contrariamente ao produto que estava em causa no processo que deu origem ao Acórdão de 3 de março de 2016, Customs Support Holland (C‑144/15, EU:C:2016:133).

56      Por outro lado, no que respeita ao argumento segundo o qual o produto em causa preenche os três requisitos, enunciados nesse acórdão, para que um produto seja classificado na posição 2309 da NC, há que recordar que, tendo esta posição um caráter residual em relação à posição 2304 da NC, quando um produto é classificado nesta última posição, o facto de preencher, eventualmente, também os requisitos para ser classificado na posição 2309 dessa nomenclatura não é pertinente para efeitos da sua classificação.

57      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que a NC deve ser interpretada no sentido de que um produto importado sob a forma aglomerada, de pellets ou de grânulos, obtido após a extração do óleo de soja por meio de solventes e por tratamento térmico que visa eliminar esses solventes para que esse produto possa ser incorporado, após fragmentação física, numa mistura destinada ao consumo animal, está abrangido pela posição 2304 dessa nomenclatura.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Sexta Secção) declara:

A Nomenclatura Combinada, constante do anexo I do Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum, na versão resultante do Regulamento de Execução (UE) 2016/1821 da Comissão, de 6 de outubro de 2016,

deve ser interpretada no sentido de que:

um produto importado sob a forma aglomerada, de pellets ou de grânulos, obtido após a extração do óleo de soja por meio de solventes e por tratamento térmico que visa eliminar esses solventes para que esse produto possa ser incorporado, após fragmentação física, numa mistura destinada ao consumo animal, está abrangido pela posição 2304 dessa nomenclatura.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.