Language of document : ECLI:EU:T:2003:248

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção Alargada)

30 de Setembro de 2003 (1)

«Artigos 296.° CE e 298.° CE - Auxílio de Estado concedido a uma empresa de produção militar - Denúncia - Acção por omissão - Inadmissibilidade»

No processo T-26/01,

Fiocchi munizioni SpA, com sede em Lecco (Itália), representada por I. Van Bael, E. Raffaelli, F. Di Gianni e R. Antonini, advogados,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Di Bucci, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

apoiada por

Reino de Espanha, representado por S. Ortiz Vaamonde, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

interveniente,

que tem por objecto um pedido destinado a obter a declaração de que a Comissão se absteve ilegalmente de decidir quanto ao mérito da denúncia apresentada pela demandante relativa a um auxílio de Estado concedido pelo Reino de Espanha à empresa Santa Barbara,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção Alargada),

composto por: K. Lenaerts, presidente, P. Lindh, J. Azizi, J. D. Cooke e M. Jaeger, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 4 de Junho de 2003,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    O artigo 87.°, n.° 1, CE, dispõe que, salvo disposição em contrário do Tratado, são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções. No n.° 2 do artigo 87.° CE são identificados os auxílios compatíveis de pleno direito com o mercado e, no n.° 3 do mesmo artigo, os que podem ser considerados compatíveis com o mercado comum. O artigo 88.° CE estabelece o procedimento comum de fiscalização1\JRO\MYDOCU~1\WP51\_T2001\T01_0026\ARRET.SEC~ dos auxílios de Estado.

2.
    O artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, refere que as disposições do Tratado não obstam a que um Estado-Membro tome as medidas que considere necessárias à protecção dos interesses essenciais da sua segurança e que estejam relacionadas com a produção ou o comércio de armas, munições e material de guerra. Acrescenta que estas medidas não devem alterar as condições de concorrência no mercado comum no que diz respeito aos produtos não destinados a fins especificamente militares.

3.
    Nos termos do artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE, se as medidas tomadas no caso previsto no artigo 296.° CE tiverem por efeito falsear as condições de concorrência no mercado comum, a Comissão analisará com o Estado interessado as condições em que tais medidas podem ser adaptadas às disposições constantes do Tratado. Nos termos do artigo 298.°, segundo parágrafo, CE, a Comissão ou qualquer Estado-Membro podem, em derrogação do processo previsto nos artigos 226.° CE e 227.° CE, recorrer directamente ao Tribunal de Justiça, se considerarem que outro Estado-Membro está a fazer utilização abusiva das faculdades previstas no artigo 296.° CE.

Matéria de facto na origem do litígio

4.
    A Fiocchi munizioni SpA (a seguir «demandante») é uma empresa italiana que opera no sector do fabrico e comercialização de armas e munições.

5.
    Por carta de 25 de Maio de 1999, recebida na Comissão em 7 de Junho de 1999, a demandante apresentou uma denúncia à referida instituição relativa a subsídios que teriam sido concedidos de 1996 a 1998, no montante global de cerca de 35 milhares de milhões de pesetas espanholas (ESP), pelo Reino de Espanha à Empresa Nacional Santa Barbara (a seguir «Santa Barbara»), empresa espanhola de produção militar. Na referida denúncia, requereu à Comissão que fosse aberto um inquérito relativo à conformidade dos subsídios acima referidos com os artigos 87.° CE, 88.° CE e 296.° CE e que fosse declarada a violação dos referidos artigos pelo Reino de Espanha.

6.
    Por carta de 16 de Junho de 1999 enviada à Representação Permanente do Reino de Espanha nas Comunidades Europeias, a Comissão solicitou às autoridades espanholas informações relativas à natureza e ao montante dos alegados auxílios concedidos à Santa Barbara.

7.
    Por carta de 23 de Julho de 1999, as autoridades espanholas explicaram à Comissão que a Santa Barbara é uma empresa pública exclusivamente dedicada à produção de armas e munições e ao fabrico de blindados, e que, consequentemente, as suas actividades são abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 296.°, n.° 1, CE. Esclareceram que as actividades da Santa Barbara são reconhecidas pela legislação espanhola como de interesse para a defesa nacional do Reino de Espanha, que as unidades produtivas da Santa Barbara são propriedade do Ministério da Defesa espanhol por força de uma lei espanhola relativa à reorganização da indústria militar e que a produção da referida empresa se destina principalmente a obviar às necessidades do exército espanhol. Salientaram também que as actividades da Santa Barbara estão sujeitas à legislação espanhola sobre o segredo de Estado.

8.
    Por carta de 27 de Setembro de 1999 enviada às autoridades espanholas, a Comissão recordou a estas os termos do artigo 296.°, n.° 1, CE, e solicitou-lhes que fornecessem indicações sobre a relação entre os auxílios concedidos à Santa Barbara e a produção de armamento civil e militar destinado à exportação. Acrescentou que não se pode considerar que uma actividade deste tipo está abrangida pela protecção dos interesses essenciais da segurança do Reino de Espanha na acepção do artigo 296.°, n.° 1, CE.

9.
    Por carta de 21 de Outubro de 1999, as autoridades espanholas responderam à carta da Comissão referida no número anterior. Dado que as autoridades espanholas invocaram, por carta de 6 de Março de 2001 enviada à Comissão, a reserva de confidencialidade no que respeita ao conteúdo da carta de 21 de Outubro de 1999, esta não foi junta aos autos.

10.
    Por carta de 28 de Outubro de 1999, a demandante, alegando que a situação descrita na sua denúncia lhe tinha causado um prejuízo substancial, solicitou à Comissão informações sobre o estado do procedimento relativo aos auxílios concedidos à Santa Barbara e sobre as intenções da Comissão a este respeito.

11.
    Por carta de 18 de Novembro de 1999, a Comissão respondeu à carta da demandante referida no número anterior. Fez-lhe saber que, na sequência da sua denúncia, a Comissão, em Junho e Setembro de 1999, tinha solicitado às autoridades espanholas informações destinadas a averiguar se e de que montante tinham sido concedidos auxílios de Estado à Santa Barbara. Referiu que, em Julho e em Outubro de 1999, as autoridades espanholas lhe enviaram informações relativas à produção militar da Santa Barbara e que, uma vez que as autoridades em causa invocaram a derrogação prevista no artigo 296.° CE, a Comissão estava a analisar a justeza desta tese. Acrescentou que informaria a demandante logo que possível das conclusões da referida análise.

12.
    Por carta de 8 de Março de 2000, dirigida à Comissão, a demandante, remetendo para a sua denúncia de 25 de Maio de 1999 (v. n.° 4 supra), alegou que os auxílios concedidos à Santa Barbara não são susceptíveis de ser abrangidos pela derrogação prevista no artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, pelo facto de, tal como a demandante, a Santa Barbara operar a nível internacional no domínio dos concursos públicos de fornecimento de munições e, consequentemente, não se pode considerar que as medidas adoptadas a favor desta empresa pelas autoridades espanholas não podem ser consideradas necessárias à protecção dos interesses essenciais da segurança do Reino de Espanha na acepção da disposição acima referida. Denunciando a inércia dos serviços da Comissão, a demandante afirmou que se via «obrigada a apresentar, pela presente, um pedido formal à Comissão que actue na acepção do artigo 232.° CE, sem prejuízo de se reservar a possibilidade de recorrer ao procedimento previsto no referido artigo no caso de persistir a inércia dos serviços da Comissão».

13.
    Por carta de 5 de Junho de 2000, a Comissão respondeu à carta da demandante de 8 de Março de 2000. Remetendo para a carta de 18 de Novembro de 1999, recordou-lhe os diversos pedidos de informação que tinha dirigido às autoridades espanholas a respeito da natureza e do montante dos auxílios concedidos à Santa Barbara, bem como as respostas das referidas autoridades a esses pedidos, designadamente a carta de 23 de Julho de 1999, na qual as autoridades em causa invocaram a derrogação prevista no artigo 296.° CE. Salientou, que, nos termos do artigo 298.° CE, a Comissão é apenas obrigada a analisar as medidas controvertidas com o Estado-Membro em questão e que essa análise não estava ainda terminada uma vez que não tinha tomado uma posição. Referiu igualmente a possibilidade de procedimento judicial que lhe assiste nos termos do artigo 298.°, segundo parágrafo, CE no caso de utilização alegadamente abusiva por um Estado-Membro das faculdades conferidas pelo artigo 296.° CE. Além disso, indicou à demandante que, sem prejuízo de novas informações, havia que dar por encerrada a troca de correspondência entre ambas.

14.
    Por carta de 27 de Setembro de 2000, a demandante respondeu à carta da Comissão de 5 de Junho de 2000. Afirmou que, embora a sua denúncia tivesse sido apresentada há mais de quinze meses, a Comissão ainda não tinha tomado qualquer posição. Salientou que, a partir de Outubro de 1999, a Comissão deixou de solicitar informações ou esclarecimentos às autoridades espanholas e, por outro lado, que não se afigurava que tivesse dado início, nos termos do artigo 298.° CE, ao procedimento destinado a examinar com as autoridades em causa as condições em que as medidas controvertidas podiam ser adaptadas às normas estabelecidas pelo Tratado. Referiu igualmente que não se verificava que a Comissão tivesse proposto uma acção no Tribunal de Justiça contra o Reino de Espanha com base no artigo 298.°, segundo parágrafo, CE ou que tivesse adoptado uma decisão formal que declarasse ilícitas as medidas acima referidas. Assim, pediu à Comissão que tomasse posição, na acepção do artigo 232.° CE, no que respeita às medidas em causa e anunciou a sua intenção de submeter o assunto ao Tribunal de Primeira Instância no caso de não haver reacção por parte da Comissão no prazo de dois meses.

15.
    Por carta de 22 de Novembro de 2000, a Comissão indicou à demandante que, na falta de novas informações por parte desta, a Comissão apenas poderia reiterar o que lhe tinha afirmado na carta de 5 de Junho de 2000, ou seja, que os seus serviços estavam ocupados com a análise das medidas controvertidas em conformidade com o artigo 298.° CE e que não tinha ainda tomado qualquer posição. Insistiu novamente na faculdade de recurso directo para o Tribunal de Justiça de que dispõe nos termos do artigo 298.°, segundo parágrafo, CE e na inadmissibilidade de uma eventual acção por omissão a propor pela demandante para impugnar a recusa da Comissão de dar início a um processo de declaração de incumprimento no presente caso.

Tramitação processual

16.
    Foi neste contexto que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 29 de Janeiro de 2001, a demandante propôs a presente acção por omissão.

17.
    Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Março de 2001, a demandada suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. A demandante apresentou as suas observações relativamente a esta excepção em 28 de Maio de 2001.

18.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19 de Maio de 2001, o Reino de Espanha pediu que fosse admitida a sua intervenção no presente processo em apoio da demandada. Por despacho de 10 de Julho de 2001, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a referida intervenção. O interveniente apresentou as suas alegações relativas à questão prévia de inadmissibilidade e as restantes partes apresentaram as suas observações sobre a mesma nos prazos fixados.

19.
    Por despacho do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Dezembro de 2001, a apreciação da questão prévia bem como a decisão quanto às despesas foi reservada para final.

20.
    A fase escrita do processo foi encerrada em 10 de Dezembro de 2002, com a apresentação pelas partes principais das respectivas observações relativamente às segundas alegações de intervenção do Reino de Espanha.

21.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção Alargada) decidiu dar início à fase oral do processo.

22.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 4 de Junho de 2003.

Pedidos das partes

23.
    A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar que a Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbem nos termos do artigo 232.° CE ao não se ter pronunciado quanto ao mérito da denúncia da demandante e ao não ter adoptado as decisões e os actos que se impunham;

-    condenar a Comissão nas despesas;

-    adoptar todas e quaisquer medidas e decisões que se imponham na base da equidade.

24.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar a acção inadmissível ou, subsidiariamente, improcedente;

-    condenar a demandante nas despesas.

25.
    O Reino de Espanha pede que o Tribunal se digne julgar a acção inadmissível ou, subsidiariamente, improcedente.

Questão de direito

Argumentos das partes

26.
    A Comissão contesta a admissibilidade da acção. Adianta três fundamentos a este respeito.

27.
    O primeiro fundamento, formulado na questão prévia de inadmissibilidade, assenta na propositura tardia da acção.

28.
    A Comissão refere que a demandante, numa primeira fase, notificou a Comissão por carta de 8 de Março de 2000. Apoiada neste aspecto pelo Reino de Espanha, a Comissão acrescenta que, na sua carta de 5 de Junho de 2000, qualificou expressamente a carta da demandante de 8 de Março de 2000 como um pedido formal de decisão na acepção do artigo 232.° CE. Esta indicação permitia à demandante concluir que a Comissão tinha atribuído à sua carta o alcance e os efeitos jurídicos decorrentes da sua redacção. Por outro lado, ao ler a carta da Comissão de 5 de Junho de 2000, a demandante não teria podido alimentar a mínima dúvida quanto à decisão da Comissão de não dar sequência à sua denúncia e ao convite a agir.

29.
    A Comissão considera que, consequentemente, a demandante poderia ou deveria ter proposto uma acção por omissão antes de 19 de Julho de 2000, data em que terminou o prazo de quatro meses fixado no artigo 232.° CE, tendo em conta o prazo de dilação em razão da distância. Em lugar disso, a demandante, após o termo do prazo para propositura da acção, dirigiu à Comissão, em 27 de Setembro de 2000, uma nova notificação na acepção do artigo 232.° CE e propôs a presente acção dentro dos quatro meses a contar dessa data. Esta segunda notificação não pode, contudo, ocultar a extemporaneidade da propositura da acção.

30.
    É certo que um particular pode dirigir à instituição em causa uma nova notificação com um objecto diferente do de uma primeira notificação, ou baseada numa situação de facto ou de direito que se tenha alterado. Contudo, no caso concreto, o objecto das duas notificações é idêntico e a demandante não demonstrou que surgiram factos ou elementos de direito novos no espaço de tempo entre as duas notificações.

31.
    A Comissão acrescenta que, uma vez que o prazo previsto no artigo 232.° CE é de ordem pública, a ultrapassagem do referido prazo acarreta a prescrição e, consequentemente, a inadmissibilidade da acção por omissão, salvo perante circunstâncias excepcionais. Contudo, no caso presente não estão reunidas essas circunstâncias.

32.
    Na sua contestação, a Comissão, apoiada neste ponto pelo Reino de Espanha, nega desde logo que a sua carta de 5 de Junho de 2000 tenha alterado a situação factual existente no momento do primeiro convite a agir contido na carta da demandante de 8 de Março de 2000. Efectivamente, as informações das autoridades espanholas referidas na carta de 5 de Junho de 2000 foram transmitidas à demandante na carta da Comissão de 18 de Novembro de 1999, ou seja, antes do primeiro convite a agir da demandante, pelo que não podem ser consideradas factos novos susceptíveis de justificar novo convite a agir. Além disso, a Comissão, na carta de 5 de Junho de 2000, não referiu que procedia à análise das informações acima referidas.

33.
    Seguidamente, a Comissão afirma que, na sua carta de 22 de Novembro de 2000, se limitou a recordar o teor da sua carta de 5 de Junho de 2000, pelo que a demandante, pela leitura da carta de 22 de Novembro de 2000, não pôde extrair a certeza que alegadamente lhe não foi dada pela carta de 5 de Junho de 2000.

34.
    Nas suas primeiras alegações de intervenção, o Reino de Espanha insiste no facto de a carta de 5 de Junho de 2000 conter uma tomada de posição da Comissão sem ambiguidades. Nesta carta, a Comissão deu efectivamente a conhecer à demandante que as medidas adoptadas pelas autoridades espanholas a favor da Santa Barbara não deveriam ser analisadas, como a demandante requereu, à luz das disposições gerais sobre auxílios de Estado, mas à luz dos artigos 296.° CE a 298.° CE. Ao assim proceder, respondeu à demandante que não tencionava agir no sentido pretendido por esta.

35.
    O segundo fundamento de inadmissibilidade, desenvolvido pela Comissão na contestação e na tréplica, assenta na falta de definição do objecto da presente acção.

36.
    A Comissão, apoiada pelo Reino de Espanha, afirma que a demandante não determinou a natureza dos actos que a Comissão deveria ter adoptado, quando a declaração de omissão nos termos do artigo 232.° CE pressupõe que a alegada omissão respeite a medidas cujo alcance seja suficientemente definido para poder ser objecto de execução na acepção do artigo 233.° CE.

37.
    O terceiro fundamento de inadmissibilidade, igualmente desenvolvido pela Comissão na sua contestação e na tréplica, assenta na inadmissibilidade de uma acção que tem por objecto denunciar uma omissão da sua parte com base no artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE.

38.
    A Comissão refere que o artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE constitui, em relação às matérias e nos casos a que expressamente se refere, uma derrogação do conjunto das disposições do Tratado, sejam estas de natureza processual ou material. Além disso, tratando-se de produtos destinados a fins especificamente militares, é irrelevante que as medidas nacionais em causa alterem as condições de concorrência no mercado comum.

39.
    Daqui decorre que, quando um Estado-Membro considera que deve invocar o artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE a respeito de uma medida de auxílio específica, e dentro do limite dos produtos destinados a fins especificamente militares, não é obrigado a proceder à notificação prévia à Comissão. Por outro lado, em caso de denúncia, se o Estado-Membro em causa invocar a disposição acima referida, a Comissão não poderá proceder à abertura de um procedimento formal de exame com base no artigo 88.° CE, sob pena de violar a referida disposição. Por outro lado, a utilização abusiva por um Estado-Membro das faculdades previstas pelo artigo 296.° CE só pode ser denunciada por meio de recurso directo ao Tribunal de Justiça com base no artigo 298.°, segundo parágrafo, CE, e não por meio de uma acção por incumprimento com base no artigo 226.° CE ou no artigo 227.° CE ou através de uma decisão adoptada com base no artigo 88.° CE. A aplicabilidade das restantes disposições do Tratado depende, consequentemente, da declaração, pelo Tribunal de Justiça, de que se verificou um abuso.

40.
    É certo que, no artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE, está previsto que, se as medidas nacionais tomadas nos termos do artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE tiverem por efeito falsear as condições de concorrência no mercado comum, a Comissão analisará com o Estado interessado as condições em que tais medidas podem ser adaptadas às disposições constantes do Tratado. Contudo, a Comissão não dispõe, nessa hipótese, da faculdade de adoptar actos vinculativos e o resultado das consultas depende essencialmente da vontade do Estado-Membro em causa. Em caso de estas não terem êxito, é lícito à Comissão e aos restantes Estados-Membros recorrer ao Tribunal de Justiça com base no artigo 298.°, segundo parágrafo, CE.

41.
    Nas segundas alegações de intervenção, o Reino de Espanha refere que, na medida em que se deva considerar que o objecto do convite a agir da demandante reside numa tomada de posição da Comissão sobre a aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso concreto, é de concluir que, na carta de 22 de Novembro de 2000, a Comissão respondeu ao referido convite afirmando que o artigo 296.° CE é aplicável ao caso concreto e que, consequentemente, analisaria o processo nos termos do artigo 298.° CE. Embora contrária aos interesses da demandante, esta tomada de posição exclui que se possa concluir no sentido de uma omissão da Comissão e implica a inadmissibilidade da presente acção.

42.
    A demandante impugna os três fundamentos de inadmissibilidade invocados pela Comissão.

43.
    Respondendo ao primeiro fundamento, a demandante afirma, desde logo, que a indicação constante da carta da Comissão de 5 de Junho de 2000 segundo a qual a Comissão estava a analisar informações complementares recebidas em Outubro de 1999 das autoridades espanholas constituiu um elemento novo em relação às informações que tinha obtido da Comissão em 18 de Novembro de 1999 e, consequentemente, uma alteração das circunstâncias de facto posterior a 8 de Março de 2000, data do envio à Comissão do seu primeiro convite a agir. Afirma que considerou por isso oportuno conceder três meses suplementares à Comissão para tomar posição à luz das informações acima referidas e seguidamente, face à inércia desta, enviar-lhe um segundo convite a agir antes de propor a presente acção.

44.
    A demandante afirma ainda que o carácter ambíguo da carta de 5 de Junho de 2000 a obrigou à pedir à Comissão explicações complementares e uma confirmação da sua posição. Com efeito, a leitura da referida carta não lhe permitiu saber se a Comissão tinha tomado posição sobre a aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso concreto. Ora, a natureza da acção a intentar pela demandante dependia do significado exacto das afirmações da Comissão.

45.
    A demandante afirma que determinados elementos levam a crer que a Comissão ainda não tinha tomado posição em 5 de Junho de 2000. Assim, na carta de 18 de Novembro de 1999, a Comissão informou-a de que não tinha ainda tomado posição quanto à aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso em análise. Na carta de 5 de Junho de 2000, a Comissão limitou-se a referir a posição das autoridades espanholas sobre este ponto. Em contrapartida, a referência feita pela Comissão, na carta de 5 de Junho de 2000, à análise das medidas controvertidas com base no artigo 298.° CE não é conciliável com a falta de tomada de posição da sua parte sobre a aplicabilidade do artigo 296.° CE. Com efeito, no entender da demandante, este exame deveria terminar com a adopção de uma decisão fundamentada de aplicação da referida disposição. Ora, tanto quanto a demandante sabe, essa decisão nunca foi adoptada.

46.
    No que se refere à indicação constante da carta da Comissão de 5 de Junho de 2000, relativa ao desfecho da correspondência com a demandante, a mesma constituiu uma fonte de incerteza adicional. Efectivamente, tendo em conta o dever da Comissão de proceder a uma análise preliminar da denúncia e de se pronunciar sobre a aplicabilidade do artigo 296.° CE dentro de um prazo razoável, essa indicação é incompatível com a falta de comunicação pela Comissão de qualquer tomada de posição da sua parte.

47.
    Devido a estas indicações contraditórias, a demandante também não pôde saber se a carta da Comissão de 5 de Junho de 2000 devia ser interpretada como um acto - tomada de posição ou medida - susceptível de privar de objecto uma acção por omissão. Considerou por isso necessário solicitar informações complementares à Comissão e convidá-la uma vez mais a agir. Só após ter lido a carta de 22 de Novembro de 2000, na qual a Comissão reproduziu textualmente o conteúdo da carta de 5 de Junho de 2000, é que a demandante pôde concluir com um grau de certeza razoável que a Comissão não tinha tomado posição sobre a aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso em análise e que não tinha intenção de o fazer.

48.
    Subsidiariamente, a demandante afirma que, mesmo após o termo do prazo referido no artigo 232.° CE, uma das partes pode dirigir à Comissão um segundo convite a agir com base na referida disposição e propor uma acção por omissão dentro dos quatro meses a contar da recepção pela Comissão do referido convite.

49.
    A título ainda mais subsidiário, a demandante afirma que lhe assiste o direito de invocar o erro desculpável para justificar o carácter alegadamente extemporâneo da propositura da sua acção por omissão. No presente caso, foi induzida em erro pelo comportamento da Comissão. Com efeito, por um lado, a Comissão respondeu ao seu convite a agir fora do prazo de dois meses fixado pelo artigo 232.° CE, pelo que a demandante teve muito pouco tempo para analisar a referida resposta e tomar as medidas necessárias. Por outro lado, o carácter ambíguo da carta de 5 de Junho de 2000, semeou a confusão no espírito da demandante.

50.
    Em resposta ao segundo fundamento, a demandante afirma que, tanto na sua denúncia como nas notificações que formulou, solicitou à Comissão que decidisse quanto à aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso em análise. Nestas condições, a Comissão era obrigada a pronunciar-se quanto a esta questão e a comunicar os fundamentos da sua tomada de posição à demandante.

51.
    Em resposta ao terceiro fundamento, a demandante afirma que a Decisão 1999/763/CE da Comissão, de 17 de Março de 1999, relativa às medidas executadas e projectadas pelo Estado federado de Brema, Alemanha, a favor da Lürssen Maritime Beteiligungen GmbH & Co. KG (JO L 301, p. 8, a seguir «decisão Lürssen»), contradiz a tese da Comissão segundo a qual a invocação do artigo 296.° CE pelo Estado-Membro em causa basta para concluir pela aplicabilidade do referido artigo ao caso em análise e para julgar a acção inadmissível. Efectivamente, na referida decisão, apesar da invocação do artigo 296.° CE pelas autoridades alemãs, a Comissão analisou os auxílios controvertidos a fim de verificar se os mesmos se destinavam exclusivamente a produções de natureza especificamente militar.

52.
    No caso vertente, a demandante contestou desde o início a natureza especificamente militar da produção da Santa Barbara, realçando que o armamento produzido pela referida sociedade se destinava tanto a finalidades militares como civis. Acrescenta que, para se poder considerar especificamente militar, na acepção do artigo 296.° CE, a produção em causa deve destinar-se exclusivamente ao mercado nacional, conforme resulta da condição enunciada no referido artigo, relativa à protecção dos interesses essenciais da segurança nacional. Ora, no presente processo, a Santa Barbara, por via dos auxílios recebidos das autoridades espanholas, participou com êxito em concursos públicos de fornecimento de armamento noutros Estados-Membros. Nestas condições, não se pode considerar que a actividade da referida empresa se limite a produtos destinados a fins especificamente militares na acepção do artigo 296.° CE.

53.
    A demandante afirma que, em qualquer caso, tendo em conta o conteúdo da sua denúncia, a Comissão se deveria ter pronunciado sobre a aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso vertente, analisando se a produção da Santa Barbara era especificamente militar na acepção do referido artigo. Acrescenta que, ao não ter adoptado uma decisão fundamentada, a Comissão privou-a da possibilidade de impugnar uma posição eventualmente contrária à sua tese. Nestas condições, há que julgar admissível a presente acção na medida em que tem por objectivo obter a declaração de que a Comissão se absteve ilicitamente de adoptar uma decisão sobre a aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso em análise.

54.
    Nas suas observações relativas às segundas alegações de intervenção do Reino de Espanha, a demandante afirma que a tese deste, que consiste em invocar a existência de uma tomada de posição da Comissão quanto à aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso concreto, que privaria de objecto a presente acção, constitui um fundamento de inadmissibilidade não suscitado pela Comissão que deve, consequentemente, ser julgado inadmissível. Em todo o caso, esta tese não é procedente. Com efeito, na carta de 5 de Junho de 2000, a Comissão não fez saber à demandante que considerava o artigo 296.° CE aplicável ao caso em análise. Acresce que, mesmo admitindo que a Comissão tivesse concluído pela aplicabilidade do artigo 296.° CE ao caso concreto, nunca comunicou à demandante uma decisão fundamentada a este respeito.

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

55.
    A título liminar, o Tribunal considera necessário esclarecer o contexto jurídico em que se inscreve o presente processo.

56.
    Os artigos 87.° CE e 88.° CE estabelecem o regime - substantivo e processual - de direito comum relativo aos auxílios de Estado.

57.
    A produção e o comércio de armas, munições e material de guerra são objecto de um regime específico contido no artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, por força do qual as disposições do Tratado não obstam a que os Estados-Membros tomem, relativamente a estas actividades em especial, as medidas que considerem necessárias à protecção dos interesses essenciais da sua segurança. As armas, as munições e o material de guerra abrangidos por este regime constam da lista estabelecida pelo Conselho em 15 de Abril de 1958, referida no artigo 296.°, n.° 2, CE.

58.
    O regime instituído pelo artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE pretende preservar a liberdade de acção dos Estados-Membros em determinadas matérias relativas à defesa e segurança nacionais. Como confirma a sua localização entre as disposições gerais e finais do Tratado, o mesmo tem, em relação às actividades a que se refere e às condições que enuncia, um alcance geral, susceptível de afectar todas as disposições de direito comum do Tratado, designadamente as relativas às regras de concorrência. Além disso, ao dispor que o mesmo não obsta a que um Estado-Membro adopte em relação às actividades em causa, as medidas «que considere necessárias» à protecção dos interesses essenciais da sua segurança, o artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE confere aos Estados-Membros uma discricionariedade particularmente ampla na apreciação das necessidades que se incluem nesta protecção.

59.
    Neste contexto, quando um Estado-Membro toma, a favor de actividades de produção ou de comércio de armas, munições ou material de guerra constantes da lista do Conselho de 15 de Abril de 1958, uma medida de auxílio com base em considerações relativas à necessidade de proteger os interesses essenciais da sua segurança interna, as regras da concorrência não são aplicáveis a esse auxílio de Estado. Nesta hipótese bem definida, o Estado-Membro em causa não é, por isso, obrigado a notificar a medida de auxílio na fase de projecto à Comissão. Relativamente a um auxílio deste tipo, a Comissão não pode recorrer ao procedimento de exame previsto no artigo 88.° CE.

60.
    A leitura do artigo 296.° CE mostra que, tendo em conta o regime instituído pelo artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, os autores do Tratado pretenderam enquadrar o recurso pelos Estados-Membros a esta disposição, designadamente no que se refere aos auxílios de Estado.

61.
    Em primeiro lugar, resulta do artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, conjugado com o artigo 296.°, n.° 2, CE, que o regime referido no n.° 59 supra não se destina a ser aplicado a actividades relativas a produtos diferentes dos produtos militares identificados na lista do Conselho de 15 de Abril de 1958.

62.
    Em segundo lugar, estão previstas duas vias de recurso específicas no Tratado relativamente às medidas tomadas pelos Estados-Membros nos termos do artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE a favor de actividades ligadas aos produtos mencionados na lista do Conselho de 15 de Abril de 1958.

63.
    Em primeiro lugar, o último período do n.° 1, alínea b), do artigo 296.° CE, refere que as medidas referidas no número anterior não devem alterar as condições de concorrência no mercado comum no que diz respeito aos «produtos não destinados a fins especificamente militares». Nos termos do artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE, se as medidas tomadas no caso previsto no artigo 296.° CE tiverem «por efeito falsear as condições de concorrência no mercado comum», a Comissão analisará com o Estado interessado as condições em que tais medidas podem ser adaptadas às disposições constantes do Tratado. Se uma medida de auxílio de Estado adoptada ao abrigo do artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE se revelar uma fonte de distorção de concorrência no mercado comum, por exemplo, por beneficiar actividades ligadas a produtos constantes da lista do Conselho de 15 de Abril de 1958 mas susceptíveis de serem igualmente destinados a uso civil (produtos designados «de utilização mista») ou a produtos constantes da lista em causa mas destinados à exportação, resulta, assim, do artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE, que, por derrogação ao procedimento comum de exame dos auxílios de Estado previsto no artigo 88.° CE, a Comissão procederá com o Estado-Membro em causa a um exame bilateral da medida em questão.

64.
    Em segundo lugar, no artigo 298.°, segundo parágrafo, CE, está previsto que, tal como qualquer Estado-Membro, a Comissão pode, em derrogação do processo comum da acção por incumprimento previsto nos artigos 226.° CE e 227.° CE, recorrer directamente ao Tribunal de Justiça se considerar que um Estado-Membro faz uma utilização abusiva da faculdade prevista no artigo 296.° CE.

65.
    É à luz deste contexto jurídico específico que há que decidir o presente litígio.

66.
    A este respeito, o Tribunal refere que, após ter enviado, por carta de 25 de Maio de 1999, uma denúncia à Comissão relativa a distorções de concorrência provocadas no mercado comum por subsídios concedidos à Santa Barbara pelo Reino de Espanha entre 1996 e 1998 (v. n.° 5 supra), e na sequência de troca de correspondência entre a Comissão e as autoridades espanholas, da qual foi informada por carta da Comissão de 18 de Novembro de 1999 (v. n.° 11 supra), a demandante enviou à Comissão, como é pacífico entre as partes, por carta de 8 de Março de 2000 (v. n.° 12 supra), um convite a agir na acepção do artigo 232.° CE.

67.
    O objecto da notificação de 8 de Março de 2000, conjugada com a denúncia de 25 de Maio de 1999 para a qual remetia a referida carta, consistiu em solicitar à Comissão que, após averiguação, tomasse posição sobre a compatibilidade com as regras do Tratado dos subsídios concedidos à Santa Barbara pelas autoridades espanholas. No essencial, a demandante afirmou, em apoio do seu pedido, que os subsídios em causa não são elegíveis para efeitos do regime instituído no artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, dado que, ao beneficiarem as actividades de exportação da Santa Barbara, não podem ser considerados necessários à protecção dos interesses essenciais da segurança do Reino de Espanha. Acrescentou que, nestas condições e tendo em conta a incidência negativa dos referidos subsídios sobre a concorrência no mercado comum, designadamente no âmbito dos concursos públicos comunitários para fornecimento de munições militares, a Comissão deveria concluir no sentido da violação tanto do artigo 296.° CE como dos artigos 87.° CE e 88.° CE e ordenar as medidas decorrentes dessa conclusão, designadamente a recuperação dos subsídios impugnados.

68.
    A Comissão enviou aos advogados da demandante uma carta datada de 5 de Junho de 2000 (v. n.° 13 supra), que as partes aceitam constituir uma resposta à carta da demandante de 8 de Março de 2000. A referida carta de 5 de Junho de 2000 está redigida da seguinte forma:

«[...]

Ex.mos Srs,

Por carta de 8 de Março de 2000, apresentaram V. Ex.as um pedido formal à Comissão no sentido de que esta se pronunciasse na acepção do artigo 232.° do Tratado CE sobre o auxílio de Estado que as autoridades espanholas teriam concedido à sociedade Empresa Nacional Santa Barbara (ENSB), conforme resulta da carta enviada pela sociedade Fiocchi Munizioni SpA, vossa cliente, que foi recebida na Comissão em 7 de Junho de 1999. A carta da vossa cliente refere-se a munições destinados a uso militar e a um alegado auxílio que teria efeitos unicamente sobre o mercado de munições militares (concurso aberto pelo Ministério da Defesa italiano).

Por carta de 18 de Novembro de 1999, referimos já que os nossos serviços solicitaram às autoridades espanholas, por cartas datadas, respectivamente, de 16 de Junho e 27 de Setembro de 1999, informações sobre a presumível concessão de um auxílio de Estado pela Espanha à sociedade ENSB e, eventualmente, que fosse indicado o respectivo montante.

Por carta de 23 de Julho de 1999, as autoridades espanholas esclareceram que a [sociedade] ENSB beneficiava da derrogação prevista no artigo 296.° do Tratado CE. Em 26 de Setembro de 1999 os nossos serviços enviaram um ulterior pedido de informações às autoridades espanholas, as quais responderam em 21 de Outubro de 1999 transmitindo informações adicionais relativas à produção militar da sociedade ENSB.

Saliente-se a este respeito que, na acepção do artigo 298.° do Tratado CE, a acção da Comissão se limita a uma análise das medidas em questão com o Estado-Membro. Esta análise não está ainda terminada na medida em que a Comissão não adoptou qualquer posição.

Refiro, por outro lado, que a Comissão pode recorrer directamente ao Tribunal de Justiça se considerar que o Estado-Membro utiliza de forma inadequada as faculdades previstas no artigo 296.° do Tratado. Por outro lado, os particulares não podem legalmente contestar a recusa da Comissão de propor uma acção por incumprimento contra um Estado-Membro (v. acórdão [do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Maio de 1996] AITEC/Comissão, T-277/94, Colect., [...] p. II-351, n.° 55). Nestas circunstâncias, a referência ao artigo 232.° do Tratado CE, que consta da vossa carta de 8 de Março de 2000, mostra-se inoportuna e um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça nesse sentido seria inadmissível.

Salvo novas informações, rogamos que considerem encerrada a presente correspondência.

[...]»

69.
    A carta reproduzida no número anterior evidencia que, na sequência da denúncia da demandante relativa às distorções de concorrência ligadas aos subsídios concedidos à Santa Barbara pelo Reino de Espanha, a Comissão, entendendo claramente que a invocação pelas autoridades espanholas da aplicação do artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE era, à primeira vista, credível à luz das explicações e informações dadas pelas referidas autoridades, decidiu recorrer ao procedimento específico de análise bilateral previsto no artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE.

70.
    Por carta de 5 de Junho de 2000, a Comissão notificou a demandante da posição que adoptara quanto ao destino processual da sua denúncia, informando-a de que, tendo em conta o facto de as autoridades espanholas terem invocado o artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, a referida denúncia levara à abertura, com base no artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE, de um procedimento de análise bilateral, ainda em curso, com as autoridades acima referidas, e não ao que, segundo a sua tese baseada na inoponibilidade no presente caso da derrogação prevista no artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, correspondia ao objectivo principal pretendido pela demandante na sua denúncia e na notificação de 8 de Março de 2000, isto é, a abertura do procedimento normal de exame previsto no artigo 88.° CE.

71.
    O conteúdo da carta de 27 de Setembro de 2000 enviada pela demandante à Comissão na sequência da carta desta de 5 de Junho de 2000 (v. n.° 14 supra), em especial a falta de referência, na carta de 27 de Setembro de 2000, aos artigos 87.° CE e 88.° CE, mostra, a este respeito, que a demandante compreendeu bem, pela leitura da carta da Comissão de 5 de Junho de 2000, a posição desta que consistia em enquadrar o presente caso no âmbito processual específico do artigo 298.° CE e não no do artigo 88.° CE.

72.
    Ao fazer o ponto da situação da análise bilateral efectuada, nos termos do artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE, na sequência da invocação pelas autoridades espanholas do artigo 296.° CE, e ao referir a faculdade de que dispõe nos termos do artigo 298.°, segundo parágrafo, CE, de recorrer directamente ao Tribunal de Justiça caso considere que o Estado-Membro em causa fez uma utilização abusiva das faculdades conferidas pelo artigo 296.° CE, a Comissão, na carta de 5 de Junho de 2000, forneceu à demandante informação suficiente quanto às únicas duas vias de procedimento específicas que lhe são possíveis, em conformidade com o artigo 298.° CE, desde o momento em que, como no presente caso, põe de parte o recurso ao procedimento comum de fiscalização dos auxílios de Estado pelo facto de o Estado-Membro interessado ter invocado o artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE, o que lhe pareceu, à primeira vista, digno de crédito.

73.
    A indicação constante da carta de 5 de Junho de 2000, segundo a qual a actuação da Comissão nos termos do artigo 298.° CE se limita a uma análise das medidas em causa com o Estado-Membro em questão, bastava para permitir à demandante compreender que no caso em análise não deveria esperar a adopção por parte da Comissão de uma decisão ou de uma directr1\JRO\MYDOCU~1\WP51\_T2001\T01_0026\ARRET.SEC~iz final dirigida ao Reino de Espanha no que respeita à legalidade dos subsídios impugnados.

74.
    Efectivamente, há que insistir a este respeito no facto de que, ao contrário da situação que prevalece no âmbito do artigo 88.° CE, a Comissão não é obrigada, no termo da análise prevista no artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE, a adoptar uma decisão relativa às medidas controvertidas. Por outro lado, contrariamente ao artigo 86.°, n.° 3, CE, o artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE não refere que a Comissão dirigirá, quando necessário, uma directiva ou uma decisão adequada ao Estado-Membro em causa. Quando decide, como no presente processo, recorrer ao regime processual específico instituído pelo artigo 298.° CE, a Comissão não dispõe, portanto, de qualquer competência para dirigir uma decisão ou uma directiva final ao Estado-Membro em causa.

75.
    É certo que, o processo Lürssen, invocado pela demandante nos seus articulados (v. n.° 51 supra), terminou com uma decisão formal da Comissão na qual esta se pronunciou sobre a aplicabilidade do artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE às medidas em causa. Deve, contudo, notar-se que, neste processo, a Comissão tinha dado início não a um exame bilateral nos termos do artigo 298.° CE, mas ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, no âmbito do qual o Estado-Membro interessado, ou seja, a República Federal da Alemanha, invocou a aplicação do artigo 296.°, n.° 1, alínea b), CE. No caso concreto, tendo em conta a decisão da Comissão de recorrer à análise bilateral prevista no artigo 298.° CE e, consequentemente, a recusa implícita mas certa, da parte desta de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE, a demandante deveria necessariamente compreender que a Comissão não tinha intenção de adoptar qualquer acto vinculativo quanto à conformidade das medidas controvertidas com o direito comunitário.

76.
    Além disso, por meio da indicação de que, sem prejuízo da apresentação de novos elementos, se pedia à demandante que desse por concluída a troca de correspondência, a Comissão deu claramente a entender àquela que a relação processual criada entre ambas através da formulação da denúncia tinha, sem prejuízo da reserva acima mencionada, chegado ao seu termo e que não pretendia comunicar-lhe a sua posição final quanto ao resultado da análise bilateral em curso com as autoridades espanholas.

77.
    Deve ainda salientar-se que, desde a recepção da denúncia, a Comissão, por carta de 16 de Junho de 1999, solicitou às autoridades espanholas informações sobre a natureza e montante dos subsídios concedidos pelo Reino de Espanha à Santa Barbara (v. n.° 6 supra). Tendo em conta as indicações fornecidas pelas autoridades espanholas por carta de 23 de Julho de 1999, a Comissão, por carta de 27 de Setembro de 1999, solicitou às referidas autoridades informações adicionais sobre a relação entre os subsídios concedidos à Santa Barbara e a produção de armamento civil e militar destinado à exportação, chamando a atenção destas autoridades para o facto de que não se pode considerar essa actividade como abrangida pela protecção dos interesses essenciais da segurança do Reino de Espanha na acepção do artigo 296.°, n.° 1, CE (v. n.° 8 supra). Os pedidos e considerações formulados pela Comissão nas suas duas cartas acima referidas, que são mencionadas na carta de 5 de Junho de 2000, comprovam que a resposta contida nesta última carta assenta numa análise preliminar diligente e imparcial da denúncia apresentada pela demandante em Maio de 1999.

78.
    Resulta da análise que antecede (n.os 67 a 77) que há que considerar que a carta da Comissão de 5 de Junho de 2000 fixa, em relação à demandante, a posição definitiva da Comissão neste processo. Através da referida carta, a demandante foi claramente informada da decisão da Comissão de dar início ao procedimento específico de análise bilateral com as autoridades espanholas com base no artigo 298.°, primeiro parágrafo, CE, e não ao procedimento comum de exame previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE. A demandante foi informada do andamento da referida análise bilateral, bem como da possibilidade de a Comissão recorrer directamente ao Tribunal de Justiça no caso de utilização alegadamente abusiva por parte do Reino de Espanha dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 296.° CE. Recebeu, assim, informação suficiente sobre as duas vias processuais reservadas à Comissão pelo artigo 298.° CE quando esta, se entender plausível, numa primeira abordagem, a invocação do artigo 296.°, n.° 1, CE, decide não recorrer às regras comuns de fiscalização de um auxílio de Estado. A carta de 5 de Junho de 2000 era, além disso, muito clara quanto ao facto de, tendo em conta o artigo 298.° CE, a Comissão não ter intenção de informar a demandante, directa ou indirectamente, da sua posição final quanto à questão de mérito neste processo.

79.
    A indicação, constante da carta de 5 de Junho de 2000, segundo a qual a Comissão não adoptou «qualquer posição» deve, neste contexto, ser necessariamente entendida no sentido de se referir à sua posição de fundo quanto à oportunidade ou não de uma adaptação das medidas controvertidas às regras estabelecidas pelo Tratado, bem como ao carácter proporcionado ou abusivo da utilização feita no caso concreto pelo Reino de Espanha das faculdades que decorrem do artigo 296.° CE. A circunstância, referida à demandante, de, nessa altura, a Comissão ainda não ter tomado posição quanto à legalidade das medidas em causa não é, contudo, susceptível de invalidar a qualificação da carta de 5 de Junho de 2000 como constituindo a posição definitiva da Comissão em resposta à denúncia da demandante.

80.
    Daqui decorre que a carta de 5 de Junho de 2000 deve ser considerada uma tomada de posição suficiente, clara e definitiva em resposta à denúncia da demandante de 25 de Maio de 1999 e à notificação de 8 de Março de 2000 pela mesma enviada à Comissão.

81.
    O carácter definitivo desta tomada de posição explica que, na carta de 22 de Novembro de 2000, em resposta ao segundo convite para tomar posição quanto ao mérito que lhe foi enviado pela demandante por carta de 27 de Setembro de 2000 (v. n.° 14 supra), a Comissão, na falta de elementos novos, não podia senão repetir, conforme é pacífico entre as partes (v. n.os 33 e 47 supra), a resposta formulada na sua carta de 5 de Junho de 2000 (v. n.° 15 supra).

82.
    A circunstância de a posição manifestada pela Comissão na sua carta de 5 de Junho de 2000 e reiterada na carta de 22 de Novembro de 2000 não ter dado satisfação à demandante é irrelevante para efeitos de verificar se a Comissão tomou posição na acepção do artigo 232.°, segundo parágrafo, CE. Com efeito, o artigo 232.° CE refere-se à omissão por falta de decisão ou por não ter tomado posição, e não à adopção de um acto diferente do que a demandante pretendia ou considerava necessário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Novembro de 1992, Buckl e o./Comissão, C-15/91 e C-108/91, Colect., p. I-6061, n.os 16 e 17, e de 1 de Abril de 1993, Pesqueras Echebastar/Comissão, C-25/91, Colect., p. I-1719, n.° 12; despacho do Tribunal de Justiça de 13 de Dezembro de 2000, Sodima/Comissão, C-44/00 P, Colect., p. I-11231, n.° 83). Quanto à questão de saber se a Comissão teve ou não razão em considerar credível, numa primeira abordagem, a invocação do artigo 296.° CE pelas autoridades espanholas e, consequentemente, ter decidido optar pela via processual específica do artigo 298.° CE em vez do procedimento comum do artigo 88.°, n.° 2, CE, a mesma respeita à legalidade da tomada de posição contida nas cartas da Comissão de 5 de Junho de 2000 e de 22 de Novembro de 2000 e é irrelevante no contexto de uma acção por omissão.

83.
    Nos seus articulados e na audiência, a demandante afirmou que a indicação, constante da carta de 5 de Junho de 2000, segundo a qual a Comissão estava a analisar informações complementares recebidas das autoridades espanholas em Outubro de 1999, constituía um elemento novo em relação às informações dadas pela Comissão em 18 de Novembro de 1999 e, consequentemente, uma alteração de circunstâncias factuais posterior a 8 de Março de 2000, que justificava o envio de uma nova notificação. A demandante insistiu em especial no facto de, na sua carta de 18 de Novembro de 1999, a Comissão a ter informado da recepção de uma carta das autoridades espanholas de 26 de Outubro de 1999 enquanto, na carta de 5 de Junho de 2000, está em causa uma carta das referidas autoridades de 21 de Outubro de 1999.

84.
    Contudo, como a Comissão correctamente realçou nos seus articulados, as diferentes comunicações das autoridades espanholas que menciona na carta de 5 de Junho de 2000 já tinham sido referidas à demandante na carta da Comissão de 18 de Novembro de 1999. A leitura comparada destas duas cartas deveria razoavelmente levar a demandante a concluir que tanto a alusão, na carta de 18 de Novembro de 1999, a uma carta das autoridades espanholas de 26 de Outubro de 1999 como a referência, na carta de 5 de Junho de 2000, a uma carta das autoridades espanholas de 21 de Outubro de 1999 tinham em vista a resposta das autoridades espanholas ao pedido de informações complementares enviado pela Comissão na «carta de 26 de Setembro de 1999» mencionada tanto na carta de 18 de Novembro de 1999 como na carta de 5 de Junho de 2000. Consequentemente, quanto aos factos, improcede a argumentação da demandante referida no n.° 83 supra.

85.
    Além disso, é ainda de salientar que a carta de 5 de Junho de 2000 não contém qualquer indicação que mostre que a posição contida na referida carta tenha sido manifestada a título provisório, sob reserva de uma análise das informações enviadas à Comissão pelas autoridades espanholas em Outubro de 1999. Pelo contrário, decorre da análise aprofundada efectuada nos n.os 67 a 77 supra que a carta acima referida contém uma tomada de posição firme e definitiva em relação à demandante no que respeita à sua denúncia de 25 de Maio de 1999.

86.
    Nos seus articulados e na audiência, a demandante alegou igualmente ter denunciado o facto de os subsídios concedidos à Santa Barbara terem beneficiado não apenas actividades de fabrico de material militar destinado a exportação, mas também actividades de produção e de comercialização de munições para utilização civil. Na audiência, acrescentou que resulta dos documentos contabilísticos anexos à sua denúncia que a Santa Barbara exerce igualmente outras actividades de produção civil, tais como a produção de motores destinados à aviação civil e peças para lagares de azeite.

87.
    Na medida em que esta alegação deve ser entendida no sentido de negar a qualificação de tomada de posição à carta de 5 de Junho de 2000 pelo facto de, nesta carta, a Comissão, erradamente, ter entendido que os subsídios denunciados tinham tido efeitos «unicamente sobre o mercado de munições militares», em especial no âmbito de «um concurso aberto pelo Ministério da Defesa italiano», deve, desde logo, declarar-se que é certo que os documentos juntos à denúncia evidenciam que a Santa Barbara produz igualmente motores destinados à aviação civil e peças para aparelhos de decantação de azeite. Todavia, nem na denúncia nem nas notificações de 8 de Março de 2000 e de 27 de Setembro de 2000, a demandante, que, segundo as indicações contidas na sua denúncia, não exerce qualquer actividade relacionada com estes produtos civis, denunciou os alegados subsídios concedidos à Santa Barbara no sentido de constituírem fonte de distorção da concorrência nos mercados relativos aos referidos produtos. Compreende-se, por isso, que as cartas da Comissão de 5 de Junho de 2000 e de 22 de Novembro de 2000 não contenham qualquer referência aos mesmos.

88.
    Além disso, é certo que a denúncia refere em vários momentos que os subsídios públicos concedidos à Santa Barbara lhe permitiram conduzir uma política agressiva não apenas nas suas actividades de exportação de munições de uso militar, mas também nas relativas ao fabrico e comercialização de munições de uso civil. Convém, contudo, referir que, na denúncia, a demandante insistiu sobretudo nas distorções de concorrência alegadamente ocasionadas pelos referidos subsídios no âmbito dos procedimentos comunitários de concurso relativos ao fornecimento de munições militares. Assim, na página 6 da denúncia, refere-se o seguinte: «Como resulta do que antecede, a sociedade Santa Barbara, que passou a ser mais competitiva no mercado de armas e munições, deu um novo impulso à sua actividade, orientando-a essencialmente para a produção e comercialização de armas e munições igualmente destinadas à exportação e, consequentemente, a um uso diferente do uso militar para a defesa nacional abrangido pela derrogação prevista no artigo 223.° do Tratado. Isto resulta do facto de a Santa Barbara ter tido a possibilidade de participar em concursos noutros países diferentes da Espanha para fornecimento de munições, designadamente em Itália [...] onde venceu concursos de fornecimento de cartuchos Nato parabellum, calibre 9 mm, no âmbito de um concurso aberto pelo Ministério da Defesa italiano - Stabilimento Militar Pirotecnico de Capou.»

89.
    Tendo em conta a tónica particular colocada pela demandante, na denúncia, sobre as distorções de concorrência que os subsídios denunciados provocaram no âmbito de concursos abertos, designadamente em Itália, para fornecimento de munições de uso militar, a Comissão, no termo de uma instrução que, saliente-se, incidiu igualmente sobre alegadas distorções de concorrência no mercado de armamento civil (v. carta de 23 de Setembro de 1999 referida no n.° 8 supra), pôde, na carta de 5 de Junho de 2000, razoavelmente qualificar a denúncia e a notificação de 8 de Março de 2000 que remetia para aquela como tendo em vista denunciar unicamente os efeitos anticoncorrenciais dos referidos subsídios no mercado de munições militares.

90.
    A leitura da carta de 5 de Junho de 2000 não permite, em todo o caso, pôr em dúvida que a posição adoptada pela Comissão toma em conta na íntegra as medidas controvertidas tais como, na referida carta, a Comissão as qualificou em termos do mercado em causa. Esta leitura evidencia claramente que, por meio da carta acima referida, a Comissão dirigiu à demandante uma tomada de posição global e exaustiva relativamente à sua denúncia. Nestas condições, as afirmações da demandante referidas no n.° 86 supra não são susceptíveis de invalidar a qualificação da carta de 5 de Junho de 2000 no sentido de constituir uma tomada de posição suficiente, clara e definitiva em resposta à referida denúncia e à notificação de 8 de Março de 2000. Permitem eventualmente afirmar que a referida tomada de posição assenta numa leitura truncada das passagens da denúncia relativas aos mercados alegadamente afectados pelos subsídios denunciados. Esta argumentação respeita, contudo, à legalidade desta tomada de posição e é irrelevante para efeitos de determinar se a Comissão tomou posição na acepção do artigo 232.° CE.

91.
    Quanto à circunstância, abordada na audiência, de que as cartas de 5 de Junho de 2000 e 22 de Novembro de 2000 não provêm do colégio dos membros da Comissão, há que notar que as referidas cartas não contêm qualquer reserva que leve a pensar que exprimem unicamente o ponto de vista pessoal do seu autor, o director da direcção H «Auxílios de Estado II» da Direcção-Geral «Concorrência», e que não vinculam a Comissão. Daqui resulta que se deve considerar que as cartas acima referidas contêm a posição da Comissão [v., neste sentido, conclusões do advogado-geral L. A. Geelhoed apresentadas em 8 de Maio de 2003 no processo Schlüsselverlag J. S. Moser e o./Comissão (acórdão de 25 de Setembro de 2003, C-170/02 P, Colect., p. I-0000, n.° 48)].

92.
    Tendo em conta tudo o que antecede, há que concluir que, no momento em que foi proposta a presente acção por omissão, a Comissão tinha tomado posição, na acepção do artigo 232.° CE, na sequência da denúncia da demandante apresentada em Maio de 1999 e das notificações sucessivamente enviadas pela mesma à Comissão, em 8 de Março de 2000 e em 27 de Setembro de 2000. A demandante já não tinha, por isso, interesse em obter a declaração da existência de uma omissão, uma vez que esta tinha deixado de existir. Com efeito, um acórdão do Tribunal de Primeira Instância que, numa hipótese deste tipo, declarasse a omissão da instituição demandada não poderia dar lugar às medidas de execução referidas no artigo 233.°, primeiro parágrafo, CE (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Janeiro de 2000, Branco/Comissão, T-194/97 e T-83/98, Colect., p. II-69, n.os 57 e 58).

93.
    Constituindo as condições de admissibilidade de uma acção excepções de ordem pública, deve, por estes motivos, ser a acção julgada inadmissível apesar do facto de o argumento de inadmissibilidade assente na existência de uma tomada de posição da Comissão anterior à propositura da acção ter sido suscitado unicamente pela interveniente (v., por analogia, despachos do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Michailidis e o./Comissão, T-100/94, Colect., p. II-3115, n.° 49, e de 25 de Outubro de 2001, Métropole Télévision (M6)/Comissão, T-354/00, Colect., p. II-3177, n.° 27).

Quanto às despesas

94.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas. Tendo a demandante sido vencida e tendo a Comissão pedido a sua condenação, há que a condenar nas despesas.

95.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, a interveniente suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção Alargada)

decide:

1.
    A acção é julgada inadmissível.

2.
    A demandante suportará as despesas.

3.
    A interveniente suportará as suas próprias despesas.

Lenaerts
Lindh
Azizi

Cooke

Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 30 de Setembro de 2003.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts


1: Língua do processo: italiano.