Language of document : ECLI:EU:T:1999:85

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

28 de Abril de 1999 (1)

«Concorrência — Regulamento (CEE) n.° 4064/89 — Decisão que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum — Artigo 22.° do Regulamento n.° 4064/89 — Direito de defesa — Acesso ao processo — Posição dominante»

No processo T-221/95,

Endemol Entertainment Holding BV, sociedade de direito neerlandês, com sede em Zevenend (Países-Baixos), representada por Onno W. Brouwer e Peter Wytinck, advogados no foro de Bruxelas, e por Martijn van Empel, advogado no foro de Amsterdão, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Jacques Loesch, 11, rue Goethe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Wouter Wils, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do mesmo serviço, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 96/346/CE da Comissão, de 20 de Setembro de 1995, relativa a um processo de aplicação do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho (IV/M.553 — RTL/Veronica/Endemol) (JO 1996, L 134, p. 32), que declarou incompatível com o mercado comum o acordo que criou a empresa comum Holland Media Groep,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas, K. Lenaerts, J. D. Cooke e M. Jaeger, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 15 de Julho de 1998,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico

1.
    O artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (versão rectificada no JO 1990, L 257, p. 13, que é a versão aplicável no caso em apreço, a seguir «Regulamento n.° 4064/89»), estipula:

«1. As operações de concentração abrangidas pelo presente regulamento serão apreciadas de acordo com as disposições que se seguem, com vista a estabelecer se são ou não compatíveis com o mercado comum.

Nessa apreciação, a Comissão terá em conta:

a)    A necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efectiva no mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no interior ou no exterior da Comunidade;

b)    A posição que as empresas em causa ocupam no mercado e o seu poder económico e financeiro, as possibilidades de escolha de fornecedores e utilizadores, o seu acesso às fontes de abastecimento e aos mercados de escoamento, a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no

mercado, a evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em questão, os interesses dos consumidores intermédios e finais, bem como a evolução do progresso técnico e económico, desde que tal evolução seja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à concorrência.

2. Devem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as operações de concentração que não criem ou não reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.

3. Devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.»

2.
    O artigo 3.°, n.° 1, dispõe:

«Realiza-se uma operação de concentração:

a)    Quando duas ou mais empresas anteriormente independentes se fundem;

    ou

b)    Quando:

—    uma ou mais pessoas, que já detêm o controlo de pelo menos uma empresa,

    ou

—    uma ou mais empresas

adquirem directa ou indirectamente, por compra de partes de capital ou de elementos do activo, por via contratual ou por qualquer outro meio, o controlo do conjunto ou de partes de uma ou de várias outras empresas.»

3.
    O artigo 3.°, n.° 3, dispõe:

«Para efeitos da aplicação do presente regulamento, o controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a actividade de uma empresa e, nomeadamente:

a)    Direitos de propriedade ou de uso ou de fruição sobre a totalidade ou parte dos activos de uma empresa;

b)    Direitos ou contratos que conferem uma influência determinante na composição, nas deliberações ou nas decisões dos órgãos de uma empresa.»

4.
    O artigo 8.°, n.° 2, prevê:

«Quando verifique que uma operação de concentração notificada, eventualmente depois de lhe terem sido introduzidas alterações pelas empresas em causa, corresponde ao critério definido no n.° 2 do artigo 2.°, a Comissão tomará uma decisão declarando a compatibilidade da concentração com o mercado comum.

A Comissão pode acompanhar a sua decisão de condições e obrigações destinadas a garantir que as empresas em causa respeitem os compromissos assumidos perante a Comissão com vista a alterarem o projecto inicial de concentração. A decisão que declara a concentração compatível abrange igualmente as necessárias restrições directamente relacionadas com a realização da concentração.»

5.
    Nos termos do artigo 8.°, n.° 3:

«Quando verifique que uma operação de concentração corresponde ao critério definido no n.° 3 do artigo 2.°, a Comissão tomará uma decisão declarando a concentração incompatível com o mercado comum.»

6.
    O artigo 11.° estipula:

«1. No exercício das competências que lhe são atribuídas pelo presente regulamento, a Comissão pode obter todas as informações necessárias junto dos Governos, das autoridades competentes dos Estados-Membros, das pessoas referidas no n.° 1, alínea b), do artigo 3.°, bem como das empresas e associações de empresas.

2. Sempre que a Comissão formular um pedido de informações a uma pessoa, empresa ou associação de empresas, enviará simultaneamente cópia do pedido à autoridade competente do Estado-Membro em cujo território se situe o domicílio da pessoa ou a sede da empresa ou da associação de empresas.

3. No seu pedido, a Comissão indicará os fundamentos jurídicos e o objecto do pedido, bem como as sanções previstas no n.° 1, alínea c), do artigo 14.° no caso de serem prestadas informações inexactas.

4. São obrigados a fornecer as informações solicitadas, no que diz respeito às empresas, os seus proprietários ou os seus representantes e, no caso de pessoas colectivas, de sociedades ou de associações sem personalidade jurídica, as pessoas encarregadas de as representar, legal ou estatutariamente.

5. Se uma pessoa, empresa ou associação de empresas não prestar as informações solicitadas no prazo fixado pela Comissão ou se as fornecer de modo incompleto,

a Comissão solicitá-las-á por via de decisão. A decisão especificará as informações exigidas, fixará um prazo adequado para a prestação das informações e indicará as sanções previstas no n.° 1, alínea c), do artigo 14.° e no n.° 1, alínea a), do artigo 15.° bem como a possibilidade de recurso da decisão para o Tribunal de Justiça.

6. A Comissão enviará simultaneamente cópia da sua decisão à autoridade competente do Estado-Membro em cujo território se situe o domicílio da pessoa ou a sede da empresa ou da associação de empresas.»

7.
    Nos termos do artigo 19.°, n.° 2:

«A Comissão conduzirá os processos referidos no presente regulamento em ligação estreita e constante com as autoridades competentes dos Estados-Membros, que estão habilitados a formular quaisquer observações sobre esses processos [...]».

8.
    O artigo 22.°, n.° 3, dispõe:

«Se se verificar, a pedido de um Estado-Membro, que uma operação de concentração, tal como definida no artigo 3.°, mas sem dimensão comunitária na acepção do artigo 1.°, cria ou reforça uma posição dominante, dando assim origem a entraves significativos a uma concorrência efectiva no território do Estado-Membro em questão, a Comissão pode, na medida em que essa concentração afecte o comércio entre Estados-Membros, tomar as decisões previstas nos n.° 2, segundo parágrafo, e n.os 3 e 4 do artigo 8.°»

Factos na origem do litígio

9.
    Através da Decisão 96/346/CE, de 20 de Setembro de 1995, relativa a um processo de aplicação do Regulamento n.° 4064/89 (IV/M.553 — RTL/Veronica/Endemol) (JO 1996, L 134, p. 32, a seguir «decisão recorrida»), adoptada nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, a Comissão declarou incompatível com o mercado comum a operação de concentração sob a forma de criação da empresa comum Holland Media Groep (a seguir «concentração»).

10.
    As partes nessa concentração eram a Compagnie luxembourgeoise de télédiffusion SA (a seguir «CLT»), a NV Verenigd Bezit VNU (a seguir «VNU»), a RTL 4 SA (a seguir «RTL»), a Endemol Entertainment Holding BV (a seguir «Endemol») e a Veronica Omroep Organisatie (a seguir «Veronica»).

11.
    A CLT é uma sociedade de radiodifusão de direito luxemburguês que se dedica a actividades de rádio, televisão, edição e afins em diversos mercados nacionais.

12.
    A VNU é uma sociedade de direito neerlandês que exerce a sua actividade no domínio da edição de produtos de comunicação social destinados aos consumidores e profissionais e de bases de dados. Possui partes do capital de sociedades de

radiodifusão, entre as quais uma parte minoritária indirecta de 44,4% no capital do radiodifusor comercial belga VTM e uma parte indirecta de 38% no capital da RTL.

13.
    A RTL é uma empresa de direito luxemburguês que fornece programas de televisão e de rádio, parcialmente em língua neerlandesa. Esses programas são transmitidos pela CLT, que possui — directa e indirectamente — 47,27% do capital social da RTL. A CLT controla a RTL, que possuía 51% do capital da Holland Media Groep (a seguir «HMG»).

14.
    A Veronica é uma associação de direito neerlandês que, até Setembro de 1995, desenvolveu a sua actividade no mercado neerlandês da televisão e da rádio enquanto organismo público de radiodifusão. A Veronica era um dos quatro organismos públicos de radiodifusão cujos programas eram transmitidos no canal público «Nederland 2». Em 1 de Setembro de 1995, a Veronica abandonou o sistema público de radiodifusão para se tornar num canal de televisão comercial.

15.
    A Endemol é uma sociedade de direito neerlandês criada em 1994 pela fusão entre J. E. Entertainment BV e a John de Mol Communications BV. As actividades da Endemol estão centradas nos Países-Baixos, mas a sociedade tem outros estabelecimentos na Europa. As actividades principais da Endemol são a produção de programas televisivos, a exploração de estúdios de televisão, a exploração de formatos televisivos (quer dizer, conceitos originais de programas, susceptíveis de reprodução), a produção e exploração de programas de teatro e a organização de manifestações culturais.

16.
    Apenas para efeitos da concentração, a Veronica e a Endemol criaram a Veronica Media Groep (a seguir «VMG»), uma sociedade de direito neerlandês de que possuem respectivamente 53% e 47% do capital social. A VMG possui 49% das acções da HMG.

17.
    O objectivo da concentração era criar a HMG, cuja actividade consistia em fornecer programas de televisão e rádio ou «pacotes» desses programas, transmitidos por ela própria, pela CLT, pela Veronica ou por outras sociedades nos Países-Baixos e no Luxemburgo. Todas as actividades de rádio e televisão das partes destinadas aos Países-Baixos foram transferidas para a HMG. Os activos transferidos pela RTL incluíam os canais de televisão RTL 4 e RTL 5 e outros activos com eles relacionados, bem como o seu canal de rádio de música rock. A RTL cedeu igualmente à HMG o direito («concessão») de beneficiar da licença de radiodifusão da CLT, as suas actividades em matéria de fornecimento de programas e de pacotes de programas de rádio e de televisão (principalmente em neerlandês) para transmissão nos Países-Baixos e no Luxemburgo, bem como a sua participação de 50% no capital da IPN SA (a seguir «IPN»), a agência de publicidade que vende o espaço publicitário para os canais RTL 4 e RTL 5. Os activos transferidos pela Veronica e pela Endemol incluíam o canal de televisão

Veronica e activos com ele relacionados e as actividades de rádio de Endemol (ou seja o canal de rádio Holland FM).

18.
    A Endemol e a HMG celebraram igualmente um acordo de produção por um período de dez anos, correspondente às necessidades de produção da HMG para os seus três canais. Nos termos desse acordo, a Endemol comprometia-se a cobrir 60% das necessidades da HMG relativamente às produções em língua neerlandesa. Em contrapartida, a HMG comprometia-se a comprar à Endemol 60%, em termos de valor, dos programas específicos de que teria necessidade. A HMG beneficiava, além disso, de um direito de preferência relativamente aos artistas e aos novos formatos lançados, comprados ou descobertos pela Endemol.

19.
    Em 19 de Abril de 1995, o Governo neerlandês enviou uma carta à Comissão, nos termos do artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, solicitando-lhe que examinasse a concentração, referida como não tendo dimensão comunitária.

20.
    Em 22 de Maio de 1995, a Comissão adoptou uma decisão nos termos do artigo 6.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 4064/89, dando início à segunda fase do processo previsto por este regulamento.

21.
    Uma vez que o início de um processo nos termos do artigo 22.° do Regulamento n.° 4064/89 não tem o habitual efeito suspensivo previsto no artigo 7.°, n.° 1, do referido regulamento, as partes puderam efectuar a concentração nas condições expostas no n.° 17 supra. Assim, a partir de 1 de Setembro de 1995, os programas da RTL 4 e da RTL 5 passaram a ser transmitidos no âmbito da autorização de emissão concedida à CLT pelas autoridades luxemburguesas. Os programas da Veronica passaram a ser transmitidos no âmbito de uma autorização para emitir programas comerciais concedida pelas autoridades neerlandesas.

22.
    Em 20 de Setembro de 1995, a Comissão adoptou a decisão recorrida, declarando incompatível com o mercado comum o acordo relativo à criação da empresa comum HMG, porque a concentração levaria à criação de uma posição dominante no mercado neerlandês da publicidade televisiva e ao reforço da posição dominante da Endemol no mercado neerlandês da produção televisiva independente em língua neerlandesa, posição susceptível de perturbar de modo significativo a existência de uma concorrência efectiva nos Países-Baixos.

23.
    Ao mesmo tempo, a Comissão convidou as partes a proporem medidas adequadas no prazo de três meses a contar da data da notificação da decisão recorrida, por forma a restabelecer, nos Países-Baixos, a concorrência efectiva nos mercados da publicidade televisiva e da produção independente neerlandesa de programas televisivos.

Tramitação processual, acontecimentos posteriores à interposição do recurso e pedidos das partes

24.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4 de Dezembro de 1995, todas as partes na concentração interpuseram o presente recurso.

25.
    Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 7 de Maio de 1996, as recorrentes explicaram que estavam em curso negociações com os serviços da Comissão para chegar a um acordo sobre uma concentração alterada que a Comissão poderia aprovar como compatível com o mercado comum.

26.
    Pela decisão 96/649/CE da Comissão, de 17 de Julho de 1996, relativa a um processo nos termos do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 (Processo IV/M.553 — RTL/Veronica/Endemol) (JO L 294, p. 14), a operação de concentração, após a sua alteração pelas partes, foi declarada compatível com o mercado comum, sem prejuízo do cumprimento integral das condições e obrigações contidas nos compromissos contraídos pelas partes. Essas condições, expostas nos décimo primeiro e décimo segundo considerandos dessa decisão, eram os seguintes:

a)    A Endemol pôs termo à sua participação no capital da HMG; por conseguinte, a Endemol deixou de ser accionista da HMG; segundo o acordo de concentração recentemente concluído, a RTL fica com 65% e a Veronica com 35% do capital da HMG;

b)    Em 1 de Janeiro de 1997, a HMG devia pôr termo à exploração da RTL 5 enquanto canal de carácter geral e transformá-la em canal de notícias (ou seja, um canal de televisão basicamente limitado à emissão de notícias e de outros programas de informação), segundo as condições previstas num projecto de plano de actividades apresentado pela HMG à Comissão em 1 de Maio de 1996. De acordo com este plano de actividades, esse canal deveria operar no futuro como um canal de televisão por assinatura cujas receitas proviriam na sua maior parte das assinaturas dos telespectadores e das empresas de distribuição por cabo. Mediante pedido das partes, a Comissão poderia prorrogar, por três meses, o prazo para a transformação da RTL 5 num canal de notícias, se tal se revelasse absolutamente necessário para as partes procederem a tal transformação. Num período de cinco anos a contar da adopção da decisão, a HMG não devia alterar as características fundamentais deste canal de notícias nem desviar-se sensivelmente do plano de actividades sem a aprovação prévia da Comissão.

27.
    Esta decisão foi notificada às partes por carta de 25 de Julho de 1996.

28.
    Em consequência desta decisão, a Veronica, a RTL, a CLT e a VNU desistiram da instância no presente processo, por carta apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Setembro de 1996.

29.
    Por despacho do presidente da Quarta Secção Alargada, de 7 de Outubro de 1996, a desistência foi aceite e a Veronica, a RTL, a CTL e o VNU foram condenadas

a suportar as suas despesas, bem como quatro quintos das despesas suportadas pela recorrida até à desistência.

30.
    Deste modo, a Endemol é única recorrente do presente processo.

31.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral do processo sem instrução. Todavia, a recorrente e a Comissão foram convidadas, em 17 de Junho de 1998, a responder a certas perguntas escritas e a apresentar determinados documentos. A recorrente e a Comissão responderam às perguntas formuladas e juntaram aos autos os documentos solicitados em 6 de Julho de 1998.

32.
    Em resposta a perguntas formuladas pelo Tribunal, a recorrente declarou em 6 de Julho de 1998 que renunciava a dois argumentos apresentados no âmbito do seu quarto fundamento, um deles relativo à posição da HMG no mercado da radiodifusão televisiva e o outro à posição dominante da HMG no mercado da publicidade televisiva.

33.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência de 15 de Julho de 1998.

34.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão recorrida;

—    condenar a Comissão nas despesas.

35.
    A Comissão conclui que o Tribunal se digne:

—    negar provimento ao recurso;

—    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao mérito

36.
    A recorrente invoca quatro fundamentos em apoio do seu recurso. O primeiro é relativo à falta de competência da Comissão para adoptar a decisão recorrida, na medida em que esta apenas estava autorizada a investigar no mercado da publicidade televisiva e não no mercado da produção televisiva. O segundo fundamento é relativo à violação do direito de defesa, na medida em que a recorrente alega ter tido um acesso insuficiente ao processo. Os terceiro e quarto fundamentos são, respectivamente, relativos à violação de formalidades essenciais e à violação dos artigos 2.° e 3.° do Regulamento n.° 4064/89.

1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo à falta de competência da Comissão

Argumentos das partes

37.
    A recorrente alega que a Comissão apenas estava autorizada a investigar no mercado da publicidade televisiva e não no mercado da produção televisiva. A competência da Comissão em relação às concentrações sem dimensão comunitária está subordinada a um pedido de um Estado-Membro, nos termos do artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89. No caso em apreço, o Governo neerlandês pediu à Comissão que examinasse a concentração no que diz respeito ao mercado da publicidade televisiva. Daqui resulta que a Comissão só podia investigar esse mercado, não podendo, por sua própria iniciativa, alargar o inquérito.

38.
    A limitação do pedido ao mercado da publicidade televisiva foi expressamente invocada pelo Governo neerlandês, não apenas na sua carta de 19 de Abril de 1995 mas também na nota explicativa que acompanhou essa carta, a qual precisava que as possíveis repercussões no mercado da publicidade televisiva tinham levado o Governo neerlandês a pedir o exame dessa concentração face ao Regulamento n.° 4064/89.

39.
    A Comissão alega que o artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 foi adoptado para assegurar um controlo efectivo das concentrações quando um Estado-Membro não dispõe de uma regulamentação para esse efeito. Assim, a referida disposição permite a um Estado-Membro solicitar à Comissão que examine um processo quando as soluções nacionais não são suficientes para impedir o impacto anticoncorrencial resultante de uma concentração.

40.
    Esta disposição, longe de permitir a um Estado-Membro submeter ao exame da Comissão apenas um aspecto específico de uma concentração, implica, pelo contrário, um exame global da concentração. Após esse pedido, a Comissão deve examinar a concentração como se ela tivesse dimensão comunitária. As competências de que goza a este respeito seriam inapropriadas se se esperasse que o Estado-Membro em causa já tivesse identificado no seu pedido o problema de concorrência que exige uma solução.

41.
    A Comissão acrescenta que, no caso em apreço, o Governo neerlandês não limitou o seu pedido ao mercado da publicidade televisiva. Resulta claramente da carta enviada pelo Governo neerlandês à Comissão que a esta foi pedido que examinasse a compatibilidade da concentração, na sua globalidade, com o Regulamento n.° 4064/89. O Governo neerlandês observou simplesmente que, em sua opinião, a concentração não reforçava de modo significativo a posição das partes num sector diferente do do mercado da publicidade televisiva e que o pedido que faziaà Comissão era fundamentado pelas suas preocupações a este respeito. Do mesmo modo, nada na nota explicativa que acompanhava a carta à Comissão sugeria que ele pedia à Comissão que apenas investigasse no mercado da publicidade televisiva.

Apreciação do Tribunal

42.
    O artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89 prevê, essencialmente, que a Comissão pode, a pedido de um Estado-Membro, examinar se uma concentração sem dimensão comunitária é compatível com o regulamento. O exame da Comissão é limitado unicamente pelos termos do artigo 22.° Assim, a título de exemplo, o seu n.° 5 determina que a Comissão se limitará a tomar as medidas necessárias para preservar ou restabelecer uma concorrência efectiva no território do Estado-Membro a pedido do qual a Comissão interveio. Em contrapartida, o artigo 22.° não dá qualquer poder ao Estado-Membro para controlar o decurso do exame da Comissão após lhe ter deferido a concentração em questão, nem delimitar o âmbito de investigação da Comissão a este respeito.

43.
    Além disso, resulta claramente dos autos que o Governo neerlandês não procurou restringir o exame da concentração em causa pela Comissão, contrariamente ao que sustenta a recorrente.

44.
    Assim, a carta de 19 de Abril de 1995 que o Governo neerlandês enviou à Comissão refere que ele esperava que a Comissão examinasse a concentração na sua globalidade, e não apenas um aspecto desta. O primeiro parágrafo da carta tem a seguinte redacção:

«Fazendo referência ao artigo 22.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, solicito a V. Exas., em nome do Governo neerlandês, que examinem se a 'joint venture‘ entre a RTL, a CLT, a VNU, a Veronica e a Endemol é compatível com o regulamento relativo ao controlo das concentrações.»

45.
    Resulta igualmente do terceiro parágrafo dessa carta que, embora o Governo neerlandês quisesse chamar a atenção da Comissão em especial para o mercado da publicidade televisiva, todavia não procurou delimitar o alcance da investigação da Comissão. Esse parágrafo tem a seguinte redacção:

«O Governo neerlandês crê que a associação assumirá a forma de uma concentração (...) O Governo neerlandês considera que é desejável examinar melhor a questão de saber se a concentração pode levar à criação ou ao reforço de uma posição dominante que tenha a consequência de a concorrência efectiva ser perturbada de modo significativo no mercado da publicidade televisiva no território neerlandês.»

46.
    Esta conclusão é reforçada pelo facto de, no seu parecer de 5 de Setembro de 1995 relativo ao anteprojecto da decisão recorrida, exigido pelo artigo 19.° do Regulamento n.° 4064/89, o Comité Consultivo ter sustentado a opinião da Comissão segundo a qual o seu exame devia ser relativo à concentração na sua globalidade e não apenas a aspectos específicos desta. O parecer do Comité foi unânime quanto a este aspecto, tendo o representante neerlandês dado a sua concordância.

47.
    Decorre das considerações precedentes que o primeiro fundamento deve ser rejeitado por improcedente.

2. Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do direito de defesa

Argumentos das partes

48.
    A recorrente alega que a Comissão, tendo em conta o modo como tratou o seu direito de acesso ao processo, violou o seu direito de defesa.

49.
    O direito de defesa compreende o direito de as empresas interessadas terem acesso aos documentos invocados pela Comissão, a fim de estarem em condições de apresentar as suas observações quanto à sua veracidade e à sua pertinência. A Comissão tem a obrigação de tornar acessível às empresas implicadas num processo para aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado o conjunto dos documentos contra e a favor que recolheu no decurso das diligências de instrução, com a ressalva dos segredos comerciais de outras empresas, documentos internos da Comissão e outras informações confidenciais (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Dezembro de 1992, Cimenteries CBR e o./Comissão, T-10/92, T-11/92, T-12/92 e T-15/92, Colect., p. II-2667, n.° 41).

50.
    Embora essa jurisprudência tenha sido elaborada nos processos relativos aos procedimentos destinados à aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado, a recorrente sustenta que o princípio da protecção do direito de defesa, aplicado aos procedimentos iniciados nos termos do Regulamento (CE) n.° 4064/89, não pode traduzir-se por um direito de acesso aos documentos do processo da Comissão que seja de menor importância. Com efeito, o artigo 18.° do Regulamento n.° 4064/89, da mesma forma que o artigo 13.° do Regulamento (CE) n.° 3384/94 da Comissão, de 21 de Dezembro de 1994, relativo às notificações, prazos e audições previstos no Regulamento (CEE) n.° 4064/89 (JO L 377, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 3384/94», regulamento de execução em vigor na altura dos factos), contém disposições relativas ao direito de ser ouvido que são idênticas às do artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22) e às do artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62, a seguir «Regulamento n.° 99/63»). Assim, é claro que a jurisprudência citada é plenamente aplicável aos procedimentos previstos pelo Regulamento n.° 4064/89.

51.
    A recorrente alega que o processo a que as partes na concentração tiveram acesso era manifestamente incompleto, principalmente porque a Comissão tinha substituído numerosos documentos apresentados pelas partes interessadas no mercado por resumos não confidenciais que não indicavam a identidade das referidas partes. A Comissão recusou mesmo divulgar a identidade das empresas que não solicitaram a confidencialidade, porque isso permitiria às partes concluir

quais eram as outras sociedades. A recorrente admite que esta posição poderia ser defensável em relação ao primeiro questionário aos produtores independentes da Comissão, que foi enviado a cinco produtores independentes de programas televisivos, mas que é dificilmente compreensível quanto ao segundo questionário geral, enviado a todos os outros produtores independentes que figuravam no Nederlands Omroep Handboek 1994/1995 (manual do serviço da radiodifusão e televisão neerlandesa, a seguir «Handboek»).

52.
    Esses resumos não confidenciais apresentavam, por não conterem indicação da identidade das sociedades que responderam, uma visão enganadora das condições do mercado, e a recorrente não estava em condições de responder às alegações sem conhecer a identidade dessas sociedades.

53.
    A recorrente queixa-se também do facto de o índice apresentado com os documentos a que as partes na concentração tiveram acesso não indicar a sua natureza nem o seu conteúdo. Considera que as indicações que nele figuravam deveriam fornecer informações suficientemente precisas para lhes permitir determinar se os documentos descritos podiam ser importantes para a sua defesa.

54.
    Alega que não tiveram acesso às respostas de um produtor independente, a IDTV, à qual foi enviado um questionário específico pela Comissão. Além disso, não foi enviado nenhum questionário à D & D Productions International BV, a filial neerlandesa da sociedade de produção belga D & D, nem à Sleeswijk Entertainment BV, que foi adquirida pela D & D.

55.
    A recorrente alega que a Comissão recolheu novos documentos depois de as partes na concentração terem tido acesso ao processo e que estas nunca disso foram informadas nem nunca tiveram oportunidade de ver esses documentos. Com efeito, a conclusão da Comissão, segundo a qual a produção interna dos radiodifusores públicos era essencialmente destinada ao seu uso próprio, só pode explicar-se pela circunstância de ela ter recolhido informações depois da audição. A admitir que essa conclusão tenha sido fundamentada em informações prestadas pelas partes na concentração, o que é menos provável, ela estaria então viciada por um manifesto erro material.

56.
    A recorrente queixa-se, além disso, do facto de as respostas terem sido recolhidas pela Comissão pelo telefone, sem nunca terem sido apresentadas às partes na concentração. Deste modo, a recorrente nunca esteve em condições de dar a sua opinião sobre essas informações. Por outro lado, uma vez que essas informações são de qualquer modo inverificáveis, não deveriam ter sido utilizadas pela Comissão. A recolha das informações pelo telefone vai contra os princípios fundamentais do direito de defesa nos processos de concorrência. Não só essas informações podem ter sido mal compreendidas, como nenhum texto jurídico obriga a pessoa interrogada a dar números exactos, contrariamente a um pedido de informações que contenha um aviso claro quanto às sanções em que se incorre

no caso de informações não exactas. Além disso, é manifestamente contrária ao texto comunitário e à vontade do legislador e constitui, de facto, uma recusa, por parte da Comissão, de aplicar o direito comunitário. As dificuldades práticas encontradas pela Comissão não a podem liberar da sua obrigação de aplicar o Regulamento n.° 4064/89.

57.
    A Comissão admite que os princípios que regem o acesso ao processo no âmbito dos procedimentos levados a cabo nos termos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado devem igualmente ser aplicados no âmbito dos procedimentos levados a cabo nos termos do Regulamento n.° 4064/89. Todavia, recorda que, estando as decisões relativas a operações de concentração sujeitas a um calendário muito estrito destinado a proteger os interesses das partes implicadas nessas operações, a sua aplicação concreta deve conciliar a protecção do direito de defesa das partes com o interesse público, mais lato, de que as concentrações sejam sujeitas a um efectivo exame.

58.
    O acesso aos resumos das respostas aos questionários enviados aos produtores independentes foi suficiente para permitir à recorrente contestar os elementos de prova recolhidos, uma vez que revelavam claramente a opinião de terceiros sobre as consequências prováveis da concentração. A credibilidade dessas opiniões não é afectada pela identidade das pessoas que as emitiram. O importante é que elas ilustram as preocupações dos operadores presentes no mercado da produção e a força da argumentação desenvolvida em apoio das suas opiniões. Assim, a própria recorrente estava em condições de responder a qualquer alegação feita por um terceiro com que não estivesse de acordo.

59.
    A Comissão explica que, a fim de cumprir a sua missão de interesse público que consiste em controlar as concentrações, deve estar em condições de obter opiniões francas e exaustivas por parte de terceiros potencialmente afectados. Deve igualmente poder garantir que será reservado um tratamento confidencial aos seus comentários (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, T-65/89, Colect., p. II-389, n.° 33, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, C-310/93 P, Colect., p. I-865, n.os 26 e 27).

60.
    A circunstância de não terem sido recebidas todas as respostas aos questionários enviados no momento em que a recorrente teve acesso ao processo não diminui o valor das provas em que a Comissão se apoiou. A maior parte dos mais importantes produtores independentes que figuram no Handboek responderam ao questionário que lhes foi enviado, de modo que as respostas que a Comissão dispunha no momento em que procedeu à comunicação das acusações representavam as opiniões dos operadores mais importantes no mercado da produção televisiva em língua neerlandesa.

61.
    A Comissão sublinha que o índice dava às partes informações gerais sobre a natureza das informações que tinham sido recolhidas.

62.
    Além disso, explica que as partes tiveram efectivamente acesso às respostas da IDTV e da D & D, através de resumos não confidenciais.

63.
    A Comissão confirma que não foi por ela obtida qualquer prova documental depois de 26 de Julho de 1995, data em que as partes consultaram o processo. No entanto, é verdade que os produtores independentes que não tinham respondido aos questionários foram contactados pelo telefone depois dessa data. Esse facto foi comunicado às partes aquando das audições, mas elas não solicitaram o acesso às informações complementares assim recolhidas. Essas informações eram apenas respeitantes ao número de horas de programas de televisão produzidas pela empresa questionada e ao valor em florins desses programas. Dado que as informações eram de tal ordem que apenas as empresas interrogadas podiam conhecê-las com precisão, revelá-las às partes não lhes permitiria contestá-las. Por conseguinte, mesmo que tivesse sido cometido um erro processual, o que é contestado pela Comissão, esse erro não teria prejudicado a recorrente.

64.
    Por último, a Comissão explica que o recurso ao procedimento do artigo 11.°, n.° 5, do Regulamento n.° 4064/89 seria desproporcionado num processo como o ora vertente, em que a maior parte das empresas em causa são muito pequenas. Assim, foi de modo apropriado que a Comissão completou com inquéritos telefónicos as respostas escritas que tinha recebido.

Apreciação do Tribunal

Quanto ao acesso aos resumos não confidenciais

65.
    Decorre da jurisprudência que a possibilidade de acesso ao processo nos processos de concorrência tem como objectivo permitir aos destinatários de uma comunicação de acusações tomar conhecimento dos elementos de prova que constam do processo da Comissão, a fim de poderem pronunciar-se eficazmente sobre as conclusões a que a Comissão chegou, na sua comunicação de acusações, com base nesses elementos. O direito de acesso ao processo justifica-se pela necessidade de garantir às empresas em causa a possibilidade de se defenderem eficazmente das acusações contra elas formuladas na comunicação de acusações (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido, n.° 38).

66.
    Todavia, resulta igualmente da jurisprudência que o acesso a certos documentos pode ser recusado, o que sucede nomeadamente com os documentos, ou parte deles, que contenham segredos comerciais de outras empresas, os documentos internos da Comissão, as informações que permitam identificar os denunciantes que desejam que a sua identidade não seja revelada, assim como as informações comunicadas à Comissão sob reserva do respeito do seu carácter confidencial (acórdão de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido, n.° 29, confirmado pelo acórdão de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido, n.os 26 e 27).

67.
    O Tribunal já declarou que, embora as empresas tenham direito à protecção dos seus segredos de negócios, este direito deve ser equilibrado com a garantia dos direitos da defesa (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, ICI/Comissão, T-36/91, Colect., p. II-1847, n.° 98). Assim, a Comissão pode ser obrigada a conciliar interesses opostos através da preparação de versões não confidenciais de documentos que contenham segredos de negócios ou outros dados sensíveis (acórdão ICI/Comissão, já referido, n.° 103).

68.
    O Tribunal considera que os mesmos princípios são aplicáveis ao acesso aos dossiers nos processos de concentração examinados no âmbito do Regulamento n.° 4064/89, mesmo que a aplicação destes princípios possa razoavelmente ser condicionada pelo imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do referido regulamento (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T-290/94, Colect., p. II-2137, n.° 113).

69.
    No caso em apreço, é um facto que determinados produtores independentes responderam aos questionários da Comissão na condição desta não revelar a identidade deles às partes na concentração. Daqui se conclui que não se pode censurar a Comissão por ter ocultado a identidade dessas empresas e só ter fornecido às partes um resumo não confidencial das suas respostas.

70.
    Além disso, era necessário, para respeitar essa condição, que a Comissão não revelasse a identidade dos outros produtores independentes que não solicitaram a confidencialidade antes de responderem aos questionários da Comissão. Como salienta a Comissão, as respostas aos questionários dão informações sobre o segmento de mercado em que opera o autor de uma determinada resposta. Nestas circunstâncias, a Comissão não podia excluir a possibilidade de as partes deduzirem a identidade dos produtores que tinham solicitado um tratamento confidencial da sua resposta se ela divulgasse a identidade dos produtores que não o tinham feito.

71.
    Por outro lado, como salienta a Comissão, as respostas aos questionários só continham, no caso em apreço, opiniões de terceiros sobre as consequências prováveis da concentração. Os resumos não confidenciais indicavam claramente o âmbito dessas opiniões. Assim, não era necessário conhecer a identidade dos terceiros em questão para se estar em situação de contestar as opiniões expressas.

72.
    Conclui-se que o facto de a recorrente apenas ter tido acesso aos resumos não confidenciais das respostas aos questionários enviados aos produtores independentes não constitui uma violação do seu direito de defesa.

Quanto à apresentação do índice

73.
    O Tribunal considera que a apresentação do índice feita pela Comissão corresponde à que já foi aprovada por este Tribunal no acórdão de 1 de Abril de 1993, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido, n.os 29 a 33, e

confirmado pelo Tribunal de Justiça na decisão do recurso desse acórdão (acórdão de 6 de Abril de 1995, BPB Industries e British Gypsum/Comissão, já referido).

74.
    Assim, no caso em apreço, é ponto assente que os documentos do dossier a que as partes tiveram acesso em 26 de Julho de 1995 foram apresentados segundo uma ordem cronológica e que a Comissão tinha preparado uma lista recapitulativa da totalidade dos 279 documentos de que se compunha o referido dossier. Essa lista, apresentada como anexo 16 da petição inicial, continha duas séries de informações. Por um lado, discriminava os documentos segundo a sua natureza. Para esse efeito, foi notificada às sociedades em causa uma classificação em treze rubricas (relatórios anuais, notas internas, pedidos de informação, etc.). A lista continha, em relação a cada documento ou grupo de documentos, a identificação do ou, sendo caso disso, dos números chaves que correspondiam à rubrica a que o documento ou grupo de documentos pertencia. Por outro lado, a lista precisava, relativamente a cada documento ou grupo de documentos, se este era acessível às sociedades em causa, parcialmente acessível a essas sociedades, confidencial ou sem relevância.

75.
    Foi recusado às partes o acesso a cinco categorias de documentos. Trata-se, em primeiro lugar, de documentos de carácter puramente interno da Comissão, em segundo lugar de certas trocas de correspondência com os Estados-Membros, em terceiro lugar de certas respostas aos pedidos de informação formulados ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, em quarto lugar de certas trocas de correspondência com terceiros e, por último, em quinto lugar, de um ou de vários estudos.

76.
    A recorrente não pode validamente queixar-se do facto de a Comissão lhe ter recusado o acesso a documentos de carácter puramente interno, em relação aos quais o Tribunal já decidiu que não tinham de ser comunicados (v. supra n.° 66). Uma solução idêntica deve ser dada em relação à troca de correspondência com os Estados-Membros e com certas partes terceiras, relativamente à qual a Comissão pôde legitimamente recusar o acesso baseando-se no seu carácter confidencial. No que diz respeito às respostas ou aos pedidos de informação dirigidos pela Comissão a terceiros, o Tribunal já declarou que, no caso em apreço, a Comissão não infringiu o direito de defesa ao fornecer apenas resumos não confidenciais de algumas dessas respostas (v. supra n.os 69 a 72).

77.
    No que diz respeito ao estudo ou aos estudos mencionados na lista recapitulativa a que a recorrente faz referência na sua réplica, que não foi ou não foram fornecidos à recorrente, há que declarar que a Comissão só se refere a dois estudos na decisão recorrida e na comunicação das acusações enviada nos termos do artigo 18.° do Regulamento n.° 4064/89. Esses estudos eram, respectivamente, um estudo econométrico preparado pelo KPMG Management Consulting para efeitos da instrução do dossier e um estudo intitulado Media in Europe, Europe Media Cost Comparison 1993, preparado pela Young & Rubicam. Uma cópia do primeiro estudo foi enviado às partes e uma cópia do segundo figurava no dossier a que as

partes tiveram acesso em 26 de Julho de 1995. A Comissão não faz referência a qualquer outro estudo na decisão recorrida ou na comunicação das acusações e a recorrente não forneceu qualquer indicação concreta de que estes documentos tivessem sido ser baseados em informações recolhidas num tal estudo.

78.
    Conclui-se que a apresentação do índice do dossier efectuada pela Comissão no caso em apreço não está viciada por qualquer violação do direito de defesa.

Quanto às respostas da IDTV e da Sleeswijk-D & D

79.
    Deve-se referir que a recorrente não contesta a alegação da Comissão segundo a qual a recorrente teve acesso aos resumos não confidenciais das respostas da IDTV e da Sleeswijk-D & D. Assim, a acusação deve ser rejeitada.

Quanto à pretensa existência de documentos obtidos depois da consulta do dossier pela recorrente

80.
    O Tribunal considera que a recorrente não fundamentou a sua alegação de que a Comissão recolheu novos documentos relativos ao mercado da produção televisiva neerlandesa depois de ela ter tido acesso ao dossier e de que não lhos comunicou. Na sua petição, a recorrente fez referência, em especial, às primeiras frases do ponto 89 da decisão recorrida, que tem a seguinte redacção:

«A produção interna dos organismos públicos de radiodifusão destina-se essencialmente a utilização própria. Embora estas produções sejam por vezes oferecidas no mercado internacional, não são normalmente oferecidas a outros radiodifusores no mercado televisivo neerlandês. Por conseguinte, não existe qualquer concorrência directa entre a produção interna e os programas produzidos por produtores independentes que são oferecidos no mercado.»

81.
    Na audiência, a Comissão demonstrou, todavia, que as duas primeiras frases são retiradas da comunicação das acusações e da resposta das partes a essa comunicação, respectivamente. A comunicação das acusações data de 18 de Julho de 1995 e precede, assim, a consulta do dossier pelas partes, em 26 de Julho. A terceira frase limita-se a tirar a conclusão lógica das duas primeiras e não contém qualquer informação nova.

82.
    Quanto à carta de 25 de Agosto de 1995 da Nederlandse Vereniging van Erkende Reclame Adviesbureaus (associação neerlandesa das agências de publicidade, a seguir «VEA») à Comissão, não é necessário examinar se o tratamento que a Comissão lhe deu infringiu o direito de defesa, uma vez que a recorrente retirou o argumento relativo à análise pela Comissão da posição da HMG no mercado da publicidade televisiva (v. supra n.° 32).

Quanto à recolha de informações pelo telefone

83.
    É ponto assente que a Comissão enviou uma carta, ao abrigo do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, com um questionário em anexo, a todos os produtores independentes que figuram no Handboek, e que, seguidamente, contactou por telefone os produtores que não responderam, a fim de obter o número de horas de programas de televisão que tinham produzido durante 1994 e o valor em florins desses programas. Estes dados numéricos eram necessários para avaliar a dimensão do mercado da produção televisiva independente e a parte desse mercado detida pela Endemol.

84.
    Há que sublinhar que o objectivo do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89 é o de permitir à Comissão recolher todas as informações necessárias a fim de cumprir as funções que lhe são atribuídas por esse regulamento. Quando dirige um pedido de informações a uma pessoa, a Comissão é obrigada a indicar os fundamentos jurídicos e o objecto do pedido, bem como as sanções previstas no caso de serem prestadas informações inexactas. No entanto, o artigo 11.° não exige que as empresas desta forma contactadas respondam por escrito. No caso em apreço, a maior parte das empresas mais importantes apresentaram efectivamente respostas escritas. Tendo em conta o imperativo de celeridade que caracteriza a economia geral do Regulamento n.° 4064/89 (acórdão Kayserberg/Comissão, já referido, n.° 113), a Comissão optou por obter pelo telefone as respostas das empresas às quais tinha enviado uma carta ao abrigo do artigo 11.° e que ainda não tinham respondido. Dado que a maioria das empresas assim contactadas também forneceram as respostas necessárias à análise da Comissão, cumprindo, deste modo, as obrigações para elas resultantes do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89, teria sido excessivo utilizar o procedimento formal referido no artigo 11.°, n.° 5, do mesmo regulamento.

85.
    Conclui-se daqui que a Comissão não violou as disposições do artigo 11.° do Regulamento n.° 4064/89 ao contactar pelo telefone as empresas às quais já tinha enviado uma carta ao abrigo dessa disposição e que não tinham respondido, a fim de completar as suas investigações.

86.
    Não obstante a não violação das disposições do Regulamento n.° 4064/89 e na medida em que as partes estão de acordo no sentido de que as informações recolhidas pelo telefone não foram comunicadas enquanto tais à recorrente, há ainda que determinar se, assim procedendo, a Comissão violou o direito de defesa na acepção da jurisprudência supra referida (n.° 65).

87.
    Segundo essa jurisprudência, para se verificar uma violação dos direitos da defesa, basta que se prove que a falta de divulgação dos documentos em questão tenha podido influenciar, em detrimento da recorrente, o decurso do processo e o conteúdo da decisão (acórdão ICI/Comissão, já referido, n.° 78).

88.
    A este respeito, há que recordar que uma violação dos direitos da defesa deve ser examinada em função das circunstâncias específicas de cada caso concreto (acórdão ICI/Comissão, já referido n.° 70).

89.
    Assim, o Tribunal observa, em primeiro lugar, que as informações recolhidas pelo telefone foram utilizadas pela Comissão a fim de calcular a parte de mercado da Endemol no mercado da produção televisiva independente em língua neerlandesa, que avaliou em «nitidamente mais de 50%». Este número global foi comunicado à recorrente aquando da audição de 8 de Agosto de 1995. A Comissão calculou igualmente a parte de mercado dos dez outros produtores mais importantes no mercado, a partir dessas informações. A Comissão tinha já comunicado à Endemol, na comunicação que lhe dirigira, nos termos do artigo 18.° do Regulamento n.° 4064/89, em 18 de Julho de 1995, e aquando da consulta do dossier pelas partes, em 26 de Julho de 1995, que considerava que ela detinha uma parte de mercado de aproximadamente 60%. Ao mesmo tempo, comunicara-lhe também uma primeira estimativa das partes de mercado dos cinco outros produtores mais importantes. Assim, a Endemol teve oportunidade de comentar essas estimativas por escrito no documento de defesa das partes, apresentado em 4 de Agosto de 1995, e de discutir os números revistos da Comissão aquando da própria audição.

90.
    Em segundo lugar, é um facto que as informações em questão, tais como foram fornecidas pelas empresas individuais, diziam apenas respeito ao número de horas de programas de televisão produzidas por elas, enquanto produtores independentes, em 1994, bem como ao valor desses programas. Assim, apenas as empresas interrogadas podiam conhecê-las com precisão. Conclui-se que, mesmo que a Comissão tivesse revelado essas informações, que tinham, aliás, carácter confidencial, a Endemol não estaria em condições de as contestar.

91.
    Decorre das considerações precedentes que, ao não comunicar essas informações na forma em que elas foram prestadas pelos produtores individuais, a Comissão não violou o direito de defesa da recorrente.

3. Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais

Argumentos das partes

92.
    A recorrente alega que, no decurso da audição de 8 de Agosto de 1995, foram revelados numerosos elementos de facto e de direito, novos e importantes. Daí decorre que o Comité Consultivo e o colégio dos membros da Comissão não puderam ter pleno conhecimento dos factos essenciais do processo, uma vez que não receberam o relatório contendo a acta da audição. O facto de a audição ter sido registada em banda magnética de modo nenhum suprime essa violação de formalidades essenciais, que deve conduzir à anulação da decisão recorrida.

93.
    A Comissão responde, essencialmente, que não é obrigada a elaborar actas oficiais das audições dos processos relativos ao Regulamento n.° 4064/89 e que, além disso,

o facto de não fornecer essa acta ao Comité Consultivo ou aos membros da Comissão não poderia, no caso em apreço, ter influência na solução do procedimento.

Apreciação do Tribunal

94.
    Resulta claramente dos termos do artigo 15.°, n.° 5, do Regulamento n.° 3384/94 que a Comissão é simplesmente obrigada a registar as declarações de cada pessoa ouvida durante uma audição formal. Em contrapartida, a Comissão não é obrigada a elaborar a acta duma tal audição, diferentemente do procedimento previsto no artigo 9.°, n.° 4, do Regulamento n.° 99/63, que prevê que o conteúdo essencial das declarações de cada pessoa ouvida «será consignado em acta por ela aprovada depois de lida».

95.
    Daqui decorre também que a recorrente não pode sustentar que essa acta deveria ter sido comunicada aos membros da Comissão ou aos membros do Comité Consultivo antes da adopção da decisão recorrida.

96.
    Assim, há que rejeitar este fundamento, por não procedente.

4. Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação dos artigos 2.° e 3.°, n.os 1 e 3, do Regulamento n.° 4064/89

97.
    Através do seu quarto fundamento, a recorrente contesta o mérito da conclusão a que chegou a Comissão, segundo a qual a sua parte no capital da HMG reforçava a sua posição dominante no mercado neerlandês da produção televisiva independente em língua neerlandesa. Formula, a este respeito, duas acusações principais. Em primeiro lugar, não ocupava uma posição dominante no mercado em causa. Em segundo lugar, a sua participação na concentração não reforçava a sua posição no referido mercado.

Quanto à posição dominante da recorrente

98.
    A recorrente alega, por um lado, que a Comissão definiu erradamente o mercado pertinente da produção televisiva independente em língua neerlandesa e, por outro, que, admitindo que se possa aceitar a definição estrita do mercado pertinente adoptada pela Comissão, não pode considerar-se que a recorrente ocupe uma posição dominante no referido mercado.

Quanto à errada definição do mercado pertinente

—    Argumentos das partes

99.
    A recorrente alega que a Comissão definiu erradamente o mercado pertinente na medida em que considerou que o mercado da produção independente de

programas de televisão em língua neerlandesa era distinto do mercado das produções internas dos radiodifusores públicos. São errados os três fundamentos invocados pela Comissão para justificar esta conclusão, isto é, que os radiodifusores públicos produzem tipos de programas diferentes dos da Endemol, que a produção dos radiodifusores públicos é principalmente destinada à sua própria utilização e que os radiodifusores públicos não têm a possibilidade de escolher livremente entre produzirem eles próprios um programa e encomendarem-no a um produtor independente.

100.
    Em primeiro lugar, a Comissão considerou erradamente que os radiodifusores públicos produzem programas diferentes dos seus. Eles produzem programas recreativos comparáveis aos seus e ela própria produz emissões de jogos, «talk shows» e de «infotainment». Em 1994, as grandes emissões recreativas representaram apenas 35% da sua produção em termos de valor e 16,7% em termos de horas produzidas.

101.
    Em segundo lugar, a produção dos radiodifusores públicos não é principalmente destinada à sua própria utilização, sublinhando a recorrente, a este respeito, que estes últimos colocaram 345 programas no mercado internacional por intermédio das agências de venda da Nederlandse Omroepprogramma Stichting (NOS, super-estrutura que fornece serviços administrativos aos organismos de radiodifusão públicos), enquanto o seu catálogo para esse mercado se limita a uma oferta de 80 programas.

102.
    Em terceiro lugar, é inexacto pretender que o radiodifusor público não tem a possibilidade de escolher livremente entre produzir ele próprio um programa e encomendá-lo a um produtor independente. Certos radiodifusores têm departamentos de produção interna muito importantes, outros parecem dispor de recursos muito mais modestos. O argumento da Comissão segundo o qual, devido aos seus investimentos consideráveis, os radiodifusores públicos são obrigados a produzir os seus próprios programas não está, assim, em conformidade com a descrição factual do mercado que a Comissão expôs. Além disso, se um radiodifusor tem pessoal e material suficiente para um número significativo de produções, isso facilita a sua escolha entre produção interna e produção externa.

103.
    A Comissão alega, em primeiro lugar, que os canais públicos têm claramente tendência para comprar no exterior programas recreativos de alto preço, produzindo ao mesmo tempo eles próprios os programas inerentes à sua função de radiodifusores públicos e os programas complementares de baixo preço. A recorrente é muito mais forte no domínio das grandes emissões recreativas. Ainda que só produza 13,3% da duração total das emissões transmitidas nos Países-Baixos, a sua produção representa, em valor, 17,8% da produção. Por conseguinte, a sua produção custa mais 42% por hora do que a produção no resto do mercado, o que demonstra claramente que a sua «production mix» é muito diferente.

104.
    Em segundo lugar, a Comissão observa que as produções internas não são comercializadas, pelo menos nos Países-Baixos. Mesmo que a NOS proponha 345 programas produzidos pelos radiodifusores públicos no mercado internacional, essas vendas internacionais não têm incidência sobre o mercado neerlandês.

105.
    Em terceiro lugar, a Comissão alega que a possibilidade de uma decisão «make or buy» é em larga medida ilusória. Se um radiodifusor público efectuar investimentosconsideráveis nas instalações de produção interna, essas instalações representarão um custo significativo que em grande parte ficará imobilizado. Assim, a única escolha a curto prazo será a de utilizar essas instalações o mais possível. Dado que os radiodifusores públicos que não dispõem de instalações de produção interna não são confrontados com tal decisão, dificilmente se poderá considerar que exercem influência sobre o mercado da produção independente.

—    Apreciação do Tribunal

106.
    Antes de examinar a definição feita pela Comissão do mercado em causa, há que salientar que as regras materiais do Regulamento n.° 4064/89, e em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica. Consequentemente, o controlo, pelo órgão jurisdicional comunitário, do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuado tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, C-68/94 e C-30/95, Colect., p. I-1375, n.os 223 e 224).

107.
    O Tribunal considera que, no caso em apreço, a definição do mercado a que procedeu a Comissão é correcta, na medida em que concluiu que a produção independente de programas de televisão em língua neerlandesa constituía um mercado diferente do das produções internas dos radiodifusores públicos.

108.
    Em primeiro lugar, os programas produzidos pelos produtores independentes só parcialmente podem substituir os programas produzidos pelos radiodifusores públicos. Assim, os radiodifusores públicos produzem eles próprios, na maior parte, os programas inerentes à sua função de radiodifusores públicos e os programas complementares de baixo preço. Em contrapartida, não é contestado que a recorrente, que é de longe o produtor independente mais importante dos Países-Baixos, é muito mais forte no domínio das grandes emissões recreativos do que os radiodifusores públicos, representando este género de emissões 35% da sua produção. Segundo os dados quantificados fornecidos pela Comissão, que não foram contestados pela recorrente, o custo horário na área da sua produção é superior em 42% ao da produção no resto do mercado, o que demonstra claramente que os seus programas têm um perfil diferente.

109.
    Em segundo lugar, embora certos programas produzidos pelos radiodifusores públicos sejam vendidos no mercado internacional, essas vendas não têm relevância no mercado neerlandês. A recorrente reconhece que, no que diz respeito a este último mercado, a produção interna dos radiodifusores públicos é essencialmente destinada à sua própria utilização. Deste modo, não existe concorrência directa entre a produção interna dos radiodifusores públicos, cujos programas não são, em princípio, propostos a outros radiodifusores no mercado neerlandês, e os programas produzidos pelos produtores independentes, que são propostos nesse mercado.

110.
    Em terceiro lugar, o Tribunal considera que a Comissão concluiu razoavelmente que um radiodifusor público não tinha geralmente a possibilidade de escolher entre produzir ele próprio um programa e encomendá-lo a um produtor independente.

111.
    Por um lado, a recorrente não refutou o argumento da Comissão de que os radiodifusores públicos que têm importantes actividades de produção interna fizeram para esse efeito investimentos consideráveis e que, em especial, contrataram o pessoal de produção necessário, o que representa um elemento importante do preço de custo de um programa. Nessas circunstâncias, era razoável que a Comissão concluísse que, se os radiodifusores públicos decidissem aumentar sensivelmente o número de encomendas a produtores independentes, em detrimento da sua produção interna, teriam, apesar disso, de suportar o custo da sua capacidade de produção interna, sem rentabilizar em termos de programas produzidos os investimentos realizados. Essa política não seria possível do ponto de vista comercial, pelo menos a longo prazo.

112.
    Por outro lado, o argumento da Comissão segundo o qual, devido aos seus investimentos consideráveis, os radiodifusores públicos são obrigados a produzir eles próprios os seus programas não é infirmado pelo facto de certos radiodifusores apenas possuírem departamentos de produção muito modestos, porque é evidente que esses radiodifusores são, deste modo, obrigados a encomendar programas a produtores independentes, por não terem os seus próprios meios de produção.

Quanto à inexistência de posição dominante da Endemol no mercado pertinente

—    Argumentos das partes

113.
    A recorrente alega que, mesmo que se aceite a definição estrita do mercado adoptada pela Comissão, não pode considerar-se que ela ocupa uma posição dominante nesse mercado. Com efeito, estão presentes no mercado dos Países-Baixos 97 produtores. Apenas 29 produtores responderam por escrito aos questionários da Comissão e as informações comunicadas pelos outros por telefone não são fiáveis. Assim, a Comissão teria calculado a sua parte de mercado com base em elementos de prova incompletos.

114.
    A Comissão deduziu do facto de a recorrente não conhecer os produtores que não figuram no Handboek, o qual cita os nomes de 85 produtores independentes, entre

os quais o da própria recorrente, que eles eram tão pequenos que não tinham qualquer importância para efeitos da sua análise do mercado.

115.
    Recorda que partes de mercado muito elevadas são consideradas extremamente importantes na determinação da posição dominante ocupada por uma empresa. Com efeito, uma empresa que detém de modo estável durante um longo período uma parte de mercado importante é susceptível de se tornar um parceiro obrigatório, de modo que se pode deduzir, nessas circunstâncias, apenas a partir da parte de mercado, que há posição dominante. No caso em apreço, a recorrente tinha uma parte de mercado superior a 50% e era, de longe, o operador mais importante do mercado.

116.
    A recorrente sustenta também que os outros elementos utilizados pela Comissão para concluir pela sua posição dominante no mercado em causa são errados.

117.
    Em primeiro lugar, não é exacto que ela goze de um acesso privilegiado aos formatos estrangeiros, que são depois adaptados ao público neerlandês. Produziu apenas 38 programas baseados em formatos estrangeiros no decurso dos três últimos anos e não, como a Comissão sustentou, mais de 60. Parece que a Comissão se fundamentou em certas respostas subjectivas dos seus concorrentes, que não têm qualquer fiabilidade uma vez que estes não sabiam precisamente quais os formatos que lhe pertenciam.

118.
    Por outro lado, 45 dos 143 programas que produziu em 1994 não eram baseados num formato. Além disso, vários dos formatos populares que utiliza pertencem a radiodifusores. Não é exacto que ela possua os formatos neerlandeses mais populares.

119.
    A Comissão considera ter demonstrado suficientemente que a recorrente possuía um grande número dos mais populares formatos neerlandeses e um acesso privilegiado aos formatos estrangeiros. Ao declarar que a recorrente beneficiava de um acesso privilegiado a esses formatos apenas consignou a opinião, de grande número dos seus concorrentes, de que ela estava numa posição de força, em especial porque dispunha de um poder financeiro que lhe permitia adquirir programas celebrando «output deals» (contratos com radiodifusores para um determinado volume de programas). A recorrente produziu, no decurso da temporada 1993-1994, metade dos mais populares programas recreativos não desportivos.

120.
    Em segundo lugar, a recorrente alega que não é exacto que tenha celebrado contratos com um grande número dos mais populares apresentadores ou artistas da televisão neerlandesa.

121.
    Além disso, a sua presença no domínio do teatro não constitui um elemento importante para as personalidades da televisão, uma vez que praticamente

nenhuma delas aproveita essa oportunidade. É igualmente irrelevante que tenha a sua própria agência de artistas. Apenas possui uma agência que se ocupa dos calendários dos espectáculos e não tem qualquer poder para celebrar contratos em representação desses artistas.

122.
    A Comissão responde que concluiu, com base nas preocupações expressas por outros operadores presentes no mercado da produção, que a recorrente tinha celebrado contratos, frequentemente exclusivos, com um grande número dos mais populares apresentadores ou artistas da televisão neerlandesa. A circunstância destes terem poucas possibilidades de actuar fora da televisão não tem nenhuma importância, uma vez que a existência dessas poucas possibilidades pode levá-los a escolher trabalhar com a recorrente em vez de trabalharem com outra sociedade, reforçando assim a sua posição. De qualquer modo, nunca considerou que se tratava de um elemento particularmente importante na determinação da posição dominante da recorrente.

123.
    Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Comissão partiu injustificadamente do princípio de que as receitas realizadas noutros países são susceptíveis de reforçar a sua posição nos Países-Baixos. Essas receitas são prioritariamente utilizadas para desenvolver as filiais dos diferentes países em causa.

124.
    A Comissão sustenta que as actividades de grande envergadura desenvolvidas pela recorrente fora dos Países-Baixos reforçam a sua posição dominante no mercado neerlandês. As suas filiais dão-lhe um acesso privilegiado ao mercado internacional e aumentam as receitas do grupono seu conjunto, ao financiarem grandes produções ou ao determinarem quais os investimentos futuros que podem revelar-se mais lucrativos. Isso resulta, em especial, do facto de ela ser o maior fornecedor da RTL Alemanha, que é o primeiro canal de televisão comercial na Alemanha.

125.
    Em quarto lugar, a recorrente alega que certos elementos de facto por ela invocados, mas negligenciados pela Comissão, provam que ela não ocupa uma posição dominante. Antes de tudo, não está em condições de excluir os concorrentes actuais ou de impedir a entrada de novos concorrentes, tendo várias sociedades entrado no mercado neerlandês da produção durante os últimos anos. Em segundo lugar, os seus clientes não estão em situação de dependência em relação a ela, o que é comprovado pelo boicote de que foi objecto, desde a criação da HMG, por parte dos radiodifusores públicos, os quais renunciaram a três programas muito populares. Em terceiro lugar, a Comissão não teve suficientemente em conta o crescimento futuro do mercado da produção televisiva e o facto de esse crescimento não beneficiar a recorrente. Assim, o novo canal privado, SBS, não celebrou qualquer acordo de produção com ela, a Kindernet, o segundo novo canal, deverá fazer directamente concorrência à RTL 4, e a Euro 7, um terceiro canal, não lhe encomendou produções relativamente ao ano de 1995.

126.
    A Comissão sublinha que as empresas que conseguiram implantar-se no mercado neerlandês nestes últimos anos tiveram necessidade de um parceiro estabelecido no local. A D & D associou-se à Sleeswijk, que já era um grande produtor neerlandês. A Grundy implantou-se no mercado neerlandês por intermédio de uma empresa comum com a recorrente. É assim claro que mesmo grandes grupos internacionais não podem penetrar no mercado neerlandês sem o apoio de operadores já implantados nesse mercado.

127.
    Acrescenta que, embora a evolução no mercado neerlandês da televisão se traduza por uma procura acrescida de todos os canais, o crescimento mais importante da procura, em termos de valor, provirá provavelmente da programação suplementar para a Veronica. Sendo a recorrente o principal fornecedor da Veronica ebeneficiando actualmente de um acordo de produção e de uma relação estrutural pelo controlo que conjuntamente exerce com a RTL sobre a HMG, era muito difícil acreditar que a maioria da programação suplementar da Veronica não fosse fornecida por ela. Além disso, a procura da Veronica, o radiodifusor financeiramente mais poderoso, envolverá com toda a probabilidade maior número de caros programas recreativos e de ficção, de que ela se tornou especialista. Em contrapartida, os três outros novos canais privados têm orçamentos mais modestos e as suas necessidades de produção são, assim, relativamente insignificantes.

128.
    Por último, sublinha ter demonstrado que as receitas dos radiodifusores públicos diminuirão no futuro, o que torna improvável um aumento das compras de programas caros. É um erro pretender que a capacidade de produção interna dos radiodifusores públicos pode ter um impacto concorrencial significativo no mercado da produção independente.

—    Apreciação do Tribunal

129.
    Para começar, há que examinar o método de cálculo da parte de mercado da recorrente no mercado neerlandês da produção televisiva independente em língua neerlandesa utilizado pela Comissão.

130.
    Em primeiro lugar, o Tribunal considera que a Comissão teve razão em calcular as partes de mercado dos diferentes produtores tomando por referência o valor dos programas e não o volume horário da produção. Com efeito, a recorrente não desmentiu os resultados do inquérito realizado pela Comissão que demonstraram que o valor horário das produções televisivas variava entre 30 000 HFL e 300 000 HFL. Nestas condições, o modo de cálculo das partes de mercado só é válido se se basear no valor e não no volume.

131.
    Em segundo lugar, o Tribunal considera que o cálculo feito pela Comissão da parte de mercado da Endemol é razoável. Resulta das respostas escritas dadas pela Comissão ao Tribunal que ela enviou questionários a 84 produtores independentes, e não apenas a 75 como foi referido nas peças processuais. Esses 84 produtores

representavam todos os produtores mencionados no Handboek, salvo a própria recorrente. Segundo as notas preparadas durante a instrução do dossier, a Comissão recebeu informações escritas de 29 produtores que diziam respeito, inter alia, ao número de horas de programas de televisão produzidas durante 1994 e ao valor em florins desses programas. Também obteve informações telefónicas de 37 outros produtores relativamente a essas duas questões. Assim, recebeu respostas de 78% dos 84 produtores. Seguidamente, calculou o valor aproximativo das horas produzidas pelos 18 outros produtores sobre os quais não dispunha de qualquer informação, com base em informações prestadas por outros produtores que tinham um número similar de empregados. Por último, tomou em consideração os dados fornecidos pela própria recorrente a fim de calcular a dimensão do mercado total e a parte de mercado que esta detinha.

132.
    Assim, há que considerar que a Comissão não cometeu um erro ao indicar, na decisão recorrida, que a parte de mercado da Endemol era de «nitidamente mais de 50%».

133.
    Por outro lado, a Comissão demonstrou, na resposta a uma das perguntas escritas do Tribunal, que, mesmo que tivesse incluído o cálculo do valor dos programas produzidos por um dos 29 produtores que responderam por escrito mas que não forneceram o número necessário, isso não teria alterado o seu cálculo da parte de mercado da Endemol, que seria sempre nitidamente superior a 50%.

134.
    Seguidamente, há que examinar se a Comissão tinha razão para concluir que, no caso em apreço, a Endemol ocupava uma posição dominante no mercado em causa. A este respeito, o Tribunal declara que, segundo jurisprudência constante, uma parte de mercado especialmente elevada pode, em si mesma, constituir a prova da existência de uma posição dominante, sobretudo quando, como no caso em apreço, os outros operadores no mercado possuem partes muito menos importantes (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 41, e de 3 de Julho de 1991, Akzo/Comissão, C-62/86, Colect., p. I-3359, n.° 60, e o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect., p. II-1439, n.os 91 e 92).

135.
    Há que salientar que a Comissão declarou, com base nas suas investigações, que o segundo produtor mais importante possuía uma parte de mercado que se situava entre 5 e 10%, que quatro outros produtores possuíam cada um uma parte de mercado que se situava entre 2 e 5%, e que os outros cinco maiores produtores possuíam cada um uma parte de mercado que se situava entre 1 e 2%, possuindo cada um de todos os outros produtores uma parte de mercado de menos de 1%. Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a conclusão da Comissão segundo a qual a recorrente ocupava uma posição dominante no mercado em causa não está viciada por erro manifesto de apreciação.

136.
    Além disso, a Comissão referiu-se a outros trunfos possuídos pela Endemol, que lhe conferiam uma posição efectivamente superior à dos seus concorrentes. O Tribunal examinará sucessivamente esses outros elementos.

137.
    Em primeiro lugar, no que diz respeito ao acesso privilegiado da recorrente aos formatos estrangeiros, o Tribunal considera que ela não desmentiu a tese da Comissão de que, devido ao seu poder financeiro, estava numa posição de força que lhe permitia adquirir programas celebrando «output deals». Como a Comissão explicou na audiência, torna-se mais fácil para um produtor obter os formatos necessários quando já assinou um contrato com um radiodifusor para um determinado volume de programas. Esta explicação não é invalidada pelo facto de o contrato não precisar, em princípio, o conteúdo dos programas, contrariamente ao que sustenta a recorrente. O essencial é que o produtor já seja titular de um contrato com um radiodifusor que lhe garanta a possibilidade de produzir um certo número de horas de programas.

138.
    No que diz respeito aos formatos em geral, a recorrente não contestou que produziu no decurso da temporada 1993/1994 metade dos mais populares programas recreativos não desportivos e que 24 desses 28 programas assentavam num formato. Nestas circunstâncias, as conclusões da Comissão não são infirmadas pelo facto de um terço dos programas produzidos pela recorrente em 1994 não ser baseado num formato, nem pelo facto de, em sua opinião, outros formatos populares pertencerem a radiodifusores e não à recorrente.

139.
    A Comissão teve igualmente razão quando sustentou que a recorrente produzira mais de 60 programas baseados em formatos estrangeiros no decurso dos três anos anteriores à concentração, como era demonstrado pela lista que a própria recorrente apresentou à Comissão em anexo à sua resposta, de 14 de Julho de 1995, ao pedido de informações da Comissão de 7 de Junho de 1995, e que figura no anexo 11 da petição inicial. Resulta desta lista que o número de 38 programas mencionado pela recorrente se refere, efectivamente, ao número de formatos estrangeiros utilizados durante esse período e não ao número de programas produzidos baseados nesses formatos.

140.
    O Tribunal considera, por outro lado, que a Comissão não podia ignorar a opinião dos outros produtores, dos radiodifusores e dos outros canais privados, que tinham considerado que a recorrente possuía um grande número dos mais populares formatos neerlandeses e um acesso preferencial aos formatos estrangeiros.

141.
    Em segundo lugar, a declaração da recorrente de que um número importante de personalidades da televisão está quer vinculado por contrato a radiodifusores quer disponível relativamente a qualquer interessado não basta para refutar a apreciação da Comissão segundo a qual a recorrente tinha celebrado contratos com um grande número dos mais populares apresentadores ou artistas da televisão neerlandesa. No que diz respeito às possibilidades de essas personalidades actuarem fora da

televisão, e ao facto de a recorrente possuir a sua própria agência de artistas, não se pode excluir que estes elementos, embora, como admite a Comissão, não sejam importantes para a determinação da posição dominante da recorrente, possam reforçar em certa medida a sua posição no mercado.

142.
    Em terceiro lugar, no que diz respeito às actividades fora dos Países-Baixos, o Tribunal considera que a recorrente não desmentiu a tese da Comissão segundo a qual as actividades de grande envergadura por ela desenvolvidas fora dos Países-Baixos podem reforçar a sua posição no mercado neerlandês, dado que as suas filiais lhe dão um acesso privilegiado ao mercado internacional e contribuem para as receitas do grupo, na sua globalidade.

143.
    Em quarto lugar, o Tribunal considera que os outros elementos de facto invocados pela recorrente não apoiam a sua tese. Com efeito, embora seja exacto que outras sociedades entraram no mercado neerlandês da produção durante os anos que precederam a concentração, a recorrente não desmentiu que esses novos operadores tiveram necessidade, pelo menos numa primeira fase, de um parceiro já instalado. No que diz respeito ao alegado boicote da recorrente por certos radiodifusores públicos após o anúncio da criação da HMG, há que salientar que, como refere a própria recorrente, ela forneceu 88,2% da sua produção, em 1994, aos canais Veronica, RTL 4 e RTL 5, e, assim, não era desrazoável que a Comissão concluísse que esse boicote tinha tido uma importância menor.

144.
    Além disso, a recorrente não demonstrou em que medida a Comissão considerou injustificadamente que a Kindernet e a Euro 7 eram canais com orçamentos muito modestos, sendo a Kindernet essencialmente dirigida às crianças, durante o dia, e sendo a Euro 7 um canal de informação e de documentários, e que as suas necessidades de produção eram, deste modo, relativamente insignificantes em termos de valor. Além disso, os programas produzidos pela recorrente não apresentavam qualquer interesse para a Euro 7. A recorrente, por outro lado, não contestou que só o orçamento consagrado aos programas da Veronica era o triplo do da SBS.

145.
    Além disso, a recorrente não demonstrou que a Comissão tenha injustificadamente considerado que a maior parte da procura suplementar de produções em língua neerlandesa provinha da Veronica, que teria, assim, necessidade de programas para quatro dias e meio suplementares de transmissão, quando os radiodifusores públicos apenas têm de preencher dois dias e meio suplementares de transmissão, após a saída da Veronica como radiodifusor público. Dado que a recorrente já era o principal fornecedor da Veronica, era igualmente razoável que a Comissão concluísse que a maioria da programação suplementar da Veronica era por ela fornecida.

146.
    Perante todas as considerações precedentes, o Tribunal considera que a Comissão definiu correctamente o mercado em questão, bem como a parte da recorrente

nesse mercado, e que concluiu justamente pela existência de uma posição dominante da recorrente nesse mercado.

147.
    Assim, há que rejeitar este argumento, por infundado.

Quanto ao reforço da posição dominante da recorrente

148.
    A recorrente alega que a Comissão concluiu erradamente, por um lado, que a VMG exercia com a RTL um controlo conjunto sobre a HMG e, por outro, que a sua participação na concentração reforçava a sua posição no mercado neerlandês da produção televisiva independente em língua neerlandesa.

Quanto à ausência de controlo conjunto da VMG e da RTL sobre a HMG

—    Argumentos das partes

149.
    A recorrente alega que a HMG é composta por quatro órgãos, que são a assembleia geral dos accionistas, o comité dos accionistas, o conselho de administração e os directores dos programas. O conselho de administração deve obter o acordo prévio da assembleia geral dos accionistas quanto à maior parte das decisões comerciais importantes, relativas à estratégia da HMG, ao plano deactividade trienal e ao orçamento anual, e aos investimentos importantes de capital, bem como às obrigações e aos empréstimos. O «conceito de programação de conjunto» faz igualmente parte dessa lista, bem como a nomeação e o despedimento dos directores dos programas e do director/secretário-geral.

150.
    Na assembleia geral dos accionistas, a VMG e a RTL têm um número igual de representantes. Todavia, a Endemol, associada à Veronica na VMG, dispõe de uma parte minoritária, uma vez que a VMG tem apenas 49% do capital da HMG e que a VMG e a RTL votam, segundo o direito luxemburguês ao qual a HMG está sujeita, não em função do número de representantes mas das respectivas partes.

151.
    Nos termos do artigo 3.°, n.° 4, do acordo de concentração, a assembleia geral tenta resolver os problemas adoptando uma posição comum. Se não for atingido qualquer consenso, a questão é inscrita na ordem do dia da assembleia geral seguinte, no decurso da qual «a proposta em causa é susceptível de ser adoptada por maioria simples dos votos dessa assembleia». Isso significa que a RTL dispõe, na prática, nessa segunda assembleia, de uma maioria, com 51% dos direitos de voto.

152.
    Referindo-se ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão (T-2/93, Colect., p. II-323), no qual a circunstância de as decisões importantes do conselho de administração deverem ser adoptadas por, pelo menos, um dos representantes da TAT SA e da British Airways permitiu concluir que existia efectivamente um controlo conjunto, a recorrente considera

que, devido à impossibilidade de os outros accionistas, para além da RTL, bloquearem as decisões importantes, é a RTL que exerce o controlo exclusivo.

153.
    O comité dos accionistas da HMG, que dispõe igualmente de um número idêntico de representantes da RTL e da VMG, decide por unanimidade mas só é competente para as questões referidas no artigo 3.°, n.° 3, do acordo de concentração, isto é, as que dizem respeito aos direitos relativos à protecção normal dos accionistas minoritários, os quais nada têm a ver com a programação da HMG.

154.
    A recorrente conclui daqui que a Comissão não apresentou qualquer argumento convincente ou elemento de prova em apoio da sua conclusão de que a recorrente, em razão da ligação estrutural que a une à HMG, está em condições de influenciar a programação geral e a política de aquisição de programas da HMG por forma a reforçar a sua posição no mercado da produção independente em causa (centésimo considerando da decisão recorrida).

155.
    Acrescenta que, na medida em que apenas tem uma parte minoritária no capital da HMG, não preenche as condições em que uma participação no capital de uma empresa concorrente pode ser abrangida pela proibição resultante do artigo 85.° do Tratado, impostas pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão (142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, a seguir o acórdão «Philip Morris»), de modo que a concentração não coloca qualquer problema de concorrência.

156.
    A Comissão recorda que concluiu que a HMG era controlada conjuntamente pela RTL e pela VMG porque as decisões estratégicas mais importantes adoptadas pelo conselho de administração deviam ser previamente aprovadas pela assembleia geral dos accionistas. Embora a RTL possa teoricamente acabar por impor a sua vontade, não é concebível que ela o faça, tendo em conta o prazo previsto no procedimento descrito no artigo 3.°, n.° 4, do acordo de concentração e o facto de a HMG e a RTL deverem manter boas relações com a recorrente, uma vez que, nos termos do acordo de produção, ela é o principal fornecedor de programas da HMG. Daqui decorre que a VMG exerce uma influência decisiva sobre a HMG pelo facto de, na prática, a RTL e a VMG deverem tomar conjuntamente as decisões mais importantes que lhe dizem respeito. A este respeito, alega que a recorrente se equivoca sobre o sentido do acórdão Air France/Comissão, já referido.

157.
    Acrescenta que o comité dos accionistas existe para resolver os problemas que exigem o consentimento de todos os accionistas. Qualquer decisão tem de ser tomada por unanimidade para modificar de modo essencial o perfil, o posicionamento ou o formato da programação de um dos três canais. É exigido um procedimento similar para modificar as condições gerais dos contratos dos membros do pessoal dos canais. A condição de essas alterações só poderem ser autorizadas por unanimidade vai além do que é necessário para proteger os

interesses de um accionista minoritário e contribui, assim, para confirmar a conclusão da Comissão de que a HMG é controlada conjuntamente.

158.
    A Comissão considera, por outro lado, que o acórdão Philip Morris, já referido, não é importante para o presente processo.

—    Apreciação do Tribunal

159.
    Nos termos do artigo 3.°, n.° 3, do Regulamento n.° 4064/89, o controlo decorre dos direitos, contratos ou outros meios que conferem, isoladamente ou em conjunto, e tendo em conta as circunstâncias de facto e de direito, a possibilidade de exercer uma influência determinante sobre a actividade de uma empresa.

160.
    Vistas as circunstâncias de facto e de direito do caso em apreço, o Tribunal considera que a Comissão concluiu justamente pela existência de um controlo conjunto exercido pela VMG (Veronica e Endemol) e pela RTL sobre a HMG.

161.
    Com efeito, resulta do acordo de concentração que as decisões estratégicas mais importantes devem ser aprovadas pela assembleia geral dos accionistas antes de serem apresentadas ao conselho de administração. Essas decisões incluem, nomeadamente, a estratégia da HMG, o plano de actividade trienal e o orçamento anual, bem como os investimentos importantes, o «conceito de programação de conjunto» e a nomeação e o despedimento dos directores dos programas e do director/secretário-geral.

162.
    Nos termos do artigo 3.°, n.° 4, do acordo de concentração, as questões apresentadas à assembleia geral devem ser resolvidas por consenso. Deste modo, deve-se procurar obter o acordo da RTL e da VMG para todas essas decisões e, se não pode ser obtido um consenso, está previsto um prazo de quinze dias durante o qual os representantes da RTL e da VMG devem desenvolver todos os esforços para chegar a um tal consenso. É apenas no fim destas duas fases que pode ser adoptada uma decisão final por um voto por maioria simples, dispondo então a RTL de uma maioria, com 51% dos direitos de voto.

163.
    Além disso, o comité dos accionistas, que vota por unanimidade, deve aprovar previamente certas decisões do conselho de administração que ultrapassem o que é necessário para proteger os interesses de um accionista minoritário. Assim, uma decisão que altere de modo essencial o perfil, o posicionamento ou o formato de programação de um dos três canais só pode ser tomada por unanimidade. O mesmo se passaria relativamente a uma decisão relativa à criação de um novo canal que concorresse directamente com um dos três canais existentes. Conclui-se que estes aspectos da estratégia da HMG e do seu «conceito de programação de conjunto» são necessariamente objecto de um acordo unânime entre a RTL e a VMG.

164.
    Daqui resulta que a Comissão concluiu acertadamente, face às disposições do acordo de concentração, pela existência de um controlo conjunto da RTL e da VMG sobre a HMG. Assim, não é necessário examinar os argumentos que a recorrente extrai do pretenso controlo exclusivo da RTL ou do acórdão Philip Morris, já referido.

Quanto à ausência de reforço da posição da recorrente no mercado em causa

—    Argumentos das partes

165.
    A recorrente alega que a sua parte no capital da HMG não lhe permite exercer qualquer influência sobre a programação geral ou sobre a aquisição dos programas da HMG. A sua pretensa capacidade para proibir o acesso de outros produtores à HMG assenta no pretenso controlo conjunto, quando, no que diz respeito à RTL 4, à RTL 5 e à Veronica, ela já era o principal fornecedor da RTL e da Veronica há cinco anos e os seus programas contribuíram, em larga medida, para formar a imagem da RTL e da Veronica durante esse período. Assim, a sua posição não foi reforçada, nem a concorrência perturbada, pela criação da HMG.

166.
    A Comissão considera que as sociedades-mãe só podiam assegurar a gestão da HMG se estivessem de acordo quanto às decisões estratégicas mais importantes. É inconcebível que a participação da recorrente consista apenas num investimento financeiro que não lhe dê o benefício de uma influência decisiva sobre as actividades da HMG. Assim, a preocupação essencial da Comissão foi a de evitar que as ligações estruturais entre a recorrente e a HMG fechassem o mercado em questão a outros produtores e reforçassem a posição dela nesse mercado.

—    Apreciação do Tribunal

167.
    O Tribunal considera que a Comissão não cometeu qualquer erro de apreciação ao concluir que, graças à ligação estrutural criada entre as partes na concentração e ao controlo conjunto que a recorrente devia deste modo exercer, com a RTL, sobre a HMG, a recorrente asseguraria doravante um vasto mercado à sua produção. Sem essa relação estrutural, seria realista encarar a possibilidade de outros produtores fornecerem uma parte muito mais importante das necessidades de programas suplementares da HMG. Nenhum outro produtor nos Países-Baixos tinha a mesma possibilidade de dispor de um mercado garantido para as suas produções e de exercer influência sobre um radiodifusor para a compra dos seus programas. Esta conclusão só podia ser reforçada pelos termos do acordo de produção (v. o n.° 18 supra).

168.
    Por outro lado, as próprias partes tinham declarado que a relação de fornecimento que unia a Endemol à RTL e à Veronica constituía um elemento essencial para criar a imagem da RTL 4, da RTL 5 e da Veronica e que seria igualmente decisiva para o êxito da HMG. Do mesmo modo, tinham admitido que a concentração tinha em parte por objectivo permitir à recorrente reduzir o risco a que se expunha ao

produzir novos formatos de programas, pelo facto de ela zelar por optimizar as receitas que lhe davam os formatos de sucesso. Assim, era razoável que a Comissão concluísse que a recorrente forneceria os seus programas mais prometedores, ou que tinham feito prova do seu atractivo, à HMG, em detrimento dos outros radiodifusores.

169.
    Nestas circunstâncias, o Tribunal considera que a recorrente não provou que a Comissão tenha ultrapassado os limites do seu poder de apreciação ou que tenha cometido um erro manifesto quando concluiu que a concentração teria por efeito reforçar a sua posição dominante no mercado neerlandês da produção televisiva independente em língua neerlandesa e que a concorrência efectiva no mercado seria, assim, entravada de modo significativo.

170.
    Conclui-se daqui que este argumento deve ser rejeitado e, portanto, que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

171.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida há que, tendo em conta o pedido da recorrida e o despacho do presidente da Quarta Secção Alargada de 7 de Outubro de 1996, condená-la a suportar, além das suas despesas, um quinto das despesas suportadas pela recorrida antes da desistência da Veronica, da RTL, da CLT e da VNU e a totalidade das despesas por ela efectuadas depois da referida desistência.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Quarta Secção Alargada),

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A recorrente suportará, além das suas despesas, um quinto das despesas efectuadas pela recorrida até à desistência das outras partes, em 7 deOutubro de 1996, e a totalidade das despesas seguidamente efectuadas.

Lindh
García-Valdecasas
Lenaerts

        Cooke                        Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Abril de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1: Língua do processo: inglês.