Language of document : ECLI:EU:T:2006:383

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

12 de Dezembro de 2006 (*)

«Acção de indemnização – Responsabilidade extracontratual – Leite – Imposição suplementar – Quantidade de referência – Produtor que subscreveu um compromisso de não comercialização – Produtores SLOM 1984 – Não retoma da produção no termo do compromisso»

No processo T‑373/94,

R. W. Werners, residente em Meppel (Países Baixos), representado inicialmente por H. Bronkhorst e E. Pijnacker Hordijk, advogados, e depois por Pijnacker Hordijk,

demandante,

contra

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por A. Brautigam e A.‑M. Colaert, na qualidade de agentes, e depois por A.‑M. Colaert,

e

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por T. van Rijn, na qualidade de agente, assistido por H.‑J. Rabe, advogado, e depois por T. van Rijn,

demandadas,

que tem por objecto um pedido de indemnização, ao abrigo do artigo 178.° CE (actual artigo 235.° CE) e do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 288.°, segundo parágrafo, CE), pelos prejuízos alegadamente sofridos pelo demandante pelo facto de ter sido impedido de comercializar leite em aplicação do Regulamento (CEE) n.° 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição referida no artigo 5.°‑C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F3 p. 64), completado pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984, que fixa as regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°‑C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: M. Vilaras, presidente, E. Martins Ribeiro e K. Jürimäe, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Abril de 2006,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        O Regulamento (CEE) n.° 1078/77 do Conselho, de 17 de Maio de 1977, que institui um regime de prémios de não comercialização do leite e dos produtos lácteos e de reconversão dos efectivos bovinos de orientação leiteira (JO L 131, p. 1; EE 03 F12 p. 143), previa o pagamento de um prémio de não comercialização ou de um prémio de reconversão aos produtores que se comprometessem a não comercializar leite ou produtos lácteos durante um período de não comercialização de cinco anos ou a não comercializar leite ou produtos lácteos e a reconverter os seus efectivos de orientação leiteira em efectivos de produção de carne durante um período de reconversão de quatro anos.

2        Os produtores que subscreveram um compromisso nos termos do Regulamento n.° 1078/77 são vulgarmente designados «produtores SLOM», acrónimo que provém da expressão neerlandesa «slachten en omschakelen» (abater e reconverter) que descreve as suas obrigações no âmbito do regime de não comercialização ou de reconversão.

3        O Regulamento (CEE) n.° 856/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que altera o Regulamento (CEE) n.° 804/68 que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 90, p. 10; EE 03 F30 p. 61), e o Regulamento (CEE) n.° 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição referida no artigo 5.°‑C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64), instituíram, a partir de 1 de Abril de 1984, uma imposição suplementar sobre as quantidades de leite entregues que excedessem uma quantidade de referência a determinar, em relação a cada comprador, até ao limite de uma quantidade global garantida a cada Estado‑Membro. A quantidade de referência isenta da imposição suplementar era igual à quantidade de leite ou de equivalente de leite entregue por um produtor ou comprada por um centro de tratamento de leite ou de produtos lácteos, conforme a modalidade escolhida pelo Estado, durante o ano de referência, que foi, no caso dos Países Baixos, o ano de 1983.

4        As regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°‑C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 148, p. 13; EE 03 F2 p. 146), foram fixadas pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208).

5        Os produtores que não tivessem entregue leite durante o ano de referência definido pelo Estado‑Membro em causa, em cumprimento de um compromisso assumido nos termos do Regulamento n.° 1078/77, foram excluídos da atribuição de uma quantidade de referência.

6        Por acórdãos de 28 de Abril de 1988, Mulder (120/86, Colect., p. 2321, a seguir «acórdão Mulder I»), e Von Deetzen (170/86, Colect., p. 2355), o Tribunal de Justiça declarou inválido o Regulamento n.° 857/84, completado pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84, por não prever a atribuição de uma quantidade de referência aos produtores que, em cumprimento de um compromisso assumido nos termos do Regulamento n.° 1078/77, não tinham entregue leite durante o ano tomado como referência pelo Estado‑Membro em causa.

7        Na sequência dos acórdãos Mulder I e Von Deetzen n.° 6 supra, o Conselho adoptou, em 20 de Março de 1989, o Regulamento (CEE) n.° 764/89, que altera o Regulamento (CEE) n.° 857/84 (JO L 84, p. 2), que entrou em vigor em 29 de Março de 1989, com o objectivo de permitir a atribuição à categoria de produtores a que se referem estes acórdãos de uma quantidade de referência específica correspondente a 60% da sua produção durante os doze meses que antecederam o compromisso de não comercialização ou de reconversão que tinham assumido nos termos do Regulamento n.° 1078/77.

8        O artigo 3.°‑A, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 857/84, na redacção dada pelo Regulamento n.° 764/89, submetia a atribuição provisória de uma quantidade de referência específica, designadamente, à condição de o produtor «prov[ar], em abono do seu pedido […] que [estava] em condições de produzir na sua exploração até à quantidade de referência solicitada».

9        Segundo o artigo 3.°‑A, n.° 1, primeiro travessão, do referido regulamento, estava em causa o produtor «cujo período de não comercialização ou de reconversão, em execução do compromisso assumido nos termos do Regulamento […] n.° 1078/77, termin[asse] após 31 de Dezembro de 1983, ou após 30 de Setembro de 1983, nos Estados‑Membros em que a recolha de leite dos meses de Abril a Setembro seja pelo menos o dobro da dos meses de Outubro a Março do ano seguinte».

10      O artigo 3.° ‑A, do Regulamento n.° 857/84, alterado pelo Regulamento n.° 764/89, dispõe:

3.      Se, num prazo de dois anos a contar de 29 de Março de 1989, o produtor puder provar a contento da autoridade competente que retomou efectivamente as vendas directas e/ou as entregas e que essas vendas directas e/ou essas entregas atingiram ao longo dos doze últimos meses um nível igual ou superior a 80% da quantidade de referência provisória, a quantidade de referência específica ser‑lhe‑á atribuída definitivamente. Caso contrário, a quantidade de referência provisória regressará na totalidade à reserva comunitária […]»

11      Nos termos do Regulamento n.° 764/89, o Regulamento (CEE) n.° 1033/89 da Comissão, de 20 de Abril de 1989, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1546/88 que fixa as regras de execução da imposição suplementar referida no artigo 5.°‑C do Regulamento (CEE) n.° 804/68 do Conselho (JO L 110, p. 27; EE 03 F2 p. 146), introduziu naquele regulamento um artigo 3.°A, cujo n.° 1, primeiro parágrafo, tem o seguinte teor:

«O pedido [de uma quantidade de referência específica] referido no n.° 1 do artigo 3.°‑A do Regulamento […] n.° 857/84 é apresentado pelo produtor interessado à autoridade competente designada pelo Estado‑Membro, segundo modalidades determinadas por este e na condição de que o produtor possa provar que ainda gere, total ou parcialmente, a mesma exploração que geria aquando da aceitação do pedido de concessão do prémio referida no n.° 2 do artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 1391/78 da Comissão.»

12      Os produtores que tinham subscrito compromissos de não comercialização ou de reconversão e que, nos termos do Regulamento n.° 764/89, receberam uma quantidade de referência dita «específica» são designados «produtores SLOM I».

13      Por acórdão de 11 de Dezembro de 1990, Spagl (C‑189/89, Colect., p. I‑4539), o Tribunal de Justiça declarou inválido o artigo 3.°‑A, n.° 1, primeiro travessão, do Regulamento n.° 857/84, na redacção dada pelo Regulamento n.° 764/89, na medida em que excluía da atribuição de uma quantidade de referência específica ao abrigo dessa disposição os produtores cujo período de não comercialização ou de reconversão, em execução de um compromisso assumido nos termos do Regulamento n.° 1078/77, tivesse expirado antes de 31 de Dezembro de 1983 ou, eventualmente, antes de 30 de Setembro de 1983.

14      Na sequência do acórdão Spagl, n.° 13, supra, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1639/91, de 13 de Junho de 1991, que altera o Regulamento n.° 857/84 (JO L 150, p. 35; EE 03 F30 p. 64), que, suprimindo as condições declaradas inválidas pelo Tribunal de Justiça, permitiu a atribuição de uma quantidade de referência específica aos produtores em questão. Estes são vulgarmente designados «produtores SLOM II».

15      Por acórdão interlocutório de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão (C‑104/89 e C‑37/90, Colect., p. I‑3061, a seguir «acórdão Mulder II»), o Tribunal de Justiça declarou que a Comunidade Económica Europeia era responsável pelo prejuízo sofrido por determinados produtores de leite que tinham assumido compromissos nos termos do Regulamento n.° 1078/77 e posteriormente foram impedidos de comercializar leite na sequência da aplicação do Regulamento n.° 857/84. O Tribunal de Justiça instou as partes a chegarem a acordo quanto aos montantes a pagar.

16      Na sequência deste acórdão, o Conselho e a Comissão publicaram no Jornal Oficial das Comunidades Europeias de 5 de Agosto de 1992 a comunicação 92/C 198/04 (JO C 198, p. 4). Após recordarem as implicações do acórdão Mulder II, n.° 15, supra, as instituições afirmaram a sua intenção de definir as modalidades práticas de indemnização dos produtores interessados, com o objectivo de dar pleno efeito a esse acórdão.

17      Até à adopção dessas modalidades, as instituições tinham‑se comprometido a não invocar a prescrição resultante do artigo 43.° do Estatuto do Tribunal de Justiça contra qualquer produtor que preenchesse as condições decorrentes do acórdão Mulder II, n.° 15, supra. No entanto, o compromisso em causa estava sujeito à condição de o direito à indemnização não ter ainda prescrito à data da publicação da comunicação de 5 de Agosto de 1992 ou à data em que o produtor se tivesse dirigido a uma das instituições.

18      Por acórdão de 27 de Janeiro de 2000, Mulder e o./Conselho e Comissão (C‑104/89 e C‑37/90, Colect., p. I‑203, a seguir «acórdão Mulder III»), o Tribunal de Justiça pronunciou‑se sobre o montante das indemnizações pedidas pelos demandantes nos processos em causa no acórdão Mulder II, n.° 15, supra.

19      Através dos acórdãos de 31 de Janeiro de 2001, Bouma/Conselho e Comissão (T‑533/93, Colect., p. II‑203, a seguir «acórdão Bouma»), e Beusmans/Conselho e Comissão (T‑73/94, Colect., p. II‑223, a seguir «acórdão Beusmans»), o Tribunal de Primeira Instância julgou improcedentes as acções em matéria de responsabilidade extracontratual da Comunidade intentadas nos termos do artigo 235.° CE e do artigo 288.°, segundo parágrafo, CE de dois produtores de leite dos Países‑Baixos que tinham subscrito, no âmbito do Regulamento n.° 1078/77, compromissos de não comercialização que tinham expirado em 1983.

20      No n.° 45 do acórdão Bouma (n.° 44 do acórdão Beusmans), n.° 19, supra, o Tribunal de Primeira Instância inferiu do acórdão Spagl, n.° 13, supra, que os produtores, cujo compromisso terminara em 1983, só podiam utilmente fundar o seu pedido de indemnização na violação do princípio da confiança legítima se demonstrassem que as razões pelas quais não tinham retomado a produção de leite durante o ano de referência se prendiam com o facto de terem parado essa produção durante um certo tempo e de lhes ser impossível, por motivos de organização da referida produção, retomá‑la imediatamente.

21      No n.° 46 do acórdão Bouma (n.° 45 do acórdão Beusmans), n.° 19, supra, o Tribunal de Primeira Instância referiu‑se ao acórdão Mulder II, n.° 15, supra, declarando o seguinte:

«Além disso, resulta do acórdão Mulder II, mais precisamente do n.° 23, que a responsabilidade da Comunidade está subordinada à condição de os produtores terem claramente manifestado a sua intenção de retomar a produção de leite no termo do seu compromisso de não comercialização. Com efeito, para que a ilegalidade que conduziu à declaração de invalidade dos regulamentos na origem da situação dos produtores SLOM possa dar direito a uma indemnização em benefício destes últimos, estes devem ter sido impedidos de retomar a produção de leite. Tal implica que os produtores cujo compromisso terminou antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 857/84 tenham retomado essa produção ou, pelo menos, tomado medidas para o efeito, como a realização de investimentos ou de reparações, ou a manutenção dos equipamentos necessários à referida produção (v., a este respeito, […] conclusões do advogado‑geral W. Van Gerven no processo Mulder II, Colect., p. I‑3094, n.° 30).»

22      A propósito da situação dos demandantes, o Tribunal de Primeira Instância constatou, no n.° 48 do acórdão Bouma (n.° 47 do acórdão Beusmans), n.° 19, supra, o seguinte:

«Tendo em conta o facto de que o demandante não retomou a produção de leite entre a data do termo do seu compromisso de não comercialização […] e a da entrada em vigor do regime das quotas, em 1 de Abril de 1984, deve provar, para que o seu pedido de indemnização seja procedente, que tinha a intenção de retomar esta produção no termo do seu compromisso de não comercialização e que se viu impossibilitado de o fazer por causa da entrada em vigor do Regulamento n.° 857/84.»

23      Por acórdão de 29 de Abril de 2004, Bouma e Beusmans/Conselho e Comissão (C‑162/01 P e C‑163/01 P, Colect., p. I‑4509, a seguir «acórdão Bouma e Beusmans»), o Tribunal de Justiça negou provimento aos recursos interpostos dos acórdãos Bouma, n.° 19, supra, e Beusmans, n.° 19 supra.

24      Nos n.os 62 e 63 do acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, o Tribunal de Justiça declarou:

«62      No n.° 45 do acórdão Bouma (n.° 44 do acórdão Beusmans), o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a concluir do acórdão Spagl que os produtores cujo compromisso [tinha] termin[ado] em 1983 [deviam] demonstrar que as razões pelas quais não [tinham] retom[ado] a produção de leite durante o ano de referência se prend[iam] com o facto de que [tinham] para[do] esta produção durante um certo tempo e que lhes era impossível, por motivos de organização da referida produção, retomá‑la imediatamente.

63      Esta interpretação do acórdão Spagl não é incorrecta.»

25      No n.° 72 do acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, o Tribunal de Justiça observou que:

«[…]as condições necessárias para que E. Bouma e B. Beusmans possam reclamar uma indemnização, na qualidade de produtores SLOM 1983, apenas podem resultar da interpretação que o Tribunal de Justiça fez das normas nesta matéria. Com efeito, o Regulamento n.° 1639/91 modifica o artigo 3.°‑A do Regulamento n.° 857/84, na redacção que lhe foi dada pelo Regulamento n.° 764/89, relativo à atribuição de uma quantidade de referência específica, mas não determina as condições necessárias para que um produtor SLOM 1983 possa exigir uma indemnização. A indemnização nos termos do Regulamento n.° 2187/93 mantém‑se autónoma, na medida em que o regime instituído por este regulamento constitui uma alternativa à solução judicial do diferendo e abre uma via suplementar para obter uma reparação (acórdão [do Tribunal de Justiça] de 9 de Outubro de 2001, Flemmer e o., C‑80/99 a C‑82/99, Colect., p. I‑7211, n.° 47).»

26      Nos n.os 89 e 90 do acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, o Tribunal de Justiça concluiu o seguinte:

«89      Contrariamente ao que E. Bouma e B. Beusmans alegam, o Tribunal de Primeira Instância podia, no n.° 46 do acórdão Bouma (n.° 45 do acórdão Beusmans), concluir com carácter geral que a responsabilidade da Comunidade está subordinada à condição de os produtores terem claramente manifestado a sua intenção de retomar a produção de leite no termo do seu compromisso de não comercialização.

90      Há que concluir que o Tribunal de Primeira Instância podia exigir, no n.° 46 do acórdão Bouma (n.° 45 do acórdão Beusmans), que um produtor SLOM 1983 manifestasse, no termo do seu compromisso assumido nos termos do Regulamento n.° 1078/77, a sua intenção de retomar a produção de leite quer recomeçando a produzir quer, pelo menos, à semelhança dos produtores SLOM I, tomando medidas para o efeito, como a realização de investimentos ou de reparações, ou a manutenção dos equipamentos necessários à referida produção.»

27      Nos n.os 100 e 101 do acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, o Tribunal de Justiça considerou o seguinte:

«100      Quanto a esta questão, cumpre observar que, como o advogado‑geral salientou no n.° 125 das suas conclusões, a repartição do ónus da prova efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos recorridos é conforme com a jurisprudência assente, nos termos da qual incumbe ao recorrente fazer prova da verificação dos diversos pressupostos em que assenta a responsabilidade extracontratual da Comunidade. Atendendo a que a invocação desta responsabilidade exige que um produtor prove a sua intenção de reiniciar a comercialização de leite quer através da retoma da produção após a expiração do seu compromisso de não comercialização quer mediante outras manifestações de vontade neste sentido, cabe ao demandante de uma indemnização provar a veracidade da sua intenção.

101      No que concerne ao argumento de que E. Bouma e B. Beusmans não podiam prever as consequências de um não reinício da produção antes de 1 de Abril de 1984, importa salientar que podiam esperar, como qualquer operador que pretende iniciar a produção leiteira, ser sujeitos a regras entretanto adoptadas relativas à política de mercados. Assim, não podiam legitimamente esperar poder retomar a produção nas mesmas condições que vigoravam anteriormente (v., neste sentido, acórdão Mulder I, n.° 23).»

 Factos na origem do litígio

28      O demandante, produtor de leite nos Países‑Baixos, subscreveu, em 24 de Maio de 1980, no âmbito do Regulamento n.° 1078/77, um compromisso de não comercialização que expirou em 24 de Maio de 1985.

29      Na sequência da adopção do Regulamento n.° 1639/91, o demandante apresentou às autoridades neerlandesas, em 2 de Junho de 1989, um pedido de atribuição de uma quantidade de referência específica, no qual declarou «estar efectivamente em condições de produzir na sua exploração a quantidade de referência específica atribuída».

30      Por decisão de 21 de Julho de 1989, foi atribuída ao demandante uma quantidade de referência específica provisória.

31      Por decisão de 31 de Outubro de 1990, foi atribuída ao demandante uma quantidade de referência definitiva, que foi em seguida retirada por decisão do Ministério da Agricultura, da Gestão da Natureza e das Pescas neerlandês, de 11 de Outubro de 1991, no seguimento de um inquérito que demonstrou que o demandante não cumpria as condições para uma atribuição definitiva, dado que não produzia o leite referido na Beschikking Superheffing SLOM‑deelnemers (decisão relativa à imposição suplementar a cargo dos participantes no regime SLOM) sobre a exploração SLOM inicial.

32      Além disso, a mulher do demandante geria uma exploração leiteira na exploração SLOM inicial.

33      O demandante apresentou uma reclamação da decisão do Ministério da Agricultura, da Gestão da Natureza e das Pescas. Face ao indeferimento dessa reclamação, o demandante interpôs recurso para o College van Beroep voor het Bedrijfsleven (supremo tribunal administrativo em matéria económica, Países Baixos), ao qual foi negado provimento por decisão de 16 de Janeiro de 1997.

 Tramitação do processo

34      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Novembro de 1994, o demandante propôs a presente acção, que foi registada com o número de processo T‑373/94.

35      Por despacho da Primeira Secção alargada de 24 de Janeiro de 1995, o Tribunal suspendeu a instância nos presente processo até à prolação do acórdão Mulder III, n.° 18, supra.

36      Por despacho do presidente da Primeira Secção alargada de 24 de Fevereiro de 1995, o Tribunal ordenou a apensação dos processos T‑372/94 e T‑373/94 aos processos apensos T‑530/93 a T‑533/93, T‑1/94 a T‑4/94, T‑11/94, T‑53/94, T‑71/94, T‑73/94 a T‑76/94, T‑86/94, T‑87/94, T‑91/94, T‑94/94, T‑96/94, T‑101/94 a T‑106/94, T‑118/94 à T‑124/94, T‑130/94 e T‑253/94.

37      Em 30 de Setembro de 1998 realizou‑se no Tribunal uma reunião informal em que participaram os representantes das partes. Nessa reunião, as partes tiveram ocasião de apresentar as suas observações sobre a classificação analítica, efectuada pelo Tribunal, dos processos relativos aos produtores SLOM, que compreendia a categoria «D», respeitante aos produtores SLOM que não obtiveram uma quantidade de referência definitiva ou a quem essa quantidade de referência tenha sido retirada e a quem, por conseguinte, não tenha sido proposta uma indemnização com base no Regulamento n.° 2187/93, de 22 de Julho de 1993, que prevê uma indemnização a favor de determinados produtores de leite ou de produtos lácteos que foram temporariamente impedidos de exercer a sua actividade (JO L 196, p. 6).

38      Em 17 de Janeiro de 2002, teve lugar no Tribunal de Primeira Instância uma segunda reunião informal em que participaram os representantes das partes. As partes chegaram a acordo quanto à escolha de um processo piloto dentro da categoria III dos produtores SLOM e o Tribunal ordenou a suspensão dos outros processos relativos à mesma categoria até à prolação do acórdão no processo piloto a determinar.

39      Por despacho do presidente da Segunda Secção alargada de 27 de Junho de 2002, o Tribunal ordenou que o processo T‑2/94 fosse retirado do conjunto dos processos apensos mencionados no n.° 36 do presente acórdão.

40      Por carta de 25 de Julho de 2002 dirigida ao Tribunal de Primeira Instância, o Conselho e a Comissão propuseram a reabertura do processo T‑373/94 como processo piloto para a categoria III de produtores SLOM. O demandante não apresentou observações a este respeito.

41      Por despacho do presidente da Primeira Secção alargada de 2 de Dezembro de 2002, o Tribunal ordenou a desapensação do processo T‑373/94 dos processos apensos mencionados no n.° 36 do presente acórdão e a cessação da suspensão da instância no processo T‑373/94.

42      Em 5 de Fevereiro de 2003, o demandante apresentou na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância uma petição actualizada em substituição da petição inicial.

43      Por decisão da Secção Plenária de 2 de Julho de 2003, o Tribunal decidiu remeter o presente processo a uma Secção composta por 3 juízes, no caso em apreço, a Primeira Secção.

44      Tendo a composição das secções do Tribunal de Primeira Instância sido modificada no início do novo ano judicial, o juiz relator foi afectado à Quinta Secção, para a qual transitou, em consequência, o presente processo.

45      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo sem proceder previamente a diligências de instrução.

46      Foram ouvidas as alegações e as respostas das partes às questões colocadas pelo Tribunal na audiência que decorreu em 6 de Abril de 2006.

47      O advogado do demandante pediu, na fase oral, que o Tribunal organizasse uma reunião informal no presente processo e nos outros processos a si confiados, a fim de determinar os processos em que foi provada a intenção de retomar a produção de leite no termo do compromisso de não comercialização. A Comissão opôs‑se a esse pedido pelo facto de o objectivo desse processo, que é um processo piloto, consistir na resolução de uma questão de direito concreta e de as provas necessárias em cada processo deverem ser submetidas ao Tribunal segundo a tramitação processual normal.

48      O Tribunal de Primeira Instância decidiu, na fase oral do processo, reservar a sua decisão quanto a esse pedido de organização de uma reunião informal e reabrir, se necessário, a fase oral. Quanto aos outros processos confiados ao advogado do demandante, o Tribunal decidiu que a decisão devia ser tomada no contexto desses processos.

49      O demandante alegou igualmente, na fase oral, que, à luz do acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Outubro de 2004, van den Berg/Conselho e Comissão (C‑164/01 P, Colect., p. I‑10225), o seu pedido de indemnização não tinha prescrito completamente. O Tribunal de Primeira Instância, a pedido do Conselho, concedeu a este último um prazo de três semanas para lhe permitir definir a sua posição e esclarecer se pretendia retirar o seu fundamento relativo à prescrição completa do pedido. A Comissão indicou que partilhava o ponto de vista do Conselho. Os demandados afirmaram que o pedido tinha prescrito parcialmente.

50      Por carta de 4 de Maio de 2006, o Conselho respondeu que retirava a alegação de prescrição no Tribunal de Primeira Instância quanto ao período entre 25 de Setembro de 1988 e 29 de Março de 1989.

51      Por decisão de 15 de Maio de 2006, o presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância decidiu juntar esse documento aos autos e encerrar a fase oral.

 Pedidos das partes

52      O demandante conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        condenar a Comunidade no pagamento de um montante de 5 908,52 euros, acrescido de juros à taxa de 8% ao ano desde 19 de Maio de 1992 até à data do pagamento;

–        condenar a Comunidade nas despesas.

53      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        julgar a acção improcedente;

–        condenar o demandante nas despesas.

54      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

–        julgar a acção improcedente;

–        condenar o demandante nas despesas.

 Questão de direito

55      O demandante alega que estão reunidos os pressupostos da responsabilidade da Comunidade e que não se pode julgar procedente a prescrição parcial do seu pedido invocada pelo Conselho.

56      O Tribunal considera que, no caso vertente, o exame da questão da prescrição exige que previamente se determine se existe responsabilidade da Comunidade nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 288.°, segundo parágrafo, CE) e, em caso afirmativo, até que data (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Bouma, n.° 19, supra, n.° 28; Beusmans, n.° 19, supra, n.° 27, e de 7 de Fevereiro de 2002, Gosch/Comissão, T‑199/94, Colect., p. II‑391, n.° 40).

 Argumentos das partes

57      O demandante contesta a posição dos demandados de que os produtores SLOM I a quem, como ele, foi retirada a respectiva quota, podem pedir uma indemnização pelo período até 1 de Abril de 1989 se demonstrarem que tinham tomado medidas concretas no termo do seu compromisso SLOM para retomarem a produção.

58      O demandante considera que tal exigência de prova não é válida, dado que, por um lado, não se baseia nos elementos de facto específicos dos produtores SLOM I e, por outro, se traduz numa discriminação ilícita dos produtores SLOM I a quem foi retirada a respectiva quota em relação aos produtores SLOM I que beneficiam de uma quota definitiva.

59      Observa que a exigência imposta pelos demandados está relacionada com a argumentação desenvolvida pelo Tribunal de Primeira Instância nos acórdãos Bouma, n.° 19, supra, e Beusmans, n.° 19, supra, mas considera que esta não deve ser transposta para a situação dos produtores SLOM I, na medida em que a razão pela qual o Tribunal considerou, nesses acórdãos, que os produtores em causa deviam provar a sua intenção de retomar a produção leiteira na sequência do compromisso SLOM que assumiram se prendia com o facto de o compromisso SLOM expirar no decurso do ano de referência, a saber, 1983.

60      Segundo o demandante, os produtores SLOM que, como ele, subscreveram compromissos de não comercialização que expiravam após o final do ano de referência encontravam‑se numa situação fundamentalmente diferente da dos produtores SLOM II, como os demandantes nos processos que deram lugar aos acórdãos Bouma, n.° 19 supra, e Beusmans, n.° 19, supra. Assim, visto que, no final do ano de referência, a saber 1983, ainda faltavam 17 meses para expirar o seu compromisso de não comercialização, não seria razoável exigir‑lhe que provasse, para demonstrar a responsabilidade da Comunidade, que tinha tomado medidas concretas durante o ano de referência para retomar a produção leiteira depois de o seu compromisso de não comercialização ter cessado.

61      O demandante acrescenta que, a partir de 1 de Abril de 1989, todos os produtores SLOM sabiam que estavam excluídos do regime de quotas e que, nessas circunstâncias, não teria sido razoável fazer investimentos tendo em vista a retoma da produção leiteira, dado que estava claro que essa produção leiteira não podia ser retomada. O mesmo vale no que respeita à exigência de prova relativamente a um pedido de concessão de uma quantidade de referência após o termo do compromisso de não comercialização, no caso vertente, em 1985, visto que se sabia que tal pedido seria pura e simplesmente indeferido, à semelhança dos pedidos apresentados pelos produtores SLOM. Além disso, as autoridades competentes indicaram em 1985 aos produtores SLOM que não havia qualquer perspectiva realista de ser atribuída uma quantidade de referência aos que se encontrassem na situação do demandante.

62      Deste modo, o demandante considera que, tendo em conta essas circunstâncias, a exigência da prova de que um produtor SLOM I tomou medidas concretas tendo em vista retomar a produção leiteira após o seu compromisso de não comercialização ter cessado nunca foi formulada nem pelo Tribunal de Justiça nem pelos demandados.

63      A este respeito, o demandante refere o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2202, Rudolph/Conselho e Comissão (T‑187/94, Colect., p. II‑367), em que este último considerou, no n.° 47, que a demandante em causa nesse processo, cujo compromisso de não comercialização tinha terminado em 31 de Março de 1985, ou seja, depois da entrada em vigor do regime das quotas leiteiras, não tinha de demonstrar, a fim de fundamentar o seu direito a ressarcimento, que tinha a intenção de retomar a produção de leite na sequência do termo deste compromisso, uma vez que, a partir da entrada em vigor desse regime, a manifestação dessa intenção se tornou impossível na prática.

64      O Conselho e a Comissão consideram que os pressupostos da responsabilidade extracontratual da Comunidade não estão preenchidas no caso em apreço, pelo que a acção deve ser julgada improcedente.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

65      Importa recordar que, segundo a jurisprudência, a responsabilidade extracontratual da Comunidade por danos causados pelas instituições, prevista no artigo 215.°, segundo parágrafo, do tratado CE, só existe se estiver reunido um conjunto de condições, no que toca à ilegalidade do comportamento imputado, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e o prejuízo invocado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1971, Lütticke/Comissão, 4/69, Colect., p. 111, n.° 10, e de 17 de Dezembro de 1981, Ludwigshafener Walzmühle e o./Conselho e Comissão, 197/80 a 200/80, 243/80, 245/80 e 247/80, Recueil, p. 3211, n.° 18; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T‑481/93 e T‑484/93, Colect., p. I‑2941, n.° 80; Bouma, n.° 19, supra, n.° 39, e Beusmans, n.° 19, supra, n.° 38, confirmados pelo acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, n.° 43, e acórdão Gosch/Comissão, n.° 56, supra, n.° 41).

66      No que toca à situação dos produtores de leite que subscreveram um compromisso de não comercialização, existe responsabilidade da Comunidade face a cada produtor que tenha sofrido um dano pelo facto de ter sido impedido de entregar leite por força do Regulamento n.° 857/84 (acórdão Mulder II, n.° 15, supra, n.° 22). Esta responsabilidade funda‑se na violação do princípio da protecção da confiança legítima (acórdãos Bouma, n.° 19, supra, n.° 40, e Beusmans, n.° 19, supra, n.° 39, confirmados pelo acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, n.os 45 a 47, e acórdão Gosch/Comissão, n.° 56, supra, n.° 42).

67      Todavia, este princípio só pode ser invocado contra uma regulamentação comunitária se a própria Comunidade tiver previamente criado uma situação susceptível de gerar uma confiança legítima (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 1992, Kühn, C‑177/90, Colect., p. I‑35, n.° 14; acórdãos Bouma, n.° 19, supra, n.° 40, e Beusmans, n.° 19, supra, n.° 40, confirmados pelo acórdão Bouma e Beusmans, n.° 26, supra, n.os 45 a 47, e acórdão Gosch/Comissão, n.° 56, supra, n.° 43).

68      Assim, um operador que tenha sido incentivado, por um acto da Comunidade, a suspender a comercialização de leite, por um período limitado, no interesse geral e em contrapartida do pagamento de um prémio, pode legitimamente esperar não ficar sujeito, no fim do seu compromisso, a restrições que o afectem de forma específica precisamente por ter utilizado as possibilidades oferecidas pela regulamentação comunitária (acórdãos Mulder I, n.° 6, supra, n.° 24, e von Deetzen, n.° 6, supra, já referido, n.° 13). Em contrapartida, o princípio da protecção da confiança legítima não se opõe a que, sob um regime como o da imposição suplementar, sejam impostas a um produtor restrições pelo facto de não ter comercializado leite, ou de apenas ter comercializado uma quantidade reduzida, durante determinado período anterior à entrada em vigor do referido regime, na sequência de uma decisão por ele livremente tomada, sem a tal ter sido incentivado por um acto comunitário (acórdãos Kühn, n.° 67, supra, n.° 15; Bouma, n.° 19, supra, n.° 42, e Beusmans, n.° 19, supra, n.° 41, confirmados pelo acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, n.os 45 a 47, e acórdão Gosch/Comissão, n.° 56, supra, n.° 44).

69      Além disso, resulta do acórdão Spagl, n.° 13, supra, que a Comunidade não podia, sem violar o princípio da protecção da confiança legítima, excluir automaticamente da concessão das quotas todos os produtores cujos compromissos de não comercialização ou de reconversão tinham terminado em 1983, nomeadamente aqueles que, à semelhança de K. Spagl, não tinham podido retomar a produção de leite por razões ligadas ao seu compromisso (acórdãos Bouma, n.° 19, supra, n.° 43, e Beusmans, n.° 19, supra, n.° 42, confirmados pelo acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, n.° 53, e acórdão Gosch/Comissão, n.° 56, supra, n.° 45). O Tribunal de Justiça, no n.° 13 desse acórdão, considerou o seguinte:

«[O] legislador comunitário pode validamente fixar um termo ao período de não comercialização ou de reconversão dos interessados, destinado a excluir do benefício [das disposições relativas à concessão de uma quantidade de referência específica] aqueles produtores que não entregarem leite durante todo ou parte do ano de referência em causa por razões alheias a um compromisso de não comercialização ou de reconversão. Em contrapartida, o princípio [da protecção] da confiança legítima, conforme interpretado pela jurisprudência já referida, obsta a que um termo desse género seja fixado de forma a também excluir do benefício [das referidas disposições] os produtores cuja não entrega de leite durante todo ou parte do ano de referência seja consequência da execução de um compromisso assumido nos termos do Regulamento n.° 1078/77.»

70      É, assim, razoável inferir desse acórdão que os produtores cujo compromisso terminou em 1983 só podem utilmente fundar o seu pedido de indemnização na violação do princípio da protecção da confiança legítima se demonstrarem que as razões pelas quais não retomaram a produção de leite durante o ano de referência se prendem com o facto de terem parado essa produção durante um certo tempo e de lhes ser impossível, por motivos de organização da referida produção, retomá‑la imediatamente (acórdãos Bouma, n.° 19, supra, n.° 45, e Beusmans, n.°192, supra, n.° 44, confirmados pelo acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, n.os 62 e 63, e acórdão Gosch/Comissão, n.° 56, supra, n.° 47).

71      Além disso, resulta do acórdão Mulder II, n.° 15, supra (n.° 23), que a responsabilidade da Comunidade está subordinada à condição de os produtores que assumiram um compromisso de não comercialização terem claramente manifestado a sua intenção de retomar a produção de leite no termo desse compromisso. Com efeito, nos termos dos acórdãos Bouma, n.° 19, supra (n.° 46) e Beusmans, n.° 19, supra (n.° 45), para que a ilegalidade que levou à declaração de invalidade dos regulamentos na origem da situação dos produtores SLOM lhes possa dar direito a uma indemnização, estes devem ter sido impedidos de retomar a produção de leite devido à entrada em vigor do regime da imposição suplementar.

72      Se um produtor não tiver manifestado esta intenção, não pode alegar que depositou confiança legítima na possibilidade de retomar a produção de leite em qualquer altura no futuro. Nestas circunstâncias, a sua posição não é diferente da dos operadores económicos que não produziam leite e que, depois da introdução, em 1984, do regime das quotas leiteiras, se viram impedidos de iniciar tal produção. Com efeito, é jurisprudência constante que, no domínio das organizações comuns de mercado, cujo objecto comporta uma constante adaptação em função das variações da situação económica, os operadores económicos não podem depositar uma confiança legítima no facto de que não ficarão sujeitos a restrições decorrentes de eventuais normas relativas à política dos mercados ou das estruturas (v. acórdãos Bouma, n.° 19, supra, n.° 47, e Beusmans, n.° 19, supra, n.° 46, e jurisprudência referida, confirmados pelo acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, n.os  99 a 102, e acórdão Gosch/Comissão, n.° 56, supra, n.° 49).

73      Quanto aos produtores cujo compromisso de não comercialização terminou depois da entrada em vigor do regime de imposição suplementar, o Tribunal de Justiça inferiu das acções empreendidas pelos produtores no processo Mulder II e descritas na primeira frase do n.° 23 do acórdão Mulder II, n.° 15, supra, isto é, o pedido, antes do termo do compromisso de não comercialização, de atribuição de uma quantidade de referência nos termos do regime da imposição suplementar e a retoma da comercialização do leite o mais tardar imediatamente após terem obtido uma quantidade de referência específica nos termos do Regulamento n.° 764/89, que estes produtores tinham manifestado de modo adequado a sua intenção de retomar a actividade de produtor de leite. Concluiu deste facto que a perda de rendimentos provenientes de entregas de leite não podia ser considerada a consequência de um abandono da produção leiteira livremente decidido pelos demandantes (acórdão Bouma e Beusmans, n.° 23, supra, n.° 88).

74      No caso vertente, é ponto assente que o demandante assumiu um compromisso de não comercialização que terminou em 24 de Maio de 1985, isto é, depois da entrada em vigor do regime da imposição suplementar.

75      A este respeito, importa observar, em primeiro lugar, que o demandante não pediu, à semelhança dos produtores em causa no processo que deu lugar ao acórdão Mulder II, n.° 15, supra, cujo compromisso de não comercialização terminava igualmente depois da entrada em vigor do regime da imposição suplementar, a atribuição de uma quantidade de referência ao abrigo desse regime antes do termo do seu compromisso de não comercialização. Além disso, o demandante tampouco fez esse pedido imediatamente depois do fim do período abrangido por esse compromisso.

76      Em segundo lugar, é igualmente ponto assente que o demandante, contrariamente aos produtores em causa no processo que deu lugar ao acórdão Mulder II, n.° 15, supra, não retomou a comercialização de leite imediatamente após ter obtido uma quantidade de referência específica ao abrigo do Regulamento n.° 764/89 sobre a exploração SLOM inicial.

77      Desde logo, resulta efectivamente dos autos que na sequência da adopção do Regulamento n.° 764/89 o demandante pediu a atribuição de uma quantidade de referência específica que lhe foi concedida em 21 de Julho de 1989. A quantidade de referência definitiva, que lhe foi concedida em 31 de Outubro de 1990, foi‑lhe porém retirada por decisão do Ministério da Agricultura, da Gestão da Natureza e das Pescas, de 11 de Outubro de 1991, pelo facto de «[ter] resulta[do] de um inquérito efectuado pelo serviço de inspecção geral do [referido] Ministério que o [demandante] não [preenchia] as condições dessa atribuição definitiva», uma vez que não produzia «na [sua] exploração SLOM inicial o leite a que se refere a Beschikking Superheffing SLOM‑deelnemers».

78      Seguidamente, por acórdão de 16 de Janeiro de 1997, foi negado provimento ao recurso dessa decisão interposto no College van Beroep voor het Bedrijfsleven, dado que, designadamente, «[a]s unidades de produção da exploração SLOM inicial não [estavam] […] envolvidas na retoma da produção leiteira de uma forma que [permitisse] considerar que o recorrente [tinha] retom[ado] essa produção a partir da exploração SLOM inicial».

79      Além disso, decorre igualmente do acórdão de 16 de Janeiro de 1997 do College van Beroep voor het Bedrijfsleven que «[a] decisão do recorrente de não recorrer à exploração SLOM inicial para produzir a quantidade correspondente à quota SLOM provisoriamente atribuída, dado que a sua mulher tinha uma exploração leiteira na referida exploração SLOM, deve ser considerada uma decisão de gestão cujas consequências devem ser suportadas pelo recorrente».

80      Como sublinha o Conselho, a produção não podia ser retomada na exploração SLOM original uma vez que esta era utilizada pela esposa do demandante como exploração leiteira, o que significa que o demandante deu uma afectação nova à referida exploração.

81      Por fim, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, resulta de uma leitura conjugada das disposições do artigo 3.°‑A, n.° 1, do Regulamento n.° 857/84, alterado pelo Regulamento n.° 764/89, e do artigo 3.°‑A, n.° 1, do Regulamento n.° 1546/88 da Comissão, de 3 de Junho de 1988, que fixa as regras de execução da imposição suplementar referida no artigo 5.°‑C do Regulamento n.° 804/68 do Conselho (JO L 139, p. 12), alterado pelo Regulamento n.° 1033/89, relativos às condições de atribuição de uma quantidade de referência específica, que a produção leiteira deve ser feita a partir da exploração SLOM inicial (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 1992, O’Brien, C‑86/90, Colect., p. I‑6251, n.os 11 e 12; de 27 de Janeiro de 1994, Herbrink, C‑98/91, Colect., p. I‑223, n.os 12 e 13, e van den Berg/Conselho e Comissão, n.° 49 supra, n.° 71).

82      Como acertadamente observa o Conselho, a partir do momento em que, na sequência do acórdão Mulder I, n.° 6, supra, adoptou novos regulamentos que permitiram conceder uma quantidade de referência aos produtores SLOM, a Comunidade foi obrigada a limitar essa concessão aos produtores que a podiam realmente reclamar, a saber, os que tinham tido efectivamente a intenção de retomar a produção de leite no termo do compromisso de não comercialização, e a excluir os produtores que não tinham tido essa intenção e que se encontravam, assim, na mesma situação dos outros agricultores que não produziram leite durante o ano de referência e que não puderam, pois, obter uma quantidade de referência no momento da introdução do regime de imposição suplementar.

83      Neste sentido, o segundo considerando do Regulamento n.° 764/89 esclarece que «esses produtores só podem no entanto aspirar a tais atribuições se satisfizerem determinados critérios de elegibilidade, comprovando assim a sua intenção e as suas possibilidades reais de retomar a produção leiteira e a impossibilidade em que se encontraram de obter a atribuição de uma quantidade de referência por força do n.° 2 do Regulamento […] n.° 857/84».

84      Tendo em consideração o conjunto dos elementos mencionados nos n.os 74 a 83 do presente acórdão, examinados à luz do acórdão Mulder II, n.° 15, supra, importa pois observar que, na medida em que a quantidade de referência definitiva que o demandante obteve lhe foi retirada precisamente pelo facto de não cumprir as condições previstas no Regulamento n.° 857/84, na redacção dada pelo Regulamento n.° 764/89, para ter direito a essa quantidade de referência e, em especial, por não produzir leite na exploração SLOM inicial, a não comercialização de leite na sequência do compromisso que assumiu não se deve, visto o demandante não ter feito qualquer prova da sua intenção de retomar a produção de leite, à entrada em vigor do regime de imposição suplementar.

85      Quanto a este aspecto, importa salientar, como observou o advogado‑geral W. Van Gerven no n.° 30 das suas conclusões relativas ao acórdão Mulder II, n.° 15, supra, que a Comunidade pode presumir, relativamente aos produtores de leite cujo compromisso de não comercialização terminou depois da entrada em vigor do regime de imposição suplementar e que pediram uma quantidade de referência específica no âmbito do Regulamento n.° 764/89, mas que não a obtiveram por não satisfizeram as condições enunciadas nesse regulamento que, salvo prova em contrário desses produtores, eles não teriam podido obter uma quantidade de referência se o Regulamento n.° 857/84 o tivesse previsto, pelo que se encontram na mesma posição dos produtores SLOM que nunca pediram uma quantidade de referência.

86      Esta presunção deve igualmente aplicar‑se aos produtores que, como o demandante, obtiveram uma quantidade de referência específica no âmbito do Regulamento n.° 764/89, que lhes foi retirada por não preencherem todos os requisitos aí enunciados.

87      Esta análise está em conformidade com a interpretação do Tribunal de Justiça dos pressupostos da responsabilidade extracontratual da Comunidade em razão da introdução em 1984 do regime de imposição suplementar, que, como salientado na jurisprudência referida nos n.os 66 a 72 do presente acórdão, apenas existe relativamente aos produtores que cessaram temporariamente a produção de leite e cuja retoma foi impedida em razão, precisamente, da entrada em vigor do regime de imposição suplementar. Em contrapartida, a recusa de indemnizar os produtores que não retomaram a produção de leite no termo do compromisso de não comercialização por razões diferentes da entrada em vigor do referido regime justifica‑se pela necessidade de os impedir de pedirem a atribuição de uma quantidade de referência específica não com a finalidade de retomarem a comercialização de leite de modo duradouro, mas sim de retirarem dessa atribuição uma vantagem meramente financeira, invocando o valor comercial entretanto adquirido pelas quantidades de referência (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1991, von Deetzen, C‑44/89, Colect., p. I‑5119, n.° 24).

88      Assim, cabe aos produtores que, à semelhança do demandante, cessaram a comercialização do leite no quadro do Regulamento n.° 764/89 e pediram uma quantidade de referência específica na sequência da adopção do Regulamento n.° 764/89, demonstrar que, no termo do seu compromisso de não comercialização, tinham a intenção de retomar a produção de leite.

89      Relativamente a este ponto e contrariamente ao alegado pelo demandante, o acórdão Rudolph/Conselho e Comissão, n.° 63, supra, e em particular o seu n.° 47, não pode ser interpretado no sentido de que se deixa de exigir a prova da intenção de o demandante retomar a produção de leite após o termo do compromisso de não comercialização.

90      Esse acórdão só pode ser lido à luz dos seus próprios factos. Assim, T. Rudolph, uma produtora de leite que tinha assumido, no quadro do Regulamento n.° 1078/77, um compromisso de não comercialização, que tinha expirado em 31 de Março de 1985, tinha obtido, na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.° 764/89, uma quantidade de referência específica que lhe permitia retomar a produção de leite.

91      O acórdão Rudolph/Conselho e Comissão, n.° 63, supra (n.° 47), deve, pois, ser lido no sentido de que continua a ser necessária a prova da intenção de retomar a produção de leite no termo do compromisso de não comercialização, mas que se considera feita essa prova quando os produtores cujo compromisso de não comercialização terminou depois da entrada em vigor do regime de imposição suplementar demonstrem que preenchem os requisitos exigidos pela regulamentação aplicável que lhes permitam retomar a produção de leite pedindo e conservando uma quantidade de referência específica para efeitos de uma retoma da actividade de produtor de leite.

92      Ora, no caso vertente, em primeiro lugar, foi retirada ao demandante a quantidade de referência específica que lhe tinha sido acordada na sequência da adopção do Regulamento n.° 764/89, pelo facto de não satisfazer as condições a que a regulamentação comunitária submetia a atribuição dessa quantidade de referência.

93      Em segundo lugar, só na fase oral é que o demandante apresentou um conjunto de documentos de que ainda dispunha e que podiam ser postos à disposição do Tribunal de Primeira Instância no quadro de uma reunião informal cuja realização propôs ao Tribunal a fim de analisar esses documentos, que se destinariam a demonstrar que o seu filho, que tinha 17 anos em 1985, tinha seguido uma formação profissional tendo em vista exercer a profissão de produtor leiteiro e retomar, desse modo, a actividade do pai, visto que este estava próximo da reforma. Além disso, invocou a possibilidade de o seu contabilista fazer uma declaração para efeitos de confirmar a intenção do demandante de retomar a produção de leite.

94      Ora, pese embora o facto de a formação profissional e de a declaração acima referidas poderem constituir diligências do produtor reveladoras da sua intenção de produzir leite no termo do seu compromisso de não comercialização, há que observar que as afirmações relativas a essas diligências só foram feitas na audiência, quando os documentos alegadamente em seu apoio podiam ter sido incluídos nos autos no âmbito da fase escrita. Por conseguinte, o pedido do demandante de organização pelo Tribunal de Primeira Instância de uma reunião informal destinada à inclusão nos autos e à análise desses documentos deve ser indeferido.

95      Por último, como observado pelo Conselho, também não foi feita qualquer prova destinada a demonstrar eventualmente que as razões que impediram o recorrente de retomar a produção nas condições previstas no Regulamento n.° 764/89 não existiam no termo do compromisso de não comercialização e que não teriam constituído um obstáculo a essa retoma.

96      Face ao exposto, verifica‑se que o demandante não demonstrou que, em conformidade com os princípios acima recordados, tinha a intenção de retomar a produção de leite no termo do seu compromisso de não comercialização.

97      Verifica‑se igualmente que não pode ser acolhido o argumento do demandante segundo o qual existe uma discriminação entre os produtores de leite consoante pertençam à categoria de produtores SLOM I aos quais foi retirada a quantidade de referência específica, ou à categoria de produtores SLOM I que dispõem de uma quantidade de referência específica definitiva, dado que existe uma diferença objectiva entre essas duas categorias de produtores, de modo que não deviam ser tratadas da mesma forma.

98      Com efeito, segundo jurisprudência constante, o princípio da não discriminação impõe que situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, excepto se esse tratamento for objectivamente justificado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Recueil, p. 2171, n.° 22, e de 25 de Novembro de 1986, Klensch e o., 201/85 e 202/85, Colect., p. 3477, n.° 9; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Julho de 1995, O’Dwyer e o./Conselho, T‑466/93, T‑469/93, T‑473/93, T‑474/93 e T‑477/93, Colect., p. II‑2071 n.° 113, e de 14 de Julho de 1998, Hauer/Conselho e Comissão, T‑119/95, Colect., p. II‑2713, n.° 63).

99      Resulta de todas as considerações precedentes que o demandante não demonstrou o nexo de causalidade entre o Regulamento n.° 857/84 e o prejuízo invocado. Consequentemente, há que concluir que não existe responsabilidade da Comunidade em relação ao demandante pela aplicação do Regulamento n.° 857/84, sem que seja necessário verificar se estão reunidos os outros pressupostos dessa responsabilidade.

100    Por conseguinte, também não há que examinar a questão da prescrição.

101    Daí resulta que há que julgar a acção improcedente.

 Quanto às despesas

102    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho e a Comissão pedido a condenação do demandante e tendo este sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      A acção é julgada improcedente.

2)      R. W. Werners é condenado nas despesas.

Vilaras

Martins Ribeiro

Jürimäe

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de Dezembro de 2006.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

       M. Vilaras


* Língua do processo: neerlandês.