Language of document : ECLI:EU:T:2012:142

Processos apensos T‑439/10 e T‑440/10

Fulmen e Mahmoudian

contra

Conselho da União Europeia

«Política externa e de segurança comum ― Medidas restritivas tomadas contra a República Islâmica do Irão para impedir a proliferação nuclear ― Congelamento de fundos ― Recurso de anulação ― Dever de fundamentação ― Direitos de defesa ― Direito a uma proteção jurisdicional efetiva ― Erro de apreciação ― Ónus e grau da prova»

Sumário do acórdão

1.      Tramitação processual ― Decisão ou regulamento que substitui o ato impugnado no decurso da instância ― Elemento novo ― Extensão dos pedidos e fundamentos iniciais

2.      Atos das instituições ― Fundamentação ― Dever ― Alcance ― Medidas restritivas contra o Irão ― Congelamento dos fundos de pessoas, entidades ou organismos implicados ou prestando apoio à proliferação nuclear ― Requisitos mínimos

(Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE; Regulamentos do Conselho n.° 423/2007, artigo 15.°, n.° 3, e n.° 961/2010, artigos 16.°, n.° 2, e 36.°, n.° 3; Decisão 2010/413 do Conselho, artigo 24.°, n.° 3)

3.      Direito da União ― Princípios ― Direitos de defesa ― Direito a uma proteção jurisdicional efetiva ― Medidas restritivas contra o Irão ― Congelamento dos fundos de pessoas, entidades ou organismos implicados ou prestando apoio à proliferação nuclear ― Obrigação de comunicar as razões individuais e específicas justificativas das decisões tomadas ― Alcance

(Regulamentos do Conselho n.° 423/2007, artigos 7.°, n.° 2, e 15.°, n.° 3, e n.° 668/2010; Decisão 2010/413 do Conselho, artigo 24.°, n.° 3)

4.      União Europeia ― Política externa e de segurança comum ― Medidas restritivas contra o Irão ― Respeito dos direitos de defesa ― Fiscalização jurisdicional

(Regulamentos do Conselho n.° 423/2007, artigo 15.°, n.° 3, e n.° 961/2010, artigo 36.°, n.os 3 e 4; Decisão 2010/413 do Conselho, artigo 24.°, n.os 3 e 4)

5.      Direito da União ― Princípios ― Direitos de defesa ― Medidas restritivas contra o Irão ― Congelamento dos fundos de pessoas, entidades ou organismos implicados ou prestando apoio à proliferação nuclear ― Obrigação de comunicação dos factos imputados ― Alcance

(Regulamento n.° 668/2010 do Conselho; Decisão 2010/413 do Conselho)

6.      Direito da União ― Princípios ― Direito a uma proteção jurisdicional efetiva ― Medidas restritivas contra o Irão ― Congelamento dos fundos de pessoas, entidades ou organismos implicados ou prestando apoio à proliferação nuclear ― Obrigação de comunicar os fundamentos das medidas restritivas ― Alcance

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47; Regulamento n.° 668/2010 do Conselho; Decisão 2010/413 do Conselho)

7.      União Europeia ― Política externa e de segurança comum ― Medidas restritivas contra o Irão ― Congelamento de fundos ― Fiscalização jurisdicional da legalidade ― Alcance

(Regulamento n.° 668/2010 do Conselho; Decisão 2010/413 do Conselho, artigo 23.°, n.° 2)

8.      Recurso de anulação ― Acórdão de anulação ― Efeitos ― Anulação parcial de um regulamento e de uma decisão relativa à adoção de medidas restritivas contra o Irão ― Produção de efeitos da anulação do regulamento a contar da expiração do prazo recurso ou de indeferimento do mesmo ― Aplicação deste prazo produção de efeitos da decisão

(Artigos 264.°, segundo parágrafo, TFUE e 280.° TFUE; Estatuto do Tribunal de Justiça, artigos 56.°, primeiro parágrafo, e 60.°, segundo parágrafo; Regulamento n.° 961/2010 do Conselho; Decisão 2010/413 do Conselho, conforme alterada pela Decisão 2010/644)

1.      Quando uma decisão ou um regulamento que dizem direta e individualmente respeito a um particular são, no decurso do processo, substituídos por um ato com o mesmo objeto, este deve ser considerado um elemento novo suscetível de permitir ao recorrente adaptar os seus pedidos e fundamentos. Com efeito, seria contrário a uma boa administração da justiça e às exigências de economia processual obrigar o recorrente a interpor novo recurso. Além disso, seria injusto que a instituição em causa pudesse, para fazer face às críticas contidas numa petição apresentada ao juiz da União contra um ato, adaptar o ato impugnado ou substituí‑lo por outro e, no decurso da instância, invocar essa modificação ou substituição para privar a outra parte da possibilidade de tornar os seus pedidos e fundamentos iniciais extensivos ao ato ulterior ou de apresentar pedidos e fundamentos suplementares contra este.

(cf. n.° 37)

2.      A menos que considerações imperiosas relacionadas com a segurança da União ou dos seus Estados‑Membros ou a condução das suas relações internacionais se oponham à comunicação de certos elementos, o Conselho deve, por força do artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão, e do artigo 36.°, n.° 3, do Regulamento n.° 961/2010, que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga o Regulamento n.° 423/2007, dar a conhecer à entidade visada por uma medida adotada, segundo os casos, nos termos do artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007 ou do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento n.° 961/2010, as razões específicas e concretas pelas quais considera que essa disposição é aplicável ao interessado. Assim, deve mencionar os elementos de facto e de direito de que depende a justificação legal da medida e as considerações que o levaram a tomá‑la.

Por outro lado, a fundamentação deve ser adaptada à natureza do ato em causa e ao contexto em que o mesmo foi adotado. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta ou individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que o caráter suficiente de uma fundamentação deve ser apreciado à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa. Em especial, um ato lesivo está suficientemente fundamentado desde que tenha ocorrido num contexto conhecido do interessado, que lhe permita compreender o alcance da medida adotada a seu respeito.

(cf. n.os 49‑50)

3.      O artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão, em vigor no momento da adoção do Regulamento n.° 668/2010, que dá execução ao n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 423/2007, obrigava o Conselho a indicar os motivos individuais e específicos das decisões tomadas ao abrigo do n.° 2 do artigo 7.° do referido regulamento e dar deles conhecimento às pessoas, entidades e organismos em questão. No artigo 24.°, n.° 3, da Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão, figura uma disposição análoga.

Embora, em princípio, o Conselho deva cumprir a obrigação prevista no artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007 através de comunicação individual, a referida disposição não prevê nenhuma forma precisa, uma vez que apenas menciona a obrigação de «dar conhecimento» ao interessado dos motivos da sua inscrição nas listas controvertidas. Nestas circunstâncias, é necessário que tenha sido dado um efeito útil às disposições em causa.

É o caso quando, não obstante a falta de comunicação individual, o destinatário pôde comunicar as suas observações relativamente à adoção das medidas restritivas a seu respeito ao Conselho, no prazo fixado para esse efeito e de interpor, nos prazos previstos, um recurso de anulação dos atos em causa para o juiz da União.

(cf. n.os 64‑66, 68)

4.      O artigo 24.°, n.os 3 e 4, da Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão, o artigo 15.°, n.° 3, do Regulamento n.° 423/2007, que impõe medidas restritivas contra o Irão, e o artigo 36.°, n.os 3 e 4, do Regulamento n.° 961/2010, que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga o Regulamento n.° 423/2007, preveem disposições que garantem os direitos de defesa das entidades objeto de medidas restritivas adotadas em virtude destes diplomas. O respeito destes direitos é objeto de fiscalização pelo juiz da União. Nestas circunstâncias o princípio do respeito dos direitos de defesa pode ser invocado pelas referidas entidades no âmbito de um recurso de anulação dos atos impugnados.

(cf. n.os 77‑78)

5.      No que respeita a um primeiro ato pelo qual os fundos de uma entidade são congelados, como a Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão, e o Regulamento n.° 668/2010, que dá execução ao n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 423/2007, a comunicação dos factos que lhe são imputados deve ocorrer concomitantemente à adoção do ato em causa ou logo que possível após a referida adoção. Uma vez adotado o ato, mediante pedido da entidade em causa, esta tem igualmente o direito de fazer valer o seu ponto de vista a respeito destes factos.

Quanto ao conteúdo da comunicação dos factos imputados, quando o Conselho indicar, a pedido da entidade interessada, que o respetivo processo apenas contém os factos apresentados nos atos impugnados, esta indicação não é constitutiva de uma violação dos seus direitos de defesa da mesma. Com efeito, ao proceder desta forma o Conselho não tornou mais difícil a defesa da entidade interessada ao ocultar a existência ou o conteúdo de elementos em que se baseavam as suas alegações. Pelo contrário, ao admitir que não existia nenhum elemento pertinente suplementar no seu processo, permitiu à referida entidade invocar esta circunstância em apoio do seu recurso de anulação dos atos impugnados.

(cf. n.os 80, 82‑84)

6.      O princípio da proteção jurisdicional efetiva constitui um princípio geral do direito da União, que decorre das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros e que foi consagrado pelos artigos 6.° e 13.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem bem como pelo artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A eficácia da fiscalização jurisdicional implica que a autoridade da União em causa está obrigada a comunicar à entidade interessada os fundamentos de uma medida restritiva, como é o caso da Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão, e do Regulamento n.° 668/2010, que dá execução ao n.° 2 do artigo 7.° do Regulamento n.° 423/2007, na medida do possível, no momento em que a referida medida é adotada ou, pelo menos, logo que possível após ter sido adotada, a fim de permitir à referida entidade o exercício, dentro dos prazos, do seu direito de recurso. O respeito desta obrigação de comunicar os referidos fundamentos é de facto necessário, tanto para permitir aos destinatários das medidas restritivas defenderem os seus direitos nas melhores condições possíveis e decidirem com pleno conhecimento de causa se é útil recorrer ao juiz da União como para permitir a este último exercer plenamente a fiscalização da legalidade do ato em causa que lhe incumbe.

(cf. n.° 87)

7.      A fiscalização jurisdicional da legalidade de um ato que adota medidas restritivas contra uma entidade abrange a apreciação dos factos e das circunstâncias invocados para o justificar, bem como a verificação dos elementos de prova e de informação em que assenta essa apreciação. Em caso de contestação, incumbe ao Conselho apresentar esses elementos com vista à sua fiscalização pelo juiz da União. Assim, a fiscalização da legalidade que deve ser exercida no caso vertente não está limitada à verificação da «verosimilhança» abstrata dos fundamentos invocados, devendo incluir a questão de saber se estes se apoiam, de forma suficiente, em elementos de prova e de informação concretos.

A este propósito, o ato impugnado, adotado por proposta de um Estado‑Membro, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 23.°, n.° 2, da Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão, é um ato do Conselho. Este deve portanto certificar‑se de que a sua adoção se justifica, se necessário pedindo ao Estado‑Membro em causa para lhe apresentar os elementos de prova e de informação necessários para esse fim.

Por outro lado, tendo em conta o papel essencial da fiscalização jurisdicional no contexto da adoção de medidas restritivas, o juiz da União deve poder fiscalizar a legalidade e a justeza dessas medidas, sem que lhe possam ser opostos o segredo ou a confidencialidade dos elementos de prova e de informação utilizados pelo Conselho. Por outro lado, o Conselho não tem o direito de basear um ato que adota medidas restritivas em informações ou elementos do processo comunicados por um Estado‑Membro, se esse Estado‑Membro não estiver disposto a autorizar a sua comunicação à jurisdição da União incumbida de fiscalizar a legalidade dessa decisão.

Por fim, o Conselho considera erradamente que a prova da implicação de uma entidade na proliferação nuclear não lhe é exigível, tendo em conta a natureza clandestina dos comportamentos em causa. Com efeito por um lado, o simples facto de a adoção das medidas restritivas ser proposta ao abrigo do artigo 23.°, n.° 2, da Decisão 2010/413 pressupõe que o Estado‑Membro em causa ou o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, consoante o caso, dispõe de provas ou de elementos de informação que demonstram, em seu entender, que a entidade em causa está implicada na proliferação nuclear. Por outro lado, as dificuldades eventualmente encontradas pelo Conselho quando tenta provar essa implicação podem, sendo caso disso, ter um impacto no nível de prova que lhe é exigido. Em contrapartida, tais dificuldades não podem ter como consequência dispensar totalmente o Conselho do ónus da prova que lhe incumbe.

(cf. n.os 96‑97, 99‑101)

8.      Por força do artigo 60.°, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, em derrogação do disposto no artigo 280.° TFUE, as decisões do Tribunal Geral que anulem um regulamento só produzem efeitos depois de expirado o prazo referido no primeiro parágrafo do artigo 56.° do referido estatuto ou, se tiver sido interposto recurso dentro desse prazo, a contar do indeferimento deste. O Conselho dispõe pois do prazo de dois meses, acrescido de uma dilação de dez dias em razão da distância, a contar da notificação do presente acórdão, para pôr cobro à violação verificada adotando, se for caso disso, novas medidas restritivas a respeito das entidades interessadas. Ora, o risco de que a eficácia das medidas restritivas impostas pelo Regulamento n.° 961/2010, que impõe medidas restritivas contra o Irão e revoga o Regulamento n.° 423/2007, fique séria e irreversivelmente comprometida não se afigura suficientemente elevado, tendo em conta a incidência importante destas medidas nos direitos e nas liberdades das entidade interessadas, para justificar a manutenção dos efeitos do referido regulamento a respeito destes últimos durante um período que vá além do previsto no segundo parágrafo do artigo 60.° do Estatuto do Tribunal de Justiça.

Por outro lado, por força do segundo parágrafo do artigo 264.° TFUE, o Tribunal Geral pode, quando o considerar necessário, indicar quais os efeitos do ato anulado que se devem considerar subsistentes. No caso vertente, a existência de uma diferença entre a data de efeito da anulação do Regulamento n.° 961/2010 e a da Decisão 2010/413, que impõe medidas restritivas contra o Irão, conforme alterada pela Decisão 2010/644, é suscetível de pôr seriamente em causa a segurança jurídica, uma vez que estes dois atos aplicam aos recorrentes medidas idênticas. Os efeitos da Decisão 2010/413, conforme alterada, devem, portanto, ser mantidos no que respeita aos recorrentes até que a anulação do Regulamento n.° 961/2010 comece a produzir efeitos.

(cf. n.os 106‑107)