Language of document : ECLI:EU:C:2012:638

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

18 de outubro de 2012 (*)

«Reenvio prejudicial ― Diretiva 98/59/CE ― Proteção dos trabalhadores ― Despedimentos coletivos ― Âmbito de aplicação ― Encerramento de uma base militar americana ― Informação e consulta dos trabalhadores ― Momento da obrigação de consulta ― Incompetência do Tribunal de Justiça»

No processo C‑583/10,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido), por decisão de 6 de dezembro de 2010, entrado no Tribunal de Justiça em 13 de dezembro de 2010, no processo

United States of America

contra

Christine Nolan,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, K. Lenaerts, E. Juhász (relator), G. Arestis e J. Malenovský, juízes,

advogado‑geral: P. Mengozzi,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 18 de janeiro de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação de C. Nolan, por M. Mullins, QC, e M. De Savorgnani, barrister,

¾        em representação da Comissão Europeia, por J. Enegren, na qualidade de agente,

¾        em representação do Órgão de Fiscalização da EFTA, por F. Cloarec e X. Lewis, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 22 de março de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 2.° da Diretiva 98/59/CE do Conselho, de 20 de julho de 1998, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO L 225, p. 16).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe os United States of America a C. Nolan, trabalhadora civil de uma base das forças armadas americanas no Reino Unido, relativamente à obrigação de consulta do pessoal antes de proceder a despedimentos, nos termos da legislação do Reino Unido que aplica a Diretiva 98/59.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Nos termos dos considerandos 3 e 4 da Diretiva 98/59:

«3      [...] apesar de uma evolução convergente, subsistem diferenças entre as disposições em vigor nos Estados‑Membros no que respeita às modalidades e ao processo dos despedimentos coletivos, bem como às medidas suscetíveis de atenuar as consequências destes despedimentos para os trabalhadores;

4      [...] estas diferenças podem ter uma incidência direta no funcionamento do mercado interno [...]»

4        O considerando 6 desta diretiva enuncia:

«[…] a Carta comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, adotada na reunião do Conselho Europeu, realizada em Estrasburgo, em 9 de dezembro de 1989, pelos chefes de Estado ou de Governo de onze Estados‑Membros declara, nomeadamente, no primeiro parágrafo, primeira frase, do seu ponto 7 [...]:

‘7.      A concretização do mercado interno deve conduzir a uma melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores na Comunidade Europeia [...].’

[...]»

5        Por força do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 98/59, esta não é aplicável aos trabalhadores das administrações públicas ou dos estabelecimentos de direito público ou das entidades equivalentes nos Estados‑Membros que não conheçam esta noção.

6        O artigo 2.° desta diretiva dispõe:

«1.      Sempre que tenciona efetuar despedimentos coletivos, a entidade patronal é obrigada a consultar em tempo útil os representantes dos trabalhadores, com o objetivo de chegar a um acordo.

2.      As consultas incidirão, pelo menos, sobre as possibilidades de evitar ou de reduzir os despedimentos coletivos, bem como sobre os meios de atenuar as suas consequências recorrendo a medidas sociais de acompanhamento destinadas, nomeadamente, a auxiliar a reintegração ou reconversão dos trabalhadores despedidos.

[...]

3.      Para que os representantes dos trabalhadores possam formular propostas construtivas, o empregador deve, em tempo útil, no decurso das consultas:

a)      Facultar‑lhes todas as informações necessárias; e

b)      Comunicar‑lhes, sempre por escrito:

i)      os motivos do despedimento previsto;

ii)      o número e as categorias dos trabalhadores a despedir;

iii)      o número e as categorias dos trabalhadores habitualmente empregados;

iv)      o período durante o qual se pretende efetuar os despedimentos;

v)      os critérios a utilizar na seleção dos trabalhadores a despedir, na medida em que as leis e/ou práticas nacionais deem essa competência ao empregador;

vi)      o método previsto para o cálculo de qualquer eventual indemnização de despedimento que não a que decorre das leis e/ou práticas nacionais.

[...]»

7        O artigo 3.° da referida diretiva prevê:

«1.      O empregador deve notificar por escrito a autoridade pública competente de qualquer projeto de despedimento coletivo.

[...]

A notificação deve conter todas as informações úteis respeitantes ao projeto de despedimento coletivo e às consultas aos representantes dos trabalhadores previstas no artigo 2.°, nomeadamente, os motivos do despedimento, o número de trabalhadores a despedir, o número dos trabalhadores habitualmente empregados e o período no decurso do qual se pretende efetuar os despedimentos.

[...]»

8        O artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 98/59 dispõe:

«Os despedimentos coletivos, de cujo projeto tenha sido notificada a autoridade pública competente, não podem produzir efeitos antes de decorridos 30 dias após a notificação prevista no n.° 1 do artigo 3.° e devem respeitar as disposições reguladoras dos direitos individuais em matéria de aviso prévio de despedimento.

Os Estados‑Membros podem conceder à autoridade pública competente a faculdade de reduzir o prazo referido no primeiro parágrafo deste número.»

9        Nos termos do artigo 5.° desta diretiva, a mesma não prejudica a faculdade que os Estados‑Membros têm de aplicar ou de introduzir disposições legislativas, regulamentares ou administrativas mais favoráveis aos trabalhadores ou de permitir ou promover a aplicação de disposições convencionais mais favoráveis aos trabalhadores.

 Direito do Reino Unido

10      No Reino Unido, o Trade União and Labour Relations (Consolidation) Act 1992 (a seguir «Lei de 1992») é considerado o instrumento de transposição da Diretiva 98/59.

11      A Section 188 desta lei, relativa à obrigação de consulta, prevê:

«(1)      Sempre que um empregador tenha a intenção de efetuar um despedimento coletivo, de 20 ou mais trabalhadores num estabelecimento num período de 90 dias, ou num período inferior, deverá consultar, relativamente aos despedimentos, todas as pessoas que representem legalmente os trabalhadores que possam ser afetados pelos despedimentos projetados ou que possam ser afetados por medidas tomadas relacionadas com esses despedimentos.

(1A)      A consulta deverá ter início em tempo útil e, de qualquer modo:

(a)      nos casos em que o empregador proponha o despedimento de 100 ou mais trabalhadores, conforme referido na subsection (1), pelo menos 90 dias, e

(b)      nos restantes casos, pelo menos 30 dias

antes de o primeiro despedimento produzir efeitos.

[...]

(2)      A consulta deve incluir a consulta sobre formas de:

(a)      evitar os despedimentos,

(b)      reduzir o número de trabalhadores a despedir, e

(c)      atenuar as consequências dos despedimentos,

e deve ser realizada pelo empregador com o objetivo de alcançar um acordo com os representantes em questão.

[...]

[...]

(4)      Para efeitos da consulta, o empregador deverá comunicar por escrito aos representantes em questão:

(a)      os motivos das suas propostas,

(b)      o número e categorias dos trabalhadores que se propõe despedir,

(c)      o número total de trabalhadores abrangidos por essas categorias que estejam ao serviço do empregador no estabelecimento em questão,

(d)      o método proposto para seleção dos trabalhadores que podem ser despedidos,

(e)      o método proposto para levar a cabo os despedimentos, com observância dos processos que tenham sido acordados, incluindo o período durante o qual deverão ser efetuados os despedimentos, e

(f)      o método proposto para o cálculo das indemnizações de despedimento a atribuir (que não sejam as resultantes de quaisquer obrigações impostas por lei, ou em virtude de um diploma legal) aos trabalhadores que forem despedidos.

[...]

(7)      Se, num caso específico, existirem circunstâncias particulares que têm como consequência não ser razoavelmente possível ao empregador cumprir os requisitos previstos nas subsections (1A), (2) e (4), este é obrigado, na medida do possível, a tomar as medidas que podem razoavelmente ser consideradas nessas circunstâncias, para cumprir a referida exigência. [...]»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

12      Cerca de 200 civis trabalhavam na base militar americana Reserved Storage Activity (a seguir «base militar RSA»), em Hythe (Reino Unido), onde reparavam embarcações e outros equipamentos. Esse pessoal era representado pelo Local National Executive Council.

13      Na sequência de uma auditoria realizada no início de 2006 sobre o funcionamento desta base militar, foi apresentado em 13 de março de 2006 um relatório do qual resultava ter sido tomada a decisão de encerrar a referida base. Esta decisão, tomada nos Estados Unidos pelo Secretary of the US Army, depois aprovada pelo Secretary of Defense (Ministério da Defesa), previa que a base militar RSA encerraria em finais de setembro de 2006.

14      As autoridades americanas comunicaram, informalmente, a referida decisão às autoridades militares do Reino Unido, no início de abril de 2006. O encerramento da base militar RSA foi tornado público pelos media em 21 de abril de 2006. O Governo do Reino Unido foi informado oficialmente, em 9 de maio de 2006, de que esta base lhe seria devolvida em 30 de setembro de 2006.

15      As autoridades americanas enviaram aos membros do Local National Executive Council, durante o mês de junho de 2006, um memorando indicando que todo o pessoal da referida base seria despedido. Na reunião de 14 de junho de 2006, as autoridades americanas comunicaram a esse órgão representativo que consideravam a data de 5 de junho de 2006 como a data do início das consultas.

16      A decisão formal de rescisão dos contratos de trabalho foi tomada no Quartel‑General das Forças Armadas Americanas na Europa (USAEUR), em Mannheim (Alemanha). Os avisos de despedimento foram emitidos em 30 de junho de 2006, e indicavam 29 ou 30 de setembro de 2006 como datas do termo do vínculo laboral.

17      C. Nolan intentou um processo contra os United States of America, no Southampton Employment Tribunal, invocando o facto de estes últimos não terem consultado os representantes do pessoal. Na sentença proferida sobre a responsabilidade («liability judgment»), esse órgão jurisdicional constatou lacunas em matéria de consulta dos referidos representantes e deu provimento ao pedido de C. Nolan. Quanto à indemnização («remedy judgment»), o referido órgão jurisdicional decidiu por uma medida de proteção abrangendo todas as pessoas que, em 29 de junho de 2006, eram cidadãos do Reino Unido e integravam o pessoal civil da base militar RSA.

18      Os United States of America recorreram desta decisão para o Employment Appeal Tribunal, que, no essencial, confirmou as decisões de primeira instância.

19      Os United States of America recorreram para a Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division), que, considerando necessária a interpretação das disposições da Diretiva 98/59 para a resolução do litígio, decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«A obrigação de consulta, por parte do empregador, sobre o despedimento coletivo, prevista na Diretiva 98/59[…], constitui‑se […] quando o empregador propõe, sem que ainda a tenha tomado, uma decisão estratégica ou operacional que conduza, previsível ou inevitavelmente, a despedimentos coletivos; ou […] apenas quando essa decisão for efetivamente tomada e o empregador propuser, então, os consequentes despedimentos coletivos?»

 Competência do Tribunal de Justiça

 Observações apresentadas ao Tribunal

20      O Tribunal de Justiça convidou as partes no processo principal, o Governo do Reino Unido, a Comissão Europeia e o Órgão de Fiscalização da EFTA a apresentarem as suas opiniões, por escrito, sobre a questão de saber se um despedimento, como o que está em causa no processo principal, que põe termo a uma relação de trabalho entre um nacional do Reino Unido e um Estado terceiro, no caso, os United States of America, está abrangido pelo âmbito da aplicação da Diretiva 98/59, tendo em conta, em especial, o artigo 1.°, n.° 2, alínea b), desta última.

21      Na sua resposta a esta questão, C. Nolan sustentou que o Reino Unido, ao transpor a Diretiva 98/59, incluiu no âmbito de aplicação da legislação nacional de transposição os trabalhadores empregados por Estados estrangeiros, incluindo os United States of America. Assim, esses trabalhadores são abrangidos pelo âmbito de aplicação dessa legislação nacional, independentemente de saber se fazem parte da categoria de trabalhadores excluídos da aplicação da Diretiva 98/59 pelo seu artigo 1.°, n.° 2, alínea b).

22      C. Nolan, ao remeter para os acórdãos de 17 de julho de 1997, Leur‑Bloem (C‑28/95, Colet., p. I‑4161), e de 15 de janeiro de 2002, Andersen og Jensen (C‑43/00, Colet., p. I‑379), considera que o Tribunal de Justiça é competente para interpretar a Diretiva 98/59, ainda que a sua situação não seja regida diretamente pelo direito da União, uma vez que o legislador do Reino Unido, quando transpôs esta diretiva para o direito nacional, optou por ajustar a sua legislação interna com o direito da União.

23      C. Nolan recorda que os aspetos sensíveis do processo principal foram reconhecidos pelos órgãos jurisdicionais nacionais, que os United States of America não invocaram a sua imunidade enquanto Estado cujos atos não podem ser contestados nos tribunais e que não invocaram «circunstâncias particulares» de defesa, na aceção da Section 188(7) da Lei de 1992. Acrescenta, a título subsidiário, que a sua relação de trabalho não foi, em caso algum, excluída do âmbito da aplicação da Diretiva 98/59, na medida em que não era trabalhadora de uma «administração pública ou um estabelecimento de direito público» e nunca foi sustentado, no processo principal, que assim era.

24      Os United States of America salientam que, por um lado, nos termos dos considerandos 4 e 6 da Diretiva 98/59, esta visa o funcionamento do mercado interno e que, por outro, decorre claramente do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da mesma diretiva que esta não abrange todos os casos de despedimento. Consideram que a aplicação, no processo principal, da Diretiva 98/59 ou da legislação nacional que a transpõe é incompatível com a redação clara da referida diretiva e com os princípios do direito internacional público, designadamente os princípios do jus imperii e da «cortesia das nações» («comity of nations»).

25      Os United States of America consideram, por conseguinte, que um despedimento, como o que está em causa no processo principal, não é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/59, uma vez que esse despedimento resulta de uma decisão estratégica relativa ao encerramento de uma base militar, adotada por um Estado soberano.

26      A Comissão têm dúvidas quanto à aplicação, no caso vertente, da Diretiva 98/59, uma vez que C. Nolan trabalhava para as forças armadas dos Estados Unidos, uma emanação de um Estado soberano. Salienta, no entanto, que o encerramento de uma base militar pode ter o mesmo efeito, no seu pessoal civil, que a decisão de encerramento de uma empresa comercial.

27      A Comissão considera que, no domínio da proteção dos direitos dos trabalhadores, no interesse de uma abordagem coerente, as Diretivas 98/59 e 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos (JO L 82, p. 16), devem ser interpretadas como tendo o mesmo âmbito de aplicação. Referindo‑se ao artigo 1.°, n.° 1, alínea c), da Diretiva 2001/23, que revogou a Diretiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos (JO L 61, p. 26; EE 05 F2 p. 122), e ao acórdão de 6 de setembro de 2011, Scattolon (C‑108/10, Colet., p. I‑7491, n.os 56 e 57), a Comissão sustenta que as Diretivas 98/59 e 2001/23 se aplicam às empresas públicas que exercem uma atividade de natureza económica, mas que, em contrapartida, não se aplicam a uma reorganização de autoridades administrativas públicas nem à transferência de funções administrativas entre autoridades administrativas públicas.

28      A Comissão salienta que foi essencialmente por razões estratégicas que os United States of America decidiram encerrar a base militar RSA e despedir o pessoal civil local que nela trabalhava. Uma vez que estes despedimentos são atos de uma autoridade pública que resultam de uma reorganização administrativa, considera não ser possível alargar a proteção prevista na Diretiva 98/59 aos trabalhadores em causa, mesmo que se possa considerar que exercem uma atividade de natureza económica. Daqui a Comissão conclui que o despedimento em causa no processo principal não é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/59.

29      O Órgão de Fiscalização da EFTA alega que o Employment Appeal Tribunal considerou que o Reino Unido tinha optado por transpor a Diretiva 98/59 sem excluir os trabalhadores das administrações públicas ou dos estabelecimentos de direito público referidos no seu artigo 1.°, n.° 2, alínea b), e recordou que foram propostas numerosas ações por sindicatos que representam trabalhadores e empregados de administrações ou estabelecimentos de direito público que se referem à regulamentação que transpõe a referida diretiva. O Órgão de Fiscalização da EFTA acrescenta que o órgão jurisdicional de reenvio salientou que o advogado representante dos United States of America tinha admitido que a limitação do âmbito de aplicação da Diretiva 98/59, prevista no seu artigo 1.°, n.° 2, não abrangia os trabalhadores empregados por um Estado soberano estrangeiro.

30      O Órgão de Fiscalização da EFTA considera que é possível interpretar o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/59 no sentido de que remete unicamente para as administrações públicas e para os estabelecimentos de direito público dos Estados‑Membros e que, assim, esta limitação do âmbito de aplicação não abrange as administrações públicas e os estabelecimentos de direito público de Estados terceiros. Esta abordagem assenta na lógica de que, embora os Estados‑Membros assegurem aos funcionários públicos uma proteção equivalente à prevista na Diretiva 98/59, não é certo que os direitos dos Estados terceiros garantam essa proteção em circunstâncias semelhantes.

31      Além disso, segundo o Órgão de Fiscalização da EFTA, decorre do acórdão de 18 de outubro de 1990, Dzodzi (C‑297/88 e C‑197/89, Colet., p. I‑3763, n.os 36 e 37), que, no presente caso, o Tribunal de Justiça é competente para decidir a título prejudicial, uma vez que o legislador do Reino Unido aplica a Diretiva 98/59, através da legislação nacional que a transpôs, aos trabalhadores empregados pelas administrações públicas, assegurando‑lhes assim, em princípio, a mesma proteção que aos trabalhadores do setor privado. Nestas condições, o Órgão de Fiscalização da EFTA considera que o despedimento em causa no processo principal é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/59 e que, mesmo que esse despedimento estivesse excluído do âmbito de aplicação desta diretiva, o Tribunal de Justiça, tendo em conta as circunstâncias do presente processo, deve responder à questão submetida, que tem por objeto a interpretação da referida diretiva.

 Resposta do Tribunal

32      A fim de se pronunciar quanto à questão de saber se um despedimento, como o que está em causa no processo principal, que põe termo a uma relação de trabalho entre um nacional de um Estado‑Membro e um Estado terceiro, após o encerramento de uma base militar pertencente a este último e que se encontrava no território desse Estado‑Membro, é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/59, importa, em primeiro lugar, interpretar o teor do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), desta diretiva.

33      Por força desta disposição, que prevê um caso de exclusão do âmbito de aplicação da Diretiva 98/59, esta última não se aplica aos trabalhadores das administrações públicas ou dos estabelecimentos de direito público ou das entidades equivalentes nos Estados‑Membros que não conheçam esta noção.

34      Uma vez que as forças armadas fazem parte de uma administração pública ou de uma entidade equivalente, decorre claramente do teor do artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 98/59 que o pessoal civil de uma base militar está abrangido pela exclusão prevista nesta disposição.

35      Importa realçar, em segundo lugar, que esta apreciação é corroborada pelo objetivo e pela economia desta diretiva.

36      A este respeito, importa recordar que a Diretiva 98/59 foi antecedida pela Diretiva 75/129/CEE do Conselho, de 17 de fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos (JO L 48, p. 29; EE 05 F2 p. 54), e que, designadamente, uma das funções da Diretiva 98/59 consistiu na codificação daquela diretiva.

37      No decurso do processo legislativo relativo à Diretiva 75/129, a Comissão referiu, na sua Proposta de diretiva do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos despedimentos coletivos [COM(72) 1400], de 8 de novembro de 1972, as circunstâncias que exigiam uma regulamentação nesta matéria. Em especial, a Comissão assinalou que as diferenças importantes em matéria de proteção dos trabalhadores no caso de despedimento têm um efeito direto no funcionamento do mercado comum, uma vez que criam uma disparidade de condições de concorrência que tem influência nas empresas, quando estas preveem os lugares a prover.

38      Além disso, importa observar que a Diretiva 98/59 foi adotada com base no artigo 100.° do Tratado CE (atual artigo 94.° CE), que permite a aproximação das legislações dos Estados‑Membros que tenham uma incidência direta no estabelecimento ou no funcionamento do mercado comum (interno).

39      Há também que salientar, no que respeita ao objetivo prosseguido pela Diretiva 98/59, que resulta dos seus considerandos 4 e 6 que a mesma diretiva tem em vista melhorar a proteção dos trabalhadores e o funcionamento do mercado interno.

40      Por conseguinte, a Diretiva 98/59 faz parte da regulamentação relativa ao mercado interno.

41      Ora, embora a dimensão e o funcionamento das forças armadas tenham, na verdade, uma influência na situação de emprego num dado Estado‑Membro, não constituem, em contrapartida, considerações relativas ao mercado interno ou à concorrência entre empresas. Assim, como foi já decidido pelo Tribunal de Justiça, por princípio, estão excluídas da qualificação de atividade económica as atividades que, como a defesa nacional, se enquadram no exercício das prerrogativas do poder público (v. acórdão Scattolon, já referido, n.° 44 e jurisprudência referida).

42      No que toca à opinião do Órgão de Fiscalização da EFTA, de que é possível interpretar o artigo 1.°, n.° 2, da Diretiva 98/59 no sentido de que visa apenas as administrações públicas dos Estados‑Membros e não as dos Estados terceiros, basta salientar que a redação desta disposição não estabelece qualquer distinção entre Estados‑Membros e Estados terceiros.

43      Por conseguinte, importa considerar que, por força da exclusão prevista no artigo 1.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 98/59, o despedimento do pessoal de uma base militar não é abrangido, em qualquer caso, pelo âmbito de aplicação desta diretiva, independentemente do facto de se tratar ou não de uma base militar pertencente a um Estado terceiro. Nestas condições, não é necessário tomar em consideração especificamente a circunstância segundo a qual, no presente caso, se trata de uma base militar pertencente a um Estado terceiro, questão que tem implicações de direito internacional (v., neste sentido, no contexto do emprego do pessoal de uma embaixada de um país terceiro, acórdão de 19 de julho de 2012, Mahamdia, C‑154/11, n.os 54 a 56).

44      Segundo C. Nolan e o Órgão de Fiscalização da EFTA, mesmo que a situação em causa no processo principal não seja abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 98/59, o Tribunal é, no presente caso, competente para decidir a título prejudicial, uma vez que o legislador nacional aplica esta diretiva aos trabalhadores empregados pelas administrações públicas, através da legislação nacional que transpôs a mesma diretiva.

45      O Tribunal de Justiça várias vezes se declarou competente para decidir pedidos prejudiciais que tinham por objeto disposições do direito da União em situações em que os factos no processo principal saíam do âmbito de aplicação do direito da União, mas nas quais as referidas disposições desse direito passaram a ser aplicáveis por força do direito nacional, em virtude de uma remissão operada por este último para o conteúdo daquelas (v., neste sentido, acórdão de 21 de dezembro de 2011, Cicala, C‑482/10, Colet., p. I‑14139, n.° 17 e jurisprudência referida).

46      O Tribunal de Justiça já declarou a este respeito que, quando uma legislação nacional se adequa, para as soluções que dá a situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação do ato da União em causa, às soluções adotadas pelo referido ato, existe um interesse manifesto da União em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições retomadas desse ato sejam interpretadas de modo uniforme (v., neste sentido, acórdão de 7 de julho de 2011, Agafiţei e o., C‑310/10, Colet., p. I‑5989, n.° 39 e jurisprudência referida).

47      Assim, uma interpretação, pelo Tribunal de Justiça, das disposições do direito da União em situações que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação deste último justifica‑se com base no facto de o direito nacional as ter tornado aplicáveis às mesmas situações de maneira direta e incondicional, a fim de assegurar um tratamento idêntico a essas situações e às abrangidas pelo âmbito de aplicação do direito da União (v., neste sentido, acórdão Cicala, já referido, n.°19 e jurisprudência referida).

48      Nestas condições, há que verificar se o Tribunal de Justiça deve interpretar a Diretiva 98/59 no processo principal porque existem indicações suficientemente precisas de que as disposições desta diretiva foram declaradas aplicáveis pelo direito nacional de maneira direta e incondicional a situações, como as que estão em causa neste processo, que não são abrangidas pelo âmbito de aplicação desta diretiva.

49      A este respeito, decorre da decisão de reenvio que, se os United States of America assim tivessem decidido na fase preliminar do processo, poderiam invocar a sua imunidade enquanto Estado soberano e evitar a prossecução do processo principal.

50      Há que acrescentar que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, por força da Section 188(7) da Lei de 1992, um Estado terceiro tem a possibilidade de invocar «circunstâncias particulares» («special circumstances»), em razão das quais esse Estado terceiro não está obrigado a efetuar consultas obrigatórias no caso de despedimentos coletivos em conformidade com a Section 188, subsections (1A), (2) e (4) da Lei de 1992.

51      Daqui se conclui que os autos não contêm indicações suficientemente precisas segundo as quais o direito nacional torna automaticamente aplicáveis as soluções estabelecidas na Diretiva 98/59 numa situação como a do processo principal.

52      Por conseguinte, não se pode considerar que as disposições da Diretiva 98/59, objeto da questão submetida, se tenham tornado, enquanto tais, aplicáveis de maneira direta e incondicional pelo direito nacional a uma situação como a do processo principal.

53      Na verdade, é do interesse da União velar pela uniformidade das interpretações de uma disposição de um ato da União e das disposições do direito nacional que a transpõem e a tornam aplicável fora do âmbito de aplicação desse ato.

54      Todavia, não é assim quando, como no processo principal, um ato da União prevê expressamente um caso de exclusão do seu âmbito de aplicação.

55      Com efeito, se o legislador da União menciona inequivocamente que o ato que adotou não se aplica a um domínio preciso, renuncia, no mínimo até à adoção de novas regras eventuais da União, ao objetivo de uma interpretação e uma aplicação uniformes das regras de direito nesse domínio excluído.

56      Portanto, não se pode afirmar ou presumir que existe um interesse da União em que, num domínio excluído pelo legislador da União do âmbito de aplicação do ato que adotou, se proceda a uma interpretação uniforme das disposições desse ato.

57      Decorre das considerações precedentes que, tendo em conta o objeto da questão submetida pela Court of Appeal, o Tribunal de Justiça não é competente para responder a essa questão.

 Quanto às despesas

58      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O Tribunal de Justiça da União Europeia não é competente para responder à questão submetida pela Court of Appeal (England & Wales) (Civil Division) (Reino Unido) por decisão de 6 de dezembro de 2010.

Assinaturas


** Língua do processo: inglês.