Language of document : ECLI:EU:T:2020:217

(Processo T399/16)

CK Telecoms UK Investments Ltd

contra

Comissão Europeia

 Acórdão do Tribunal Geral (Primeira Secção Alargada) de 28 de maio de 2020

«Concorrência — Concentrações — Atividades de telecomunicações sem fios — Mercado retalhista dos serviços de telecomunicações móveis — Mercado grossista do acesso e da originação de chamadas nas redes móveis públicas — Aquisição da Telefónica Europe pela Hutchison — Decisão que declara a concentração incompatível com o mercado interno — Mercado oligopolístico — Entrave significativo a uma concorrência efetiva — Efeitos não coordenados — Ónus da prova — Exigência de prova — Quotas de mercado — Efeitos da concentração sobre os preços — Análise quantitativa sobre a pressão em alta previsível sobre os preços — Concorrentes próximos — Forte pressão concorrencial — Força concorrencial importante — Acordos de partilha de rede — Grau de concentração — Índice de Herfindahl‑Hirschmann — Erro de direito — Erro de apreciação»

1.      Recurso de anulação — Decisão de aplicação das regras em matéria de concentrações de empresas — Apreciação económica complexa — Fiscalização jurisdicional — Alcance e limites — Fiscalização da aplicação do direito aos factos — Fiscalização da apreciação dos efeitos da concentração sobre a concorrência

(Artigo 263.° TFUE; Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigos 2.° e 8.°; Decisão 88/591 do Conselho, considerando 3)

(cf. n.os 72‑76)

2.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Proibição — Requisitos — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Prova da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado interno — Critérios de apreciação — Eliminação das fortes pressões concorrenciais reciprocamente exercidas pelas partes na concentração — Redução das pressões concorrenciais sobre outros concorrentes — Requisitos cumulativos

(Artigo 3.°, n.° 3, TUE; Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, considerandos 5, 6, 8, 24, 25 e 26 e artigo 22.°, n.° 3)

(cf. n.os 81‑97, 102‑104, 359)

3.      Recurso de anulação — Competência do juiz da União — Interpretação do direito da União — Interpretação das regras em matéria de concentrações de empresas — Orientações fixadas pela Comissão — Prática decisória anterior da Comissão — Natureza coerciva — Inexistência — Faculdade de o juiz se apropriar das orientações e apreciações económicas ou jurídicas da Comissão

(Artigo 81.°, n.° 19, TUE; Comunicação 2004/C 31/03 da Comissão)

(cf. n.os 100, 101, 163)

4.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Análise prospetiva — Exigências de prova — Apreciação do comportamento futuro provável da entidade resultante da concentração e dos seus concorrentes — Apreciação da probabilidade séria de um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado interno como consequência direta e imediata da concentração — Alcance do ónus probatório — Exigência de uma prova que vá além da dúvida razoável — Fiscalização jurisdicional

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho)

(cf. n.os 107‑118, 332, 368)

5.      Concentração de empresas — Exame pela Comissão — Definição do mercado em causa — Critérios — Substituibilidade dos produtos — Elementos de apreciação — Condições de concorrência no mercado — Estrutura da oferta e da procura

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho)

(cf. n.os 144‑146)

6.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Prova da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado interno — Critérios de apreciação — Eliminação de uma empresa que constitui uma “força concorrencial importante” — Conceito — Empresa que desempenha um papel concorrencial mais importante do que o induzido pelas suas quotas de mercado — Exclusão — Desvirtuação do conceito — Erro de direito — Erro de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, considerando 25 e artigo 2.°, n.° 3; Comunicação 2004/C 31/03 da Comissão, pontos 37 e 38)

(cf. n.os 171‑175)

7.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Prova da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado interno — Critérios de apreciação — Eliminação de uma empresa que constitui uma “força concorrencial importante” ou que exerce uma forte pressão concorrencial no mercado — Elementos de apreciação — Mercado retalhista da telefonia móvel — Insuficiência dos elementos de prova — Erros de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3; Comunicação 2004/C 31/03 da Comissão, pontos 37 e 38)

(cf. n.os 183‑190, 193‑198, 212‑216, 219‑225)

8.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Elementos de apreciação — Concentração entre duas empresas ativas no mercado retalhista da telefonia móvel — Concorrentes mais próximos — Conceito — Indícios — Grau de substituibilidade entre os produtos das partes na concentração — Grau de rivalidade entre as partes na concentração — Insuficiência de provas da eliminação das fortes pressões concorrenciais reciprocamente exercidas pelas partes na concentração — Erro de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, considerando 25 e artigo 2.°, n.° 3; Comunicação 2004/C 31/03 da Comissão, ponto 28)

(cf. n.os 234‑250)

9.      Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Tomada em consideração dos ganhos de eficiência — Elementos de apreciação — Força probatória dos indicadores de pressões em alta sobre os preços — Limites — Prova da probabilidade de um aumento significativo dos preços devido à eliminação das fortes pressões concorrenciais reciprocamente exercidas pelas partes na concentração — Falta — Erro de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3; Comunicação 2004/C 31/03 da Comissão, pontos 76 e 78)

(cf. n.os 274‑282)

10.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Avaliação global dos efeitos não coordenados — Alcance — Demonstração da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado interno — Falta — Erro de direito — Erro de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3; Comunicação 2004/C 31/03 da Comissão, ponto 25)

(cf. n.os 286‑290)

11.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Concentração entre duas empresas ativas no mercado da telefonia móvel ligadas, respetivamente, a duas outras empresas concorrentes através de acordos de partilha de rede — Elementos de apreciação — Necessidade de evitar qualquer prejuízo decorrente da perturbação do alinhamento dos interesses dos parceiros nos acordos de partilha de rede — Prática decisória nova — Admissibilidade — Requisitos

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3)

(cf. n.os 328‑332)

12.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Concentração entre duas empresas ativas no mercado da telefonia móvel ligadas, respetivamente, a duas outras empresas concorrentes através de acordos de partilha de rede — Elementos de apreciação — Perturbação do alinhamento dos interesses dos parceiros nos acordos de partilha de rede — Redução da pressão competitiva exercida por empresas concorrentes parceiras devido à alteração da sua posição concorrencial — Admissibilidade — Requisitos — Prova da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva — Falta — Erro de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3)

(cf. n.os 338‑348)

13.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Concentração entre duas empresas ativas no mercado da telefonia móvel ligadas, respetivamente, a duas outras empresas concorrentes através de acordos de partilha de rede — Elementos de apreciação na falta de exame do poder de mercado da entidade resultante da concentração que se traduz numa degradação dos serviços prestados ou da qualidade da sua rede — Necessidade de um exame sólido e convincente dos efeitos da concentração sobre os concorrentes

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3; Comunicação 2004/C 31/03 da Comissão, ponto 25)

(cf. n.os 358‑361)

14.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Concentração entre duas empresas ativas no mercado da telefonia móvel ligadas, respetivamente, a duas outras empresas concorrentes através de acordos de partilha de rede — Elementos de apreciação — Efeitos da concentração sobre os concorrentes — Redução da pressão competitiva exercida pelos concorrentes devido à redução dos investimentos de infraestrutura na sequência da perturbação do alinhamento dos interesses dos parceiros nos acordos de partilha de rede — Admissibilidade — Requisitos — Prova da existência de um nexo de causalidade entre o aumento dos custos fixos e dos custos diferenciais — Falta — Erro de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, considerando 25 e artigo 2.°, n.° 3)

(cf. n.os 364‑379)

15.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Concentração entre duas empresas ativas no mercado da telefonia móvel ligadas, respetivamente, a duas outras empresas concorrentes através de acordos de partilha de rede — Elementos de apreciação — Efeitos da concentração sobre os concorrentes — Redução da pressão competitiva exercida pelos concorrentes devido à redução dos investimentos de infraestrutura na sequência da perturbação do alinhamento dos interesses dos parceiros nos acordos de partilha de rede — Elemento insuficiente na falta de prova da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado interno — Risco de degradação da qualidade das redes devido ao aumento dos custos de manutenção e de melhoria das redes — Probabilidade insuficiente — Erro de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho)

(cf. n.os 380‑396)

16.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Concentração entre duas empresas ativas no mercado da telefonia móvel ligadas, respetivamente, a duas outras empresas concorrentes através de acordos de partilha de rede — Prova da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado interno — Análise prospetiva — Necessidade de ter em conta eventuais efeitos coordenados ou não coordenados a longo prazo — Inexistência — Erro de direito

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho)

(cf. n.os 408‑416)

17.    Concentração de empresas — Apreciação da compatibilidade com o mercado interno — Concentração que não cria nem reforça uma posição dominante — Concentração num mercado oligopolístico que dá origem a efeitos não coordenados — Concentração entre duas empresas ativas no mercado grossista da telefonia móvel — Prova da existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva no mercado interno — Elementos de apreciação — Redução do número de operadores ativos no mercado — Eliminação de uma empresa com quotas de mercado modestas — Insuficiência dos elementos de prova — Prova da eliminação das fortes pressões concorrenciais reciprocamente exercidas pelas partes na concentração — Falta — Erros de apreciação

(Regulamento n.° 139/2004 do Conselho, artigo 2.°, n.° 3; Comunicação 2004/C 31/03 da Comissão, pontos 14, 19 a 21, 27, 37 e 38)

(cf. n.os 434‑453)

Resumo

Com o Acórdão CK Telecoms UK Investments/Comissão Europeia (T‑399/16), proferido em 28 de maio, o Tribunal Geral anulou a decisão pela qual a Comissão (1) se tinha oposto à realização de um projeto de concentração entre dois dos quatro operadores de telefonia móvel ativos no mercado retalhista dos serviços de telecomunicações móveis no Reino Unido.

Esse projeto, notificado à Comissão em 11 de setembro de 2015, devia permitir à recorrente, a CK Telecoms UK Investments Ltd (a seguir «Three»), uma filial indireta da CK Hutchison Holdings Ltd, adquirir o controlo exclusivo da Telefónica Europe Plc (a seguir «O2») e constituir, assim, o principal operador nesse mercado, à frente dos dois outros operadores restantes, a EE Ltd, uma filial do BT Group plc (a seguir «BT/EE»), o antigo operador histórico, e a Vodafone.

Com a decisão impugnada, a Comissão, em aplicação do Regulamento sobre as concentrações (2) e das suas próprias Orientações para a apreciação das concentrações horizontais (a seguir «Orientações») (3), tinha declarado a operação de concentração incompatível com o mercado interno com base em três «teorias do prejuízo». Com efeito, considerou que a operação criaria entraves significativos a uma concorrência efetiva devido à existência de efeitos não coordenados ligados, em primeiro lugar, à eliminação de fortes pressões concorrenciais no mercado retalhista (primeira «teoria do prejuízo»), que teria provavelmente conduzido a um aumento dos preços dos serviços de telefonia móvel e a uma limitação da escolha para os consumidores. Em segundo lugar, uma vez que o mercado em causa se caracterizava pelo facto de a BT/EE e a Three, por um lado, e a Vodafone e a O2, por outro, terem celebrado acordos de partilha de rede, a operação teria influenciado negativamente a qualidade dos serviços prestados aos consumidores, ao entravar o desenvolvimento da infraestrutura da rede móvel no Reino Unido (segunda «teoria do prejuízo»). Em terceiro lugar, uma vez que três operadores de redes móveis virtuais não dispunham da sua própria rede, a Tesco Mobile, a Virgin Mobile e a TalkTalk (a seguir «não‑ORM»), tinham celebrado acordos que lhes davam acesso à rede de outro operador a preços grossistas, a concentração poderia ter efeitos não coordenados significativos no mercado grossista (terceira «teoria do prejuízo»).

Assim, Tribunal Geral foi chamado a pronunciar‑se, pela primeira vez, sobre as condições de aplicação do Regulamento sobre as concentrações a uma concentração num mercado oligopolístico que não originava a criação nem o reforço de uma posição dominante individual ou coletiva, mas dava lugar a efeitos não coordenados.

Depois de ter recordado os limites da fiscalização da legalidade que lhe cabia fazer sobre as apreciações complexas inerentes ao controlo das concentrações, o Tribunal Geral começou por definir os critérios aplicáveis para demonstrar que tal operação criaria um «entrave significativo a uma concorrência efetiva», como exige o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento sobre as concentrações, e fornecer precisões sobre o ónus e o nível de prova que impendia sobre a Comissão neste contexto (4). Precisou, designadamente, que, para que os efeitos não coordenados de uma operação de concentração possam ter por consequência um entrave significativo a uma concorrência efetiva, devem estar preenchidos dois requisitos cumulativos: a concentração deve implicar, por um lado, a eliminação das fortes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam entre si e, por outro, uma redução das pressões concorrenciais sobre os outros concorrentes. Por outro lado, sublinhou que, no âmbito da análise prospetiva em duas etapas que incumbia à Comissão efetuar a este respeito, não competia a essa instituição fazer a prova de que os cenários e as teorias do prejuízo que tinha considerado se produziriam inevitavelmente, mas apresentar provas suficientes para demonstrar com uma probabilidade séria a existência de entraves significativos na sequência da concentração.

No caso em apreço, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha conseguido provar que a concentração notificada originaria efeitos não coordenados suscetíveis de constituir entraves significativos a uma concorrência efetiva, quer no mercado retalhista, a título da primeira e da segunda teorias do prejuízo, quer no mercado grossista, a título da terceira teoria.

Assim, o Tribunal Geral declarou, em primeiro lugar, que a Comissão tinha cometido vários erros ao concluir, a título da primeira teoria do prejuízo, pela existência provável de efeitos não coordenados no mercado retalhista da telefonia móvel ligados à eliminação de fortes pressões concorrenciais. Antes de mais, considerou que a Comissão não tinha demonstrado que a Three era uma «força concorrencial importante», cuja eliminação provocaria uma diminuição da pressão concorrencial suficiente para demonstrar a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Por um lado, ao confundir os conceitos de «entrave significativo a uma concorrência efetiva» (5), de «eliminação de uma forte pressão concorrencial» (6), e de «eliminação de uma força concorrencial importante» (7), a Comissão alargou consideravelmente o âmbito de aplicação das regras em matéria de concentrações de empresas e desvirtuou o conceito de «força concorrencial importante». Por outro lado, consideram‑se insuficientes os diferentes elementos tomados em conta pela Comissão para concluir que a Three constituía uma força concorrencial importante ou exercia, pelo menos, uma forte pressão concorrencial no mercado, quer se tratasse do aumento da quota bruta dos seus novos assinantes face às suas quotas de mercado, do aumento do número dos seus assinantes, da política agressiva de preços que tinha conseguido praticar ou ainda do papel de perturbador que historicamente tinha podido desempenhar no mercado.

Do mesmo modo, o Tribunal Geral constatou que, embora fosse verdade que o mercado retalhista da telefonia móvel em causa se caracterizava por um reduzido grau de diferenciação dos produtos, pelo que as partes na concentração, bem como os outros operadores ativos no referido mercado podiam ser considerados concorrentes relativamente próximos, este único elemento não era, todavia, suficiente para provar a eliminação das fortes pressões concorrenciais que as partes na concentração exerciam entre si e, por conseguinte, a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

Por outro lado, embora reconhecendo que a Comissão podia tomar em consideração os indicadores de pressões em alta sobre os preços (8), na medida em que traduzem os incentivos das partes na concentração para aumentarem os seus preços, o Tribunal Geral considerou, no entanto, que a sua análise quantitativa carecia de força probatória, uma vez que não tinha demonstrado com uma probabilidade suficiente que os preços sofreriam um aumento «significativo» na sequência da eliminação das fortes pressões concorrenciais. Constatou igualmente que a Comissão não tinha integrado na sua análise quantitativa os ganhos de eficiência que a concentração podia implicar. Por último, entendeu que, no âmbito da sua apreciação global dos efeitos não coordenados, a Comissão não tinha em nenhum momento precisado se os mesmos seriam «significativos» ou conduziriam a um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

Em segundo lugar, o Tribunal Geral considerou que a Comissão também tinha cometido erros de direito e de apreciação, ao concluir, a título da segunda teoria do prejuízo, pela existência de efeitos não coordenados resultantes da alteração dos acordos de partilha de rede.

Partindo do princípio de que os acordos de partilha de rede podem ter efeitos favoráveis a uma concorrência efetiva em benefício dos consumidores, a Comissão tinha examinado em que medida a concentração, ao alterar os acordos existentes, era suscetível de suprimir a sua dinâmica concorrencial. No termo da sua análise dos planos de consolidação das redes apresentados pelas partes notificantes, bem como de cinco outros cenários de integração das redes existentes, tinha concluído que a operação era suscetível de produzir efeitos anticoncorrenciais não coordenados no mercado retalhista, mercado oligopolístico com importantes barreiras à entrada. Por um lado, podia enfraquecer a posição concorrencial dos concorrentes parceiros dos acordos de partilha de rede e, por conseguinte, reduzir a sua pressão competitiva. Por outro lado, era provável que conduzisse a uma diminuição dos investimentos ao nível do setor da infraestrutura de redes e, por conseguinte, a uma redução do grau de concorrência efetiva.

A este respeito, o Tribunal Geral sublinhou, antes de mais, que a novidade desta teoria, relativamente à prática decisória anterior da Comissão, não implicava que fosse improvável ou desprovida de fundamento, e declarou subscrevê‑la em certa medida. No entanto, sublinhou que a capacidade concorrencial e os incentivos para investir da BT/EE e da Vodafone não dependiam de forma decisiva das decisões de investimento da entidade resultante da concentração ou de um aumento dos custos, mas, nomeadamente, do nível de concorrência com que seriam confrontadas, dos seus recursos financeiros e das suas estratégias. Deduziu daqui que a possível divergência de interesses entre os parceiros dos acordos de partilha de rede, a sua alteração na sequência da concentração, ou mesmo a sua rescisão, não constituíam, no caso em apreço e enquanto tais, um entrave significativo a uma concorrência efetiva no âmbito de uma teoria do prejuízo baseada em efeitos não coordenados.

Recordando que as regras de concorrência da União se destinam principalmente a proteger o processo concorrencial enquanto tal e não os concorrentes, o Tribunal Geral examinou, em seguida, a apreciação feita pela Comissão dos efeitos da concentração sobre os dois concorrentes, a BT/EE e a Vodafone, tendo em conta os planos de consolidação de redes que lhes diziam respetivamente respeito.

No caso da BT/EE, considerou que a Comissão não tinha conseguido demonstrar que a concentração, ao aumentar os custos de manutenção e de melhoria da rede e ao degradar a sua qualidade, afetaria a sua posição concorrencial, a ponto de constituir um entrave significativo a uma concorrência efetiva. A este respeito, o Tribunal Geral declarou, em especial, que a Comissão não tinha feito prova de que a sua teoria do prejuízo se baseava num nexo de causalidade entre o aumento previsto dos custos fixos e o aumento dos custos diferenciais, que levaria a menos investimentos, a uma deterioração na qualidade dos serviços prestados no mercado ou, se fossem repercutidos nos consumidores através de um aumento dos preços, à redução da pressão concorrencial da BT/EE e da Vodafone no mercado.

No caso da Vodafone, depois de ter recordado que a redução da pressão concorrencial que esta empresa podia exercer não era, por si só, suficiente para demonstrar um entrave significativo a uma concorrência efetiva no caso em apreço, o Tribunal Geral considerou, nomeadamente, que a Comissão não tinha provado de forma juridicamente bastante que a eventual decisão dessa empresa de restringir os seus investimentos na sua própria rede resultaria de forma suficientemente realista e plausível da concentração, alteraria os fatores que determinam o estado da concorrência nos mercados afetados e entravaria, no caso vertente, de maneira «significativa, a concorrência efetiva no mercado em causa.

Por último, o Tribunal Geral considerou que a Comissão tinha cometido um erro de direito ao considerar que a transparência reforçada dos investimentos globais dos operadores de redes móveis, induzida pelos acordos de partilha de rede, reduziria o seu incentivo a investir na sua rede e, consequentemente, a sua pressão concorrencial, sem todavia definir o quadro temporal adequado em que pretendia demonstrar a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva. Com efeito, a Comissão analisou, por um lado, os efeitos imediatos da concentração a curto e médio prazo, tendo em conta a sobreposição temporária dos dois acordos de partilha de redes, e, por outro, os seus efeitos a médio e a longo prazo à luz dos planos de consolidação da rede. Em contrapartida, não tomou em consideração o facto de que as partes na concentração não manteriam a longo prazo duas redes separadas, apesar de ter evocado essa eventualidade várias vezes na decisão impugnada. Ora, o exame dos efeitos de uma operação de concentração num mercado oligopolístico no setor das telecomunicações, que necessita de investimentos a longo prazo e em que os consumidores estão frequentemente vinculados por contratos cuja vigência de estende por vários anos, pressupunha uma análise prospetiva dinâmica que requereria a tomada em conta de eventuais efeitos coordenados ou unilaterais num lapso de tempo relativamente alargado no futuro. Por conseguinte, a Comissão cometeu um erro de direito ao qualificar de efeitos não coordenados o impacto de uma transparência reforçada no investimento global nas redes.

Por último, em terceiro lugar, o Tribunal Geral considerou que a Comissão não tinha conseguido demonstrar, a título da terceira teoria do prejuízo, a existência de efeitos não coordenados no mercado grossista.

A este respeito, salientou, antes de mais, que a redução do número de operadores de rede móvel de quatro para três não era, por si só, suscetível de demonstrar a existência de um entrave significativo à concorrência, na medida em que muitos mercados oligopolísticos apresentavam um nível de concorrência que podia ser considerado saudável. Em seguida, considerou que, não obstante o facto de o índice Herfindahl‑Hirschmann, utilizado para medir o grau de concentração de um mercado, ultrapassar, no caso em apreço, os limites abaixo dos quais estava, em princípio (9), excluído que a concentração colocasse problemas de concorrência, a superação desses limites não implicava, nos termos do ponto 21 das Orientações, uma presunção de existência de problemas concorrenciais. No entanto, ao constatar que, para concluir que a Three era uma «força concorrencial importante» no mercado grossista, a Comissão não se tinha baseado nas suas quotas de mercado históricas nem no nível de concentração, mas nas suas quotas brutas de novos clientes e na análise qualitativa da sua importância no mercado grossista, considerou que a instituição não tinha explicado, de forma credível, por que razão as quotas brutas de novos clientes eram de tal modo determinantes no caso em apreço, nem provado, portanto, na falta de um exame circunstanciado dos factos, a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva.

Por outro lado, o Tribunal Geral concluiu que, embora se pudesse considerar, tendo em conta a sua quota bruta de novos clientes, que a Three tinha a capacidade de rivalizar com os outros operadores no mercado grossista, que era um concorrente credível, que tinha influência na concorrência e que tinha reforçado a sua posição no mercado, isso não era, todavia, suficiente para demonstrar a existência de um entrave significativo a uma concorrência efetiva, num contexto em que a sua quota de mercado era, na realidade, muito modesta, nem para concluir que era uma força concorrencial importante. Por último, considerou que a Comissão não tinha demonstrado que a concentração provocaria uma supressão das pressões concorrenciais importantes que as partes exerciam anteriormente entre si.


1      Decisão da Comissão, de 11 de maio de 2016, que declara uma concentração incompatível com o mercado interno (Processo M.7612 ‑ Hutchison 3G UK/Telefónica UK), notificada com o n.° C(2016) 2796, disponível em inglês, na sua versão não confidencial, no seguinte endereço: https://ec.europa.eu/competition/mergers/cases/decisions/m7612_6555_3.pdf. (Resumo publicado no JO 2016, C 357, p. 15).


2      Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004, L 24, p. 1).


3      Orientações para a apreciação das concentrações horizontais nos termos do regulamento do Conselho relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO 2004 C 31, p. 5).


4      Em conformidade com o artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento sobre as concentrações, conforme interpretado à luz do seu considerando 25.


5      Critério jurídico referido no artigo 2.°, n.° 3, do Regulamento sobre as concentrações.


6      Critério mencionado no considerando 25 do Regulamento sobre as concentrações.


7      Critério baseado nas Orientações utilizadas na decisão impugnada.


8      Análise dita «upward pricing pressure» ou UPP.


9      De acordo com os pontos 19 a 21 das Orientações.