Language of document : ECLI:EU:C:2017:501

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MANUEL CAMPOS SÁNCHEZ‑BORDONA

apresentadas em 28 de junho de 2017 (1)

Processo C‑329/16

Syndicat national de l’industrie des technologies médicales (SNITEM),

Philips France

contra

Premier ministre,

Ministre des Affaires sociales et de la Santé

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État, em formação jurisdicional (França)]

«Diretiva 93/42/CEE — Conceito de dispositivo médico — Marcação CE — Software de apoio à prescrição de medicamentos»






1.        O Conseil d’État, em formação jurisdicional (França) submete ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial cuja resposta lhe permitirá esclarecer se, para os efeitos da Diretiva 93/42/CEE (2), um determinado software de apoio à prescrição de receitas médicas deve ser qualificado como dispositivo médico (3).

2.        A interpretação que o Tribunal de Justiça faça da Diretiva 93/42 tem consequências imediatas, uma vez que a colocação no mercado, em cada Estado‑Membro, dos softwares que não sejam qualificados como dispositivos médicos está geralmente sujeita a requisitos menos onerosos que a destes últimos.

3.        Os softwares estão a assumir importância crescente no âmbito da saúde, ao qual podem trazer grandes benefícios, incluindo o de apoiar a prescrição de medicamentos. É lógico que uma atividade de alto perfil tecnológico incida nesse âmbito, que requer produtos e serviços cada vez mais sofisticados e seguros.

4.        Mas é também inevitável que as autoridades públicas, responsáveis em última instância neste setor, tomem precauções perante o rápido desenvolvimento da tecnologia e da informática nele aplicados. Essa preocupação levou os Estados‑Membros a adotar regras nacionais de proteção da saúde que podem exibir, e que de facto exibem, bastantes divergências entre si. A Diretiva 93/42 pretendeu harmonizar essas regras e eliminar eventuais lacunas ou incertezas, por forma a assegurar a livre circulação dos dispositivos médicos no mercado interno.

5.        A indicação dos elementos que um software tem de reunir para constituir um «dispositivo médico» e ser abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/42 tem, portanto, inegável importância, uma vez que os seus níveis de funcionamento terão de atender a um elevado nível de segurança e de proteção da saúde.

 I.      Quadro jurídico

 A.      Direito da União

 1.      Diretiva 93/42

6.        Os considerandos 2, 3 e 4 dispõem:

«[...] que as disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor nos Estados‑Membros no tocante às características de segurança, de proteção da saúde e de nível de funcionamento dos dispositivos médicos variam no que respeita ao respetivo teor e âmbito; que os procedimentos de certificação e controlo desses dispositivos variam consoante os Estados‑Membros; que as referidas disparidades constituem entraves às trocas comerciais [na União];

Considerando que devem se harmonizadas as disposições nacionais que garantem a segurança e a proteção da saúde dos doentes, utilizadores, e, se aplicável, de outras pessoas, no que respeita à utilização dos dispositivos médicos, por forma a assegurar a livre circulação dos referidos dispositivos no mercado interno;

Considerando que as disposições harmonizadas devem ser diferenciadas das medidas tomadas pelos Estados‑Membros com o objetivo de gerir o financiamento dos sistemas de saúde pública e de seguro de doença respeitantes direta ou indiretamente a esses dispositivos; que, por conseguinte, essas disposições não afetam a faculdade de os Estados‑Membros aplicarem, no respeito pelo direito [da União], as medidas acima referidas;

[...]»

7.        O artigo 1.°, «Definições e âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      A presente diretiva aplica‑se aos dispositivos médicos e respetivos acessórios. Para efeitos da presente diretiva, os acessórios serão tratados como dispositivos médicos. Os dispositivos médicos e seus acessórios são adiante designados por “dispositivos”.

2.      Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

a)      Dispositivo médico: qualquer instrumento, aparelho, equipamento, software, material ou outro artigo, utilizado isoladamente ou em combinação, juntamente com quaisquer acessórios, incluindo o software destinado pelo seu fabricante a ser utilizado especificamente para fins de diagnóstico e/ou terapêuticos e necessário para o bom funcionamento do dispositivo médico, destinado pelo fabricante a ser utilizado em seres humanos para efeitos de:

–        diagnóstico, prevenção, controlo, tratamento ou atenuação de uma doença,

–        diagnóstico, controlo, tratamento, atenuação ou compensação de uma lesão ou de uma deficiência,

–        estudo, substituição ou alteração da anatomia ou de um processo fisiológico,

–        controlo da conceção,

cujo principal efeito pretendido no corpo humano não seja alcançado por meios farmacológicos, imunológicos ou metabólicos, embora a sua função possa ser apoiada por esses meios;

[...]

g)      Finalidade: a utilização a que o dispositivo médico se destina, de acordo com as indicações fornecidas pelo fabricante no rótulo, instruções e/ou publicidade;

[...]»

8.        O artigo 4.°, «Livre circulação, dispositivos com finalidades específicas», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros não obstarão à colocação no mercado e entrada em serviço no respetivo território de dispositivos com a marcação CE, prevista no artigo 17.°, que indica que esses dispositivos foram objeto de uma avaliação de conformidade de acordo com o disposto no artigo 11.°»

9.        O artigo 5.°, n.° 1, «Remissão para normas», dispõe:

«Os Estados‑Membros devem presumir que se encontram em conformidade com os requisitos essenciais referidos no artigo 3.° os dispositivos que estejam em conformidade com as normas nacionais pertinentes adotadas de acordo com as normas harmonizadas, cujas referências tenham sido publicadas no Jornal Oficial [da União Europeia]; os Estados‑Membros devem publicar as referências das referidas normas nacionais.»

10.      O artigo 8.°, «Cláusula de salvaguarda», n.° 1, dispõe:

«Sempre que um Estado‑Membro verificar que os dispositivos a que se referem os n.os 1 e 2, segundo travessão, do artigo 4.°, corretamente instalados, manutencionados e utilizados de acordo com a respetiva finalidade, podem comprometer a saúde e/ou a segurança dos doentes, dos utilizadores ou, eventualmente, de terceiros, tomará todas as medidas provisórias necessárias para retirar esses dispositivos do mercado, ou proibir ou restringir a sua colocação no mercado ou a sua entrada em serviço. O Estado‑Membro em questão informará imediatamente a Comissão dessa medida, fundamentando a sua decisão e indicando, em especial, se a não conformidade com a presente diretiva resulta:

a)      Da não observância dos requisitos essenciais referidos no artigo 3.°;

b)      De uma má aplicação das normas referidas no artigo 5.° caso se pretenda aplicar essas normas;

c)      De uma lacuna nessas próprias normas.»

11.      O artigo 9.°, «Classificação», n.° 1, dispõe:

«Os dispositivos devem ser integrados nas classes I, IIa, IIb e III. A classificação deve‑se processar em conformidade com o anexo IX.»

12.      O anexo IX, «Critérios de classificação», inclui nas suas «Definições» as de:

«[...]

1.4. Dispositivo medicinal ativo

Dispositivo médico cujo funcionamento depende de uma fonte de energia elétrica ou outra, não gerada diretamente pelo corpo humano ou pela gravidade, e que atua por conversão dessa energia. Não se consideram dispositivos médicos ativos os dispositivos médicos destinados a transmitir energia, substâncias ou outros elementos entre um dispositivo médico ativo e o doente, sem qualquer modificação significativa. O software, por si só, é considerado um dispositivo médico ativo.

[...]

1.6. Dispositivo ativo para diagnóstico

Dispositivo médico ativo utilizado isoladamente ou em conjunto com outros dispositivos médicos para fornecer informações com vista à deteção, diagnóstico, controlo ou tratamento de estados fisiológicos, estados de saúde, doenças ou malformações congénitas.»

 2.      Diretiva 2007/47/CE (4)

13.      O considerando 6 assinala:

«É necessário esclarecer que o software, por si só, é um dispositivo médico quando especificamente destinado pelo fabricante a ser utilizado para uma ou várias finalidades médicas estabelecidas na definição de dispositivo médico. O software de uso geral, utilizado num contexto sanitário, não é um dispositivo médico.»

 B.      Direito nacional

 1.      Código da Segurança Social

14.      Nos termos do artículo L. 161‑38, ponto II, do Código da Segurança Social, a Haute Autorité de santé (Alta Autoridade da Saúde, França) estabelecerá:

«O procedimento de certificação de software de apoio à prescrição médica que tenha respeitado um conjunto de normas de boas práticas. Zela para que as normas de boas práticas especifiquem que o software integra as recomendações e pareceres médico‑económicos identificados pela Alta Autoridade da Saúde, permitam prescrever diretamente na denominação comum internacional, mostrar os preços dos produtos no momento da prescrição e o montante total da mesma, bem como indicar a pertença de um produto ao catálogo dos genéricos, e comportem uma informação relativa ao seu criador e à natureza do seu financiamento.

Este procedimento de certificação participa na melhoria das práticas de prescrição de medicamentos. Garante a conformidade do software com exigências mínimas em termos de segurança, de conformidade e de eficiência da prescrição.»

15.      Nos termos do ponto IV do mesmo artigo:

«As certificações previstas nos pontos I a III são elaboradas e emitidas pelos organismos certificadores acreditados pelo Comité Francês de Acreditação ou pelo organismo competente de outro Estado‑Membro da União Europeia justificando o respeito pelas regras de boas práticas elaboradas pela Alta Autoridade da Saúde.

Tais certificações serão obrigatórias para qualquer software com pelo menos uma funcionalidade que proponha apoio à edição das prescrições médicas ou à venda de medicamentos, nas condições previstas por decreto do Conseil d’État, em formação jurisdicional, e o mais tardar em 1 de janeiro de 2015.»

 2.      Decreto 2014‑1359 (5)

16.      Este decreto altera o Código da Segurança Social. O artigo 2.°, n.° 3, acrescenta à parte regulamentar do Código uma subsecção intitulada «Disposições relativas à obrigação de certificação de software de apoio à prescrição médica».

17.      Nos termos do R 161‑76‑1:

«Qualquer software cujo objeto seja propor a quem prescreve receitas médicas e exerce a sua atividade em consultório privado, em estabelecimento de saúde ou em estabelecimento médico‑social apoio à realização da prescrição de medicamentos está sujeito à obrigação de certificação prevista no artigo L. 161‑38, sem prejuízo do disposto nos artigos R. 5211‑1 e seguintes do Código da Saúde Pública (6). O software que inclui outras funcionalidades para além do apoio à prescrição médica está apenas sujeito a certificação relativamente a essa funcionalidade.»

18.      O artigo R. 161‑76‑3 dispõe:

«O software de apoio à prescrição médica é certificado à luz de um referencial estabelecido pela Alta Autoridade de Saúde, que prevê:

1°      Requisitos mínimos de segurança, relativos, designadamente, à ausência de qualquer informação estranha à prescrição e de publicidade de qualquer natureza, bem como à sua qualidade ergonómica;

2°      Requisitos mínimos de conformidade da prescrição com as disposições regulamentares e com as normas de boas práticas da prescrição de medicamentos;

3°      Requisitos mínimos de eficiência que assegurem a diminuição do custo do tratamento com igual qualidade;

4°      A prescrição mediante a utilização de uma denominação comum, conforme definida no n.° 5 do artigo R. 5121‑1 do Código da Saúde Pública;

5°      Informação sobre o medicamento proveniente de uma base de dados de medicamentos que satisfaça as exigências de uma carta de qualidade elaborada pela Alta Autoridade da Saúde;

6°      Informações relativas ao criador do software e ao financiamento da sua elaboração.»

19.      Por último, o artigo R. 161‑76‑4 dispõe que «a certificação de software de apoio à prescrição médica será realizada por um organismo certificador acreditado pelo Comité Francês de Acreditação ou por organismos membros da Cooperação Europeia para Acreditação e que tenham concluído acordos multilaterais de reconhecimento mútuo que abranjam toda a atividade considerada».

 II.      Litígio nacional e questão prejudicial

20.      O Syndicat national de l’industrie des technologies médicales (a seguir «SNITEM») representa em França as empresas do setor de dispositivos médicos.

21.      Uma destas empresas, a Philips France (a seguir «Philips»), produz e coloca no mercado o software de apoio à prescrição médica «Intellispace Critical Care and Anesthesia» (a seguir «ICCA»).

22.      De acordo com o documento funcional e técnico do software ICCA fornecido pela Philips (7), este software, que se aplica na reanimação e na anestesia, fornece ao médico a informação necessária para uma prescrição correta de medicamentos, no que diz respeito, sobretudo, às suas eventuais contraindicações, às interações medicamentosas e às posologias excessivas.

23.      Dos documentos dos autos resulta que o software ICCA ostenta a marcação CE (8), comprovativo de ter sido submetido a uma avaliação da sua conformidade com os requisitos da Diretiva 93/42.

24.      Por dois recursos interpostos no Conseil d’État, em formação jurisdicional, o SNITEM e a Philips pediram a anulação do artigo 1.°, n.° 3, e do artigo 2.° do Decreto 2014‑1359. O órgão jurisdicional de reenvio apensou os recursos.

25.      Para os recorrentes, o Decreto 2014‑1359, na medida em que submete determinado software, incluindo o que ostenta a marcação CE, à obrigação de obter um certificado emitido pela autoridade nacional, não se adequa ao direito da União.

26.      Concretamente, defendem que a referida disposição constitui uma medida de efeito equivalente a uma restrição quantitativa à importação. Ao impor uma exigência adicional à certificação de dispositivos médicos prevista na Diretiva 93/42, viola o seu artigo 4.°, n.° 1, nos termos do qual os Estados‑Membros não obstarão à colocação no mercado ou à entrada em serviço dos dispositivos com a marcação CE.

27.      A disposição impugnada, acrescentam os recorrentes, não se pode fundamentar no artigo 8.° da Diretiva 93/42, uma vez que a obrigação de certificação nacional, que se acrescentaria à acreditação conferida pela marcação CE, não constitui uma medida de salvaguarda abrangida pelo referido artigo.

28.      O Conseil d’État, em formação jurisdicional, tem dúvidas quanto ao facto de um software como o ICCA poder ser qualificado como dispositivo médico na aceção do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42. Pede, portanto, ao Tribunal de Justiça a interpretação dessa disposição, para cujo efeito, após suspender a instância, submete a seguinte questão prejudicial:

«Deve a Diretiva [93/42] ser interpretada no sentido de que um programa informático, cujo objeto é propor a quem prescreve receitas médicas e exerce a sua atividade em consultório privado, em estabelecimento de saúde ou em estabelecimento médico social, um apoio na determinação da prescrição de medicamentos, de forma a melhorar a segurança da prescrição, facilitar o trabalho de quem prescreve receitas médicas, favorecer a conformidade da receita com as exigências regulamentares nacionais e diminuir o custo do tratamento mantendo igual qualidade, constitui um dispositivo médico na aceção da referida diretiva, quando o referido programa informático apresenta pelo menos uma funcionalidade que permite a exploração de dados específicos de um paciente com vista a auxiliar o seu médico a determinar a sua prescrição, designadamente mediante a deteção de contraindicações, interações medicamentosas e posologias excessivas, apesar de não atuar no interior ou sobre o corpo humano?»

29.      No presente processo apresentaram observações escritas o SNITEM, os Governos francês e italiano e a Comissão. Na audiência celebrada em 26 de março de 2017, intervieram o SNITEM, o Governo francês e a Comissão.

 III.      Análise da questão prejudicial

 A.      Considerações gerais relativas à marcação CE dos dispositivos médicos

30.      A Diretiva 93/42, que constitui uma medida de harmonização adotada ao abrigo do artigo 100.°‑A do Tratado CE (artigo 114.° TFUE), tem por objetivo favorecer a livre circulação dos dispositivos médicos conformes às suas exigências. Evita, assim, a criação de obstáculos ao comércio intracomunitário que poderia decorrer das diferenças relativamente às medidas legislativas, regulamentares e administrativas em vigor nos Estados‑Membros (9).

31.      O regular funcionamento do mercado interno neste setor, graças ao enquadramento estabelecido pela Diretiva 93/42, exige, também, que seja garantida a segurança e a proteção da saúde dos doentes e utilizadores (10).

32.      A harmonização legislativa realizada pela Diretiva 93/42 é conseguida pela implementação de requisitos essenciais, cujo preenchimento é comprovado pela aposição da marcação CE. Esta marcação indica que os dispositivos que o ostentam foram submetidos a uma avaliação de acordo com o disposto no artigo 11.° da Diretiva 93/42.

33.      Uma vez aplicada a marcação CE, os Estados‑Membros não podem obstar à colocação no mercado nem à entrada em serviço no seu território dos dispositivos que o ostentem (artigo 4.° da Diretiva 93/42). Estes últimos beneficiam, portanto, da presunção de liberdade de circulação, sem que nenhum Estado‑Membro possa pedir que tal dispositivo seja submetido a um novo procedimento de avaliação de conformidade e sem que a referida liberdade possa ser prejudicada por nenhuma outra medida de efeito equivalente a restrições quantitativas à importação (artigo 34.° TFUE) (11).

34.      Os Estados podem apenas obstar à colocação no mercado de um dispositivo médico com marcação CE quando demonstrem que pode pôr em causar a saúde ou a segurança dos seus destinatários. A proteção do interesse geral justifica este tipo de medidas de salvaguarda, fundamentadas numa exigência imperativa tal como a relativa à proteção da saúde. O artigo 8.° da Diretiva 93/42 autoriza os Estados‑Membros a utilizarem essa cláusula de salvaguarda, nos termos que estabelece (entre outros, o de informar imediatamente a Comissão).

35.      Em sentido inverso, quando um dispositivo não se encontre abrangido pelo âmbito de aplicação de uma diretiva de harmonização não será suscetível de ostentar a marcação CE e os Estados‑Membros poderão regulamentar a sua colocação no mercado, desde que não originem uma restrição qualificável como medida de efeito equivalente (12).

36.      O Tribunal de Justiça pronunciou‑se diversas vezes relativamente à interpretação do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42, embora não em relação direta com software.

37.      No acórdão Brain Products (13) afirmou, relativamente ao terceiro travessão da disposição, que um dispositivo (nesse caso, um sistema que permitia registar a atividade cerebral humana) só era um dispositivo médico, na aceção do referido artigo, quando se destinasse a uma finalidade médica.

38.      Na sua análise, o Tribunal de Justiça referiu‑se incidentalmente ao software, considerando que, à luz do considerando 6 da Diretiva 2007/47, cujo artigo 2.° tinha alterado o artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42, «em matéria de softwares, o legislador tornou inequívoco o facto de que, para que estes estejam abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/42, não basta serem utilizados num contexto médico, sendo ainda necessário que a finalidade a que se destinam, definida pelo fabricante, seja especificamente médica» (14).

39.      Da mesma forma, no seu acórdão Oliver Medical (15), o Tribunal de Justiça, ao pronunciar‑se relativamente à classificação pautal dos dispositivos que eram objeto do reenvio prejudicial em causa (destinados ao tratamento de problemas dermovasculares e dermatológicos) deu relevância ao facto de se destinarem a fins médicos: salientou que importa «apreciar a utilização à qual o fabricante destina o produto em causa, bem como as modalidades e o local de utilização do mesmo» (16).

40.      Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça tomou em consideração, como elemento adicional para determinar se um dispositivo se destina a fins médicos, o facto de ostentar a marcação CE (17). A posse desse sinal é particularmente relevante uma vez que, como o acórdão James Elliott Construction declarou, a sua função consiste em conferir ao dispositivo que o ostente a presunção de que preenche os requisitos essenciais da diretiva de harmonização (18).

41.      Uma vez que, tal como foi já referido, o programa ICCA ostenta a marcação CE (que lhe permite proceder livremente à colocação no mercado em dezasseis Estados‑Membros) (19), beneficia da presunção de conformidade com a Diretiva 93/42. Portanto, competiria ao Governo francês refutá‑la, o que — tal como analisarei a seguir — não conseguiu fazer.

 B.      Qualificação jurídica do software ICCA à luz do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42

42.      Para responder ao órgão jurisdicional de reenvio há que esclarecer, em primeiro lugar, se o software ICCA, quando recebeu a marcação CE, foi ou não qualificado corretamente como «dispositivo médico» na aceção do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42.

43.      A aplicação ao caso dos autos do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42, para determinar se as funções desempenhadas pelo programa ICCA se enquadram em alguma das quatro elencadas no referido artigo e assim decidir se tem fins médicos, implica, logicamente, atender às suas características específicas.

44.      O Governo francês defende que o software ICCA não é abrangido pela Diretiva 93/42, uma vez que não constitui um dispositivo médico na aceção do seu artigo 1.°, n.° 2, alínea a). Em coerência com esta premissa, considera que a sua colocação no mercado deve estar sujeita à autorização das autoridades nacionais (concretamente, da Alta Autoridade da Saúde) e rejeita a sua venda livre com fundamento na marcação CE.

45.      Na opinião desse Governo, a funcionalidade do apoio à prescrição integrada no software «não visa nenhuma das quatro finalidades elencadas no artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42». (20) Após referir as conclusões da advogada‑geral E. Sharpston no processo Laboratoires Lyocentre (21), reconhece que, «dada a sua apresentação física e a sua utilização», o software ICCA reúne «os dois primeiros critérios da definição de um dispositivo», na aceção dessa disposição (22).

46.      No que diz respeito ao terceiro critério, o Governo francês remete para o considerando 6 da Diretiva 2007/47, nos termos do qual um software é um dispositivo médico «quando especificamente destinado pelo fabricante a ser utilizado para uma ou várias finalidades médicas estabelecidas na definição de dispositivo médico». Em sua opinião, o software ICCA de apoio à prescrição médica, não responde a nenhuma dessas finalidades, uma vez que: a) não se destina a ser utilizado para fins de diagnóstico nem para fins terapêuticos; e b) não tem como objetivo o estudo, substituição ou alteração da anatomia ou de um processo fisiológico nem o controlo da conceção.

47.      Na descrição das funções do software ICCA que consta do despacho de reenvio destaca a de «apoio na determinação da prescrição de medicamentos, de forma a melhorar a segurança da prescrição». O software, acrescenta o próprio despacho, facilita o trabalho de quem prescreve receitas médicas mediante a deteção de contraindicações, interações medicamentosas e posologias excessivas.

48.      De acordo com os autos, o software ICCA apoia a prescrição de medicamentos nos serviços de anestesia e nas unidades de cuidados intensivos. No primeiro caso, desde a admissão do doente, o software incorpora tanto as informações prévias a uma cirurgia como as disponíveis nos sistemas com os quais o software esteja interligado; analisa e processa esses dados para fornecer ao anestesista informações durante a cirurgia. No que diz respeito às unidades de cuidados intensivos, de reanimação ou de cuidados continuados, o software permite gerir as inúmeras especificidades do doente necessárias para tomar decisões médicas. Em ambos os casos, o software ICCA dispõe de um motor que permite aos médicos e aos profissionais de saúde determinar a prescrição de medicamentos, as eventuais alergias ou a duração dos tratamentos.

49.      Vistas estas funções, parece‑me difícil, contrariando a apreciação do Governo francês, negar que o software ICCA seja «destinado […] especificamente para fins de diagnóstico e/ou terapêuticos», para utilizar os mesmos termos com os quais a Diretiva 2007/47 alterou o artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42.

50.      A leitura das definições de «dispositivo medicinal ativo» e de «dispositivo ativo para diagnóstico», ambas do anexo IX da Diretiva 93/42 (23), reforça essa interpretação. Esta última categoria é composta pelos dispositivos médicos ativos (entre os quais se inclui expressamente o «software, por si só») (24) que, utilizados isoladamente ou em conjunto com outros, forneçam «informações com vista à deteção, diagnóstico, controlo ou tratamento de estados fisiológicos, estados de saúde, doenças ou malformações congénitas».

51.      O software ICCA melhora a prática médica, apoiando na correta (e, nessa medida, evitando a incorreta) prescrição dos medicamentos. É, portanto, um meio instrumental ao serviço dos profissionais de saúde, aos quais facilita as suas tarefas terapêuticas e de controlo dos doentes submetidos a anestesia ou a cuidados intensivos. Quando o médico introduz os dados do doente no software, este ajuda‑o a encontrar o tratamento adequado, prevenindo os problemas que poderiam decorrer de um tratamento inadequado (25).

52.      Contrariamente ao afirmado pelo Governo francês na audiência, não é um software que atue apenas depois de o profissional ter decidido o tratamento adequado, mas sim que o apoia, precisamente, na determinação da prescrição adequada. A finalidade médica que a Diretiva 93/42 exige ao software para o qualificar como dispositivo médico parece verificar‑se claramente no que exibe as características do ICCA.

53.      O ICCA fornece apoio com determinada informação para que o médico prescreva medicamentos de forma mais segura, impedindo desta forma uma prescrição incorreta. Cumpre, portanto, de forma instrumental o objetivo de «prevenção, controlo, tratamento ou atenuação de uma doença».

 C.      Distinção entre software com fins médicos e software de uso geral utilizado no âmbito da assistência médica

54.      Com fundamento no considerando 6 da Diretiva 2007/47, o Tribunal de Justiça acolheu, no acórdão Brain Products (26), a categoria dupla de software com finalidades médicas e «software de uso geral, utilizado num contexto sanitário». Este, ao contrário do primeiro, «não é um dispositivo médico» e deve ser excluído, portanto, do âmbito de aplicação da Diretiva 93/42. Orientação idêntica foi mantida e concretizada de forma mais detalhada no novo Regulamento n.° 2017/745 (27).

55.      A referida distinção encontra‑se no documento de orientação da Comissão MEDDEV 2.1/6 (28) (a seguir «orientações»), relativo à qualificação de software, por si só, usado no setor da saúde.

56.      Essas orientações, embora não sejam juridicamente vinculativas, podem ser tomadas em consideração para uma interpretação sistemática do quadro jurídico aplicável. Com elas a Comissão procurar orientar os fabricantes na aplicação da Diretiva 93/42. Elaborada em colaboração com as autoridades dos Estados‑Membros, os serviços da Comissão, a indústria do setor da saúde e os organismos acreditados nesse setor, reflete a interpretação da legislação seguida na prática (29).

57.      De acordo com as orientações, se um software não efetua nenhuma operação sobre os dados ou esta operação se limita ao armazenamento, ao arquivamento, à comunicação, à simple search (30) ou à compactação de dados sem perda, não pode ser qualificado como dispositivo médico. A contrario sensu, se o software cria ou altera a informação médica para auxiliar o profissional de saúde na utilização da referida informação, poderá constituir um dispositivo médico (31).

58.      O Governo francês, que assume esta dupla classificação, considera que o software ICCA desempenha funções puramente administrativas: arquiva os dados dos doentes, a informação relativa ao preço, à denominação comum internacional e à existência de genéricos dos medicamentos. Será, portanto, uma espécie de base de dados que apoia os profissionais na prescrição, mas não cria nem altera a informação médica. Portanto, é alheio às finalidades do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42 e encontra‑se excluído do seu âmbito de aplicação.

59.      O Governo francês aceita que um software de apoio à prescrição possa integrar módulos ou funcionalidades com fins médicos, tais como o tratamento de dados dos doentes com fins terapêuticos e de diagnóstico ou o aperfeiçoamento de imagens médicas. Nas suas observações escritas e na audiência, admitiu que um software como o ICCA poderia ser considerado dispositivo médico para efeitos da Diretiva 93/42, relativamente a esses módulos. Contudo, defendeu que a questão prejudicial se limita à funcionalidade (ou módulo) de apoio à prescrição de medicamentos do referido software.

60.      Não concordo com esta leitura do despacho de reenvio e entendo que o órgão jurisdicional a quo pergunta se o ICCA, à luz de todas as suas funcionalidades e módulos, é ou não um dispositivo médico. A questão prejudicial não é ambígua a este respeito, uma vez que se refere tanto aos elementos «administrativos ou de gestão» (32) como aos elementos «médicos» (33) do software.

61.      Como é lógico, compete ao tribunal de reenvio decidir em última instância, tomando em consideração as provas documentais (e, eventualmente, periciais) apresentadas no processo, em que medida o software recolhe, analisa e interpreta os dados dos doentes que os profissionais de saúde nele introduzem.

62.      Sem prejuízo dessa ressalva, do que consta do despacho de reenvio e dos anexos às observações apresentadas pelo SNITEM e pela Philips pode deduzir‑se uma resposta favorável à sua tese e contrária à do Governo francês. A recolha, análise e tratamento dos dados do doente, operações pelas quais o software ICCA apoia na deteção das contraindicações, das interações entre medicamentos e das posologias excessivas, afasta esse instrumento informático dos que têm mero caráter administrativo. Tudo indicaria, pelo contrário, que as suas especificidades o aproximam de software com funções especificamente médicas.

63.      As orientações da Comissão exigem, tal como foi já referido, que, para ser qualificado como dispositivo médico, o software não se pode limitar ao armazenamento e ao arquivamento dos dados (34), tendo que proceder à alteração ou à interpretação desses mesmos dados.

64.      Se entendo corretamente as explicações técnicas dos documentos dos autos, isto é precisamente o que se verifica com o software ICCA. A partir dos dados recolhidos relativos ao doente (que podem ter origem noutros sistemas e dispositivos aos quais o referido doente esteja ligado), e com o auxílio dos seus mecanismos de cálculo, o software converte automaticamente os referidos dados em informações úteis para o profissional de saúde, sugerindo‑lhe as doses adequadas de medicamento.

65.      Esta funcionalidade, tal como afirma o Conseil d’État, em formação jurisdicional, na sua questão prejudicial, «permite a exploração de dados específicos de um paciente com vista a auxiliar o seu médico a determinar a sua prescrição» (35). O órgão jurisdicional de reenvio parece assumir, portanto, que o software ICCA vai para além do armazenamento de dados. Desta forma facilita, concretamente, a tarefa do anestesista ou do profissional de cuidados intensivos, para que decidam, mesmo em tempo real e a partir das referências fornecidas pelo programa, o tratamento adequado do doente (36).

66.      Em suma, e salvaguardando, repito, a análise final que compete ao órgão jurisdicional de reenvio, as informações que constam do incidente prejudicial permitem afirmar que as funções do software ICCA são mais do que funções de natureza administrativa, bem como de mero armazenamento e arquivamento de dados, e permitem qualificá‑lo como dispositivo médico.

67.      É significativo, a este respeito (tal como salientam os recorrentes no litígio), que as orientações de outras autoridades nacionais competentes no âmbito da saúde conduzam a conclusões idênticas que, na mesma linha da Comissão, classificam software semelhante ao ICCA como dispositivo médico (37).

68.      Por último, a Agence nationale de sécurité du médicament et des produits de santé (agência francesa para a segurança dos medicamentos e produtos de saúde, «ANSM») afirma no portal web (38) que «com exceção das funções de cálculo de doses individuais, as funções [...] não serão consideradas como definitórias de um dispositivo médico».

69.      A circunstância, salientada pelo tribunal a quo, de o software ICCA não atuar no interior ou sobre o corpo humano não obsta à sua qualificação como dispositivo médico.

70.      Com efeito, tal como alega corretamente a Comissão, na medida em que um software apoia a prescrição médica, tem por finalidade última permitir uma atuação correta sobre o corpo humano, que consiste na toma de medicamentos. Uma vez que a Diretiva 93/42, no seu artigo 1.°, n.° 2, alínea a), não exige um efeito direto do dispositivo, mas apenas o simples «apoio» ao efeito principal, este facto não obsta à qualificação do referido software como «dispositivo médico».

71.      As considerações que precedem levam‑me a considerar que um software com as características do ICCA desempenha funções de caráter médico, para além das puramente administrativas, que se enquadram nas finalidades do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42. Pode, portanto, ser definido como um «dispositivo médico», na aceção dessa diretiva.

 IV.      Conclusão

72.      Atendendo a estas considerações, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial do Conseil d’État, em formação jurisdicional (França) da seguinte forma:

«Sem prejuízo da apreciação final relativa às suas funcionalidades, que compete ao tribunal de reenvio, um software de apoio à prescrição como aquele que é objeto do litígio pode ser qualificado de dispositivo médico, na aceção do artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 93/42/CEE do Conselho, de 14 de julho de 1993, relativa aos dispositivos médicos, quando fornece ao médico a informação pertinente para a deteção de contraindicações, interações medicamentosas e posologias excessivas.»


1      Língua original: espanhol.


2      Diretiva do Conselho, de 14 de junho de 1993, relativa aos dispositivos médicos (JO 1993, L 169, p. 1).


3      A versão espanhola da Diretiva 93/42 utiliza o termo «productos» onde outras utilizam «dispositivos». A alemã («Medizinprodukte») coincide com a espanhola, enquanto a francesa («dispositifs»), a italiana («dispositivi»), a portuguesa («dispositivos»), a inglesa («devices») e a romena («dispozitivele») optam por outra palavra. Não creio, contudo, que essas disparidades terminológicas afetem o software objeto deste litígio.


4      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de setembro de 2007, que altera a Diretiva 90/385/CEE do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos dispositivos medicinais implantáveis ativos, a Diretiva 93/42/CEE do Conselho relativa aos dispositivos médicos e a Diretiva 98/8/CE relativa à colocação de produtos biocidas no mercado (JO 2007, L 247, p. 21).


5      Décret n.° 2014‑1359, du 14 novembre 2014, relatif à l’obligation de certification des logiciels d’aide à la prescription médicale et des logiciels d’aide à la dispensation prévue à l’article L. 161‑38 du code de la sécurité sociale (Decreto n.° 2014‑1359, de 14 de novembro de 2014, relativo à obrigação de certificação de software de apoio à prescrição médica e de software de apoio à venda de medicamentos prevista no artigo L. 161‑38 do Código da Segurança Social (JORF de 15 de novembro de 2014, p. 19255).


6      O Código da Saúde Pública adapta o direito francês à Diretiva 93/42.


7      Anexo 2 das suas observações escritas.


8      A Diretiva 93/42 utiliza a expressão «marcação CE». Outras normas mais recentes do direito da União utilizam para designar este mesmo sinal, os termos «marcação CE» expressão que utilizarei.


9      Acórdão de 24 de novembro de 2016, Lohmann & Rauscher International (C‑662/15, EU:C:2016:903, n.° 27), e jurisprudência aí referida.


10      Proposta de Diretiva do Conselho relativa aos dispositivos medicinais de 23 de agosto de 1991, COM(91) 287 final, exposição dos motivos, p. 3.


11      De acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, «resulta destas disposições que os dispositivos médicos cuja conformidade com os requisitos essenciais da Diretiva 93/42 tenha sido avaliada segundo um dos procedimentos previstos no artigo 11.° desta diretiva e que ostentem a marcação CE devem poder circular livremente em toda a União, sem que os Estados‑Membros possam exigir a sujeição de tal produto a um novo procedimento de avaliação de conformidade. É por esta razão que a Diretiva 93/42 não prevê nenhum mecanismo de controlo da conformidade adicional ou complementar aos previstos no artigo 11.° desta diretiva» (acórdãos de 24 de novembro de 2016, Lohmann & Rauscher International, C‑662/15, EU:C:2016:903, n.° 30, e de 14 de junho de 2007, Medipac‑Kazantzidis, C‑6/05, EU:C:2007:337, n.° 42).


12      Acórdãos de 11 de julho de 1974, Dassonville (8/74, EU:C:1974:82, n.° 5); de 20 de fevereiro de 1979, Rewe‑Zentral, denominada «Cassis de Dijon» (120/78, EU:C:1979:42); de 22 de setembro de 2016, Comissão/República Checa (C‑525/14, EU:C:2016:714, n.os 34 e 25), e de 23 de dezembro de 2015, Scotch Whisky Association (C‑333/14, EU:C:2015:845, n.° 31).


13      Acórdão de 22 de novembro de 2012, Brain Products (C‑219/11, EU:C:2012:742).


14      Ibidem, n.° 17.


15      Acórdão de 4 de março de 2015, Oliver Medical (C‑547/13, EU:C:2015:139, n.° 50 e segs.)


16      Ibidem, n.° 52.


17      Ibidem, n.° 53.


18      Acórdão de 27 de outubro de 2016, James Elliott Construction (C‑613/14, EU:C:2016:821, n.os 38 e 39). No acórdão de 16 de outubro de 2014, Comissão/Alemanha (C‑100/13, não publicado, EU:C:2014:2293, n.° 63), o Tribunal de Justiça considerou que um Estado‑Membro não pode exigir a produtos de construção que utilizam e ostentam corretamente a marcação «CE» uma marcação nacional adicional com o pretexto de as regras harmonizadas serem incompletas.


19      N.° 83 das observações dos demandantes.


20      N.° 21 das suas observações escritas.


21      Processo C‑109/12, EU:C:2013:353, n.° 38. Para a advogada‑geral E. Sharpston, um dispositivo médico inclui os seguintes elementos definitórios: i) a sua apresentação física (pode ser «qualquer instrumento, aparelho, equipamento, material ou outro artigo»); ii) a sua utilização («em seres humanos»); iii) os seus fins (as quatro categorias de funções elencadas no artigo 1.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva relativa a dispositivos médicos); e iv) os meios de alcançar o seu principal efeito ou modo de ação pretendido (que não possa ser alcançado «no corpo humano [...] por meios farmacológicos, imunológicos ou metabólicos, embora a sua função possa ser apoiada por esses meios»).


22      N.° 23 das suas observações escritas.


23      V. ponto 11 destas conclusões.


24      Embora considere que o ICCA constitui um software por si só, não acessório de outro dispositivo, esta circunstância perderá relevância, provavelmente, no futuro próximo. No Regulamento (UE) n.° 2017/745 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de abril de 2017, relativo aos dispositivos médicos, que altera a Diretiva 2001/83/CE, o Regulamento (CE) n.° 178/2002 e o Regulamento (CE) n.° 1223/2009 e que revoga as Diretivas 90/385/CEE e 93/42/CEE do Conselho (JO 2017, L 117, p. 1), prescindiu‑se da expressão «por si só» para considerar que todo o software é um dispositivo ativo (artigo 2.°, n.° 4).


25      É óbvio que a prescrição inapropriada de um medicamento, sem tomar em consideração as suas eventuais contraindicações ou as suas interações com outros medicamentos, ou sem processar informação suficiente relativa à dose adequada, pode agravar o estado do doente ou provocar novos problemas de saúde.


26      Acórdão de 22 de novembro de 2012, Brain Products (C‑219/11, EU:C:2012:742, n.° 16).


27      Nos termos do considerando 19 do Regulamento n.° 2017/745: «É necessário clarificar que o software, por si só, é qualificado como dispositivo médico quando especificamente destinado pelo fabricante a ser utilizado para um ou vários fins médicos indicados na definição de dispositivo médico, ao passo que o software de uso geral, mesmo quando utilizado num contexto de saúde, ou o software previsto para fins relacionados com o estilo de vida e o bem‑estar, não são um dispositivo médico. A qualificação de um software, quer como dispositivo quer como acessório, deverá ser independente da localização do software ou do tipo de interconexão entre este e um dispositivo».


28      «Guidelines on the qualification and classification of stand alone software used in healthcare within the regulatory framework of medical devices» — MEDDEV 2.1/6. A versão de janeiro de 2012 foi alterada pela versão de julho de 2016.


29      V. as conclusões do advogado‑geral P. Mengozzi no processo Brain Products (C‑219/11, EU:C:2012:299, n.° 14).


30      Nos termos das MEDDEV 2.1/6, p. 11, «“simple search” refers to the retrieval of records by matching record metadata against record search criteria, e.g. library functions. Simple search does not include software which provides interpretative search results, e.g. to identify medical findings in health records or on medical images».


31      Nos termos das MEDDEV 2.1/6, p. 11, «software which is intended to create or modify medical information might be qualified as a medical device. If such alterations are made to facilitate the perceptual and/or interpretative tasks performed by the healthcare professionals when reviewing medical information (e.g. when searching the image for findings that support a clinical hypothesis as to the diagnosis or evolution of therapy) the software could be a medical device».


32      «[software], cujo objeto é propor a quem prescreve receitas médicas e exerce a sua atividade em consultório privado, em estabelecimento de saúde ou em estabelecimento médico social, um apoio na determinação da prescrição de medicamentos, de forma a melhorar a segurança da prescrição, facilitar o trabalho de quem prescreve receitas médicas, favorecer a conformidade da receita com as exigências regulamentares nacionais e diminuir o custo do tratamento mantendo igual qualidade».


33      «[...] o referido [software] apresenta pelo menos uma funcionalidade que permite a exploração de dados específicos de um paciente com vista a auxiliar o seu médico a determinar a sua prescrição, designadamente mediante a deteção de contraindicações, interações medicamentosas e posologias excessivas [...]».


34      Por exemplo, o sistema informático de gestão de um hospital não seria um dispositivo médico. Assim o indicam as MEDDEV 2.1/6, p. 19, «Hospital Information Systems mean, in this context, systems that support the process of patient management. Typically they are intended for patient admission, for scheduling patient appointments, for insurance and billing purposes. These Hospital Information Systems are not qualified as medical devices».


35      O sublinhado é meu.


36      Exemplos de software qualificados como dispositivos médicos e que desempenham funções equiparáveis às do software ICCA são referidas pelas MEDDEV 2.1/6, p. 20, nestes termos: «In general, they are computer based tools which combine medical knowledge databases and algorithms with patient specific data. They are intended to provide healthcare professionals and/or users with recommendations for diagnosis, prognosis, monitoring and treatment of individual patients. Based on steps 3, 4, and 5 of Figure 1, they are qualified as medical devices: — Radiotherapy treatment planning systems are intended to calculate the dosage of ionizing irradiation to be applied to a specific patient. They are considered to control, monitor or directly influence the source of ionizing radiation and are qualified as medical devices. — Drug (e.g.: Chemotherapy) planning systems are intended to calculate the drug dosage to be administered to a specific patient and therefore are qualified as medical devices [...]».


37      A Medicines & Healthcare products Regulatory Agency (MHRA) do Reino Unido estabelece nas suas orientações «Medical device stand‑alone software including apps» (2016) que um software de apoio à decisão constitui um dispositivo médico, quando aplica um raciocínio automático. A Lægemiddelstyrelsen dinamarquesa, no seu «Guidance for manufacturers on health apps and software as medical devices» (2015), clarifica que o facto de um software incluir uma função de cálculo leva a pensar que constitui um dispositivo médico. Em termos análogos exprime‑se o Bundesinstitut für Arzneimittel und Medizinprodukte (BfArM), da República Federal Alemã, cujas orientações «Differentiation between apps and medical or other devices as well as on the subsequent risk classification according to the MPG» (2015) distingue entre software que calcula a dose dos medicamentos (qualificável como dispositivo médico) e o que reproduz apenas a informação a partir da qual os utilizadores podem deduzir, por si mesmos, as doses. Assegura, também, que o software de apoio à decisão constitui geralmente um dispositivo médico.


38      http://ansm.sante.fr/Activites/Mise‑sur‑le‑marche‑des‑dispositifs‑medicaux‑et‑dispositifs‑medicaux‑de‑diagnostic‑in‑vitro‑DM‑DMIA‑DMDIV/Logiciels‑et‑applications‑mobiles‑en‑sante/%28offset%29/1