Language of document : ECLI:EU:T:2024:131

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

28 de fevereiro de 2024 (*)

«Política económica e monetária — Supervisão prudencial das instituições de crédito — Artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 — Exercício direto pelo BCE do poder de uma autoridade competente de acordo com a legislação aplicável da União — Imposição de juros de recuperação pelo direito austríaco em caso de violação do artigo 395.o do Regulamento (UE) n.o 575/2013 — Competência do BCE — Artigo 65.o, n.o 1, e artigo 70.o da Diretiva 2013/36/UE — Proporcionalidade»

No processo T‑667/21,

BAWAG PSK Bank für Arbeit und Wirtschaft und Österreichische Postsparkasse AG, com sede em Viena (Áustria), representado por H. Bälz, D. Bliesener, M. Bsaisou e G. Tönningsen, advogados,

recorrente,

contra

Banco Central Europeu (BCE), representado por K. Lackhoff, J. Poscia e M. Ioannidis, na qualidade de agentes,

recorrido,

apoiado por:

República da Áustria, representada por J. Schmoll e F. Koppensteiner, na qualidade de agentes,

interveniente,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada),

composto por: F. Schalin, presidente, P. Škvařilová‑Pelzl, I. Nõmm (relator), G. Steinfatt e D. Kukovec, juízes,

secretário: H. Eriksson, administradora,

vistos os autos,

após a audiência de 28 de março de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, o recorrente, BAWAG PSK Bank für Arbeit und Wirtschaft und Österreichische Postsparkasse AG, pede a anulação da decisão do Banco Central Europeu (BCE) ECB‑SSM‑2021‑ATBAW‑7‑ESA‑2018‑0000126, de 2 de agosto de 2021, adotada em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e n.o 3, bem como do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 1024/2013 do Conselho, de 15 de outubro de 2013, que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito (JO 2013, L 287, p. 63), lidos em conjugação com o artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 575/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativo aos requisitos prudenciais para as instituições de crédito e para as empresas de investimento e que altera o Regulamento (UE) n.o 648/2012 (JO 2013, L 176, p. 1; retificações no JO 2013, L 208, p. 68, e no JO 2013, L 321, p. 6), e com o § 97.o, n.o 1, ponto 2, da Bundesgesetz über das Bankwesen (Bankwesengesetz) (Lei relativa à Atividade Bancária), de 30 de julho de 1993 (BGBl. 532/1993), na redação que lhe foi dada pela Bundesgesetz, mit dem das Bankwesengesetz, das Börsegesetz 2018, das Finalitätsgesetz, das Finanzmarkt‑Geldwäsche‑Gesetz, das Sania und Abwicklungsgesetz, das Wertpapieraufsichtsgesetz 2018 und das Zentrale Gegenparteien‑Vollzugsgesetz geändert werden (Lei Federal que Altera a Lei relativa à Atividade Bancária, a Lei relativa às Bolsas 2018, a Lei relativa ao Caráter Definitivo da Liquidação, a Lei relativa ao Branqueamento de Capitais nos Mercados Financeiros, a Lei relativa ao Saneamento e Liquidação, a Lei relativa à Supervisão dos Valores Mobiliários 2018 e a Lei relativa à Execução das Contrapartidas Centrais), de 28 de maio de 2021 (BGBl. I, 98/2021) (a seguir «BWG»).

 Antecedentes do litígio

2        O recorrente é uma instituição de crédito austríaca pertencente ao grupo de sociedades BAWAG e é responsável pelas atividades bancárias do grupo BAWAG. A sua sociedade‑mãe é a BAWAG Group AG, uma holding financeira. Está sujeito à supervisão prudencial direta do BCE.

3        Em 2016, o recorrente adquiriu indiretamente uma carteira de empréstimos imobiliários residenciais em França, constituída por cerca de 20 000 empréstimos, principalmente empréstimos imobiliários garantidos num montante total inicial de cerca de 1,4 mil milhões de euros, bem como direitos acessórios e garantias associados (a seguir «carteira Vermeer»).

4        A aquisição foi efetuada a duas instituições de crédito francesas — My Money Bank SCA e GE SCF SCA. A fim de transferir os empréstimos subjacentes e as respetivas garantias sem alterar a totalidade dos contratos que lhes diziam respeito, procedeu‑se a uma titularização prévia da carteira Vermeer. A referida carteira foi transferida para o FCT Pearl, um fundo comum sem personalidade jurídica, criado em 10 de agosto de 2016, unicamente na perspetiva dessa aquisição e tendo como sociedade de gestão a Eurotitrisation SA. O depositário do fundo, Société Générale SA, é responsável pela custódia dos ativos do fundo e pela supervisão da sociedade gestora. O My Money Bank foi designado órgão de gestão dos empréstimos que constituem os ativos do FCT Pearl (a seguir «empréstimos subjacentes» ou «posições em risco subjacentes»).

5        O recorrente adquiriu a totalidade das participações do FCT Pearl em dezembro de 2016, tornando‑se assim no beneficiário efetivo. Recebe, a este título, os reembolsos (capital e juros) dos empréstimos subjacentes. No entanto, não participa na gestão operacional do fundo, que depende da sociedade de gestão e do depositário do fundo, nem na gestão operacional dos empréstimos subjacentes, que pertence ao My Money Bank.

6        De 20 de janeiro a 31 de março de 2017, o BCE procedeu a uma inspeção no local, nas instalações do recorrente, em aplicação do artigo 12.o do Regulamento n.o 1024/2013 e dos artigos 143.o a 146.o do Regulamento (UE) n.o 468/2014 do BCE, de 16 de abril de 2014, que estabelece o quadro de cooperação, no âmbito do Mecanismo Único de Supervisão, entre o BCE e as autoridades nacionais competentes e com as autoridades nacionais designadas (JO 2014, L 141, p. 1).

7        Neste âmbito, o BCE examinou, nomeadamente, o método seguido pelo recorrente para determinar a sua posição em risco global relativamente à carteira Vermeer à luz dos requisitos do Regulamento n.o 575/2013 relativos aos grandes riscos. A este título, salientou que o recorrente não possuía dados que permitissem a identificação de cada um dos devedores dos empréstimos subjacentes. O BCE concluiu que o recorrente não podia utilizar a metodologia baseada «na transparência», prevista no artigo 390.o, n.o 7, do Regulamento n.o 575/2013, para determinar o nível da sua posição em risco relativamente à carteira Vermeer, que permite calcular o valor da posição em risco nas posições em risco subjacentes em vez do da própria operação.

8        O BCE considerou que, em aplicação do artigo 6.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento Delegado (UE) n.o 1187/2014 da Comissão, de 2 de outubro de 2014, que complementa o Regulamento n.o 575/2013 no que se refere às normas técnicas de regulamentação relativas à determinação do risco global sobre um cliente ou grupo de clientes ligados entre si no que diz respeito às operações com ativos subjacentes (JO 2014, L 324, p. 1), cada uma das posições em risco subjacentes, relativamente à qual o devedor não foi identificado, deve ser atribuída à própria operação, o FCT Pearl, enquanto cliente distinto. Daí resultou que o tratamento da carteira Vermeer, ao abrigo do regime aplicável aos grandes riscos, revelava que tinha sido excedido o limite de 25 % dos fundos próprios elegíveis fixado pelo artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013.

9        A este respeito, o BCE não seguiu a argumentação do recorrente de que a falta de dados que permitissem identificar cada mutuário individual da carteira Vermeer pelo seu nome, endereço e data de nascimento não o impedia de identificar os mutuários ao abrigo do regime aplicável aos grandes riscos. Por um lado, o recorrente sublinhou ter recebido um conjunto completo de 93 tipos de dados para cada empréstimo subjacente e respetivas cauções, 21 dos quais foram objeto de atualização diária e 43 de atualização mensal. Por outro lado, no que respeita a 3 desses 93 tipos de dados (nome, data de nascimento e endereço), explicou que, por se tratar de dados pessoais de caráter muito sensível, por força de um acordo sobre a proteção de dados, estes lhe foram facultados em formato codificado, mas que é possível divulgá‑los em formato descodificado caso se entenda necessário para que o recorrente cumpra os requisitos da regulamentação.

10      Por conseguinte, na 9.a conclusão do seu relatório de inspeção de 10 de maio de 2017, o BCE considerou que, no que respeita à carteira Vermeer, o recorrente tinha violado o limite da posição em risco face aos grandes riscos previsto no artigo 395.o do Regulamento n.o 575/2013.

11      Em 1 de setembro de 2017, o recorrente informou o BCE de que o dispositivo aplicável à comunicação dos dados de identificação relativos aos devedores dos empréstimos subjacentes seria alterado a partir de meados de setembro, quando a sua encarregada da proteção de dados estaria em condições de identificar cada devedor de cada posição em risco subjacente no âmbito da carteira Vermeer.

12      Em 20 de setembro e em 30 de outubro de 2017, a Finanzmarktaufsichtsbehörde (Autoridade de Supervisão dos Mercados Financeiros, Áustria) (a seguir «FMA») pediu ao recorrente que lhe facultasse um quadro que identificasse os fundos próprios elegíveis e especificasse o montante mais elevado atingido dado ter sido excedido o limite face aos grandes riscos, em base individual e em base consolidada, para cada mês durante o período compreendido entre dezembro de 2016 e setembro de 2017. O recorrente facultou à FMA as informações solicitadas.

13      Em 17 de fevereiro de 2021, o BCE transmitiu ao recorrente um projeto de decisão, para permitir ao recorrente apresentar as suas observações. Em 2 de março de 2021, o recorrente apresentou as suas observações escritas sobre esse projeto de decisão.

14      Em 29 de junho de 2021, o BCE deu ao recorrente a possibilidade de apresentar novas observações sobre uma versão alterada do projeto de decisão, em razão das alterações introduzidas ao § 97, n.o 1, do BWG. O recorrente reiterou as observações que tinha feito em 2 de março de 2021.

15      Em 2 de agosto de 2021, o BCE adotou a Decisão ECB/SSM/2021‑ATBAW‑7‑ESA‑2018‑0000126, em aplicação do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), e do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013, lido em conjugação com o artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013 e o § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG, que impõe ao recorrente o pagamento de juros de recuperação no montante de 19 332 923,82 euros (a seguir «decisão impugnada»).

16      Em primeiro lugar, o BCE, referindo‑se ao seu relatório final de inquérito, considerou que o recorrente dispunha apenas das informações que lhe permitiam identificar o montante de cada uma das posições em risco subjacentes à carteira Vermeer e não a identidade de cada um dos devedores em causa, uma vez que lhe eram facultadas as informações relevantes num formato codificado e que, portanto, deveria ter aplicado o artigo 6.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1187/2014 para determinar a contribuição das referidas posições subjacentes à posição em risco.

17      Em segundo lugar, o BCE, à luz das informações prestadas pelo recorrente à FMA, considerou que, em aplicação do artigo 6.o, n.o 2, alínea a), do Regulamento Delegado n.o 1187/2014, este tinha excedido o limite de 25 % dos seus fundos próprios elegíveis da posição em risco relativamente ao FCT Pearl durante dez meses consecutivos entre dezembro de 2016 e setembro de 2017.

18      Em terceiro lugar, o BCE considerou que decorria dos artigos 4.o, n.o 1, alínea d), e n.o 3, bem como do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1024/2013 o direito de impor juros de recuperação ao recorrente em aplicação do § 97 do BWG, o que foi qualificado de «medida administrativa», na aceção do artigo 65.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa ao acesso à atividade das instituições de crédito e à supervisão prudencial das instituições de crédito e empresas de investimento, que altera a Diretiva 2002/87/CE e revoga as Diretivas 2006/48/CE e 2006/49/CE (JO 2013, L 176, p. 338), no Acórdão de 7 de agosto de 2018, VTB Bank (Austria) (C‑52/17, EU:C:2018:648). Além disso, salientou que a alteração introduzida no § 97 do BWG em 28 de maio de 2021 era irrelevante. Por um lado, a exceção acrescentada por esta alteração apenas diz respeito aos excessos relativos a posições em risco abrangidas pela carteira de negociação, as quais são autorizadas, sob certas condições, pelo artigo 395.o, n.o 5, do Regulamento n.o 575/2013. Por outro lado, as posições em risco relativas ao FCT Pearl não foram classificadas pelo recorrente na sua carteira de negociação, mas fora desta.

19      Em quarto lugar, consequentemente, o BCE impôs ao recorrente juros de recuperação no montante de 19 332 923,82 euros, dos quais 10 159 572,31 euros relativos à violação do artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013 numa base individual, e 9 173 351,51 euros numa base consolidada.

 Pedidos das partes

20      O recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o BCE nas despesas.

21      O BCE e a República da Áustria concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

22      Em apoio do seu recurso, o recorrente invoca, em substância, seis fundamentos, relativos, respetivamente, primeiro, à incompetência do BCE para impor juros de recuperação; segundo, à prescrição da imposição de juros de recuperação; terceiro, a erros de direito e de apreciação do BCE na constatação de uma infração que lhe é imputável; quarto, à violação do princípio da proporcionalidade; quinto, à violação da sua obrigação de ter em conta todos os elementos pertinentes do caso vertente e, sexto, subsidiariamente, a erros de cálculo no montante dos juros de recuperação impostos.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à incompetência do BCE

23      O recorrente sustenta que o Regulamento n.o 1024/2013, nomeadamente o seu artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, segundo período, não delega no BCE a competência para impor juros de recuperação ao abrigo do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG e que o BCE só podia, em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1024/2013, pedir à FMA que exerça esse poder que o direito austríaco lhe reconhece. Acrescenta que o Acórdão de 7 de agosto de 2018, VTB Bank (Austria) (C‑52/17, EU:C:2018:648), é irrelevante.

24      O BCE, apoiado pela República da Áustria, considera que era competente para aplicar o § 97, n.o 2, do BWG, uma vez que se trata de um poder conferido «[pela] legislação aplicável da União» na aceção do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, segundo período, do Regulamento n.o 1024/2013 e alega que a sua competência para impor juros de recuperação resulta implicitamente do Acórdão de 7 de agosto de 2018, VTB Bank (Austria) (C‑52/17, EU:C:2018:648).

25      Através da decisão impugnada, o BCE impôs juros de recuperação ao recorrente, com base no § 97, n.o 1, ponto 2, da BWG, em razão da violação, por este último, do artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013.

26      Segundo o artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013, na redação vigente no período controvertido, «[o] valor dos riscos sobre um cliente ou grupo de clientes ligados entre si não pode exceder 25 % dos fundos próprios elegíveis da instituição que os assume, depois de ter em conta o efeito da redução do risco de crédito nos termos dos artigos 399.o a 403.o[; q]uando esse cliente for uma instituição ou um grupo de clientes ligados entre si, em que se inclui uma ou mais instituições, esse valor não pode exceder 25 % dos fundos próprios elegíveis da instituição ou 150 milhões [de euros], consoante o que for mais elevado, desde que a soma dos valores do risco, depois de ter em conta o efeito da redução do risco de crédito nos termos dos artigos 399.o a 403.o, de todos os clientes ligados entre si que não sejam instituições, não exceda 25 % dos fundos próprios elegíveis da instituição».

27      Nos termos do § 97, n.o 1, ponto 2, da BWG:

«A FMA deve impor juros às instituições de crédito, às empresas responsáveis nos termos do § 30, n.o 6, [da presente lei] e ao organismo central, no caso de uma associação de instituições de crédito nos termos do § 30‑a da referida lei, nos seguintes montantes: […] 2 % do excedente dos limites aplicáveis aos grandes riscos conforme previstos no artigo 395.o, n.o 1, do [Regulamento n.o 575/2013], calculados anualmente, por 30 dias, salvo no caso de ter sido autorizado a exceder o limite em conformidade com o artigo 395.o, n.o 5, [deste regulamento], de terem sido adotadas medidas de supervisão nos termos do § 70, n.o 2, ou de sobre‑endividamento da instituição de crédito.»

28      Nos termos do artigo 4.o, n.o 1, alínea d), do Regulamento n.o 1024/2013, foi confiada ao BCE a missão de «assegurar o cumprimento dos atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo, que impõem requisitos prudenciais às instituições de crédito em matéria de […] limites aos grandes riscos». Segundo o artigo 4.o, n.o 3, do referido regulamento, para «efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento e com o objetivo de assegurar elevados padrões de supervisão, o BCE aplica a legislação aplicável da União e, no caso de diretivas, a legislação nacional que as transpõe[; c]aso a legislação aplicável da União seja constituída por regulamentos, e nos casos em que esses regulamentos concedam taxativamente certas opções aos Estados‑Membros, o BCE deve aplicar, também, a legislação nacional relativa ao exercício dessas opções». Além disso, uma vez que o recorrente é uma entidade significativa, na aceção do artigo 6.o, n.o 4, do Regulamento n.o 1024/2013, o exercício desta atribuição cabe diretamente ao BCE e não às autoridades nacionais no âmbito do mecanismo único de supervisão (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, Landeskreditbank Baden‑Württemberg/BCE, T‑122/15, EU:T:2017:337, n.o 63).

29      Por conseguinte, o BCE é competente para assegurar o cumprimento do artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013 pelo recorrente, o que este último não põe em causa.

30      Em contrapartida, o recorrente contesta a competência do BCE para impor juros de recuperação em aplicação do § 97 do BWG com fundamento no artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, segundo período, do Regulamento n.o 1024/2013.

31      Em primeiro lugar, há que salientar que o artigo 9.o do Regulamento n.o 1024/2013 figura no topo do capítulo III deste regulamento, intitulado «Poderes do BCE», e que o próprio artigo tem por epígrafe «Poderes de supervisão e de investigação». Este artigo dispõe:

«1. Exclusivamente para efeitos do exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo artigo 4.o, n.o 1 e n.o 2, e pelo artigo 5.o, n.o 2, o BCE deve ser considerado, se adequado, a autoridade competente ou a autoridade designada nos Estados‑Membros participantes de acordo com a legislação aplicável da União.

Exclusivamente para esse mesmo efeito, o BCE dispõe de todos os poderes e está sujeito às obrigações que se encontram previstos no presente regulamento. Dispõe também de todos os poderes e está sujeito às mesmas obrigações que a legislação aplicável da União atribui às autoridades competentes e às autoridades nacionais designadas, salvo disposição em contrário do presente regulamento. O BCE dispõe, em particular, dos poderes enumerados nas Secções 1 e 2 do presente capítulo.

Na medida do necessário para o exercício das atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento, o BCE pode, por meio de instruções, exigir que essas autoridades nacionais exerçam os seus poderes, nos termos e nas condições estabelecidas no direito nacional, sempre que o presente regulamento não confira esses poderes ao BCE. Essas autoridades nacionais informam cabalmente o BCE sobre o exercício desses poderes.

2. O BCE exerce os poderes a que se refere o n.o 1 do presente artigo de acordo com os atos a que se refere o artigo 4.o, n.o 3, primeiro parágrafo. No exercício dos respetivos poderes de supervisão e de investigação, o BCE e as autoridades nacionais competentes devem cooperar estreitamente.

[…]»

32      Assim, o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1024/2013 enuncia que, para o exercício das suas atribuições prudenciais, o BCE é a autoridade competente e dispõe, a esse título, de três categorias de poderes de supervisão e de investigação.

33      Primeiro, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, primeiro período, do Regulamento n.o 1024/2013, o BCE dispõe dos poderes previstos neste regulamento. Constam da secção 1 (poderes de investigação) e da secção 2 (poderes de supervisão específicos) do capítulo III do referido regulamento. Trata‑se de pedidos de informações (artigo 10.o), de investigações de caráter geral (artigo 11.o), de inspeções no local (artigos 12.o e 13.o), de autorização (artigo 14.o) e, de um modo mais geral, do conjunto dos poderes elencados no artigo 16.o, sob a epígrafe «Poderes de supervisão». Além disso, dispõe do poder de aplicar sanções administrativas, previsto no artigo 18.o deste mesmo regulamento.

34      Segundo, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, segundo período, do Regulamento n.o 1024/2013, o BCE dispõe dos poderes que a «legislação aplicável da União atribui às autoridades competentes […], salvo disposição em contrário do presente regulamento». Foi com este fundamento que o BCE considerou que dispunha dos poderes reconhecidos à FMA pelo § 97 do BWG.

35      Por último, terceiro, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 1024/2013, o BCE pode dar instruções às autoridades nacionais para que «exerçam os seus poderes, nos termos e nas condições estabelecidas no direito nacional, sempre que o presente regulamento não confira esses poderes ao BCE». O recorrente sustenta, em substância, que era este o parágrafo aplicável, pelo que o BCE não podia impor, por si mesmo, juros de recuperação, mas deveria ter dado instruções nesse sentido à FMA.

36      Em segundo lugar, importa observar que a «legislação aplicável da União» referida no artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, segundo período, do Regulamento n.o 1024/2013 é a que constitui o quadro jurídico que rege a supervisão prudencial das instituições de crédito. Este quadro jurídico é constituído, nomeadamente, além do Regulamento n.o 1024/2013, pelo Regulamento n.o 575/2013 e pela Diretiva 2013/36, os quais devem ser lidos em conjunto, em aplicação dos seus considerandos 5 e 2, respetivamente. Os poderes das autoridades competentes em matéria de supervisão prudencial das instituições de crédito estão previstos no título VII da Diretiva 2013/36.

37      O artigo 65.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 tem a seguinte redação:

«Sem prejuízo dos poderes de supervisão das autoridades competentes a que se refere o artigo 64.o e do direito dos Estados‑Membros de preverem e imporem sanções penais, os Estados‑Membros estabelecem regras relativas [a] sanções administrativas e outras medidas administrativas a aplicar às infrações às disposições legais nacionais de transposição da presente diretiva e ao [Regulamento n.o 575/2013] e tomam as medidas necessárias para garantir a respetiva aplicação […].»

38      Nos termos do artigo 67.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, «[o] presente artigo aplica‑se pelo menos em qualquer das seguintes situações: […] k) a instituição incorrer em riscos superiores aos limites fixados no artigo 395.o do Regulamento (UE) n.o 575/2013». O artigo 67.o, n.o 2, da mesma diretiva dispõe que «[o]s Estados‑Membros asseguram que, nas situações a que se refere o n.o 1, as sanções administrativas e outras medidas administrativas que podem ser aplicadas incluam, pelo menos, os seguintes elementos […]». Em seguida, figura uma lista de sanções e outras medidas administrativas, a qual não inclui a imposição de juros de recuperação.

39      Assim, decorre da Diretiva 2013/36 que, por um lado, cabe aos Estados‑Membros determinar as sanções administrativas e outras medidas administrativas que podem ser aplicadas em caso de infração, nomeadamente, ao Regulamento n.o 575/2013 e, por outro, os Estados‑Membros estão obrigados a prever determinadas sanções e medidas administrativas e são livres de prever outras adicionais.

40      Em terceiro lugar, consequentemente, a resolução do presente fundamento depende da questão de saber se a expressão «que a legislação aplicável da União atribui» que figura no artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, segundo período, do Regulamento n.o 1024/2013 inclui um poder das autoridades nacionais que não está expressamente previsto no artigo 67.o, n.o 2, da Diretiva 2013/36, mas está abrangido pela qualificação de «medidas administrativas» na aceção do artigo 65.o, n.o 1, desta mesma diretiva ou se, pelo contrário, o exercício desse poder continua a ser da exclusiva competência das autoridades nacionais, devendo o BCE dar‑lhes instruções para o exercerem, em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, terceiro parágrafo, do referido regulamento.

41      Primeiro, importa, a este respeito, salientar que a expressão «que a legislação aplicável da União confere» foi interpretada no sentido de que inclui todos os poderes decorrentes do quadro jurídico estabelecido por uma diretiva, quer resultem de uma obrigação ou de uma faculdade de o Estado‑Membro legislar, por oposição ao reconhecimento, por essa mesma diretiva, do poder dos Estados‑Membros de preverem, nos termos do direito nacional, disposições mais favoráveis fora do quadro do regime estabelecido por essa diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 10 de março de 2016, Safe Interenvíos, C‑235/14, EU:C:2016:154, n.o 79 e jurisprudência referida).

42      Segundo, decorre do Acórdão de 7 de agosto de 2018, VTB Bank (Austria) (C‑52/17, EU:C:2018:648), que a imposição de juros de recuperação está abrangida pelo regime jurídico estabelecido pela Diretiva 2013/36.

43      Com efeito, foi considerado, relativamente a uma versão anterior do § 97 do BWG, que a imposição de juros de recuperação ao abrigo desta disposição se assemelha a uma medida administrativa abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 65.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, sendo irrelevante a circunstância de não serem elencados na lista que figura no artigo 67.o, n.o 2, da Diretiva 2013/36, uma vez que resulta da redação desta disposição que essa lista não é exaustiva e que o artigo 65.o, n.o 1, prevê que os Estados‑Membros tomem todas as medidas que considerem necessárias para garantir a aplicação da referida diretiva e do Regulamento n.o 575/2013 [Acórdão de 7 de agosto de 2018, VTB Bank (Austria), C‑52/17, EU:C:2018:648, n.os 31 a 44].

44      Mais especificamente, o Tribunal de Justiça salientou que, em conformidade com o considerando 9 do Regulamento n.o 575/2013, a fim de evitar distorções do mercado e arbitragens regulatórias, requisitos prudenciais mínimos, adotados pelo direito da União Europeia, deverão garantir uma harmonização máxima e daí concluiu que, caso sejam excedidos os limites previstos no artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013, os Estados‑Membros estão obrigados a impor às instituições de crédito não uma medida prevista no seu direito nacional mas uma sanção administrativa ou outra medida administrativa, na aceção do artigo 65.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 [Acórdão de 7 de agosto de 2018, VTB Bank (Austria), C‑52/17, EU:C:2018:648, n.o 41].

45      Terceiro, daqui resulta que a circunstância de a imposição de juros de recuperação não estar elencada na lista que figura do artigo 67.o, n.o 2, da Diretiva 2013/36 não obsta a que esteja abrangida pelo regime jurídico estabelecido por esta mesma diretiva. Consequentemente, assemelha‑se a um poder que «a legislação aplicável da União» na aceção do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, segundo período, do Regulamento n.o 1024/2013, atribui à FMA.

46      Deste modo, o BCE era competente para impor diretamente à recorrente juros de recuperação.

47      O presente fundamento é, portanto, improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

48      O recorrente alega, em substância, que o BCE violou o princípio da proporcionalidade ao impor‑lhe juros de recuperação ao abrigo do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG. A este respeito, alega, nomeadamente, por um lado, que a decisão impugnada é desproporcionada, uma vez que não toma em consideração o facto de a sua pretensa falta se limitar a ter, inicialmente, facultado os nomes, endereços e datas de nascimento dos mutuários num formato codificado, apesar de ter optado por essa abordagem por uma razão legítima, a saber, respeitar os requisitos em matéria de proteção de dados e minimizar o tratamento inútil dos dados pessoais e, por outro, que, para assegurar o respeito dos requisitos em matéria de grande risco previstos no artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013, eram transmitidos dados suplementares num formato não codificado.

49      Interrogado na audiência, o BCE confirmou que se tinha baseado na interpretação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG seguida pelos tribunais austríacos segundo a qual a imposição de juros de recuperação tem caráter automático quando os pressupostos desta disposição se verificam. O BCE sustentou, em substância, que estava obrigado a aplicar o referido § 97, n.o 1, ponto 2, da BWG, uma vez que esta disposição não é, em si mesma, desproporcionada. Nos seus articulados, refuta também o mérito dos argumentos do recorrente para demonstrar o caráter desproporcionado dos juros de recuperação no caso vertente.

50      A este respeito, a República da Áustria, tanto no seu pedido de intervenção como na audiência, confirmou que o § 97, n.o 1, ponto 2, da BWG é interpretado pelos tribunais austríacos no sentido de que a imposição de juros de recuperação ocorre automaticamente quando se verificam os pressupostos neste previstos.

51      O artigo 65.o, n.o 1, último período, da Diretiva 2013/36 precisa que as «sanções administrativas e outras medidas administrativas devem ser efetivas, proporcionadas e dissuasivas».

52      Segundo o artigo 70.o da Diretiva 2013/36, sob a epígrafe «Aplicação efetiva das sanções e exercício dos poderes sancionatórios pelas autoridades competentes»:

«Os Estados‑Membros asseguram que, ao determinar o tipo de sanções administrativas ou outras medidas administrativas e o nível das coimas, as autoridades competentes tenham em consideração todas as circunstâncias relevantes, nomeadamente, e se for caso disso:

a)      A gravidade e a duração da infração;

b)      O grau de responsabilidade da pessoa singular ou coletiva responsável pela infração;

c)      A capacidade financeira da pessoa singular ou coletiva responsável pela infração, tal como indicado, por exemplo, pelo volume de negócios total da pessoa coletiva ou pelo rendimento anual da pessoa singular;

d)      A importância dos lucros obtidos ou das perdas evitadas pela pessoa singular ou coletiva responsável pela infração, na medida em sejam determináveis;

e)      Os prejuízos causados a terceiros pela infração, na medida em que sejam determináveis;

f)      O nível de colaboração da pessoa singular ou coletiva responsável pela infração com a autoridade competente;

g)      Anteriores infrações da pessoa singular ou coletiva responsável pela infração;

h)      Potenciais consequências sistémicas da infração.»

53      Porquanto decorre do n.o 49, supra, que o BCE adotou a decisão impugnada com base no pressuposto de que a aplicação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG é automática e, por conseguinte, resulta do exercício de uma competência vinculada, cabe ao Tribunal Geral verificar a exatidão deste postulado. Com efeito, a natureza da competência que o BCE deve exercer na imposição de uma medida administrativa constitui uma questão prévia que determina a forma como o BCE estava obrigado a efetuar a sua análise da proporcionalidade da imposição de juros de recuperação. Com efeito, caso o BCE dispusesse de uma margem de apreciação que lhe permitisse examinar o caráter proporcionado da imposição de juros de recuperação à luz das circunstâncias do caso vertente, daí decorreria que a apreciação do caráter proporcionado dos juros de recuperação pelo BCE na decisão impugnada se baseia numa premissa juridicamente errada.

54      A este respeito, o facto de o recorrente não ter, no âmbito do presente fundamento, impugnado o caráter automático da aplicação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG não impede o Tribunal Geral de examinar esta questão.

55      Com efeito, resulta da jurisprudência que, no âmbito do litígio circunscrito pelas partes, o juiz da União, embora deva conhecer apenas dos pedidos das partes, não pode estar limitado aos argumentos por estas invocados em apoio das suas pretensões, sob pena de se ver obrigado, sendo caso disso, a basear a sua decisão em considerações jurídicas erradas (v. Acórdão de 21 de setembro de 2010, Suécia e o./API e Comissão, C‑514/07 P, C‑528/07 P e C‑532/07 P, EU:C:2010:541, n.o 65 e jurisprudência referida; Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Comissão/Printeos, C‑301/19 P, EU:C:2021:39, n.o 58). É o que acontece, nomeadamente, quando a tomada em consideração de um aspeto da legislação pertinente não suscitado por uma recorrente é necessária para responder a uma questão prévia que deve ser resolvida à luz da argumentação que a mesma apresentou (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de julho de 2010, Comissão/Putterie‑De‑Beukelaer, T‑160/08 P, EU:T:2010:294, n.os 65 e 66, e de 12 de junho de 2019, RV/Comissão, T‑167/17, EU:T:2019:404, n.o 59).

56      Em conformidade com o princípio do contraditório, as partes foram convidadas, na audiência, a pronunciar‑se sobre a compatibilidade da interpretação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG, adotada pelo BCE, com o artigo 70.o da Diretiva 2013/36.

57      Em primeiro lugar, porquanto está em causa a interpretação de uma disposição de direito nacional, importa recordar que, em princípio, o alcance das disposições legislativas, regulamentares ou administrativas nacionais deve ser apreciado tendo em conta a interpretação que lhes é dada pelos órgãos jurisdicionais nacionais (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2015, Comissão/Eslováquia, C‑433/13, EU:C:2015:602, n.o 81 e jurisprudência referida).

58      Por conseguinte, quando o Tribunal Geral é chamado a fiscalizar o mérito da aplicação pelo BCE do direito nacional que transpõe uma diretiva, a interpretação dos órgãos jurisdicionais nacionais é suficiente para determinar o alcance do referido direito nacional quando daí resulte uma declaração de compatibilidade com a diretiva cuja transposição assegura. Nesse caso, as críticas destinadas a pôr em causa o mérito da interpretação dos referidos órgãos jurisdicionais devem ser liminarmente rejeitadas (v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2018, Caisse régionale de crédit agricole mutuel Alpes Provence e o./BCE, T‑133/16 a T‑136/16, EU:T:2018:219, n.os 84 a 92).

59      A situação é diferente, porém, quando a interpretação dos órgãos jurisdicionais nacionais não permite assegurar a compatibilidade do direito nacional com uma diretiva.

60      Com efeito, nessa hipótese, o respeito do princípio do primado do direito da União implica que, à semelhança de um órgão jurisdicional nacional, o Tribunal Geral interprete, se necessário, o direito nacional, na medida do possível, à luz do texto e da finalidade da diretiva transposta para atingir o resultado por ela prosseguido (v., neste sentido, Acórdão de 24 de janeiro de 2012, Dominguez, C‑282/10, EU:C:2012:33, n.o 24 e jurisprudência referida).

61      Embora a obrigação de se basear no direito da União quando se procede à interpretação e à aplicação das regras pertinentes do direito interno esteja limitada pelos princípios gerais do direito e não possa servir de fundamento a uma interpretação contra legem do direito nacional, a exigência de uma interpretação conforme inclui, no entanto, a obrigação de alterar, sendo caso disso, uma jurisprudência assente, caso esta se baseie numa interpretação do direito nacional incompatível com os objetivos de uma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 19 de abril de 2016, DI, C‑441/14, EU:C:2016:278, n.os 32 e 33 e jurisprudência referida).

62      Na impossibilidade de proceder a uma interpretação da regulamentação nacional em conformidade com as exigências do direito da União, o Tribunal Geral, à semelhança do juiz nacional encarregado de aplicar as disposições do direito da União, tem a obrigação de garantir o pleno efeito das mesmas, não aplicando, se necessário, por sua própria iniciativa, qualquer disposição contrária da legislação nacional, ainda que posterior, que seja incompatível com uma disposição do direito da União que tenha efeito direto (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2019, Popławski, C‑573/17, EU:C:2019:530, n.os 58 e 61).

63      Em segundo lugar, há que constatar que o artigo 70.o da Diretiva 2013/36, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, o artigo 65.o, n.o 1, e o considerando 37 da mesma diretiva, deve ser entendido no sentido de que cabe à FMA e, consequentemente, ao BCE, determinar o tipo de medida administrativa tendo em conta todas as circunstâncias, o que implica, necessariamente, a existência de uma margem de apreciação por parte destes e exclui que estejam numa situação de competência vinculada.

64      Primeiro, tal resulta da interpretação literal e contextual do artigo 70.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36.

65      Antes de mais, importa salientar que, embora a epígrafe do artigo 70.o da Diretiva 2013/36 se refira apenas às «sanções», resulta da redação deste artigo que esta disposição também aborda a determinação do tipo de «outras medidas administrativas». Por conseguinte, a ênfase dada à obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que as autoridades competentes tenham em conta todas as circunstâncias — sendo facultada uma lista não exaustiva — é também válida para estas autoridades.

66      Em seguida, decorre do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36 que as «autoridades competentes» mencionadas no artigo 70.o da Diretiva 2013/36 são as que dispõem de competência para «desempenhar as funções e cumprir as obrigações previstas na presente diretiva», a saber, no que respeita à Áustria, a FMA e, no que respeita à aplicação do artigo 9.o, n.o 1, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1024/2013, o BCE.

67      Por último, há que salientar que o artigo 65.o, n.o 1, e o artigo 70.o figuram na mesma secção da Diretiva 2013/36, relativa aos «[p]oderes de supervisão, poderes sancionatórios e direito de recurso», pelo que se deve considerar que o conceito de «medidas administrativas» que figura nestas duas disposições tem o mesmo significado. Por conseguinte, uma vez que resulta do Acórdão de 7 de agosto de 2018, VTB Bank (Austria) (C‑52/17, EU:C:2018:648), que os juros de recuperação constituem uma medida administrativa na aceção do artigo 65.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, a sua aplicação é regida pelo artigo 70.o desta mesma diretiva.

68      Segundo, esta conclusão é confirmada pela interpretação teleológica do artigo 70.o da Diretiva 2013/36, uma vez que o seu considerando 37 demonstra a intenção do legislador de que os Estados‑Membros assegurem «que as autoridades competentes tenham em conta todas as circunstâncias relevantes».

69      Terceiro, não se pode deixar de observar que a obrigação do BCE de ter em conta todas as circunstâncias implica que proceda a um exame das circunstâncias próprias do caso vertente quando adota uma medida administrativa.

70      Quarto, daqui resulta que uma interpretação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG que coloque o BCE numa situação de competência vinculada o impediria de ter em conta todas as circunstâncias relevantes e levaria a tornar esta disposição incompatível com o artigo 70.o da Diretiva 2013/36.

71      É certo que resulta da redação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG que o caráter automático da imposição dos juros de recuperação é compensado pela tomada em consideração, pela própria disposição, de duas circunstâncias em que uma infração ao artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013 não conduzirá à imposição de juros de recuperação. É o que acontece quando a instituição de crédito, por um lado, seja objeto de uma decisão administrativa da autoridade competente que lhe imponha a adoção de determinadas medidas devido ao risco de não poder honrar os seus compromissos perante os seus credores ou para assegurar a estabilidade do sistema financeiro, nos termos do § 70, n.o 2, do BWG ou, por outro, se encontre em situação de sobre‑endividamento.

72      Todavia, há que salientar que a ênfase dada pelo legislador austríaco a duas circunstâncias em que uma infração ao artigo 395.o, n.o 1, do Regulamento n.o 575/2013 não conduzirá à imposição de juros de recuperação não pode ser equivalente à tomada em consideração de «todas as circunstâncias» relevantes pela autoridade competente, prevista no artigo 70.o da Diretiva 2013/36.

73      Do mesmo modo, o facto de os juros de recuperação impostos ao abrigo do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG serem abrangidos pela qualificação de «medida administrativa» em vez de «sanção administrativa», na aceção do artigo 65.o, n.o 1, da Diretiva 2013/36, não permite tornar o caráter automático da sua imposição compatível com o artigo 70.o da referida diretiva.

74      Embora seja verdade que, devido a esta diferença de natureza, a obrigação da autoridade competente de ter em conta todas as circunstâncias não pode, necessariamente, dispor da mesma intensidade quando está em causa uma medida administrativa, como a imposição de juros de recuperação ou uma sanção administrativa ou, a fortiori, uma sanção administrativa pecuniária, não é menos verdade que o âmbito de aplicação do artigo 70.o da Diretiva 2013/36 não está limitado às sanções administrativas, mas também inclui as medidas administrativas.

75      Em terceiro lugar, há que salientar que o § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG é suscetível de ser objeto de uma interpretação à luz do artigo 70.o da Diretiva 2013/36, no sentido de que implica uma margem de apreciação do BCE que lhe permite, sendo caso disso, não impor juros de recuperação se considerar que as circunstâncias implicam decidir nesse sentido.

76      Primeiro, a redação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG não exclui explicitamente que a FMA possa dispor, se for caso disso, de uma margem de apreciação quanto à oportunidade de o aplicar.

77      Segundo, na secção XXII do BWG também figura o § 99e, que reproduz o conteúdo do artigo 70.o da Diretiva 2013/36, do qual decorre que, na determinação do tipo de sanção ou de medida a adotar em resposta às violações do Regulamento n.o 575/2013, a FMA, desde que tal seja adequado, deve ter em conta as mesmas circunstâncias que estão elencadas no artigo 70.o da Diretiva 2013/36, cuja lista é também apresentada como não exaustiva. Por conseguinte, a referência às «medidas» que figura neste artigo pode perfeitamente ser entendida no sentido de que inclui a imposição de juros de recuperação mencionada no § 97, n.o 1, ponto 2, da BWG.

78      Terceiro, o reconhecimento ao BCE de uma margem de apreciação na aplicação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG não afeta negativamente o recorrente, pelo que não pode ser limitado pelo respeito dos princípios gerais de direito na aceção da jurisprudência referida no n.o 61, supra.

79      Em quarto lugar, consequentemente, uma vez que o BCE adotou a decisão impugnada por considerar que a imposição de juros de recuperação tinha caráter automático, baseou‑se numa premissa juridicamente errada, a qual viciou a sua análise do caráter proporcionado da aplicação do § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG, dado que o levou a não analisar as circunstâncias do caso vertente.

80      Por último, em quinto lugar, no que respeita à argumentação do BCE relativa, em substância, ao facto de a imposição de juros de recuperação não ter caráter desproporcionado à luz das referidas circunstâncias, deve ser considerada irrelevante quanto à análise da legalidade da decisão impugnada.

81      Com efeito, não cabe ao juiz da União substituir‑se ao recorrido, efetuando em vez deste um exame a que este em nenhum momento procedeu e analisando as conclusões a que o mesmo teria chegado no termo desse exame (v., neste sentido, Acórdão de 13 de maio de 2015, Niki Luftfahrt/Comissão, T‑511/09, EU:T:2015:284, n.o 149 e jurisprudência referida).

82      Uma vez que o BCE considerou, erradamente, estar obrigado a aplicar o § 97, n.o 1, ponto 2, do BWG, no momento da adoção da decisão impugnada, as considerações específicas das circunstâncias do caso vertente que apresenta nos seus articulados não puderam ser tidas em conta na decisão impugnada.

83      Por conseguinte, há que julgar procedente o presente fundamento e, portanto, anular a decisão impugnada, sem que seja necessário analisar os outros fundamentos do recorrente.

 Quanto às despesas

84      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o BCE sido vencido, há que condená‑lo a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas do recorrente.

85      Por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas. Por conseguinte, a República da Áustria suportará as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão do Banco Central Europeu (BCE) ECB/SSM/2021ATBAW7ESA20180000126, de 2 de agosto de 2021, é anulada.

2)      O BCE suportará as suas despesas bem como as despesas efetuadas pelo BAWAG PSK Bank für Arbeit und Wirtschaft und Österreichische Postsparkasse AG.

3)      A República da Áustria suportará as suas próprias despesas.

Schalin

Škvařilová‑Pelzl

Nõmm

Steinfatt

 

      Kukovec

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de fevereiro de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.