CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL
NICHOLAS EMILIOU
apresentadas em 10 de março de 2022(1)
Processo C‑13/21
Pricoforest SRL
contra
Inspectoratul de Stat pentru Controlul în Transportul Rutier (ISCTR)
[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Judecătoria Miercurea Ciuc (Tribunal de Primeira Instância de Miercurea-Ciuc, Roménia)]
«Reenvio prejudicial — Transporte rodoviário — Regulamento (CE) n.o 561/2006 — Artigo 13.o, n.o 1, alínea b) — Isenção concedida aos veículos utilizados por empresas florestais para o transporte de mercadorias como parte da sua própria atividade empresarial num raio máximo de 100 quilómetros a partir da sua base — Conceito de “raio máximo de 100 quilómetros” — Aplicação dessa isenção no caso de veículos de utilização mista»
I. Introdução
1. O Judecătoria Miercurea Ciuc (Tribunal de Primeira Instância de Miercurea‑Ciuc, Roménia) submeteu ao Tribunal de Justiça duas questões prejudiciais referentes à interpretação do Regulamento (CE) n.o 561/2006 relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários (2).
2. Estas questões foram apresentadas no âmbito de um litígio que opõe a Pricoforest SRL, uma empresa florestal, à Inspectoratul de Stat pentru Controlul în Transportul Rutier (Inspeção Nacional para o Controlo do Transporte Rodoviário, a seguir «ISCTR») relativamente a uma coima aplicada por esta última à primeira no processo principal por alegada violação, no decurso de várias operações de transporte rodoviário, das regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso constantes do Regulamento n.o 561/2006.
3. O litígio no processo principal tem por objeto a questão de saber se essas operações de transporte estavam efetivamente, conforme alega a Pricoforest, isentas da aplicação dessas regras, em conformidade com o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento. Nos termos desta disposição, os Estados‑Membros podem conceder tal isenção no seu território aos veículos utilizados, nomeadamente, por empresas florestais para o transporte de mercadorias, como parte da sua própria atividade empresarial, num raio máximo de 100 quilómetros a partir da sua base. Uma vez que a própria Roménia recorreu a esta possibilidade, o órgão jurisdicional de reenvio pede esclarecimentos quanto ao sentido e o alcance desta isenção, que ainda não foi interpretada pelo Tribunal de Justiça.
4. Mais especificamente, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se a condição prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do referido regulamento, de que o transporte de mercadorias deve ser efetuado «num raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa», deve ser interpretada no sentido de que o veículo utilizado deve permanecer dentro de um círculo imaginário com esse raio, ou de que a distância rodoviária efetivamente percorrida por esse veículo não deve ultrapassar 100 quilómetros. Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se e, sendo caso disso, em que medida, a isenção é aplicável aos veículos de utilização mista, ou seja, veículos que são habitualmente utilizados tanto para operações de transporte abrangidas pelo âmbito de aplicação artigo 13.o, n.o 1, alínea b), como para as que não são.
5. Nas presentes conclusões, explicarei, em primeiro lugar, por que razão o conceito de «raio», na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006, se refere a uma área geográfica delimitada por um círculo imaginário cujo raio é de 100 quilómetros ao redor da base da empresa, e não à distância rodoviária efetivamente percorrida pelo veículo. Em segundo lugar, explicarei por que razão os veículos de utilização mista beneficiam da isenção prevista nessa disposição quando são utilizados para operações de transporte que preencham as condições nela enunciadas, mas não quando são utilizados para outros tipos de operações de transporte.
II. Quadro jurídico
A. Direito da União
6. Nos termos do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006:
«Na condição de não prejudicarem os objetivos estabelecidos no artigo 1.o, os Estados‑Membros podem conceder isenções aos artigos 5.o a 9.o e submetê‑las a condições especiais no seu território ou, com o acordo do Estado interessado, no território de outro Estado‑Membro, no caso de transportes efetuados por:
[…]
b) Veículos utilizados ou alugados sem condutor por empresas agrícolas, hortícolas, florestais, pecuárias ou de pesca, para o transporte de mercadorias, como parte da sua própria atividade empresarial, num raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa;
[…]»
7. O artigo 3.o do Regulamento (UE) n.o 165/2014 relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários (3), sob a epígrafe «Âmbito», prevê, nos n.os 1 e 2:
«1. Os tacógrafos são instalados e utilizados nos veículos afetos ao transporte rodoviário de passageiros ou de mercadorias que estejam matriculados nos Estados‑Membros e que sejam abrangidos pelo Regulamento (CE) n.o 561/2006.
2. Os Estados‑Membros podem isentar da aplicação do presente regulamento os veículos referidos no artigo 13.o, n.os 1 e 3, do [Regulamento n.o 561/2006]».
B. Direito romeno
8. O artigo 2.o da Ordonanța Guvernului nr. 37/2007 privind stabilirea cadrului de aplicare a regulilor privind perioadele de conducere, pauzele și perioadele de odihnă ale conducătorilor auto și utilizarea aparatelor de înregistrare a activității acestora (Despacho do Governo n.o 37/2007 que define o quadro de aplicação das regras relativas aos períodos de condução, de pausa e de repouso dos condutores de veículos motorizados e à utilização dos aparelhos de registo das suas atividades) dispõe que «[a]s operações de transporte a que se refere o artigo 13.o, n.o 1, alíneas a) a d), f) a h) e i) a p), do [Regulamento n.o 561/2006] estão isentas, no território da Roménia, da aplicação das disposições do referido regulamento».
III. Matéria de facto, tramitação do processo nacional e questões prejudiciais
9. Em 2 de setembro de 2020, um veículo automóvel com reboque, utilizado pela Pricoforest para transportar madeira, foi mandado parar por um grupo de fiscalização da ISCTR na cidade de Bălan, no distrito de Harghita (Roménia), a 130 quilómetros da base empresarial da Pricoforest, a qual se situa no município de Pipirig, no distrito de Neamț (Roménia).
10. Na sequência das verificações efetuadas pelo grupo de fiscalização, e da análise dos dados descarregados do cartão tacográfico pertencente ao condutor, constatou‑se que, entre as 5h15 do dia 17 de agosto de 2020 e as 19h23 do dia 18 de agosto de 2020, esse condutor efetuou um tempo de condução de 15 horas e 56 minutos, excedendo assim, em quase seis horas, o tempo máximo de condução diária de 10 horas previsto no artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 561/2006. Por esse facto, foi aplicada à Pricoforest uma coima no montante de 9 000 lei romenos (RON). Além disso, foi constatado que, em 25 de agosto de 2020, entre as 00h54 e as 4h24, o condutor cumpriu um período de repouso diário de apenas 3 horas e 30 minutos, em vez do repouso diário mínimo de 9 horas exigido pelo artigo 8.o, n.o 2, desse regulamento. Pela segunda infração, foi aplicada à Pricoforest uma coima no montante de 4 000 lei romenos (RON).
11. Em 25 de setembro de 2020, a Pricoforest interpôs recurso contra a ISCTR no Judecătoria Miercurea Ciuc (Tribunal de Primeira Instância de Miercurea‑Ciuc, Roménia), pedindo a anulação do auto de infração ou, a título subsidiário, a substituição das coimas aplicadas por uma admoestação. Embora não tenha contestado os registos constantes do tacógrafo, a Pricoforest alegou que os períodos registados diziam respeito a operações de transporte que estão isentas da aplicação das disposições relativas aos tempos de condução, pausas e períodos de repouso previstas no Regulamento n.o 561/2006, em conformidade com a isenção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), deste regulamento, aplicável na Roménia nos termos do artigo 2.o do Despacho do Governo n.o 37/2007. Com efeito, tratava‑se de um transporte de mercadorias efetuado por uma empresa florestal como parte da sua própria atividade empresarial, num raio de 100 quilómetros a partir da sua base, conforme comprovado por várias guias de entrega pelo transporte de madeira apresentadas pela recorrente (4).
12. A ISCTR apresentou contestação na qual pediu que fosse negado provimento ao recurso, alegando que o auto de infração era lícito e fundado. Sustentou que a isenção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 se refere, estritamente, às operações de transporte efetuadas num raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa florestal. No caso em apreço, o veículo em causa foi mandado parar pelo grupo de fiscalização em Bălan, a cerca de 130 quilómetros da sede da Pricoforest em Pipirig.
13. A Pricoforest apresentou réplica alegando que a ISCTR equiparou erradamente o conceito de «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa», na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), desse regulamento, à distância rodoviária entre as duas localidades em questão.
14. Neste contexto, o Judecătoria Miercurea Ciuc (Tribunal de Primeira Instância de Miercurea‑Ciuc) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Deve o conceito de “raio de 100 quilómetros”, que figura no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006, ser interpretado no sentido de que uma linha reta traçada no mapa entre a base da empresa e o destino deve ser inferior a 100 quilómetros ou no sentido de que a distância efetivamente percorrida pelo veículo deve ser inferior a 100 quilómetros?
2) Devem as disposições do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 ser interpretadas no sentido de que, quando a situação prevista nesse artigo estiver [isenta] da aplicação do referido regulamento por uma norma nacional e alguns dos transportes abrangidos pelo artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 forem efetuados, num período de um mês, num raio de 100 quilómetros a partir da base da empresa e outros ultrapassarem esse raio, a [isenção] da aplicação do regulamento é aplicável a todos os transportes abrangidos pelo regulamento, apenas aos transportes efetuados [dentro de um] raio inferior a 100 quilómetros ou a nenhum desses transportes?»
15. O pedido de decisão prejudicial, datado de 10 de novembro de 2020, deu entrada no Tribunal de Justiça em 4 de janeiro de 2021. O Governo polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça. No presente processo não foi realizada audiência.
IV. Análise
16. O Regulamento n.o 561/2006 (5) estabelece regras comuns em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso para os condutores envolvidos no transporte rodoviário de mercadorias e de passageiros. O tempo de condução não deve, em princípio, exceder 10 horas por dia (artigo 6.o, n.o 1) e 56 horas por semana (artigo 6.o, n.o 2); os condutores devem fazer uma pausa ininterrupta de pelo menos 45 minutos após um período de condução de quatro horas e meia (artigo 7.o), e gozar períodos de repouso diários e semanais (artigo 8.o). Além disso, a fim de verificar o cumprimento destas regras, os veículos de transporte rodoviário devem, nos termos do Regulamento n.o 165/2014, estar equipados com um tacógrafo, que regista diversos dados, tais como a distância percorrida pelo veículo, a sua posição em determinados momentos, a duração da sua viagem, a atividade do condutor e assim por diante (6). Estas regras comuns e as respetivas medidas de aplicação prosseguem essencialmente três objetivos: i) harmonizar as condições de concorrência entre modos de transporte terrestre, principalmente no que se refere ao setor rodoviário; ii) melhorar as condições de trabalho dos condutores e das tripulações desses veículos; e iii) melhorar a segurança rodoviária (7).
17. O âmbito de aplicação do Regulamento n.o 561/2006 é bastante amplo. Nos termos do seu artigo 2.o, n.o 1, alínea a), aplica‑se nomeadamente ao «transporte rodoviário […] de mercadorias, em que a massa máxima autorizada dos veículos, incluindo reboques ou semirreboques, seja superior a 3,5 toneladas». É facto assente que operações de transporte de madeira como as que estão em causa no processo principal pertencem a esta categoria (8). Por conseguinte, as normas em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso previstas neste regulamento deviam, em princípio, ser cumpridas durante essas operações, devendo ter sido instalado e utilizado um tacógrafo nos respetivos veículos. No entanto, embora esse tacógrafo pareça ter sido efetivamente instalado e utilizado, afigura‑se que pelo menos algumas destas regras não foram cumpridas (9).
18. Contudo, nos termos do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 561/2006, os Estados‑Membros podem conceder isenções às regras gerais deste regulamento no seu território, aplicáveis aos transportes efetuados por determinados veículos. Os veículos em causa podem igualmente ser dispensados da obrigação de estar equipados de um tacógrafo (10).
19. Em especial, ao abrigo do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006, esta isenção pode ser concedida no caso de «transportes efetuados por […] veículos utilizados ou alugados sem condutor, por empresas agrícolas, hortícolas, florestais, pecuárias ou de pesca, para o transporte de mercadorias, como parte da sua própria atividade empresarial, num raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa». Resulta do despacho de reenvio que a Roménia recorreu a esta possibilidade (11). A Pricoforest invoca agora esta isenção como fundamento de defesa no processo principal.
20. De acordo com a referida disposição, devem ser cumpridas três condições cumulativas para que a isenção seja concedida: i) deve tratar‑se de um transporte rodoviário de mercadorias efetuado por veículo utilizado por uma empresa agrícola, hortícola, florestal, pecuária ou de pesca; ii) esse transporte de mercadorias deve ser «parte da sua própria atividade empresarial»; e iii) deve ocorrer «num raio máximo de 100 quilómetros a partir da [sua] base».
21. As partes no processo principal não contestam o facto de, no caso em apreço, o transporte de «mercadorias» (madeira) ter sido efetuado por «veículos» utilizados por uma «empresa florestal» (a Pricoforest) «como parte da sua própria atividade empresarial». O órgão jurisdicional de reenvio também não parece ter dúvidas a este respeito (12). Em contrapartida, estas partes discordam no que diz respeito à terceira condição, relativa ao «raio» em que a operação de transporte deve ser efetuada e, como tal, as duas questões prejudiciais submetidas são relativas a este último aspeto. Analisá‑las‑ei sucessivamente nas seguintes secções.
A. Quanto ao conceito de «raio máximo de 100 quilómetros» na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea b) (primeira questão)
22. Conforme indica o órgão jurisdicional de reenvio, tendo em conta as alegações e os elementos de prova apresentados pela Pricoforest, é possível que, durante as operações de transporte em causa, a distância rodoviária efetivamente percorrida pelos veículos após a saída da base desta empresa (13) fosse superior a 100 quilómetros, embora esses veículos tenham permanecido dentro de uma área geográfica delimitada por um círculo (imaginário) cujo raio é de 100 quilómetros ao redor dessa base.
23. Neste contexto, com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa», na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 deve ser interpretado no sentido de que uma linha reta traçada num mapa entre a base da empresa e o destino do veículo deve ser inferior a 100 quilómetros, ou no sentido de que a distância rodoviária efetivamente percorrida pelo veículo deve ser inferior a 100 quilómetros.
24. Tal como o Governo polaco e a Comissão, não tenho dúvidas de que a resposta correta é a primeira.
25. O artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 não contém nenhuma remissão expressa para o direito dos Estados‑Membros para determinar o seu sentido e alcance. Deste modo, em aplicação da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o conceito de «raio» utilizado nesta disposição deve ser interpretado de forma autónoma e uniforme em toda a União. Segundo esta jurisprudência, a determinação do sentido e alcance de um conceito utilizado num instrumento de direito derivado, que não o define, deve ser feita de acordo com o seu sentido habitual na linguagem comum. Se for caso disso (14), também devem ser tidos em conta o contexto em que é utilizado, os objetivos prosseguidos por esse instrumento e a sua génese (15).
26. O sentido habitual do termo «raio» na linguagem comum corresponde ao comprimento de uma linha reta que une o centro de um círculo a qualquer ponto da sua extremidade.
27. Por conseguinte, o conceito de «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa», na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 só pode referir‑se, não à distância rodoviária percorrida pelo veículo, mas a uma linha reta de 100 quilómetros, traçada no mapa a partir dessa base até qualquer ponto ao longo da extremidade de um círculo imaginário ao seu redor. Por outras palavras, refere‑se a uma área geográfica (16), delimitada por esse círculo, dentro da qual deve ser efetuado o transporte de mercadorias.
28. Se fosse necessário confirmar o sentido claro do termo «raio», chamaria a atenção para o facto de que o Regulamento n.o 561/2006 contém diferentes conceitos relativos à distância — um facto salientado pelo próprio órgão jurisdicional de reenvio. Em especial, enquanto o conceito de «raio» é utilizado em várias disposições deste regulamento (17), outras disposições centram‑se, pelo contrário, na «extensão total» percorrida por um veículo durante uma determinada operação de transporte (18). Este último termo refere‑se, no seu sentido habitual na linguagem comum, à distância rodoviária já percorrida ou a ser percorrida pelo veículo.
29. Desta forma, quando o legislador da União pretendeu fazer referência à distância rodoviária, deixou‑o claro na redação da disposição em causa. Ao utilizar o conceito de «raio» noutras disposições, como o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), pretendia claramente referir‑se a algo diferente, nomeadamente, conforme indiquei no número anterior, a uma área geográfica, delimitada por um círculo imaginário em torno de um determinado ponto.
30. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio apresenta vários argumentos a favor da tese segundo a qual o conceito de «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa», na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006, deve ser entendido, à luz dos objetivos do regulamento que visam melhorar as condições de trabalho e a segurança rodoviária e apesar do seu sentido habitual, como referindo‑se à distância rodoviária efetivamente percorrida pelo veículo. Considera que, se este conceito fosse interpretado literalmente no sentido de se referir a uma área geográfica ao redor da base da empresa, isso significaria que as regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso estabelecidas neste regulamento poderiam ser ignoradas durante operações de transporte que poderiam, quando realizadas dentro dessa área, ser efetuadas por longas distâncias, muito além dos 100 quilómetros, e por longos períodos de tempo. Tal poderia pôr em perigo a saúde desses condutores e a segurança rodoviária.
31. Tal exige duas observações da minha parte.
32. Em primeiro lugar, é certo que, conforme indiquei no n.o 25, supra, de um modo geral, os objetivos prosseguidos por um instrumento de direito derivado são importantes para estabelecer o sentido e o alcance dos conceitos constantes do mesmo. Do mesmo modo, o Tribunal de Justiça declarou que o alcance da isenção prevista no Regulamento n.o 561/2006, tal como a estabelecida no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), deve ser determinado à luz das finalidades prosseguidas pelas normas em causa (19).
33. No entanto, tal como o Governo polaco e a Comissão, considero que uma interpretação teleológica está excluída no que respeita ao sentido do conceito de «raio» utilizado no artigo 13.o, n.o 1, alínea b).
34. Com efeito, é necessária uma interpretação teleológica quando a redação de uma disposição é insuficientemente clara e precisa: ou seja, é suscetível de várias interpretações, apresentando um certo grau de ambiguidade e imprecisão textual. Podem igualmente existir divergências entre as diferentes versões linguísticas do instrumento em questão (20). Nesse caso, a interpretação teleológica complementa a literal: é necessário resolver uma ambiguidade de redação (21).
35. No caso em apreço, contudo, o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 é claro e preciso na resposta à primeira questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio. O conceito de «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa» utilizado nesta disposição não é ambíguo nem impreciso. Não é suscetível de várias interpretações. Além disso, há coerência com a terminologia utilizada nas demais versões linguísticas deste regulamento (22).
36. Neste contexto, o Tribunal de Justiça não pode simplesmente interpretar o conceito de «raio» da forma sugerida pelo órgão jurisdicional de reenvio. Mesmo que fosse mais conforme com os objetivos do Regulamento n.o 561/2006, é jurisprudência constante que o Tribunal de Justiça não pode, perante a redação clara e precisa de um ato legislativo da União, fazer uma interpretação destinada a corrigi[‑lo] (23). Tal equivaleria a uma interpretação «contra legem», que constitui o limite externo de qualquer tentativa de interpretação (24).
37. Verifica‑se aqui uma forte questão de separação de poderes (ou melhor, no contexto da União, de equilíbrio institucional). Conforme indiquei nos n.os 28 e 29, supra, o legislador da União optou por subordinar as diversas isenções previstas no Regulamento n.o 561/2006 ao cumprimento de diferentes critérios: umas vezes referindo‑se ao «raio», outras à «extensão total». Substituir um pelo outro equivaleria, assim, a contornar, por via da interpretação jurisprudencial, uma opção feita pelo legislador na redação da lei (25).
38. Em segundo lugar, e em todo o caso, as preocupações legítimas em matéria de condições de trabalho e segurança rodoviária expressas pelo órgão jurisdicional de reenvio são, na minha opinião, abordadas noutra parte do artigo 13.o, n.o 1, alínea b). Recordo que, nos termos desta disposição, para beneficiar de uma exceção prevista na mesma, uma operação de transporte não deve apenas ser efetuada num «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa», mas também deve constituir «parte da sua própria atividade empresarial». Neste caso, impõe‑se o recurso à interpretação teleológica uma vez que o sentido desta última condição não decorre diretamente da redação desta disposição.
39. De um modo geral, as isenções previstas no artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 561/2006 limitam‑se a «determinadas operações de transporte nacionais com características especiais», que o legislador da União considerou «desejável» (26) isentar, ao critério de cada Estado‑Membro, da aplicação das regras em matéria de tempo de condução, pausas e períodos de descanso estabelecidas neste regulamento. Por um lado, cada isenção prossegue uma finalidade específica (ou, por outras palavras, pretende salvaguardar determinados interesses) que terá justificado, no entender do legislador, a sua introdução. Por outro lado, essas operações de transporte não têm, na opinião do legislador, nenhuma incidência, ou então têm uma incidência limitada, nos objetivos prosseguidos por este regulamento: em geral, não estão «sujeit[a]s a pressões concorrenciais» (27) e não suscitam grandes preocupações no que se refere às condições de trabalho dos condutores e das tripulações em causa ou à segurança rodoviária.
40. No que se refere, mais especificamente, ao artigo 13.o, n.o 1, alínea b), decorre da condição de que o transporte de mercadorias deve ser «parte da própria atividade empresarial» das empresas agrícolas, hortícolas, florestais, pecuárias ou de pesca, lida à luz da explicação acima referida, que, por um lado, tal isenção visa especificamente favorecer o exercício dessas atividades, as quais prevalecem sobre o transporte propriamente dito (28). Conforme observa o Governo polaco, a mesma permite que as empresas em causa exerçam tais atividades com a flexibilidade necessária e que os requisitos estritos do Regulamento n.o 561/2006 não propiciam necessariamente (29).
41. Por outro lado, a natureza acessória de tais operações de transporte garante, na opinião do legislador, que a sua isenção da aplicação das regras do Regulamento n.o 561/2006 não compromete, em princípio (30), a consecução dos objetivos prosseguidos pelo mesmo. Em primeiro lugar, sendo acessórias e, por isso, indissociáveis de atividades comerciais específicas, essas operações de transporte não estão, em si mesmas, sujeitas a pressões concorrenciais (ou seja, não são um serviço prestado, a título oneroso, pelos transportadores). Em segundo lugar, não suscitam, regra geral, grandes preocupações no que se refere às condições de trabalho ou à segurança rodoviária. Estas operações de transporte estão relacionadas com as necessidades habituais das empresas agrícolas, florestais (e afins). Estas empresas não estão, por norma, localizadas nas principais vias públicas, mas sim na zona rural, e não muito distantes dos seus locais de exploração. As operações de transporte em questão são, assim, efetuadas, de um modo geral, em estradas locais, a distâncias limitadas e por curtos períodos de tempo (31). Quanto a este último aspeto, a condição relativa ao «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa» garante que a isenção só se aplica na medida em que a atividade seja exercida (e essas operações auxiliares de transporte sejam efetuadas) dentro de uma área geográfica limitada (32).
42. Na minha perspetiva, daqui resulta que a isenção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 só se aplica a um transporte acessório de mercadorias (33). Com efeito, como exceção às regras gerais estabelecidas no referido regulamento, esta disposição «não pode ser interpretada de forma a alargar os seus efeitos para além do necessário para assegurar a proteção dos interesses que visa garantir» (34).
43. A este respeito, tal como a Comissão, considero que operações de transporte como as que estão em causa no processo principal (— a saber, ao que parece, e sob reserva de verificação por parte órgão jurisdicional de reenvio, o transporte rodoviário de madeira a título oneroso, a partir da base da empresa que a produziu ou das zonas florestais onde foi assim produzida, aos clientes que a adquiriram (35), o que aparenta ser o principal motivo de preocupação para o referido órgão jurisdicional —) não podem, efetivamente, ser consideradas uma atividade acessória da atividade florestal.
44. A silvicultura, enquanto «atividade empresarial», inclui sem dúvida a exploração de terras arborizadas. Esta atividade abrange, entre outras coisas, as operações de extração e de venda de madeira (que é utilizada como lenha ou processada industrialmente em serrações, parques de madeiras serradas, fábricas de papel etc., e transformada em diversos produtos à base de madeira) (36). Isso é feito, no meu entender, por meio da «exploração florestal»: um processo através do qual é produzida madeira em toros para efeitos de comercialização. Implica o corte (ou «abate») de árvores, o processamento no local e o transporte (ou «arrastamento») de toros, muitas vezes utilizando tratores florestais (ou «arrastadores»), do local de extração para o carregadouro na berma da estrada (ou, pelo menos, para um local menos remoto dentro da floresta), onde são carregados em camiões de transporte de madeira. A madeira é então transportada por estrada da zona florestal para um local de processamento (como uma serração ou uma fábrica de papel), ou um porto para exportação, e assim por diante.
45. Neste contexto, parece‑me claro que, por um lado, por exemplo, a circulação de veículos com o propósito de transferir ferramentas, equipamentos, etc., utilizados para este tipo de trabalhos, a partir da base da empresa para as zonas florestais e de volta para a base, é efetuada «como parte» da atividade florestal, na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006. A circulação tem caráter subsidiário em relação à silvicultura, especialmente em termos de tempo: é provável que ocorra uma vez no início e uma vez no final do dia, ou algumas vezes por dia. A maior parte do tempo será dedicada aos trabalhos florestais propriamente ditos. Do mesmo modo, o transporte de toros dentro da floresta (ou «arrastamento») está seguramente abrangido pela isenção prevista na referida disposição, sendo os veículos em causa diretamente utilizados para este tipo de trabalhos (37).
46. Por outro lado, é igualmente evidente que o transporte rodoviário de madeira, ou «transporte madeireiro», após a sua venda, a partir da zona florestal onde foi produzida (ou a partir da base da empresa que a produziu) para um local de processamento ou para um porto para exportação (e assim por diante) não pode ser considerado «parte» da atividade florestal. Trata‑se, com efeito, de uma atividade distinta (38). Desempenha uma função na cadeia de abastecimento de madeira que é diferente da produção propriamente dita.
47. Com efeito, uma pesquisa rápida na Internet permitiria a qualquer pessoa ver que o transporte de madeira é apenas um outro tipo de transporte rodoviário de mercadorias, um serviço prestado a título oneroso por transportadores (alguns especializados neste tipo de transporte, outros prestando este tipo de serviço no contexto da sua atividade de transporte geral). Portanto, constitui, por si só, uma atividade comercial sujeita a «pressões concorrenciais».
48. É certo que uma única empresa (como parece ser o caso da Pricoforest) pode exercer duas atividades. Pode exercer tanto uma atividade florestal, produzindo madeira em toros com a mão de obra, ferramentas e equipamentos necessários, como uma atividade de transporte de madeira, tendo a sua própria frota de camiões e condutores, a fim de transportar ela própria aos seus clientes os toros que produz.
49. Contudo, a isenção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 não se pode aplicar à última atividade simplesmente porque a empresa florestal opta por exercer ela própria essa atividade em vez de a subcontratar a um transportador. Recordo que esta isenção depende da natureza da atividade no âmbito da qual o transporte é efetuado, e não apenas da identidade da empresa em causa. Caso contrário, a mesma operação de transporte de madeira estaria sujeita às regras gerais do referido regulamento quando efetuada por outros transportadores, mas já não quando efetuada por empresas florestais.
50. Uma interpretação em sentido contrário da exceção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 seria igualmente suscetível de pôr em causa os objetivos prosseguidos pelo regulamento.
51. Em primeiro lugar, conforme observa a Comissão, poderia prejudicar o objetivo de eliminar as disparidades suscetíveis de falsear a concorrência no domínio do transporte rodoviário. Se as empresas florestais estivessem isentas das regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso previstas no Regulamento n.o 561/2006 (e da correspondente obrigação, prevista no Regulamento n.o 165/2014, de instalar e utilizar um tacógrafo nos veículos utilizados nessas operações de transporte) nos casos em que são elas próprias a transportar aos seus clientes a madeira que produzem, tal proporcionaria uma vantagem concorrencial a essas empresas sobre todos os operadores que prestam serviços de transporte de madeira. Livres dos constrangimentos destas regras, as empresas florestais poderiam maximizar a utilização dos camiões e dos respetivos condutores para além do que os outros transportadores estão legalmente autorizados a fazer. Também economizariam os custos associados à instalação e à manutenção de tacógrafos nos seus veículos, que os transportadores têm de suportar (39).
52. Em segundo lugar, interpretar a isenção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 no sentido de que o transporte de madeira, quando realizado por empresas florestais, está isento das regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso estabelecidas nesse regulamento implicaria o risco de essas empresas serem incitadas a assumir elas próprias esse tipo de atividade e, em seguida, explorar excessivamente os veículos para transportar diária e repetidamente, durante várias horas e sem interrupção, madeira aos seus clientes. Tal interpretação afetaria seriamente as condições de trabalho do condutor e colocaria em perigo a segurança rodoviária (40). Deve ter‑se também presente que as operações de transporte rodoviário de madeira são, de um modo geral, efetuadas utilizando camiões de grande potência e (muito) pesados, eventualmente carregados com toneladas de madeira. É fácil de imaginar o tipo de consequências desastrosas que um acidente envolvendo tais veículos acarretaria.
53. No que diz respeito a essas operações de transporte de madeira, a condição relativa ao «raio» estabelecida no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), não seria suficiente para mitigar os riscos que acabei de descrever. Conforme salienta o órgão jurisdicional de reenvio, podem ser utilizados camiões para lá e para cá, durante todo o dia, para entregar a madeira produzida a clientes situados nesse raio.
54. Por conseguinte, considero que a isenção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 não pode ser aplicada ao transporte rodoviário de madeira, uma vez que este tipo de transporte não pode ser considerado «parte da própria atividade empresarial» das empresas florestais, na aceção desta disposição.
55. Tendo em conta as considerações precedentes, considero que a resposta à primeira questão deve ser dada no sentido de que o conceito de «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa», na aceção do artigo 13.o, n.o 1, alínea b, do Regulamento n.o 561/2006, se refere a uma área geográfica delimitada por um círculo imaginário cujo raio é de 100 quilómetros ao redor dessa base.
B. Quanto à aplicação da isenção prevista no artigo 13.o, n.o 1, alínea b), aos «veículos de utilização mista» (segunda questão)
56. No litígio em causa no processo principal, é possível que a Pricoforest estivesse a efetuar operações de transporte utilizando os mesmos veículos, tanto dentro como fora do raio de 100 quilómetros a partir da sua base (41).
57. Neste contexto, com a segunda questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 561/2006 deve ser interpretado no sentido de que, quando uma empresa florestal efetua, sistematicamente, utilizando os mesmos veículos, operações de transporte num raio de 100 quilómetros a partir da sua base, e operações de transporte que ultrapassem esse raio, a) todas essas operações de transporte estão isentas, nos termos desta disposição, da aplicação das regras gerais estabelecidas no referido regulamento, ou b) apenas as que não ultrapassem o respetivo raio, ou c) nenhuma delas.
58. O órgão jurisdicional de reenvio considera que deve ser dada uma resposta a esta questão para que se possa pronunciar sobre a responsabilidade da Pricoforest. Se todas as operações de transporte efetuadas por esta empresa, utilizando os veículos em causa, estiverem isentas, nos termos do artigo 13.o, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 561/2006, da aplicação das regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso, a mesma não poderia ser responsabilizada pela violação dessas regras durante as duas operações de transporte em causa, quer tenham ocorrido ou não num raio de 100 quilómetros a partir da sua base. Por outro lado, se nenhuma das operações de transporte efetuadas pela Pricoforest, utilizando o mesmo veículo, pudesse beneficiar dessa isenção, então seria responsabilizada em todo o caso.
59. Expliquei, no quadro da análise feita a propósito da primeira questão, por que razão não considero, sob reserva de verificação por parte do órgão jurisdicional de reenvio, que operações de transporte como as que estão em causa no processo principal sejam abrangidas pela isenção prevista no artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 561/2006, uma vez que não fazem «parte da própria atividade empresarial» de uma empresa florestal. Nesta perspetiva, não estou convencido de que continua a ser necessária uma resposta à segunda questão. No entanto, analisá‑la‑ei a título subsidiário.
60. O pressuposto subjacente a esta segunda questão é a de um chamado «veículo de utilização mista». No âmbito do artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 561/2006, este termo refere‑se a um veículo utilizado habitualmente, por exemplo, por uma empresa florestal tanto para o transporte de mercadorias como «parte da sua própria atividade empresarial, num raio máximo de 100 quilómetros a partir da base», como para o transporte de mercadorias que não preencham estas condições. A título de exemplo, uma empresa florestal pode utilizar o mesmo veículo para transportar equipamento florestal, como acessório da sua atividade, para zonas florestais situadas nesse raio, bem como para zonas florestais que o ultrapassam. Essa empresa poderia também utilizar o mesmo veículo, por vezes para efetuar tais operações de transporte acessórias, e outras vezes para transportar madeira em toros aos seus clientes no contexto da sua atividade (distinta) de transporte de madeira.
61. Com a segunda questão pretende‑se, deste modo, saber se e, sendo caso disso, em que medida, a isenção prevista no artigo 13.°, n.° 1, alínea b), desse regulamento se aplica a tais «veículos de utilização mista». A meu ver, trata‑se de uma questão transversal. Com efeito, o mesmo se poderia questionar em relação a todas as isenções previstas nesse regulamento. Para efeitos do presente processo, irei centrar‑me apenas nesta disposição, ainda que o meu raciocínio se possa aplicar, em grande parte, a outras isenções.
62. A este respeito, parece‑me claro que, conforme alegado pela Comissão, o artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 561/2006 não pode ser interpretado no sentido de que, quando um veículo é utilizado tanto para operações de transporte que preenchem as condições constantes desta disposição, como para operações de transporte que não cumprem tais condições, todas estas operações podem estar isentas da aplicação das regras gerais estabelecidas no referido regulamento [v. opção a) supra].
63. Recordo que, como exceção a estas regras, o artigo 13.°, n.° 1, alínea b), «não pode ser interpretad[o] de forma a alargar os seus efeitos para além do necessário para assegurar a proteção dos interesses que visa garantir» (42). Ora, a interpretação descrita no número anterior teria precisamente esse efeito. Isso significa que as empresas florestais poderiam, simplesmente utilizando os mesmos veículos para todos os tipos de operações de transporte, beneficiar de uma isenção geral das mesmas regras. Tal extravasaria a vontade expressa pelo legislador da União de incentivar a silvicultura em si (43). Pelas razões expostas nos n.os 51 e 52 supra, prejudicaria também a consecução dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 561/2006.
64. Contrariamente à opinião do Governo polaco (44), e, aparentemente, da ISCTR (45), também não considero que, nos termos do artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 561/2006, nenhuma das operações de transporte efetuadas com «veículos de utilização mista» possa ser isenta das regras deste regulamento [v. opção c) supra].
65. Na minha opinião, tal interpretação seria demasiado formalista, excessiva e potencialmente onerosa para as empresas em causa. Com efeito, para poderem beneficiar da isenção prevista no artigo 13.°, n.° 1, alínea b), necessitariam, na prática, de duas frotas de veículos distintas, uma para as operações de transporte que preenchem as condições estabelecidas nesta disposição, e uma para outro tipo de operações de transporte.
66. Com efeito, à semelhança da Comissão, considero que a interpretação correta corresponde à opção b), supra. Os veículos de utilização mista podem ser dispensados da aplicação das regras gerais em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso estabelecidas no Regulamento n.° 561/2006, nos termos da isenção prevista no artigo 13.°, n.° 1, alínea b), deste regulamento, quando utilizados para efetuar uma operação de transporte que preencha as condições aí enunciadas. Em contrapartida, quando utilizados para efetuar outro tipo de operação de transporte, essa isenção não pode ser aplicada.
67. Na prática, isto significa que não é exigido ao condutor do veículo que cumpra as regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso ao transportar mercadorias, como parte da atividade empresarial da empresa florestal em causa, num raio máximo de 100 quilómetros a partir da sua base. Por outro lado, o condutor deve cumprir essas regras ao transportar mercadorias para além desse raio, ou quando o transporte não seja acessório à atividade florestal.
68. Esta interpretação é, na minha opinião, corroborada pela redação, pela lógica geral e pelos objetivos do Regulamento n.° 561/2006, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça.
69. Em primeiro lugar, o artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 561/2006 enumera as eventuais isenções aplicáveis «no caso de transportes efetuados» por determinados veículos. Como tal, a disposição confere aos Estados‑Membros a possibilidade de excluir das regras deste regulamento determinadas operações de transporte, mas não os veículos propriamente ditos. Conforme indicado no n.° 39 acima, esta disposição diz respeito a «operações de transporte nacional com características específicas» (46).
70. Desta forma, o que importa, para que uma determinada isenção estabelecida no artigo 13.°, n.° 1, seja aplicável, é saber se, num determinado momento, o veículo é utilizado para os fins aí indicados, e não a utilização que lhe é dada no tempo restante. Isso parece estar em conformidade com o próprio entendimento do Tribunal de Justiça relativamente a este artigo. Em especial, no Acórdão Deutsche Post e o. (47), o Tribunal de Justiça decidiu que a isenção prevista no artigo 13.°, n.° 1, alínea d), do Regulamento n.° 561/2006, que diz nomeadamente respeito aos veículos utilizados para distribuir «bens como parte do serviço universal», abrange «apenas […] os veículos […] que, durante uma determinada operação de transporte, são exclusivamente utilizados para efeitos da entrega de envios no âmbito do serviço postal universal» (48). Resulta desta argumentação que, aos olhos do Tribunal de Justiça, o mesmo veículo poderia, em determinadas momentos, estar abrangido pelo âmbito de aplicação dessa isenção, e, noutros momentos, ser excluído deste, consoante o tipo de correio transportado (49).
71. Além disso, quando se trata, mais especificamente, da redação do artigo 13.°, n.° 1, alínea c), nada indica que um determinado veículo deva ser utilizado apenas para o tipo de operações de transporte previstas nesta disposição, caso contrário, a isenção não pode ser aplicada (50).
72. Em segundo lugar, esta interpretação literal é, na minha opinião, corroborada pela lógica global do Regulamento n.° 561/2006. Este regulamento estabelece, em substância, um conjunto de limites aplicáveis a determinadas operações de transporte rodoviário, mas não a outras, em função das suas características objetivas. Essas características dizem frequentemente respeito ao próprio veículo, mas também à utilização específica que lhe é dada, designadamente o tipo/quantidade de pessoas/mercadorias transportadas. Logicamente, um mesmo veículo pode ser utilizado de diferentes maneiras, algumas das quais constituem operações de transporte regulamentadas e outras não. Com efeito, conforme salienta a Comissão, uma disposição desse regulamento, a saber, o artigo 6.°, n.° 5, sobre o qual me debruçarei mais adiante, foi adotada precisamente com o intuito de «[incidir] na dificuldade de os condutores trabalharem simultaneamente abrangidos e não abrangidos pelo âmbito do regulamento» (51).
73. Em terceiro lugar, esta interpretação é compatível com os objetivos do Regulamento n.° 561/2006. Recordo que o legislador da União considerou «desejável» dar aos Estados‑Membros a possibilidade de excluir determinadas operações de transporte efetuadas, nomeadamente, por empresas florestais, porquanto essas operações não suscitam preocupações quanto à distorção da concorrência, às condições sociais dos trabalhadores em causa, ou à segurança rodoviária. O facto de o veículo utilizado para efetuar as operações de transporte em questão também ser utilizado para outros tipos de operações de transporte é, a meu ver, irrelevante a este respeito.
74. No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio manifesta algumas preocupações. No seu entender, se as regras do Regulamento n.° 561/2006 fossem aplicadas apenas a alguns tipos de operações de transporte efetuadas por um determinado veículo, enquanto outras estão isentas ao abrigo do artigo 13.°, n.° 1, alínea b), de que modo poderiam ser preservadas as condições de trabalho do respetivo condutor e a segurança rodoviária (52)?
75. Estas preocupações são, sem dúvida, legítimas. A condução afeta o nível de cansaço das pessoas — e esse é evidentemente o caso independentemente de a operação de transporte rodoviário em questão ser ou não abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 561/2006. Se o mesmo condutor, utilizando o mesmo veículo, tivesse de, no mesmo dia ou na mesma semana, efetuar operações de transporte abrangidas por este regulamento e operações de transporte isentas, poderia, hipoteticamente, acabar por conduzir muito mais do que o máximo de 9 horas por dia ou 56 horas por semana, conforme previsto no regulamento, colocando‑se em perigo a si próprio e, pelo meio, também terceiros.
76. No entanto, considero que o direito da União contém importantes salvaguardas para garantir que este cenário seja evitado e que as condições de trabalho e a segurança rodoviária sejam preservadas.
77. Por um lado, o tempo de trabalho dos condutores de veículos utilizados para efetuar um transporte rodoviário não é limitado apenas pelas regras estabelecidas no Regulamento n.° 561/2006. Com efeito, estas regras são complementadas pelas disposições da Diretiva 2002/15/CE relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário (53). Esta diretiva aplica‑se aos trabalhadores móveis que trabalham para empresas estabelecidas num Estado‑Membro e que exerçam atividades de transporte rodoviário abrangidas pelo referido regulamento (54). Nomeadamente, estabelece limites no que se refere ao tempo médio de trabalho semanal dessas pessoas. Nos termos do artigo 4.°, alínea a), desta diretiva, esse tempo médio de trabalho semanal não pode exceder 48 horas. O tempo máximo de trabalho semanal só pode ser alargado para 60 horas se, num período de quatro meses, não for excedida uma média de 48 horas semanais (55). O artigo 5.° desta diretiva obriga também os Estados‑Membros a tomarem as medidas necessárias para garantir que essas pessoas, em caso algum, trabalhem durante mais de seis horas consecutivas sem interrupção.
78. A este respeito, observo que, nos termos do artigo 3.°, alínea a), da Diretiva 2002/15, o «tempo de trabalho» inclui «o tempo consagrado a todas as atividades de transporte rodoviário», nomeadamente «condução», independentemente de uma determinada operação de transporte ser ou não abrangida pelo âmbito de aplicação do Regulamento n.° 561/2006. Assim, na minha opinião, quando um determinado condutor, utilizando o mesmo veículo, efetua, no exercício da sua atividade, operações de transporte abrangidas pelo referido regulamento e operações de transporte isentas, o tempo de condução no âmbito das operações isentas também deve ser incluído no seu «tempo de trabalho», para efeitos de aplicação dos limites e pausas obrigatórias previstos nesta diretiva.
79. Por outro lado, o direito da União proporciona os meios para as autoridades públicas verificarem na prática a preservação das condições de trabalho e a segurança rodoviária. Em primeiro lugar, a meu ver, quando um veículo não é utilizado exclusivamente para operações de transporte que estão fora do âmbito de aplicação do Regulamento n.° 561/2006 (56), mas opera como «veículo de utilização mista», embora esteja, em determinados momentos, isentando da aplicação das regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso previstas no referido regulamento, deve, a todo o momento, estar equipado e utilizar um tacógrafo, nos termos do disposto no artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 165/2014 (57).
80. Em segundo lugar, conforme alega a Comissão, nos termos do artigo 6.°, n.° 5, do Regulamento n.° 561/2006, que referi sucintamente acima, o condutor deve registar o tempo de condução de um «veículo de utilização mista» para operações de transporte que não sejam abrangidas pelo âmbito de aplicação deste regulamento numa entrada específica do tacógrafo («outro trabalho») (58). Este registo, conjugado com os outros dados registados pelo tacógrafo e os elementos de prova apresentadas pela empresa em causa, permitem às autoridades públicas verificar (59) se os períodos de condução durante os quais não foram cumpridas as regras estabelecidas no Regulamento n.° 561/2006 correspondem efetivamente às operações de transporte isentas das mesmas, em conformidade, por exemplo, com o artigo 13.°, n.° 1, alínea b) (60). Também lhes permite verificar se as regras da Diretiva 2002/15 foram cumpridas.
81. Atendendo às considerações precedentes, considero que a resposta à segunda questão deve ser no sentido de que, nos termos do artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 561/2006, quando um veículo é utilizado habitualmente por uma empresa florestal tanto para o transporte de mercadorias «como parte da sua própria atividade empresarial, num raio máximo de 100 quilómetros a partir da [sua] base», conforme previsto nessa disposição, como para as operações de transporte que não preencham essas condições, apenas a primeira categoria de operações de transporte pode estar isenta da aplicação das regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso estabelecidas no referido regulamento. Além disso, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 165/2014, nesse veículo deve ser instalado e utilizado permanentemente um tacógrafo, devendo o respetivo condutor registar como «outro trabalho», o tempo despendido em transportes isentos, nos termos do artigo 6.°, n.° 5, do Regulamento n.° 561/2006.
V. Conclusão
82. À luz de todas as considerações precedentes, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões prejudiciais submetidas pelo Judecătoria Miercurea Ciuc (Tribunal de Primeira Instância de Miercurea‑Ciuc, Roménia) da seguinte forma:
1) O conceito de «raio máximo de 100 quilómetros a partir da base da empresa» na aceção do artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março de 2006, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera os Regulamentos (CEE) n.° 3821/85 e (CEE) n.° 2135/98 do Conselho e revoga o Regulamento (CEE) n.° 3820/85 do Conselho, refere‑se a uma área geográfica delimitada por um círculo imaginário cujo raio é de 100 quilómetros ao redor dessa base.
2) Nos termos do artigo 13.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 561/2006, quando um veículo é utilizado habitualmente por uma empresa florestal tanto para o transporte de mercadorias «como parte da sua própria atividade empresarial, num raio máximo de 100 quilómetros a partir da [sua] base», conforme previsto nesta disposição, como para as operações de transporte que não preencham essas condições, apenas a primeira categoria de operações de transporte pode estar isenta da aplicação das regras em matéria de tempos de condução, pausas e períodos de repouso estabelecidas no referido regulamento. Além disso, em conformidade com o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 165/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de fevereiro de 2014, relativo à utilização de tacógrafos nos transportes rodoviários, que revoga o Regulamento (CEE) n.° 3821/85 do Conselho relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários e que altera o Regulamento (CE) n.° 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, nesse veículo deve ser instalado e utilizado permanentemente um tacógrafo, devendo o respetivo condutor registar como «outro trabalho» o tempo despendido em operações de transporte isentas, nos termos do artigo 6.°, n.° 5, do Regulamento n.° 561/2006.