Language of document : ECLI:EU:T:2021:186

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

14 de abril de 2021 (*)

«Desenho ou modelo comunitário — Pedido múltiplo de desenhos ou modelos comunitários que representam aparelhos e artigos de ginástica ou de desporto — Direito de prioridade — Artigo 41.o do Regulamento (CE) n.o 6/2002 — Pedido ao abrigo do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes — Artigo 4.o da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial — Prazo de prioridade»

No processo T‑579/19,

The KaiKai Company Jaeger Wichmann GbR, com sede em Munique (Alemanha), representada por J. Hellmann‑Cordner, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Walicka, na qualidade de agente

recorrido,

que tem por objeto um recurso da Decisão da Terceira Câmara de Recurso do EUIPO de 13 de junho de 2019 (processo R 573/2019‑3), relativa a um pedido de registo de aparelhos e artigos de ginástica ou de desporto como desenhos ou modelos comunitários que reivindica o direito de prioridade de um pedido internacional de patente depositado ao abrigo do Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: M. Collins, presidente, G. De Baere e G. Steinfatt (relatora), juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 20 de agosto de 2019,

vista a resposta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de novembro de 2019,

visto não terem as partes apresentado um pedido de agendamento de audiência de alegações no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, ao abrigo do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso sem fase oral,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Direito internacional

1        A Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial foi assinada em Paris (França) em 20 de março de 1883, foi revista pela última vez em Estocolmo (Suécia) em 14 de julho de 1967 e foi alterada em 28 de setembro de 1979 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 828, n.o 11851, p. 305, a seguir «Convenção de Paris»). Todos os Estados‑Membros da União Europeia são parte nesta convenção.

2        O artigo 4.o, A, n.o 1, da Convenção de Paris determina:

«Aquele que tiver apresentado, em termos, pedido de patente de invenção, de depósito de modelo de utilidade, de desenho ou modelo industrial, de registo de marca de fábrica ou de comércio num dos países da União, ou o seu sucessor, gozará, para apresentar o pedido nos outros países [que sejam Estados partes da Convenção de Paris], do direito de prioridade durante os prazos adiante fixados.»

3        O artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris tem a seguinte redação:

«Os prazos de prioridade atrás mencionados serão de doze meses para as invenções e modelos de utilidade e de seis meses para os desenhos ou modelos industriais e para as marcas de fábrica ou de comércio.»

4        O artigo 4.o, E, da Convenção de Paris prevê:

«1)      Quando um desenho ou modelo industrial tiver sido apresentado num país, em virtude de um direito de prioridade baseado no pedido de depósito de um modelo de utilidade, o prazo de prioridade será o fixado para os desenhos ou modelos industriais.

2)      Além disso, é permitido num país pedir o depósito de um modelo de utilidade, em virtude de um direito de prioridade baseado num pedido de patente, e vice‑versa.»

5        O Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio (ADPIC), que constitui o anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio (OMC), foi assinado em Marraquexe (Marrocos) em 15 de abril de 1994 e foi aprovado pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de dezembro de 1994, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia e em relação às matérias da sua competência, dos acordos resultantes das negociações multilaterais do Uruguay Round (1986‑1994) (JO 1994, L 336, p. 1; a seguir «Acordo ADPIC»). São partes no Acordo ADPIC os membros da OMC, entre os quais figuram todos os Estados‑Membros da União Europeia bem como a própria União Europeia.

6        O artigo 2.o do Acordo ADPIC, intitulado «Convenções em matéria de propriedade intelectual», dispõe:

«1. No que diz respeito às partes II, III e IV do presente Acordo, os membros devem observar o disposto nos artigos 1.o a 12.o e no artigo 19.o da Convenção de Paris [para a Proteção da Propriedade Industrial, conforme revista em Estocolmo em 14 de julho de 1967].

2. Nenhuma das disposições incluídas nas partes I a IV do presente acordo poderá constituir uma derrogação às obrigações que possam vincular os membros entre si ao abrigo da Convenção de Paris […]»

7        O Tratado de Cooperação em Matéria de Patentes foi celebrado em Washington em 19 de junho de 1970 e foi alterado pela última vez em 3 de outubro de 2001 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1160, n.o 18336, p. 231, a seguir «PCT»). Todos os Estados‑Membros da União são partes no PCT.

8        O artigo 1.o, n.o 2, do PCT prevê:

«Nenhuma disposição do presente Tratado poderá ser interpretada como uma restrição dos direitos previstos pela Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial em benefício de qualquer nacional ou residente de qualquer país parte dessa convenção.»

9        O artigo 2.o, alíneas i) e ii), do PCT dispõe:

«No sentido do presente Tratado e do Regulamento de Execução, e a menos que um sentido diferente seja expressamente indicado:

i)      entende‑se por “pedido” um pedido de proteção de uma invenção; qualquer referência a um “pedido” entender‑se‑á como uma referência a pedidos de patentes de invenção, de certificados de autor de invenção, de certificados de utilidade, de modelos de utilidade, de patentes ou de certificados de adição, de certificados de autor de invenção adicionais e de certificados de utilidade adicionais;

ii)      qualquer referência a uma “patente” entender‑se‑á como uma referência a patentes de invenção, de certificados de autor de invenção, certificados de utilidade, modelos de utilidade, patentes ou certificados de adição, certificados de autor de invenção adicionais e certificados de utilidade adicionais […]»

10      O artigo 3.o, n.o 1, do PCT tem a seguinte redação:

«Os pedidos de proteção das invenções em qualquer um dos Estados contratantes podem ser depositados como pedidos internacionais segundo o presente Tratado.»

 Direito da União

11      O artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001, relativo aos desenhos ou modelos comunitários (JO 2002, L 3, p. 1), tem a seguinte redação:

«Quem tenha depositado regularmente um pedido de registo de um desenho ou modelo de utilidade num ou para um dos Estados partes na Convenção de Paris, ou no [A]cordo que institui a Organização Mundial do Comércio, ou o seu sucess[or], goza, para efeitos de depósito de um pedido de registo de desenho ou modelo comunitário para o mesmo desenho ou modelo de utilidade, de um direito de prioridade de seis meses a contar da data de depósito do primeiro pedido.»

 Antecedentes do litígio

12      Em 24 de outubro de 2018, a recorrente, a The KaiKai Company Jaeger Wichmann GbR, apresentou ao Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), ao abrigo do Regulamento n.o 6/2002, um pedido de registo múltiplo relativo a doze desenhos ou modelos comunitários. Os produtos nos quais estes desenhos ou modelos se destinam a ser incorporados pertencem à classe 21‑02 na aceção do Acordo de Locarno de 8 de outubro de 1968 que estabelece uma Classificação Internacional para os Desenhos e Modelos Industriais, conforme alterado, e corresponde à seguinte descrição: «Aparelhos e artigos de ginástica ou de desporto». A recorrente reivindicou, para todos estes desenhos ou modelos, uma prioridade baseada no pedido internacional de patente PCT/EP2017/077469, depositado em 26 de outubro de 2017 no Instituto Europeu de Patentes (IEP).

13      Por carta de 31 de outubro de 2018, o examinador do EUIPO informou a recorrente de que o pedido múltiplo tinha sido deferido na íntegra, mas que o direito de prioridade reivindicado era recusado para todos os desenhos ou modelos, pelo facto de a data do depósito anterior anteceder em mais de seis meses a data da apresentação do pedido múltiplo.

14      Tendo a recorrente mantido a sua reivindicação de prioridade e tendo solicitado que lhe fosse apresentada uma decisão suscetível de recurso, o examinador, por Decisão de 16 de janeiro de 2019, recusou o direito de prioridade para todos os desenhos ou modelos comunitários.

15      Em apoio da sua decisão, o examinador indicou, baseando‑se no ponto 6.2.1.1 das Orientações relativas ao exame dos desenhos ou modelos comunitários registados, de 1 de outubro de 2018 (a seguir «Orientações do EUIPO»), que, ainda que um pedido apresentado ao abrigo do PCT pudesse, em princípio, servir de base a um direito de prioridade nos termos do artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002, por a definição ampla do conceito de «patente» que figura no artigo 2.o do PCT também incluir os modelos de utilidade, esse pedido também estaria sujeito a um prazo de prioridade de seis meses, o qual não fora respeitado no caso concreto.

16      Em 14 de março de 2019, a recorrente interpôs no EUIPO recurso da decisão do examinador, ao abrigo dos artigos 55.o a 60.o do Regulamento n.o 6/2002.

17      Por Decisão de 13 de junho de 2019 (a seguir «decisão impugnada»), a Terceira Câmara de Recurso do EUIPO negou provimento ao recurso interposto pela recorrente da decisão do examinador. Considerou, em substância, que este último tinha aplicado corretamente o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, o qual reflete fielmente as disposições da Convenção de Paris.

18      A este respeito, a Câmara de Recurso do EUIPO constatou que, em conformidade com o disposto no artigo 4.o, A, n.o 1, e no artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris, aquele que, em termos, apresentar ao nível nacional um pedido de desenho ou modelo ou de modelo de utilidade goza de um direito de prioridade durante um prazo de doze meses para as patentes e para os modelos de utilidade e de seis meses para os desenhos ou modelos e para as marcas. Por outro lado, resulta do artigo 4.o, E, n.o 1, desta convenção que, no caso de ser posteriormente depositado um pedido de desenho ou modelo, a prioridade de um pedido de modelo de utilidade só pode ser reivindicada dentro do prazo de prioridade de seis meses aplicável aos desenhos ou modelos. Em contrapartida, em conformidade com o artigo 4.o, E, n.o 2, da referida convenção, pode ser reivindicada a prioridade de um pedido de patente para um pedido posterior de modelo de utilidade dentro do prazo de prioridade de doze meses aplicável aos modelos de utilidade e às patentes, e vice‑versa. A Câmara de Recurso considerou que a Convenção de Paris não contém assim nenhuma disposição segundo a qual um pedido de patente dá origem a um direito de prioridade para um pedido de desenho ou modelo.

19      A Câmara de Recurso constatou igualmente que o artigo 4.o da Convenção de Paris se aplica, em conformidade com o disposto no artigo 2.o, n.o 1, do Acordo ADPIC, mutatis mutandis à União, que é membro da OMC. No entanto, considerou que não existe nenhum primado da Convenção de Paris sobre as disposições do Regulamento n.o 6/2002, uma vez que este não constitui um acordo particular na aceção do artigo 19.o da referida convenção. Assim, a oponibilidade de um direito de prioridade só deve ser apreciada à luz do referido regulamento.

20      A Câmara de Recurso considerou, além disso, que a redação do artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002 é unívoca, que, em conformidade com este, o prazo de prioridade é de seis meses a contar da data do depósito anterior e que o direito de prioridade decorre exclusivamente do depósito regular de um pedido de registo de um desenho ou modelo ou de um modelo de utilidade, e não de um pedido de patente. Baseando‑se no ponto 6.2.1.1 das Orientações do EUIPO, a Câmara de Recurso reconheceu que o conceito de modelo de utilidade deve ser interpretado em sentido amplo, incluindo os pedidos internacionais de patente apresentados ao abrigo do PCT, uma vez que estes últimos englobam os modelos de utilidade, em conformidade com a definição que consta do artigo 2.o, alínea ii), do PCT. No entanto, segundo a Câmara de Recurso, esta interpretação ampla não pode ter nenhum impacto na duração do prazo legal de prioridade de seis meses, pelo que a prioridade de um pedido de patente depositado ao abrigo do PCT também deve ser reivindicada dentro deste prazo.

21      Por outro lado, a Câmara de Recurso considerou que não existe nenhuma contradição entre os dois despachos do Bundespatentgericht (Tribunal Federal das Patentes, Alemanha) de 10 de novembro de 1967 invocados pela recorrente e o artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002, uma vez que estes despachos tiveram por objeto a reivindicação de direitos de prioridade para pedidos posteriores de modelos de utilidade, e não a reivindicação de direitos de prioridade para pedidos de desenhos ou modelos.

22      Por conseguinte, a Câmara de Recurso considerou que, para reivindicar a prioridade do pedido internacional de patente depositado ao abrigo do PCT em 26 de outubro de 2017, a recorrente só gozava de um prazo de seis meses contado a partir desta data, ou seja, até 26 de abril de 2018.

 Pedidos das partes

23      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        anular a Decisão do examinador de 16 de janeiro de 2019 pelo facto de não ter sido reconhecida a prioridade dos desenhos ou modelos comunitários n.o 5807179‑0001‑0012; reconhecer a prioridade de 26 de outubro de 2017 reivindicada e proceder à correção da publicação dos desenhos ou modelos comunitários com indicação da prioridade;

–        condenar o EUIPO a restituir‑lhe a taxa de recurso;

–        condenar o EUIPO nas despesas;

–        a título subsidiário, realizar uma audiência.

24      O EUIPO conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

25      O segundo pedido da recorrente divide‑se em duas partes. Através da primeira parte, a recorrente pede a anulação da Decisão do examinador de 16 de janeiro de 2019 por a prioridade do pedido internacional de patente anterior não ter sido reconhecida para os desenhos ou modelos comunitários em causa.

26      A este respeito, há que recordar que, nos termos do artigo 61.o, n.os 1 e 3, do Regulamento n.o 6/2002, é a decisão impugnada, e não a decisão do examinador, que é suscetível de recurso para o Tribunal Geral, o qual é competente para anular e para reformar a decisão impugnada.

27      Por outro lado, em aplicação do artigo 61.o, n.o 6, do mesmo regulamento, o EUIPO deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal Geral. Assim, uma vez que a Decisão do examinador de 16 de janeiro de 2019 constituiu o objeto do recurso que deu lugar à decisão impugnada, em caso de anulação desta última, caberá à Câmara de Recurso reexaminá‑la à luz do presente acórdão.

28      A primeira parte do segundo pedido deve assim ser julgada inadmissível.

29      No que se refere à segunda parte do segundo pedido, através da qual a recorrente pede ao Tribunal Geral que reconheça a prioridade reivindicada e proceda à correção da publicação dos desenhos ou modelos comunitários em causa com indicação da referida prioridade, há que recordar que, no âmbito de um recurso interposto perante o juiz da União que tenha por objeto a decisão de uma Câmara de Recurso do EUIPO, resulta do artigo 61.o, n.o 6, do Regulamento n.o 6/2002 que não cabe ao Tribunal Geral dirigir injunções ao EUIPO, ao qual incumbe tirar as consequências do dispositivo e dos fundamentos dos acórdãos proferidos pelo Tribunal Geral [v., neste sentido, Acórdão de 27 de fevereiro de 2018, Gramberg/EUIPO — Mahdavi Sabet (Estojo para telemóvel), T‑166/15, EU:T:2018:100, n.o 96; v., igualmente, neste sentido e por analogia, Acórdão de 25 de novembro de 2015, Jaguar Land Rover/IHMI (Forma de um carro), T‑629/14, não publicado, EU:T:2015:878, n.o 10].

30      Por conseguinte, a segunda parte do segundo pedido da recorrente é inadmissível, pelo que, por conseguinte, este pedido é inadmissível no seu conjunto.

31      No que se refere ao quinto pedido da recorrente, apresentado a título subsidiário, há que constatar que o pedido de realização de uma audiência formulado na petição foi prematuro à luz das disposições do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Com efeito, resulta da jurisprudência que os pedidos de audiência, bem como o exame, por parte do Tribunal Geral, da utilidade da realização de tal audiência, só podem ocorrer quando, depois de terminada a fase escrita, as partes e o Tribunal Geral dispuserem de todos os elementos dos autos e da argumentação de todas as partes para se pronunciarem sobre essa utilidade [v., neste sentido, Acórdão de 26 de outubro de 2017, Erdinger Weißbräu Werner Brombach/EUIPO (Forma de um copo grande), T‑857/16, não publicado, EU:T:2017:754, n.o 13; v., igualmente, por analogia, Acórdão de 3 de março de 2015, Schmidt Spiele/IHMI (Representação de tabuleiros de jogos de sociedade), T‑492/13 e T‑493/13, EU:T:2015:128, n.o 10].

32      Através da carta de 18 de novembro de 2019, por meio da qual a recorrente foi notificada da resposta e do encerramento da fase escrita do processo, a Secretaria do Tribunal Geral chamou a atenção da recorrente para as disposições do artigo 106.o do Regulamento de Processo e indicou que o prazo para a apresentação de um pedido de realização de uma audiência corria uma única vez, sendo contado a partir da referida notificação. No entanto, a recorrente não apresentou um novo pedido de realização de audiência no prazo de três semanas previsto na referida disposição.

33      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, julgar o recurso prescindindo da fase oral do processo.

 Quanto ao mérito

34      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca dois fundamentos, relativos, o primeiro, à violação de formalidades substanciais e, o segundo, à violação do Regulamento n.o 6/2002, em conjugação com uma regra de direito relativa à sua aplicação, em conformidade com o disposto no artigo 61.o, n.o 2, do referido regulamento.

35      O Tribunal Geral considera oportuno começar por examinar o segundo fundamento apresentado pela recorrente. Este fundamento deve ser entendido no sentido de que é relativo à interpretação e à aplicação erradas do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002. Com efeito, embora seja certo que o título II da petição inicial se intitula «Caráter inaplicável do artigo 41.o do [Regulamento n.o 6/2002]», a recorrente precisa, contudo, nos n.os 12 e 21 da petição inicial, que «invoca em especial […] a violação do Regulamento [n.o 6/2002], em conjugação com uma regra de direito relativa à sua aplicação, em conformidade com o artigo 61.o, n.o 2, [deste Regulamento n.o 6/2002]», e que «considera que é particularmente importante no presente processo tomar em consideração, no âmbito da interpretação das disposições do [referido regulamento], todas as disposições pertinentes da Convenção de Paris».

36      Em substância, a recorrente alega que a Câmara de Recurso concluiu erradamente que a reivindicação de prioridade para os doze desenhos ou modelos comunitários visados pelo pedido de registo múltiplo de 24 de outubro de 2018, baseada no pedido internacional de patente de 26 de outubro de 2017, foi feita fora de prazo. A este respeito, a recorrente baseia‑se no prazo de prioridade de doze meses para as patentes previsto na Convenção de Paris e afirma que o prazo de seis meses previsto no Regulamento n.o 6/2002 para os modelos de utilidade não é aplicável ao presente caso.

37      O segundo fundamento divide‑se em duas partes. Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de ter cometido um erro por ter considerado que todos os pedidos apresentados ao abrigo do PCT estavam abrangidos pelo conceito de «modelo de utilidade» na aceção do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002.

38      Em segundo lugar, a recorrente alega que, atendendo a que não existe uma regra clara no Regulamento n.o 6/2002 no que respeita à prioridade que decorre de um pedido internacional de patente, a Câmara de Recurso devia ter tomado em consideração as disposições pertinentes da Convenção de Paris, que constituem a base do referido regulamento. Ora, uma vez que o artigo 4.o, C, n.o 1, desta convenção prevê um prazo de prioridade de doze meses para as patentes e que a referida convenção se baseia no princípio segundo o qual o pedido anterior é determinante para o prazo de prioridade se a prioridade se basear num direito de natureza diferente, independentemente da natureza do direito sobre o qual incide o pedido posterior, a Câmara de Recurso não devia ter considerado que era aplicável um prazo de seis meses.

39      A título preliminar, há que salientar que, na decisão impugnada, a Câmara de Recurso reconheceu que o direito de prioridade decorria de um pedido internacional de patente apresentado ao abrigo do PCT. Baseou‑se, a este respeito, no ponto 6.2.1.1 das Orientações do EUIPO, que enuncia que, para proceder ao exame dos desenhos ou modelos comunitários registados, «a prioridade de um pedido internacional depositado ao abrigo do [PCT] pode ser reivindicada, uma vez que o artigo 2.o deste Tratado define o termo “patente” num sentido lato que abrange os modelos de utilidade».

40      Por conseguinte, a Câmara de Recurso reconheceu que o pedido internacional de patente PCT/EP2017/077469, depositado pela recorrente em 26 de outubro de 2017, deu origem a um direito de prioridade no âmbito do pedido posterior de desenhos ou modelos comunitários. Esta constatação não é posta em causa no presente caso.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa a um erro de interpretação do conceito de «modelo de utilidade» que figura no artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002

41      Através da primeira parte do segundo fundamento, a recorrente alega que a Câmara de Recurso adotou erradamente uma interpretação extensiva do conceito de «modelo de utilidade» que figura no artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, baseando‑se esta interpretação numa leitura errada do artigo 2.o do PCT.

42      A recorrente contesta a interpretação do EUIPO segundo a qual um pedido depositado ao abrigo do PCT é somente um pedido de modelo de utilidade ou é, pelo menos, equivalente a um pedido de modelo de utilidade. O artigo 2.o, alínea ii), do PCT invocado pelo EUIPO não define o conceito de pedido apresentado ao abrigo do PCT enquanto tal. Um pedido internacional de patente é simultaneamente um pedido de patente e um pedido de modelo de utilidade.

43      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente.

44      Desde logo, há que constatar que a argumentação da recorrente é ambivalente. Com efeito, contesta a interpretação extensiva da Câmara de Recurso no que respeita ao conceito de «modelo de utilidade», embora, como resulta do n.o 39, supra, esta interpretação tenha permitido à Câmara de Recurso constatar que um pedido internacional de patente pode dar origem a um direito de prioridade na aceção do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002. Conforme a Câmara de Recurso salientou no n.o 16 da decisão impugnada, a redação da referida disposição não prevê expressamente a existência de um direito de prioridade que decorra do depósito de um pedido internacional de patente. Por conseguinte, o direito de prioridade reivindicado pela recorrente no âmbito do seu pedido posterior de desenhos ou modelos só foi examinado devido à interpretação ampla do referido conceito feita pelo EUIPO. Assim, conforme o EUIPO salienta na sua resposta, a argumentação da recorrente não lhe confere nenhum benefício e deve ser rejeitada.

45      Em todo o caso, há que sublinhar que, de acordo com a definição constante do artigo 2.o, alínea ii), do PCT, «qualquer referência a uma “patente” entender‑se‑á como uma referência a pedidos de patentes de invenção, de certificados de autor de invenção, de certificados de utilidade, de modelos de utilidade […]». Daqui resulta que os pedidos de patente depositados ao abrigo do PCT englobam os modelos de utilidade, conforme a Câmara de Recurso salientou no n.o 16 da decisão impugnada.

46      É certo que, como acertadamente sustenta recorrente, esta constatação não implica uma identidade dos conceitos de «patente» e de «modelo de utilidade», da mesma forma que também não implica que o conceito de «modelo de utilidade» inclua o conceito de «patente».

47      A este respeito, há que salientar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, do PCT, os pedidos de proteção das invenções em qualquer um dos Estados contratantes podem ser depositados como pedidos internacionais na aceção deste Tratado. Por outro lado, em conformidade com o seu artigo 2.o, alínea i), «[q]ualquer referência a um “pedido” entender‑se‑á como uma referência a pedidos de patentes de invenção, de certificados de autor da invenção, de certificados de utilidade, de modelos de utilidade, de patentes ou de certificados de adição, de certificados de autor de invenção adicionais e de certificados de utilidade adicionais». Daqui resulta que o PCT não prevê uma distinção em função dos diferentes direitos através dos quais os diversos Estados designados concedem a proteção da invenção.

48      Nestas circunstâncias, para não excluir de forma injustificada uma parte dos pedidos de modelo de utilidade, a interpretação extensiva do EUIPO permite aceitar todos os pedidos internacionais de patentes apresentados ao abrigo do PCT como base de um direito de prioridade, evitando assim que se impeça a proteção legal dos direitos de propriedade industrial visada pelo PCT. Embora pedidos internacionais de patente possam assim dar origem a um direito de prioridade para desenhos ou modelos ao abrigo do artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002, tal não transforma, contudo, os pedidos de patente em pedidos de modelo de utilidade nem os submete automaticamente às regras concebidas para estes últimos.

49      À luz das considerações que precedem, há que concluir que, embora a redação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não vise expressamente a reivindicação de um direito de prioridade baseado numa patente, a Câmara de Recurso tomou corretamente em consideração, no âmbito do referido artigo, os pedidos internacionais de patente. Esta interpretação ampla da referida disposição é conforme com a estrutura do PCT, através da qual se presente assegurar, perante um pedido internacional, uma proteção equivalente de modelos de utilidade e de patentes.

50      Daqui resulta que a Câmara de Recurso não cometeu um erro quando considerou que a reivindicação do direito de prioridade baseado no pedido internacional de patente apresentado pela recorrente ao abrigo do PCT era regulada pelo artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 no que respeita à questão de saber se um direito de prioridade se pode basear em tal pedido internacional de patente.

 Quanto à segunda parte do segundo fundamento, relativa à não tomada em consideração do artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris para efeitos da determinação do prazo de prioridade

51      Através da segunda parte do segundo fundamento, a recorrente considera que, uma vez que o prazo de seis meses previsto no artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não é aplicável ao presente caso, a Câmara de Recurso devia ter recorrido às regras da Convenção de Paris, a qual, no seu artigo 4.o, C, n.o 1, prevê um prazo de doze meses para um direito de prioridade baseado num pedido de patente.

–       Quanto à pertinência da Convenção de Paris para efeitos da interpretação do artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002

52      A recorrente opõe‑se à interpretação do Regulamento n.o 6/2002 adotada pela Câmara de Recurso, segundo a qual as condições para reivindicar um direito de prioridade estão estabelecidas de forma exaustiva neste regulamento e refletem as disposições da Convenção de Paris, não havendo assim que fazer referências a esta última.

53      A recorrente considera que, na medida em que o Regulamento n.o 6/2002 não contêm uma disposição clara relativa aos requisitos que permitem invocar um direito de prioridade com base no depósito de um pedido internacional de patente, as disposições da Convenção de Paris devem ser tomadas em consideração no âmbito do processo de registo no EUIPO.

54      O EUIPO contesta a argumentação da recorrente. O Regulamento n.o 6/2002 implementa corretamente as regras pertinentes da Convenção de Paris relativas aos desenhos ou modelos. A redação unívoca do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 exprime claramente a vontade do legislador da União de prever, para os pedidos de desenhos ou modelos comunitários, uma regulamentação exaustiva relativa ao prazo de reivindicação de prioridade. Por conseguinte, uma aplicação direta ou por analogia da Convenção de Paris não é necessária nem é adequada.

55      A este respeito, convém recordar que, segundo jurisprudência constante, a interpretação de uma disposição do direito da União exige que se tome em consideração não apenas os seus termos mas também o contexto em que esta se insere, bem como os objetivos e a finalidade que prossegue o ato de que faz parte. A génese de uma disposição do direito da União pode igualmente revelar elementos pertinentes para a sua interpretação (v. Acórdão de 11 de novembro de 2020, EUIPO/John Mills, C‑809/18 P, EU:C:2020:902, n.o 55 e jurisprudência referida).

56      No que respeita à redação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, importa salientar que este não prevê a situação na qual o pedido de desenho ou modelo é depositado com reivindicação de um direito de prioridade baseado num pedido de patente, pelo que também não regula o prazo para reivindicar a prioridade nesta situação.

57      Por conseguinte, contrariamente ao que o EUIPO parece alegar, o artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 não regula de forma exaustiva a questão do prazo dentro do qual uma prioridade pode ser reivindicada no âmbito de um pedido posterior de desenho ou modelo.

58      No que se refere à génese do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, importa salientar que excertos dos trabalhos preparatórios indicam que com as disposições do referido regulamento relativas ao direito de prioridade se pretendia que este estivesse em conformidade com a Convenção de Paris no que respeita ao direito de prioridade e ao seu prazo [v. proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos desenhos ou modelos comunitários de 3 de dezembro de 1993, COM(93) 342 final‑COD 463, exposição de motivos, parte II, título IV, secção 2].

59      A relação entre o direito de prioridade previsto no artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002 e a Convenção de Paris também se reflete na própria redação desta disposição, a qual concede um direito de prioridade a «quem tenha depositado regularmente um pedido de registo […] num ou para um dos Estados partes na Convenção de Paris, ou no acordo que institui a Organização Mundial do Comércio […]». Esta referência permite concluir que o artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002 tem por finalidade tomar em consideração a obrigação criada pela Convenção de Paris, a qual incumbe aos membros da OMC, de respeitar as prioridades decorrentes do depósito de um pedido regular de proteção num dos Estados partes numa destas convenções.

60      Com efeito, uma vez que, enquanto membro da OMC, é parte no Acordo ADPIC, a União tem de interpretar a sua legislação sobre a propriedade intelectual, tanto quanto possível, à luz do texto e da finalidade do referido acordo. Ora, o artigo 2.o, n.o 1, do Acordo ADPIC prevê que, no que diz respeito às partes II, III e IV deste acordo, os Estados partes devem observar o disposto nos artigos 1.o a 12.o e no artigo 19.o da Convenção de Paris (v., no que respeita ao direito das marcas, Acórdãos de 16 de novembro de 2004, Anheuser‑Busch, C‑245/02, EU:C:2004:717, n.o 42 e jurisprudência referida, e de 11 de novembro de 2020, EUIPO/John Mills, C‑809/18 P, EU:C:2020:902, n.o 64). Esta constatação, consagrada pela jurisprudência no contexto do direito das marcas, é transponível para o direito dos desenhos ou modelos, uma vez que, como resulta da exposição de motivos da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos desenhos ou modelos comunitários, de 3 de dezembro de 1993, COM(93) 342 final‑COD 463, a redação das regras sobre o direito de prioridade do Regulamento n.o 6/2002 foi realizada, nomeadamente, em analogia com as disposições quase idênticas da proposta de regulamento sobre a marca comunitária.

61      Por outro lado, importa recordar a jurisprudência do Tribunal de Justiça segundo a qual, ainda que a União não seja parte contratante numa convenção internacional celebrada pelos seus Estados‑Membros, embora esteja obrigada, por força de um tratado internacional de que é parte, a não entravar as obrigações dos Estados‑Membros ao abrigo dessa convenção, os conceitos contidos no ato de direito derivado da União devem ser interpretados de modo a que esses conceitos continuem a ser compatíveis com a referida convenção e com o referido tratado, tomando igualmente em consideração o contexto em que esses conceitos se inscrevem e a finalidade prosseguida pelas disposições convencionais pertinentes em matéria de propriedade intelectual, aplicando‑se esta jurisprudência não apenas no direito das marcas mas também noutros domínios do direito da propriedade intelectual (v., neste sentido e por analogia, Acórdãos de 15 de março de 2012, SCF, C‑135/10, EU:C:2012:140, n.os 50 e 56, e de 15 de novembro de 2012, Bericap Záródástechnikai, C‑180/11, EU:C:2012:717, n.os 69 e 70).

62      No que se refere ao direito de prioridade, importa salientar que este direito tem a sua origem no artigo 4.o da Convenção de Paris [v., relativamente ao direito de prioridade previsto no artigo 29.o do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), Acórdão de 15 de novembro de 2001, Signal Communications/IHMI (TELEYE), T‑128/99, EU:T:2001:266, n.o 37].

63      Daqui resulta que, no que diz respeito à interpretação do artigo 41.o, n.o 1, do Regulamento n.o 6/2002, há que tomar em consideração as disposições da Convenção de Paris.

64      É assim de forma juridicamente bastante que a recorrente sustenta que, uma vez que o prazo de prioridade que decorre de um pedido internacional de patente anterior não está previsto no Regulamento n.o 6/2002, há que recorrer à regulamentação subjacente a este último, a saber, a Convenção de Paris, da qual devem ser tomadas em consideração, como referência para a interpretação deste regulamento e a título complementar, as disposições relativas à determinação do prazo de reivindicação da prioridade baseada no depósito de um pedido de patente no âmbito de um pedido de patente posterior de desenho ou modelo.

65      Por último, há que observar que a Câmara de Recurso, embora tenha admitido, pelos mesmos motivos que a recorrente, que a Convenção de Paris se aplica mutatis mutandis à União Europeia, considerou, neste contexto, que não existe nenhum primado desta convenção sobre as disposições do Regulamento n.o 6/2002, por este não constituir um acordo particular na aceção do artigo 19.o da referida convenção, e que a oponibilidade de um direito de prioridade só deve ser apreciada à luz do referido regulamento.

66      Ora, quanto à questão do prazo de prioridade em circunstâncias como as do presente caso, não se trata de uma questão de primado da Convenção de Paris sobre o Regulamento n.o 6/2002. Com efeito, como resulta do acima indicado nos n.os 56 e 57, o recurso a esta convenção visa colmatar uma lacuna do referido regulamento, o qual nada diz quanto ao prazo de prioridade decorrente de um pedido internacional de patente.

–       Quanto ao prazo de prioridade decorrente de um pedido internacional de patente em conformidade com o artigo 4.o da Convenção de Paris

67      A recorrente invoca as disposições do artigo 4.o da Convenção de Paris, nomeadamente o artigo 4.o, C, n.o 1. Na medida em que o pedido de prioridade diz respeito, no presente caso, a um pedido depositado ao abrigo do PCT, e, por conseguinte, a um pedido de patente de invenção na aceção do artigo 4.o, A, n.o 1, da Convenção de Paris, daqui resulta que o prazo de prioridade aplicável ao depósito do seu pedido múltiplo de registo de desenhos ou modelos é de doze meses, em conformidade com o disposto no artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris.

68      O EUIPO contrapõe, em substância, que a recorrente não demonstrou que a Convenção de Paris contém regras relativas ao prazo controvertido. Por um lado, não invoca nenhuma disposição da Convenção de Paris que regule especificamente a reivindicação de uma prioridade baseada num pedido de patente anterior no âmbito de um pedido de desenho ou modelo e, por outro, esta convenção não prevê uma regra geral aplicável a todas as possíveis situações de pedido posterior.

69      Segundo o EUIPO, a Convenção de Paris só regula duas situações nas quais a prioridade de um direito de proteção pode ser reivindicada no âmbito de um pedido posterior de um direito de proteção de natureza diferente. Estas duas situações são reguladas pelo artigo 4.o, E, da referida convenção e, nos dois casos, o prazo depende da natureza do pedido posterior.

70      A este respeito, é facto assente que a recorrente reivindica, no âmbito de um pedido de desenho ou modelo, um direito de prioridade baseado num pedido internacional de patente anterior.

71      Ora, os prazos de prioridade aplicáveis dependem, nos termos do artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris, da natureza do direito em causa. Admitindo que o pedido posterior e o pedido em que se baseia a reivindicação do direito de prioridade têm o mesmo objeto, o prazo de prioridade é, segundo esta disposição, de doze meses para a patente e o modelo de utilidade, ao passo que é de seis meses para o desenho ou modelo.

72      Conforme o EUIPO observa, com razão, a Convenção de Paris não contém nenhuma regra expressa relativa ao prazo de prioridade aplicável a uma situação na qual o pedido posterior diz respeito a um desenho ou modelo, embora a reivindicação de prioridade se baseie num pedido internacional de patente anterior.

73      É também de forma juridicamente bastante que o EUIPO salienta que a Convenção de Paris, no seu artigo 4.o, E, n.o 1, contém uma regra que prevê que o prazo de prioridade fixado para o direito posterior é determinante se esse direito posterior for um desenho ou modelo e se o direito anterior for um modelo de utilidade.

74      Em contrapartida, no que respeita ao artigo 4.o, E, n.o 2, da Convenção de Paris, que dispõe que o depósito de um pedido de patente pode servir de base e fundamentar um direito de prioridade em relação ao depósito posterior de um modelo de utilidade e vice‑versa, há que salientar que esta disposição não apresenta nenhuma indicação no que se refere ao prazo de prioridade, contrariamente àquilo que o EUIPO parece sugerir.

75      Coloca‑se assim a questão de saber se o artigo 4.o, E, n.o 1, da Convenção de Paris, enquanto única regra expressa respeitante ao caso de dois pedidos sucessivos relativos a direitos aos quais estão associados prazos de prioridade diferentes, reflete uma regra geral segundo a qual o prazo de prioridade decorrente da natureza do direito posterior é determinante ou se, pelo contrário, se trata de uma exceção a uma regra geral segundo a qual é a natureza do direito anterior que determina a duração do prazo de prioridade.

76      A recorrente, baseando‑se em dois Despachos do Bundespatentgericht (Tribunal Federal das Patentes) de 10 de novembro de 1967 e em artigos de doutrina alemães, alega que, no que respeita ao prazo de prioridade, cabe basear‑se no direito anterior no caso de prioridades reivindicadas por direitos de proteção de naturezas diferentes. Nos referidos despachos, o Bundespatentgericht (Tribunal Federal das Patentes) cita nomeadamente o Memorando sobre o Ato Adicional de Bruxelas (Denkschrift zur Brüsseler Zusatzakte), um documento explicativo de 1903 respeitante à revisão, por ocasião da Conferência de Bruxelas de 1900, da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 1883, do qual resulta que a estrutura das prioridades internacionais tinha por objetivo permitir que aqueles que visavam obter uma proteção internacional de direitos industriais procedessem por etapas, fazendo depender o pedido noutros Estados do sucesso do primeiro pedido, habitualmente nacional. Segundo o referido documento, foi nesta ótica que foi necessário aumentar de seis para doze meses o prazo do direito de prioridade baseado numa patente, uma vez que, nomeadamente na Alemanha, a primeira fase do exame da possibilidade de proteção de uma patente já durava por si só, sete meses.

77      Resulta da lógica inerente ao sistema de prioridades que, regra geral, é a natureza do direito anterior que determina a duração do prazo de prioridade. A este respeito, importa salientar que a razão pela qual, em conformidade com o artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris, o prazo de prioridade aplicável às patentes e aos modelos de utilidade é mais comprido do que aquele que é aplicável aos desenhos ou modelos, bem como às marcas, resulta da natureza mais complexa das patentes e dos modelos de utilidade. Com efeito, uma vez que, nos termos do artigo 4.o, C, n.o 2, da Convenção de Paris, o prazo de prioridade começa a correr a partir do depósito do primeiro pedido e que o procedimento para registo das patentes ou dos modelos de utilidade é mais comprido do que o dos desenhos ou modelos ou das marcas, o direito de prioridade resultante do depósito de um pedido de patente ou de modelo de utilidade corria o risco de caducar se o mesmo prazo, relativamente curto, de seis meses fosse aplicado a todos os direitos suscetíveis de dar origem a um direito de prioridade. Ora, é suposto que a vantagem que o direito de prioridade confere permita que o requerente avalie as hipóteses de obter uma proteção para a invenção em causa com base no pedido anterior de patente depositado num Estado antes de procurar eventualmente, através de um pedido posterior, obter proteção noutro Estado levando a cabo as diligências e os preparativos necessários, suportando os respetivos custos e cumprindo as respetivas formalidades. A este respeito, no que se refere às marcas, o Tribunal Geral já recordou que os redatores da Convenção de Paris quiseram permitir que um dos beneficiários do direito de um dos Estados partes nesta convenção, em face da impossibilidade de depositar simultaneamente uma marca em todos esses Estados, pudesse sucessivamente pedir o seu registo nos referidos Estados conferindo assim uma dimensão internacional à proteção obtida num destes Estados sem haver uma multiplicação de formalidades a cumprir (Acórdão de 15 de novembro de 2001, TELEYE, T‑128/99, EU:T:2001:266, n.o 38).

78      Além disso, é coerente que a natureza do direito anterior determine a duração do prazo de prioridade, uma vez que, conforme o Tribunal Geral constatou no contexto do direito das marcas (Acórdão de 15 de novembro de 2001, TELEYE, T‑128/99, EU:T:2001:266, n.o 42), é o pedido de registo desse direito anterior que dá origem ao direito de prioridade. Por outro lado, é a partir da data do depósito do referido pedido que começa a correr o prazo de prioridade. Embora a própria origem do direito de prioridade e o início do prazo do referido direito dependam do direito anterior e do pedido de registo deste, é lógico que a duração do direito de prioridade dependa, também ela, do direito anterior. Em contrapartida, nenhum elemento permite presumir que a duração do direito de prioridade depende, regra geral, do direito posterior.

79      Este entendimento é confirmado pelos trabalhos preparatórios da primeira revisão da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 1883, que teve lugar em 1900. Com efeito, resulta dos documentos e das atas da Conferência reunida em Bruxelas de 1 a 14 de dezembro de 1897 e de 11 a 14 de dezembro de 1900, nomeadamente de uma visão de conjunto do ponto 1 do documento apresentado pela delegação alemã na reunião preparatória de 1 de dezembro de 1897, da Ata da Quarta Sessão de 7 de dezembro de 1897, bem como da Ata da Segunda Sessão de 12 de dezembro de 1900. (v. Actes de la Conférence réunie à Bruxelles du 1 er au 14 décembre 1897 et du 11 au 14 décembre 1900, União Internacional para a Proteção da Propriedade Industrial, Berna, 1901, a seguir «Actes de la Conférence de Bruxelles», respetivamente p. 169, pp. 209 a 212 e pp. 379 a 382), que o prazo de prioridade foi prolongado de seis para doze meses para o direito de prioridade baseado numa patente pelo facto de o exame prévio a que os pedidos de patente eram submetidos, nomeadamente ao abrigo das legislações alemã, austríaca e húngara, exigir mais tempo. Por este motivo, os Estados em causa consideravam que estavam impedidos de aderir à referida convenção devido à duração, em seu entender, demasiado curta do prazo de prioridade para as patentes, uma vez que a duração do exame prévio excedia quase sempre a duração do prazo de prioridade (v. Actes de la Conférence de Bruxelles, p. 37). A prorrogação do prazo de prioridade para as patentes fora proposta pelo Bureau International da União Internacional para a Proteção da Propriedade Industrial «para ter em conta as necessidades específicas dos países em que o exame prévio [constituía] a prática seguida» (v. Actes de la Conférence de Bruxelles, p. 144) e foi, posteriormente, aceite e implementada através do artigo 1.o, II, do Ato Adicional de 14 de dezembro de 1900 que altera a Convenção de 20 de março de 1883 (v. Actes de la Conférence de Bruxelles, p. 410).

80      Todos estes elementos confirmam que, segundo o conceito que esteve na origem do sistema de prazos de prioridade, é efetivamente o direito anterior que é determinante para a duração do prazo de prioridade.

81      Além disso, o facto de o artigo 4.o, E, n.o 1, da Convenção de Paris se apresentar como uma regra especial que constitui uma exceção ao princípio segundo o qual, para determinar a duração do prazo de prioridade, a natureza do direito anterior é determinante, resulta da própria redação desta disposição. Com efeito, a palavra «quando», que, no contexto da referida disposição, significa «no caso de», indica que esta regra só é aplicável se se verificar a hipótese expressamente enunciada. Do mesmo modo, a formulação negativa expressa em língua francesa através dos termos «ne sera que» («será») indica o caráter excecional da determinação da duração do prazo de prioridade por referência ao direito posterior, a saber, os desenhos ou modelos, como derrogação à regra geral.

82      A natureza de exceção do artigo 4.o, E, n.o 1, da Convenção de Paris resulta igualmente de uma análise histórica, que revela que o artigo 4.o, E, da referida convenção foi concebido para ser aplicado exclusivamente aos modelos de utilidade. O artigo 4.o, E, da Convenção de Paris foi adotado em 1925. A inserção desta regra relativa aos modelos de utilidade veio a revelar‑se oportuna depois de, em 1911, o âmbito de aplicação da Convenção de Paris para a Proteção da Propriedade Industrial de 1883 ter sido alargado para nela incluir os referidos modelos de utilidade, fazendo‑os constar da enumeração dos direitos de propriedade industrial cuja proteção a referida convenção garantia por força do seu artigo 2.o (atual artigo 1.o, n.o 2, da Convenção de Paris). O aditamento, em 1925, da referida parte E ao artigo 4.o permitiu evitar que um modelo de utilidade há muito publicado, ao qual seria aplicável o prazo de doze meses conforme previsto no artigo 4.o, C, n.o 1, da Convenção de Paris, fosse objeto de um novo depósito como desenho ou modelo.

83      A recorrente alega assim de forma juridicamente bastante que a diferença de tratamento prevista no caso específico do artigo 4.o, E, n.o 1, da Convenção de Paris entre as patentes e os modelos de utilidade se explica, nomeadamente, pela diferente duração dos respetivos processos de registo, uma vez que os modelos de utilidade são registados e publicados depois de ser realizado um exame formal sucinto, ao passo que os pedidos de patentes não são geralmente publicados antes de ter expirado o prazo de prioridade de doze meses. Assim, esta parte E não se destina a produzir efeitos para além dos casos que envolvem modelos de utilidade, contrariamente ao que parece sugerir o EUIPO, propondo este último que se aplique ao depósito de um pedido internacional de patente o prazo de seis meses previsto no artigo 41.o do Regulamento n.o 6/2002 para o depósito de um pedido de modelo de utilidade, o qual reflete fielmente o artigo 4.o, E, da Convenção de Paris.

84      No que respeita à sucessão, como no presente caso, de um pedido de patente anterior e de um pedido de desenho ou modelo posterior, a recorrente alega de forma juridicamente bastante que o objetivo subjacente ao artigo 4.o, E, n.o 1, da Convenção de Paris não abrange os pedidos de patentes. Com efeito, é praticamente nulo o risco de que uma patente há muito publicada seja objeto de um novo depósito como desenho ou modelo, o que é confirmado pelo presente processo, no qual a recorrente tinha apresentado o pedido de patente PCT/EP2017/077469 ao IEP em 26 de outubro de 2017, ao passo que o artigo 93.o, n.o 1, da Convenção sobre a Concessão de Patentes Europeias, de 5 de outubro de 1973, só prevê uma publicação depois de decorridos 18 meses desde a data do depósito.

85      Há que constatar que os argumentos que o EUIPO avança para sustentar a posição contrária não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão segundo a qual a regra geral subjacente à Convenção de Paris é a de que a natureza do direito anterior é decisiva para a determinação da duração do prazo de prioridade. Em especial, o EUIPO não invoca nenhum argumento suscetível de demonstrar que a regra especial criada para os modelos de utilidade também deve ser aplicada às patentes.

86      Por conseguinte, há que concluir que a Câmara de Recurso cometeu um erro quando considerou que era de seis meses o prazo aplicável à reivindicação, pela recorrente, da prioridade do pedido internacional de patente PCT/EP2017/077469 para os doze desenhos ou modelos cujo registo pediu.

87      Por conseguinte, há que julgar procedente o segundo fundamento.

88      Resulta de todas as considerações que precedem, e sem que seja necessário examinar o primeiro fundamento apresentado pela recorrente, que o recurso deve ser julgado procedente na parte em que tem por objeto a anulação da decisão impugnada e deve ser julgado improcedente quanto ao demais.

 Quanto às despesas

89      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Os encargos indispensáveis suportados pelas partes para efeitos do processo perante a Câmara de Recurso são considerados despesas reembolsáveis, em aplicação do artigo 190.o, n.o 2, do referido Regulamento de Processo. No presente caso, tendo o EUIPO, no essencial, sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      A Decisão da Terceira Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 13 de junho de 2019 (processo R 573/20193) é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao demais.

3)      O EUIPO é condenado nas despesas.

Collins

De Baere

Steinfatt

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de abril de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo alemão.