Language of document : ECLI:EU:T:2002:25

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

7 de Fevereiro de 2002 (1)

«Acção de indemnização - Responsabilidade extracontratual - Leite - Imposição suplementar - Quantidade de referência - Produtor que subscreveu um compromisso de não comercialização - Não retoma da produção no termo do compromisso»

No processo T-199/94,

Hans-Walter Gosch, residente em Högersdorf (Alemanha), representado por D. Hansen e S. Vieregge, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandante,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por D. Booß e M. Niejahr, na qualidade de agentes, assistidos por M. Núñez-Müller, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

demandada,

que tem por objecto um pedido de indemnização, nos termos dos artigos 178.° e 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actuais artigos 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE), pelos prejuízos sofridos pelo demandante por ter sido impedido de comercializar leite em aplicação do Regulamento (CEE) n.° 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento (CEE) n.° 804/68, no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64), como completado pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984, que fixa as regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento n.° 804/68 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: P. Mengozzi, presidente, V. Tiili e R. M. Moura Ramos, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 3 de Maio de 2001,

profere o presente

Acórdão

Quadro regulamentar

1.
    Em 1977, confrontado com um excedente de produção de leite na Comunidade, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1078/77, de 17 de Maio de 1977, que institui um regime de prémios de não comercialização do leite e dos produtos lácteos e de reconversão dos efectivos bovinos de orientação leiteira (JO L 131, p. 1; EE 03 F12 p. 143). Este regulamento oferecia aos produtores a possibilidade de subscreverem um compromisso de não comercialização de leite, ou de reconversão dos efectivos leiteiros, durante um período de cinco anos, em contrapartida do pagamento de um prémio.

2.
    Apesar da subscrição desses compromissos por numerosos produtores, a situação de produção excessiva persistia em 1983. O Conselho adoptou, por isso, o Regulamento (CEE) n.° 856/84, de 31 de Março de 1984 (JO L 90, p. 10; EE 03 F30 p. 61), que altera o Regulamento (CEE) n.° 804/68 do Conselho, de 27 de Junho de 1968, que estabelece a organização comum de mercado no sector do leite e dos produtos lácteos (JO L 148, p. 13; EE 03 F2 p. 146). O novo artigo5.°-C deste último diploma institui uma «imposição suplementar» sobre as quantidades de leite entregues pelos produtores que ultrapassem uma «quantidade de referência».

3.
    O Regulamento (CEE) n.° 857/84 do Conselho, de 31 de Março de 1984, que estabelece as regras gerais para a aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento n.° 804/68, no sector do leite e produtos lácteos (JO L 90, p. 13; EE 03 F30 p. 64), fixou a quantidade de referência para cada produtor, com base na produção entregue durante um ano de referência, a saber, o ano civil de 1981, sem prejuízo da possibilidade, para os Estados-Membros, de escolherem o ano civil de 1982 ou o ano civil de 1983. A República Federal da Alemanha escolheu este último ano como ano de referência.

4.
    Os compromissos de não comercialização subscritos por certos produtores no quadro do Regulamento n.° 1078/77 cobriam os anos de referência escolhidos. Não tendo produzido leite durante estes anos, não lhes pôde ser atribuída uma quantidade de referência, nem, consequentemente, puderam comercializar qualquer quantidade de leite isenta da imposição suplementar.

5.
    Por acórdãos de 28 de Abril de 1988, Mulder (120/86, Colect., p. 2321, a seguir «acórdão Mulder I»), e von Deetzen (170/86, Colect., p. 2355), o Tribunal de Justiça declarou inválido, por violação do princípio da confiança legítima, o Regulamento n.° 857/84, na versão completada pelo Regulamento (CEE) n.° 1371/84 da Comissão, de 16 de Maio de 1984, que fixa as regras de aplicação da imposição suplementar referida no artigo 5.°-C do Regulamento n.° 804/68 (JO L 132, p. 11; EE 03 F30 p. 208).

6.
    Em cumprimento destes acórdãos, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 764/89, de 20 de Março de 1989, que altera o Regulamento n.° 857/84 (JO L 84, p. 2). Por aplicação deste regulamento modificativo, os produtores que tinham subscrito compromissos de não comercialização receberam uma quantidade de referência dita «específica» (também chamada «quota»). Estes produtores são igualmente denominados «produtores SLOM I».

7.
    A atribuição de uma quantidade de referência específica estava sujeita a várias condições. Algumas destas condições, que respeitavam, nomeadamente, ao momento em que terminava o compromisso de não comercialização, foram declaradas inválidas pelo Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 11 de Dezembro de 1990, Spagl (C-189/89, Colect., p. I-4539), e Pastätter (C-217/89, Colect., p. I-4585).

8.
    Na sequência destes acórdãos, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 1639/91, de 13 de Junho de 1991, que altera o Regulamento n.° 857/84 (JO L 150, p. 35), que, suprimindo as condições declaradas inválidas, permitiu a atribuição aos produtores em questão de uma quantidade de referência específica. Estes produtores são igualmente denominados «produtores SLOM II».

9.
    No acórdão de 19 de Maio de 1992, Mulder e o./Conselho e Comissão (C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-3061, a seguir «acórdão Mulder II»), o Tribunal de Justiça declarou a Comunidade responsável pelos danos causados a determinados produtores de leite que haviam sido impedidos de comercializar leite em consequência da aplicação do Regulamento n.° 857/84, por terem subscrito compromissos em aplicação do Regulamento n.° 1078/77.

10.
    No seguimento deste acórdão, o Conselho e a Comissão publicaram, em 5 de Agosto de 1992, a comunicação 92/C 198/04 (JO C 198, p. 4). Nesta comunicação, as instituições, depois de terem lembrado as implicações do acórdão Mulder II, e com o objectivo de dar pleno efeito a este, afirmaram a sua intenção de adoptar as modalidades práticas de indemnização dos produtores interessados.

11.
    Até à adopção destas modalidades, as instituições comprometeram-se a renunciar, relativamente a qualquer produtor que tivesse direito a uma indemnização, a invocar a prescrição a que se refere o artigo 43.° do Estatuto (CEE) do Tribunal de Justiça. No entanto, o compromisso estava sujeito à condição de que o direito à indemnização não estivesse ainda prescrito na data da publicação da comunicação ou na data em que o produtor se tivesse dirigido a uma das instituições.

12.
    Em seguida, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 2187/93, de 22 de Julho de 1993, que prevê uma indemnização a favor de determinados produtores de leite ou de produtos lácteos que foram temporariamente impedidos de exercer a sua actividade (JO L 196, p. 6). Este regulamento prevê, em benefício dos produtores que obtiveram uma quantidade de referência definitiva, a concessão de uma indemnização, calculada em termos fixos, dos prejuízos sofridos no quadro da aplicação da regulamentação visada pelo acórdão Mulder II.

13.
    No acórdão de 27 de Janeiro de 2000, Mulder e o./Conselho e Comissão (C-104/89 e C-37/90, Colect., p. I-203), o Tribunal de Justiça decidiu do montante das indemnizações pedidas pelos demandantes.

Factos na origem do litígio

14.
    O demandante é produtor de leite na Alemanha. Assinou, em 1978, um compromisso de não comercialização no âmbito do Regulamento n.° 1078/77.

15.
    Resulta da decisão do Schleswig-Holsteinisches Verwaltungsgericht Schleswig, de 7 de Janeiro de 1991, que o demandante solicitou a atribuição de uma quantidade de referência específica provisória depois da entrada em vigor do Regulamento n.° 764/89, e que esta lhe foi recusada por decisão das autoridades nacionais competentes porque não preenchia as condições previstas para a concessão de uma quota e, nomeadamente, porque o seu compromisso de não comercialização tinhaterminado numa data anterior a 31 de Dezembro de 1983. Foi negado provimento ao recurso que o demandante interpôs dessa decisão.

16.
    O demandante recorreu de tal decisão para o Schleswig-Holsteinisches Oberverwaltungsgericht.

17.
    Depois da entrada em vigor do Regulamento n.° 1639/91, o demandante solicitou novamente, por carta de 1 de Setembro de 1991, a concessão de uma quantidade de referência específica provisória. Esta foi-lhe atribuída por decisão das autoridades nacionais de 18 de Novembro de 1991.

18.
    O processo no Schleswig-Holsteinisches Oberverwaltungsgericht foi, por conseguinte, cancelado.

19.
    Por carta chegada à Comissão em 18 de Novembro de 1991, o demandante pediu para ser indemnizado pelos prejuízos pretensamente sofridos devido à aplicação do Regulamento n.° 857/84 e ao compromisso de não comercialização por ele subscrito em aplicação do Regulamento n.° 1078/77. A Comissão indeferiu este pedido por carta de 26 de Novembro de 1991.

20.
    Por carta de 1 de Maio de 1992, o demandante solicitou novamente à Comissão o ressarcimento dos seus pretensos prejuízos.

21.
    Por carta de 13 de Junho de 1992, a Comissão respondeu ao demandante que ia estabelecer os princípios e as condições em que seriam tratados os pedidos de indemnização. Além disso, indicou ao demandante que, a fim de evitar que ele intentasse uma acção de indemnização, não invocaria a prescrição a partir da data dessa carta e até 17 de Setembro de 1992 (ou seja, três meses depois da publicação do acórdão Mulder II no Jornal Oficial das Comunidades Europeias) na medida em que, em 13 de Junho de 1992, o pedido não se encontrasse ainda prescrito.

22.
    Em 27 de Janeiro de 1994, o Bundesamt für Ernährung und Forstwirtschaft fez, em aplicação do Regulamento n.° 2187/93, uma proposta de indemnização ao demandante, que não a aceitou no prazo fixado.

Tramitação processual e pedidos das partes

23.
    Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 30 de Maio de 1994, o demandante intentou a presente acção.

24.
    Por despacho de 31 de Agosto de 1994, o Tribunal de Primeira Instância suspendeu a instância até à prolação do acórdão do Tribunal de Justiça pondo termo à instância nos processos apensos C-104/89 (Mulder e o./Conselho e Comissão) e C-37/90 (Heinemann/Conselho e Comissão).

25.
    A presente instância foi retomada depois da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça nos mencionados processos.

26.
    Por decisão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Junho de 2000, o processo foi atribuído a uma Secção composta por três juízes.

27.
    Por decisão de 13 de Março de 2001, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu dar início à fase oral.

28.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões orais do Tribunal de Primeira Instância na audiência de 3 de Maio de 2001.

29.
    O demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne condenar a demandada a pagar-lhe a quantia de 324 405,76 marcos alemães (DEM), acrescida de juros.

30.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o pedido improcedente;

-    condenar o demandante nas despesas.

Questão de direito

Argumentos das partes

31.
    O demandante alega que tem direito a ser indemnizado pelo prejuízo sofrido pelo facto de ter sido impedido de produzir leite em aplicação do Regulamento n.° 857/84. O período em relação ao qual pede para ser indemnizado tem início em 2 de Abril de 1984, dia seguinte ao dia da entrada em vigor do Regulamento n.° 857/84, e termina em 15 de Junho de 1991, data de entrada em vigor do Regulamento n.° 1639/91. Quantifica o prejuízo em 324 405,76 DEM.

32.
    O demandante sustenta que, contrariamente ao que a Comissão alega, o seu compromisso de não comercialização não teve início em 24 de Julho de 1978, mas apenas seis meses depois desta data, ou seja, em Janeiro de 1979. Precisa, a este respeito, que, na ausência de uma declaração sua às autoridades competentes, informando-as de que cessava a produção, o período de não comercialização teve início seis meses depois da última entrega de leite, que, no seu caso, ocorreu em 23 de Julho de 1978.

33.
    A fim de provar a data do início do período de não comercialização, o demandante junta aos autos cópias dos articulados apresentados no Schleswig-Holsteinisches Verwaltungsgericht in Schleswig. Contesta a declaração em que o Bundesanstalt für Landwirtschaft und Ernährung, que é a autoridade administrativa competente paraa atribuição das indemnizações na acepção do Regulamento n.° 2187/93, estabeleceu de modo diferente o período de não comercialização.

34.
    O demandante afirma além disso que, se indicou na petição que o período de não comercialização teve início em 24 de Julho de 1978, foi para não complicar as coisas e porque pensava que a data do termo desse período não tinha qualquer importância para a resolução do litígio.

35.
    O demandante sustenta que, dado que, em sua opinião, o período de não comercialização terminou em Janeiro de 1984 e não em 24 de Julho de 1983, deve ser considerado um produtor SLOM I.

36.
    Alega que tinha a intenção de retomar a produção de leite no termo deste período. No entanto, devia ter previamente modernizado o estábulo e, nomeadamente, construído uma fossa para estrume, em conformidade com as exigências da legislação nacional em matéria de protecção do ambiente. Para o efeito, precisava, enquanto arrendatário, do acordo do seu pai, que era o proprietário da exploração. Só teria tido este acordo mais tarde. Em 1984, na sequência da entrada em vigor do regime das quotas leiteiras, constatou-se que o demandante não podia retomar a produção de leite. O demandante construiu a fossa para estrume em 1985 e colocou touros no estábulo.

37.
    O demandante assinala que, de qualquer modo, independentemente do momento a partir do qual pôde obter uma quota em aplicação da regulamentação comunitária, como essa quota lhe foi concedida, tem direito ao ressarcimento dos prejuízos sofridos.

38.
    O demandante alega, a este respeito, que a posição da demandada é contraditória. Com efeito, quando a concessão de quotas leiteiras aos produtores SLOM II foi prevista pelo Regulamento n.° 1639/91, para ter em conta a confiança legítima destes produtores, a Comissão recusar-se-ia a indemnizar estes mesmos produtores pelos danos por eles sofridos antes da entrada em vigor deste regulamento, se bem que seja sempre a mesma confiança legítima que está em causa.

39.
    A Comissão sustenta que não há qualquer responsabilidade da Comunidade para com o demandante e que, de qualquer modo, os eventuais direitos do demandante à indemnização se encontram integralmente prescritos.

Apreciação do Tribunal

40.
    A título preliminar, no caso sub judice, o exame da prescrição exige que se determine previamente se pode haver responsabilidade da Comunidade nos termos do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 288.°, segundo parágrafo, CE) e, em caso afirmativo, até que data.

41.
    Só há lugar a responsabilidade extracontratual da Comunidade por danos causados pelas instituições, prevista no artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado, se estiver reunido um conjunto de condições, no que toca à ilegalidade do comportamento censurado, à realidade do dano e à existência de um nexo de causalidade entre o comportamento ilegal e o prejuízo invocado (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Dezembro de 1981, Ludwigshafener Walzmühle e o./Conselho e Comissão, 197/80 a 200/80, 243/80, 245/80 e 247/80, Recueil, p. 3211, n.° 18, e do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 80).

42.
    No que toca à situação dos produtores de leite que subscreveram um compromisso de não comercialização, há lugar a responsabilidade da Comunidade face a cada produtor que tenha sofrido um dano reparável pelo facto de ter sido impedido de entregar leite em aplicação do Regulamento n.° 857/84 (acórdão Mulder II, n.° 22). Esta responsabilidade funda-se na violação do princípio da confiança legítima.

43.
    Todavia, este princípio só pode ser invocado relativamente a uma regulamentação comunitária na medida em que a própria Comunidade tiver previamente criado uma situação susceptível de gerar uma confiança legítima (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Janeiro de 1992, Kühn, C-177/90, Colect., p. I-35, n.° 14).

44.
    Assim, um operador que tenha sido incitado, por um acto da Comunidade, a suspender a comercialização de leite, por um período limitado, no interesse geral e em contrapartida do pagamento de um prémio, pode legitimamente esperar não ficar sujeito, no fim do seu compromisso, a restrições que o afectam de forma específica, precisamente, devido ao facto de ter utilizado as possibilidades oferecidas pela regulamentação comunitária (acórdãos Mulder I, n.° 24, e von Deetzen, já referido, n.° 13). Em contrapartida, o princípio da confiança legítima não se opõe a que, sob um regime como o da imposição suplementar, sejam impostas a um produtor restrições pelo facto de não ter comercializado leite, ou de apenas ter comercializado uma quantidade reduzida, durante determinado período anterior à entrada em vigor do referido regime, na sequência de uma decisão por ele livremente tomada, sem a tal ter sido incitado por um acto comunitário (acórdão Kühn, já referido, n.° 15).

45.
    Além disso, resulta do acórdão Spagl, já referido, que a Comunidade não podia, sem violar o princípio da confiança legítima, excluir automaticamente da concessão das quotas todos os produtores cujos compromissos de não comercialização ou de reconversão tinham terminado em 1983, nomeadamente aqueles que, à semelhança de K. Spagl, não tinham podido retomar a produção de leite por razões ligadas ao seu compromisso. O Tribunal de Justiça julgou, assim, no n.° 13 desse acórdão:

«[...] [O] legislador comunitário pode validamente fixar um termo ao período de não comercialização ou de reconversão dos interessados, destinado a excluir do benefício [das disposições relativas à concessão de uma quantidade de referência específica] aqueles produtores que não entregarem leite durante todo ou parte doano de referência em causa por razões alheias a um compromisso de não comercialização ou de reconversão. Em contrapartida, o princípio da confiança legítima, conforme interpretado pela jurisprudência já referida, obsta a que um termo desse género seja fixado de forma a também excluir do benefício [das referidas disposições] os produtores cuja não entrega de leite durante todo ou parte do ano de referência seja consequência da execução de um compromisso assumido nos termos do Regulamento n.° 1078/77.»

46.
    Esse acórdão só pode ser lido à luz dos factos na origem do litígio submetido à apreciação do juiz nacional. K. Spagl era um agricultor que, no termo do seu compromisso, em 31 de Março de 1983, não se encontrava em condições de retomar imediatamente a produção de leite, porque não dispunha dos capitais necessários para a reconstituição de um efectivo leiteiro. Em vez disso, comprou vitelas que ele próprio criou para retomar a produção com doze vacas em Maio ou em Junho de 1984 (v. as conclusões do advogado-geral F. G. Jacobs no processo Spagl, já referido, Colect., p. I-4554, n.° 2). Além disso, resulta do relatório para audiência que, durante a interrupção da produção leiteira, o demandante tinha procedido a trabalhos de manutenção dos edifícios e máquinas utilizados na referida produção (Colect., p. I-4541, I, 2).

47.
    É assim razoável deduzir desse acórdão que os produtores cujo compromisso terminou em 1983 só podem utilmente fundar o seu pedido de indemnização na violação do princípio da confiança legítima se demonstrarem que as razões pelas quais não retomaram a produção de leite durante o ano de referência se prendem com o facto de que pararam esta produção durante um certo tempo e que lhes era impossível, por motivos de organização da referida produção, retomá-la imediatamente.

48.
    Além disso, resulta do acórdão Mulder II, mais precisamente do n.° 23, que a responsabilidade da Comunidade está subordinada à condição de os produtores terem claramente manifestado a sua intenção de retomar a produção de leite no termo do seu compromisso de não comercialização. Com efeito, para que a ilegalidade que conduziu à declaração de invalidade dos regulamentos na origem da situação dos produtores SLOM possa dar direito a uma indemnização em benefício destes últimos, estes devem ter sido impedidos de retomar a produção de leite. Tal implica que os produtores cujo compromisso terminou antes da entrada em vigor do Regulamento n.° 857/84 tenham retomado essa produção ou, pelo menos, tomado medidas para o efeito, como a realização de investimentos ou de reparações, ou a manutenção dos equipamentos necessários à referida produção (v., a este respeito, as conclusões do advogado-geral W. van Gerven no processo Mulder II, Colect., p. I-3094, n.° 30).

49.
    Se um produtor não manifestou esta intenção, não pode pretender ter colocado uma confiança legítima na possibilidade de retomar a produção de leite, em qualquer altura, no futuro. Nestas circunstâncias, a sua posição não é diferente dados operadores económicos que não produziam leite e que, depois da introdução, em 1984, do regime das quotas leiteiras, se vêem impedidos de iniciar tal produção. Com efeito, é jurisprudência constante que, no domínio das organizações comuns de mercado, cujo objecto comporta uma constante adaptação em função das variações da situação económica, os operadores económicos não têm fundamento para criar uma confiança legítima de que não serão sujeitos a restrições decorrentes de eventuais normas relativas à política de mercados ou à política de estruturas (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Junho de 1987, Frico, 424/85 e 425/85, Colect., p. 2755, n.° 33; Mulder I, n.° 23, e von Deetzen, n.° 12, já referidos).

50.
    No caso vertente, as partes não estão de acordo quanto à data em que teve início o compromisso de não comercialização subscrito pelo demandante e, na medida em que o referido compromisso tinha uma duração de cinco anos, sobre a data em que terminou. O demandante pretende que o referido compromisso só começou a produzir os seus efeitos jurídicos em Janeiro de 1979, ou seja, seis meses depois da última entrega de leite, ocorrida, no seu caso, em 24 de Julho de 1978. A Comissão sustenta, por seu turno, que o referido compromisso teve início em 24 de Julho de 1978, data em que o demandante teria efectivamente cessado a produção de leite.

51.
    Perante esta circunstância, há que considerar que, como o compromisso de não comercialização terminou, de qualquer modo, antes da entrada em vigor do regime das quotas leiteiras em 1 de Abril de 1984, incumbe ao demandante, em conformidade com a jurisprudência evocada supra, demonstrar que tinha a intenção de retomar a produção de leite no fim do seu compromisso de não comercialização, para ter direito ao ressarcimento.

52.
    Apesar disso, como a apreciação da força probatória dos elementos aduzidos pelo demandante para o efeito deve ser efectuada atendendo ao tempo de que dispôs entre a data do termo do seu compromisso de não comercialização e a data de entrada em vigor do regime das quotas leiteiras, é necessário estabelecer a data em que terminou este compromisso.

53.
    Daqui resulta que há que determinar, antes de mais, em que data o compromisso de não comercialização do demandante começou a produzir os seus efeitos e, portanto, em que data terminou.

54.
    A este respeito, há que assinalar que o artigo 2.°, n.° 2, último parágrafo, do Regulamento n.° 1078/77 precisa que «[o] período de não comercialização é igual a cinco anos e começa, o mais tardar, no fim do sexto mês seguinte à data de autorização do pedido». Além disso, o artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento (CEE) n.° 1391/78 da Comissão, de 23 de Junho de 1978, que estabelece regras de aplicação do regime de prémios de não comercialização do leite e dos produtos lácteos e de reconversão de manadas de bovinos de vocação leiteira (JO L 167, p. 45; EE 03 F14 p. 137), prevê que «[o] produtor comunica à autoridadecompetente antes do início do período de não comercialização ou de reconversão, a data do seu início; esta data é inscrita na ficha identificadora [estabelecida para cada bovino marcado e registado]».

55.
    Além disso, na decisão de autorização do seu pedido, tomada pelas autoridades nacionais em 25 de Julho de 1978 (a seguir «decisão de autorização»), precisa-se o seguinte:

«1. Pela presente, é-lhe concedido, com efeitos em 19 de Julho de 1978, sobre os fundos do Fundo Europeu de Garantia Agrícola, um prémio de não comercialização num montante total de 70 843,18 DEM.

[...]

6. O período de não comercialização [...] tem início o mais tardar seis meses depois da aceitação do seu pedido, ou seja, 18 de Janeiro de 1979. Se iniciar a não comercialização [...] em data anterior e fizer a devida declaração, é essa data que prevalece.»

56.
    O demandante considera que, como não fez qualquer declaração neste sentido às autoridades nacionais, o período de não comercialização teve início em 18 de Janeiro de 1979.

57.
    No que respeita à existência de tal declaração, resulta dos autos que as autoridades nacionais receberam, em 18 de Agosto de 1978, um certificado passado pela central leiteira a que o demandante vendia leite, declarando que este já não entregava leite desde 24 de Julho de 1978. Resulta além disso da decisão do Amt für Land und Wasserwirtschaft Itzehoe, de 21 de Fevereiro de 1990, proferida em sede de reclamação, e do articulado do mesmo organismo, apresentado ao Schleswig-Holsteinisches Verwaltungsgericht em 8 de Junho de 1990, que, de acordo com a prática, estes certificados eram passados pelas centrais leiteiras a pedido dos produtores. No entanto, o demandante nega que tenha pedido à central leiteira que lhe passasse tal certificado e afirma não compreender como é que a central leiteira o pode ter feito por iniciativa própria. Como os elementos que resultam dos autos relativos ao autor desta declaração são contraditórios e como nenhuma das partes pôde juntar aos autos uma cópia deste documento, conclui-se que é impossível estabelecer, nesta base, a data do termo do compromisso de não comercialização.

58.
    No entanto, os autos contêm outros elementos que tendem a demonstrar que o compromisso de não comercialização do demandante começou a produzir os seus efeitos, contrariamente ao que este último afirma, a partir de 25 de Julho de 1978.

59.
    Resulta, em primeiro lugar, dos autos que o demandante cessou a produção de leite a partir de 24 de Julho de 1978, já que, nessa data, tinha praticamentevendido todo o seu efectivo leiteiro e que, nestas circunstâncias, já não podia produzir leite para fins comerciais.

60.
    Resulta, em segundo lugar, dos autos que a data de início do período de não comercialização, inscrita pelo demandante, nos termos do artigo 5.°, n.° 3, do Regulamento n.° 1391/78, na maioria das fichas identificadoras previstas no artigo 7.° do referido regulamento, é 20 de Julho de 1978. A este respeito, o demandante não pode pretender ignorar a importância de tal inscrição, quando, por um lado, a decisão de autorização indicava quais eram as disposições que presidiam ao regime dos prémios de não comercialização cujo benefício tinha solicitado e que, por outro lado, esta decisão precisava expressamente que o não respeito dos compromissos assumidos pelo produtor implicava a restituição de todos os prémios pagos.

61.
    Daqui resulta que, entre 20 e 25 de Julho de 1978, o demandante tomou as medidas necessárias para respeitar o compromisso de não comercialização que tinha subscrito.

62.
    Além disso, é manifesto que o demandante recebeu o pagamento, em 1 de Setembro de 1978, da primeira parte do prémio de não comercialização, que só devia ser paga no decurso dos três primeiros meses do período de não comercialização, conforme o disposto no artigo 4.° do Regulamento n.° 1078/77 e como é recordado na decisão de autorização.

63.
    E mais, o demandante declarou várias vezes, e nomeadamente na petição, que se tinha comprometido a não produzir leite entre 24 de Julho de 1978 e 24 de Julho de 1983.

64.
    Perante estes elementos, conclui-se que o seu compromisso de não comercialização, que tinha uma duração de cinco anos, terminou, o mais tardar, em 25 de Julho de 1983.

65.
    Nestas circunstâncias, e tendo em conta o facto de que o demandante não retomou a produção de leite entre a data do termo do seu compromisso de não comercialização, ou seja, o mais tardar em 25 de Julho de 1983, e a da entrada em vigor do regime das quotas, em 1 de Abril de 1984, deve provar, para que o seu pedido de indemnização seja procedente, que tinha a intenção de retomar essa produção no termo do seu compromisso de não comercialização e que se viu na impossibilidade de o fazer em razão da entrada em vigor do Regulamento n.° 857/84. Impõe-se esta exigência de prova até porque decorreram mais de oito meses entre as duas datas consideradas.

66.
    A este respeito, o demandante indica que não retomou a produção de leite nessa altura porque tinha necessidade de fazer obras no seu estábulo e, nomeadamente, de construir uma fossa para estrume, obras para as quais precisava da autorizaçãodo seu pai, autorização que só obteve mais tarde. O demandante apresenta uma carta da sua irmã em apoio desta versão dos factos.

67.
    Perante as razões invocadas pelo demandante, verifica-se que a prova da sua eventual intenção de retomar a produção de leite depois do termo do seu compromisso de não comercialização não se apoia em nenhum elemento objectivo, mas apenas nas suas próprias declarações e nas da sua irmã, e isto quando dispunha de oito meses para tomar iniciativas tangíveis para tal retoma. Mesmo independentemente desta consideração, verifica-se que as razões que impediram o demandante de retomar a produção de leite em 1983 e que, por conseguinte, determinaram a sua exclusão da atribuição das quotas leiteiras na sequência da entrada em vigor do Regulamento n.° 857/84 não estão relacionadas com o compromisso de não comercialização, mas com o facto de não ter chegado a acordo com o seu pai sobre o futuro da exploração.

68.
    Em consequência, o dano cujo ressarcimento é pedido pelo demandante não pode ser imputado à legislação comunitária.

69.
    Por outro lado, o facto de o demandante ter recebido uma proposta de indemnização em aplicação do Regulamento n.° 2187/93 não constitui prova da reunião das condições necessárias para que haja responsabilidade da Comunidade em relação ao prejuízo aqui invocado, na acepção da jurisprudência citada no n.° 41 do presente acórdão. Com efeito, como o Tribunal já decidiu, este regulamento tinha a natureza de uma proposta de transacção dirigida a certos produtores, cuja aceitação era facultativa, e constituía uma alternativa à solução judicial do diferendo. Caso o produtor não aceitasse a proposta, conservava o direito de intentar uma acção de indemnização em virtude do artigo 215.°, segundo parágrafo, do Tratado (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Abril de 1997, Saint e Murray/Conselho e Comissão, T-554/93, Colect., p. II-563, n.os 39 a 41).

70.
    Daqui resulta que o demandante, ao recusar a proposta que lhe foi feita no âmbito do Regulamento n.° 2187/93, excluiu-se do âmbito do mesmo. Assim, incumbe-lhe provar que estão reunidas as condições para que haja responsabilidade da Comunidade.

71.
    Ora, como foi afirmado no n.° 67 supra, o demandante não demonstrou existir um nexo de causalidade entre o Regulamento n.° 857/84 e o prejuízo invocado. Conclui-se, assim, que não há responsabilidade da Comunidade para com o demandante devido à aplicação do Regulamento n.° 857/84, sem que seja necessário verificar se estão preenchidas as outras condições para tal.

72.
    Nestes termos, não há também que examinar a questão da prescrição.

73.
    Resulta do que precede que o pedido é improcedente.

Quanto às despesas

74.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o demandante sido vencido, há que condená-lo nas despesas, conforme pedido pela Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)    A acção é julgada improcedente.

2)    O demandante é condenado nas despesas.

Mengozzi
Tiili
Moura Ramos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: alemão.