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Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

16 de maio de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.° 1215/2012 — Competência judiciária e execução de decisões em matéria civil e comercial — Procedimento de injunção de pagamento — Conceito de “domicílio” — Nacional de um Estado‑Membro com endereço permanente nesse Estado‑Membro e endereço atual noutro Estado‑Membro — Impossibilidade de alterar esse endereço permanente ou de renunciar ao mesmo»

No processo C‑222/23,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia, Bulgária), por Decisão de 7 de abril de 2023, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de abril de 2023, no processo

«Toplofikatsia Sofia» EAD

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: C. Lycourgos, presidente de secção, O. Spineanu‑Matei (relatora), J.‑C. Bonichot, S. Rodin e L. S. Rossi, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Comissão Europeia, por S. Noë e I. Zaloguin, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 18.°, primeiro parágrafo, e do artigo 21.° TFUE, do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), do artigo 4.°, n.° 1, do artigo 5.°, n.° 1, e do artigo 62.°, n.° 1, do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2012, L 351, p. 1), bem como do artigo 7.° e do artigo 22.°, n.os 1 e 2, do Regulamento (UE) 2020/1784 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativo à citação ou notificação de atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados‑Membros (citação ou notificação de atos) (JO 2020, L 405, p. 40).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um procedimento de emissão de uma injunção de pagamento, iniciado pela «Toplofikatsia Sofia» EAD, um fornecedor de energia térmica, contra V.Z.A., um cliente devedor, relativamente a uma quantia em dinheiro no montante correspondente ao valor do aquecimento fornecido para o apartamento deste último, situado em Sófia (Bulgária).

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento n.° 1215/2012

3        Os considerandos 13 e 15 do Regulamento n.° 1215/2012 enunciam:

«(13)      Deverá haver uma ligação entre os processos a que o presente regulamento se aplica e o território dos Estados‑Membros. Devem, portanto, aplicar‑se, em princípio, as regras comuns em matéria de competência sempre que o requerido esteja domiciliado num Estado‑Membro.

[...]

(15)      As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.»

4        Ao abrigo do artigo 4.° deste regulamento:

«1.      Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.

2.      As pessoas que não possuam a nacionalidade do Estado‑Membro em que estão domiciliadas ficam sujeitas, nesse Estado‑Membro, às regras de competência aplicáveis aos nacionais.»

5        O artigo 5.°, n.° 1, do referido regulamento dispõe:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

6        O artigo 7.°, n.° 1, do mesmo regulamento prevê:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro:

1)      a)      Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão;

b)      Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será:

–        no caso da venda de bens, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues,

–        no caso da prestação de serviços, o lugar num Estado‑Membro onde, nos termos do contrato, os serviços foram ou devam ser prestados;

c)      Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a).»

7        Em conformidade com o artigo 62.° do Regulamento n.° 1215/2012:

«1.      Para determinar se uma parte tem domicílio no Estado‑Membro a cujos tribunais é submetida a questão, o juiz aplica a sua lei interna.

2.      Caso a parte não tenha domicílio no Estado‑Membro a cujos tribunais foi submetida a questão, o juiz, para determinar se a parte tem domicílio noutro Estado‑Membro, aplica a lei desse Estado‑Membro.»

 Regulamento 2020/1784

8        O artigo 1.° do Regulamento 2020/1784, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», dispõe:

«1.      O presente regulamento é aplicável à citação ou notificação transnacionais de atos judiciais ou extrajudiciais, em matéria civil ou comercial. [...]

2.      Sem prejuízo do artigo 7.°, o presente regulamento não se aplica quando o endereço do destinatário for desconhecido.

[...]»

9        Em conformidade com o artigo 7.° deste regulamento, com a epígrafe «Prestação de assistência para descobrir um endereço»:

«1.      Quando o endereço da pessoa que deva ser citada ou notificada de um ato judicial ou extrajudicial noutro Estado‑Membro seja desconhecido, esse Estado‑Membro deve prestar assistência para determinar o endereço, pelo menos de um dos seguintes modos:

a)      Prever autoridades designadas às quais as entidades de origem possam endereçar pedidos relativos à determinação do endereço da pessoa que deva ser citada ou notificada;

b)      Permitir que pessoas de outros Estados‑Membros apresentem um pedido, incluindo um pedido por via eletrónica, de informação quanto ao endereço das pessoas a citar ou a notificar, diretamente junto de registos com informação domiciliária ou de outras bases de dados acessíveis ao público, através de um formulário disponível no Portal Europeu da Justiça; ou

c)      Prever informações pormenorizadas, através do Portal Europeu da Justiça, sobre o modo de encontrar os endereços de pessoas a citar ou notificar.

2.      Cada Estado‑Membro comunica à Comissão [Europeia] as seguintes informações, a fim de as disponibilizar através do Portal Europeu da Justiça:

a)      Meios de assistência que disponibilizará no seu território, nos termos do n.° 1;

b)      Quando aplicável, os nomes e dados de contacto das autoridades a que se refere o n.° 1, alíneas a) e b);

c)      Se as autoridades do Estado‑Membro requerido apresentam, por sua própria iniciativa, pedidos para albergar registos ou outras bases de dados relativos a informação sobre os endereços, nos casos em que o endereço indicado no pedido de citação ou notificação não esteja correto.

Os Estados‑Membros devem notificar a Comissão de qualquer alteração ulterior às informações referidas no primeiro parágrafo.»

10      O artigo 22.° do referido regulamento, com a epígrafe «Não comparência do demandado», prevê:

«1.      Se o ato que dá início à instância ou ato equivalente tiver sido transmitido a outro Estado‑Membro para citação ou notificação nos termos do presente regulamento e o demandado não tiver comparecido, o juiz deve sobrestar a decisão enquanto não tiver sido determinado que, quer a citação ou notificação, quer a entrega do ato, foi efetuada em tempo útil para o demandado se poder defender, e que:

a)      O ato foi objeto de citação ou notificação segundo a forma prescrita pelo direito do Estado‑Membro requerido para a citação ou notificação de atos emitidos no seu território e dirigidos a pessoas que se encontrem no seu território; ou

b)      O ato foi efetivamente entregue ao demandado ou na residência do demandado, segundo outra forma prevista pelo presente regulamento.

2.      Cada Estado‑Membro pode comunicar à Comissão que um tribunal, não obstante o disposto no n.° 1, pode julgar, embora não tenha sido recebida qualquer certidão da citação ou notificação, ou da entrega do ato que dá início à instância ou do ato equivalente, desde que estejam preenchidas todas as condições seguintes:

a)      Ter o ato sido transmitido segundo uma das formas previstas no presente regulamento;

b)      Ter decorrido, desde a data da transmissão do ato, um prazo não inferior a seis meses e que o tribunal considere adequado no caso em apreço;

c)      Não ter sido recebida qualquer certidão, não obstante terem sido feitas todas as diligências razoáveis para a obter junto das autoridades ou entidades competentes do Estado‑Membro requerido.

Essas informações são disponibilizadas através do Portal Europeu da Justiça.

3.      Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2, o tribunal pode, em casos urgentes devidamente justificados, ordenar medidas provisórias ou cautelares.

4.      Se tiver sido transmitido o ato que dá início à instância ou ato equivalente a outro Estado‑Membro para citação ou notificação, em conformidade com o presente regulamento, e tiver sido proferida uma decisão contra um demandado que não tenha comparecido, o juiz pode relevar ao demandado o efeito perentório do prazo para recurso, se estiverem preenchidas as duas seguintes condições:

a)      Não ter tido o demandado, sem que tenha havido culpa da sua parte, conhecimento do dito ato em tempo útil para se defender ou conhecimento da decisão em tempo útil para interpor recurso; e

b)      Não parecer desprovida de fundamento a defesa apresentada pelo demandado quanto ao mérito.

O pedido de tal relevação deve ser formulado dentro de um prazo razoável a contar do momento em que o demandado tenha tido conhecimento da decisão.

Cada Estado‑Membro pode comunicar à Comissão o facto de que esse pedido de relevação não será admissível se for formulado após o decurso de um prazo indicado pelo Estado‑Membro nessa comunicação. Esse prazo não pode ser inferior a um ano contado da data da decisão. Essas informações são disponibilizadas através do Portal Europeu da Justiça.

5.      O disposto no n.° 4 não se aplica às decisões relativas ao estado das pessoas ou à qualidade em que agem.»

 Direito búlgaro

 ZGR

11      A Zakon za grazhdanskata registratsia (Lei relativa ao Registo Civil, DV n.° 67, de 27 de julho de 1999), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «ZGR»), dispõe, no seu artigo 90.°, n.° 1:

«Qualquer pessoa sujeita ao registo civil por força da presente lei deve declarar por escrito o seu endereço permanente e atual [...]»

12      O artigo 93.° da ZGR prevê:

«1.      Por “endereço permanente” entende‑se o endereço na localidade que a pessoa escolhe para inscrição no registo da população.

2.      O endereço permanente é sempre no território da República da Bulgária.

3.      Ninguém pode ter mais do que um endereço permanente.

4.      Os nacionais búlgaros que vivem no estrangeiro, que não estão inscritos no registo da população e não podem indicar um endereço permanente na Bulgária, são inscritos automaticamente no registo da população da localidade de “Sredets”, na cidade de Sófia.

5.      O endereço permanente dos nacionais é o endereço de correspondência com as autoridades do Estado e as autarquias locais.

6.      O endereço permanente dos nacionais é utilizado para exercer ou utilizar direitos ou serviços nos casos previstos na lei ou noutro ato normativo.

7.      O endereço permanente pode ser o mesmo que o endereço atual.»

13      Em conformidade com o artigo 94.° da ZGR:

«1.      O endereço atual é o endereço em que a pessoa reside.

2.      Ninguém tem mais do que um endereço atual.

3.      O endereço atual dos nacionais búlgaros com domicílio no estrangeiro figura no registo da população apenas com a indicação do Estado em que residem.»

14      Nos termos do artigo 96.°, n.° 1, da ZGR:

«O endereço atual é definido através de uma declaração de endereço feita pela pessoa às autoridades referidas no artigo 92.°, n.° 1. Um nacional búlgaro que resida no estrangeiro declara o seu endereço atual, ou seja, o Estado onde reside, junto das autoridades do seu endereço permanente referidas no artigo 92.°, n.° 1.»

 KMChP

15      O Kodeks na mezhdunarodnoto chastno pravo (Código de Direito Internacional Privado, DV n.° 42, de 17 de maio de 2005), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «KMChP»), dispõe, no seu artigo 4.°:

«(1)      A competência internacional dos órgãos jurisdicionais e de outras instâncias búlgaras existe quando:

1.      o requerido tem a sua residência habitual, a sua sede social, em conformidade com os seus estatutos, ou o local da sua gestão efetiva na Bulgária;

[...]»

16      Em conformidade com o artigo 48.°, n.° 7, do KMChP:

«Para efeitos do presente código, entende‑se por “residência habitual” de uma pessoa singular o centro de vida principal desta última, sem que este local esteja necessariamente ligado a um registo ou a uma autorização de residência ou de estabelecimento. Para determinar o referido centro, há que ter em conta, em especial, as circunstâncias de natureza pessoal ou profissional dessa pessoa resultantes dos seus laços duradouros com o referido local ou a sua intenção de os constituir.»

 GPK

17      O Grazhdanski protsesualen kodeks (Código de Processo Civil, DV n.° 59, de 20 de julho de 2007), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «GPK»), prevê, no seu artigo 38.°, com a epígrafe «Endereço para citação»:

«A citação é efetuada no endereço indicado nos autos do processo. Quando o destinatário não pode ser encontrado no endereço indicado, a citação é efetuada no seu endereço atual e, na falta deste, no seu endereço permanente.»

18      O artigo 40.° do GPK, com a epígrafe «Destinatário de atos judiciais», dispõe:

«(1)      A parte que permaneça ou se desloque ao estrangeiro por um período superior a um mês é obrigada a designar uma pessoa no domicílio do órgão jurisdicional para efeitos de citação, ou seja, um destinatário de atos judiciais, se não tiver um representante no processo na Bulgária. A mesma obrigação é aplicável ao representante legal, ao administrador da insolvência e ao mandatário.

(2)      Quando as pessoas referidas no n.° 1 não indicarem esse destinatário, todos os atos serão juntos aos autos e considerar‑se‑ão citados. O órgão jurisdicional informa essas pessoas destas consequências no momento da citação do primeiro ato.»

19      O artigo 41.° do GPK, com a epígrafe «Obrigação de informação», prevê:

«(1)      A parte que se ausente por um período superior a um mês do endereço que comunicou no processo ou do endereço em que foi notificada deve informar o órgão jurisdicional do seu novo endereço. A mesma obrigação é aplicável ao representante legal, ao administrador da insolvência e ao mandatário.

(2)      Em caso de incumprimento da obrigação referida no n.° 1, todas as notificações serão juntas aos autos do processo e considerar‑se‑ão citadas. O órgão jurisdicional informa a parte destas consequências no momento da citação do primeiro ato.»

20      Nos termos do artigo 53.° do GPK, com a epígrafe «Citação de estrangeiros residentes no país»:

«A citação de estrangeiros residentes no país é efetuada no endereço indicado aos serviços administrativos competentes.»

21      O artigo 410.° do GPK, com a epígrafe «Requerimento de emissão de uma injunção de pagamento», dispõe:

«(1)      O requerente pode solicitar uma injunção:

1.      relativa a um crédito pecuniário ou a bens fungíveis, quando o Rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância) for competente para conhecer do pedido;

[...]»

22      Em conformidade com o artigo 411.° do GPK, com a epígrafe «Emissão de uma injunção de pagamento»:

«(1)      O pedido é apresentado no Rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância) da comarca do endereço permanente ou da sede social do devedor; este órgão jurisdicional procede oficiosamente, no prazo de três dias, à fiscalização da sua competência territorial. Um pedido contra um consumidor deve ser apresentado no órgão jurisdicional da comarca onde se situa o seu endereço atual e, na falta de um endereço atual, no seu endereço permanente. Se o órgão jurisdicional considerar que o processo não é da sua competência, remete‑o imediatamente ao órgão jurisdicional competente.

(2)      O órgão jurisdicional aprecia o pedido numa audiência em matéria processual e concede uma injunção de pagamento no prazo previsto no n.° 1, com exceção dos casos em que:

[...]

4.      o devedor não tem endereço permanente nem sede social no território da República da Bulgária;

5.      o devedor não tem residência habitual ou o seu local de atividade no território da República da Bulgária.

(3)      Se deferir o pedido, o órgão jurisdicional emite uma injunção de pagamento, cuja cópia deve ser citada ao devedor.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

23      A Toplofikatsia Sofia é uma sociedade de direito búlgaro de distribuição de energia térmica. Em 6 de março de 2023, apresentou no Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio, um requerimento de injunção de pagamento contra V.Z.A., um nacional búlgaro.

24      Esta sociedade reclama ao interessado o pagamento de uma quantia em dinheiro no montante de 700,61 levs búlgaros (BGN) (cerca de 358 euros), com o fundamento de que este, proprietário de um apartamento situado em Sófia num edifício em regime de propriedade horizontal, não pagou a fatura correspondente ao seu consumo de energia térmica durante o período compreendido entre 15 de setembro de 2020 e 22 de fevereiro de 2023 para esse apartamento.

25      O órgão jurisdicional de reenvio especifica que V.Z.A. ainda não é parte no processo principal e que só o será após a emissão da injunção de pagamento requerida, desde que este órgão jurisdicional seja competente para conhecer desse pedido.

26      O referido órgão jurisdicional salienta que resulta das pesquisas efetuadas oficiosamente no decurso do processo principal, em conformidade com as obrigações que lhe incumbem por força do direito búlgaro, que V.Z.A. está inscrito, desde 2000, no registo nacional da população como tendo o seu endereço permanente em Sófia. No entanto, em 6 de março de 2010, V.Z.A. declarou o seu endereço atual num Estado‑Membro diferente da República da Bulgária. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o direito búlgaro não permite declarar um endereço atual completo no estrangeiro.

27      O órgão jurisdicional de reenvio também refere uma decisão interpretativa, com valor vinculativo, proferida pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária) em 18 de junho de 2014 (a seguir «Decisão de 18 de junho de 2014»), relativa aos casos de recusa de emissão de uma injunção, previstos no artigo 411.°, n.° 2, pontos 4 e 5, do GPK.

28      Segundo a Decisão de 18 de junho de 2014, no que respeita a um requerimento de emissão de uma injunção, em aplicação do artigo 411.° do GPK, a existência de um endereço permanente ou de uma residência habitual no território da República da Bulgária deve ser verificada na data da citação da injunção quando esta já estiver emitida, não obstante o facto de, em conformidade com os pontos 4 e 5, do n.° 2 deste artigo, na falta de endereço permanente ou de residência habitual nesse território, a emissão de tal injunção de ser recusada.

29      Em conformidade com a Decisão de 18 de junho de 2014, quando se verificar que uma injunção foi emitida por um órgão jurisdicional contra um devedor que não tem endereço permanente no território da República da Bulgária, essa injunção é declarada oficiosamente inválida por esse órgão jurisdicional. Em contrapartida, quando se verifique que este devedor não tem residência habitual no território da República da Bulgária, a injunção emitida não pode ser declarada inválida pelo órgão jurisdicional que a emitiu. Nesta última hipótese, no momento da citação desta injunção, este órgão jurisdicional deve verificar se o referido devedor tem um endereço permanente na Bulgária e, se for esse o caso, considera‑se que a referida injunção foi devidamente citada, quer através da comunicação a uma pessoa do agregado familiar do mesmo devedor, quer por via da publicação de um edital. Por conseguinte, só é possível invocar a aplicação do artigo 411.°, n.° 2, ponto 5, do GPK através de oposição em sede de recurso.

30      O órgão jurisdicional de reenvio indica que a Decisão de 18 de junho de 2014 foi adotada antes de o artigo 411.°, n.° 1, do GPK ter sido alterado no sentido de que o órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se passou a ter a obrigação de verificar oficiosamente a sua competência territorial em função, nomeadamente, do endereço permanente do devedor.

31      Segundo este órgão jurisdicional, resulta do artigo 411.° do GPK, conforme interpretado pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação), que será sempre emitida uma injunção de pagamento contra um devedor, nacional búlgaro, cujo endereço permanente continue registado na Bulgária, mesmo que este devedor tenha um endereço no estrangeiro também mencionado no registo da população. Ora, tal interpretação poderia pôr em causa a regra estabelecida no artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012, segundo a qual um devedor domiciliado num Estado‑Membro só pode, em princípio, ser demandado nos órgãos jurisdicionais desse Estado‑Membro.

32      O órgão jurisdicional de reenvio também salienta que, em conformidade com o artigo 93.° da ZGR, o endereço permanente dos nacionais búlgaros continua no território búlgaro e não pode ser alterado em caso de mudança para outro Estado‑Membro. Tal constituiria um obstáculo ao exercício do direito à livre circulação e à escolha do lugar de residência dos nacionais búlgaros, garantido pelo artigo 21.° TFUE.

33      Além disso, os nacionais búlgaros que exerceram o seu direito à livre circulação encontram‑se potencialmente numa situação de discriminação inversa, baseada na nacionalidade, em violação do artigo 18.° TFUE. Com efeito, em conformidade com o artigo 53.° do GPK, os nacionais de outros Estados‑Membros da União Europeia que residam de forma permanente na Bulgária são citados no endereço declarado aos serviços de imigração. Quando deixam de residir no território búlgaro, os órgãos jurisdicionais búlgaros deixam de ser competentes a seu respeito, em aplicação do critério de competência ligado ao domicílio. Em contrapartida, os nacionais búlgaros não podem anular o registo do seu endereço permanente e continuam obrigados a ter um destinatário pronto a receber as citações em seu nome na Bulgária.

34      Por outro lado, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, resulta do artigo 94.°, n.° 3, da ZGR, lido em conjugação com o artigo 93.°, n.° 2, da mesma, que um nacional búlgaro não pode registar um endereço exato fora da Bulgária, sendo a única indicação feita pela administração a este respeito a do Estado para onde esse nacional se mudou. É por esta razão que o artigo 4.° da KMChP estabelece a residência habitual do requerido como critério de competência nas relações de direito internacional privado às quais não se aplica o direito da União.

35      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, antes de mais, sobre a questão de saber se o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 se opõe a que a competência internacional de um órgão jurisdicional no qual foi apresentado um requerimento de injunção de pagamento seja estabelecida tendo em conta o conceito de «domicílio», conforme resulta das regulamentações nacionais pertinentes no processo principal. Este órgão jurisdicional declara que, mesmo que não se possa excluir a possibilidade de basear a sua competência internacional no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 1215/2012, uma vez que o contrato na origem do crédito reclamado diz respeito ao fornecimento de energia térmica a um imóvel situado em Sófia, a questão da determinação do domicílio continua a ser pertinente.

36      Em seguida, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a questão de saber se a proibição imposta a um órgão jurisdicional, pela Decisão de 18 de junho de 2014, de se basear no endereço atual do devedor para determinar que este não tem a sua residência habitual no território da República da Bulgária está em conformidade com o artigo 18.° TFUE, uma vez que esta proibição constitui uma discriminação inversa.

37      Uma vez que o direito nacional não lhe permite determinar o endereço do devedor fora da Bulgária, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, por último, sobre se se pode invocar, a este respeito, a possibilidade, prevista no artigo 7.° do Regulamento 2020/1784, de recorrer à assistência do Estado‑Membro em causa.

38      Nestas circunstâncias, o Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 62.°, n.° 1, do Regulamento [n.° 1215/2012], em conjugação com o artigo 18.°, primeiro parágrafo, e artigo 21.° TFUE, ser interpretado no sentido de que se opõe a que o conceito de “domicílio” de uma pessoa singular resulte de disposições nacionais que preveem que o endereço permanente dos nacionais do Estado do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se se situa sempre nesse Estado e não pode ser transferido para outro local da União Europeia?

2)      Deve o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento [n.° 1215/2012], em conjugação com o artigo 18.°, primeiro parágrafo, e o artigo 21.° TFUE, ser interpretado no sentido de que permite disposições e jurisprudência nacionais, segundo as quais o órgão jurisdicional de um Estado não pode recusar a emissão de uma injunção de pagamento contra um devedor nacional desse Estado, órgão jurisdicional esse em relação ao qual existe uma presunção razoável de incompetência internacional, com o fundamento de que o devedor pode ter o seu domicílio noutro Estado da União, o que resulta da declaração do devedor à autoridade competente de que tem um endereço registado nesse Estado? Neste caso, a data dessa declaração é relevante?

3)      Quando a competência internacional do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se decorre de uma disposição diferente do artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento [n.° 1215/2012], deve o artigo 18.°, primeiro parágrafo, TFUE, em conjugação com o artigo 47.°, n.° 2, da [Carta], ser interpretado no sentido de que se opõe a disposições e jurisprudência nacionais, segundo as quais, embora uma injunção de pagamento só possa ser emitida contra uma pessoa singular que tenha a sua residência habitual no Estado do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se, a constatação de que o devedor, se for nacional desse Estado, estabeleceu a sua residência noutro Estado não pode ocorrer apenas com base no facto de ter fornecido ao primeiro Estado um endereço registado (endereço “atual”) situado noutro Estado da União Europeia, se não for possível ao devedor demonstrar que se mudou integralmente para este último Estado e que não tem nenhum endereço no território do Estado do órgão jurisdicional chamado a pronunciar‑se? Neste caso, a data da declaração relativa ao endereço atual é relevante?

4)      Se a resposta à primeira subquestão da terceira questão prejudicial for no sentido de que pode ser emitida uma injunção de pagamento, é então admissível, nos termos do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento [n.° 1215/2012], em conjugação com a interpretação do artigo 22.°, n.os 1 e 2, do Regulamento [2020/1784], como consta do [Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Alder (C‑325/11, EU:C:2012:824)], [bem como] com o princípio da aplicação efetiva do direito da União no exercício da autonomia processual nacional, que o órgão jurisdicional nacional de um Estado em que os nacionais não podem renunciar ao seu endereço para efeitos de registo no território desse Estado e não podem transferi‑lo para outro Estado, quando lhe é apresentado um requerimento para a emissão de uma injunção de pagamento no âmbito de um processo que não envolve o devedor, deve, nos termos do artigo 7.° do Regulamento [2020/1784], obter informações sobre o endereço do devedor e a data de registo nesse Estado por parte autoridades do Estado em que o devedor tem um endereço registado, a fim de determinar a residência habitual efetiva do devedor antes de ser proferida a decisão final no processo?»

 Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

39      É jurisprudência constante que o processo instituído pelo artigo 267.° TFUE constitui um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a resolução dos litígios que lhes cabe decidir e que a justificação do reenvio prejudicial não se baseia na formulação de opiniões consultivas sobre questões gerais ou hipotéticas, mas na necessidade inerente à resolução efetiva de um litígio [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 62 e jurisprudência referida].

40      Como decorre dos próprios termos do artigo 267.° TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 63 e jurisprudência referida].

41      Assim, o Tribunal de Justiça recordou que resulta simultaneamente dos termos e da sistemática do artigo 267.° TFUE que o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente um litígio nos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito do qual estes são chamados a proferir uma decisão suscetível de ter em consideração o acórdão prejudicial [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 64 e jurisprudência referida].

42      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a verificar oficiosamente a sua competência para emitir uma injunção de pagamento, em conformidade com o artigo 411.°, n.° 1, do GPK. Para este efeito, este órgão jurisdicional submeteu ao Tribunal de Justiça quatro questões prejudiciais que têm por objeto a interpretação dos Regulamentos n.° 1215/2012 e 2020/1784, bem como a interpretação do artigo 18.°, primeiro parágrafo, TFUE, do artigo 21.° TFUE e do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta.

43      No que respeita, em primeiro lugar, à interpretação solicitada do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta, não resulta de modo nenhum do pedido de decisão prejudicial que essa interpretação responda a uma necessidade objetiva para a decisão que o órgão jurisdicional de reenvio tem de tomar [Acórdão de 9 de janeiro de 2024, G. e o. (Nomeação dos juízes de direito comum na Polónia), C‑181/21 e C‑269/21, EU:C:2024:1, n.° 65 e jurisprudência referida]. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio não indica o nexo que estabelece entre esta disposição e o litígio em causa no processo principal, nem as razões pelas quais, em seu entender, é necessária uma interpretação da referida disposição para a resolução deste litígio.

44      No que respeita, em segundo lugar, à interpretação solicitada do artigo 22.° do Regulamento 2020/1784, há que observar que este artigo regula, como resulta da sua epígrafe, as obrigações do juiz nacional em caso de não comparência do demandado. O referido artigo aplica‑se quando o ato que dá início à instância ou ato equivalente já tenha sido transmitido a outro Estado‑Membro para citação ou notificação e vise um processo contraditório, posterior ao que está em causa no processo principal, no qual o devedor ainda não se constituiu parte. Assim, o artigo 22.° do Regulamento 2020/1784 parte de uma premissa que, no caso em apreço, é meramente hipotética, a saber, a não comparência do demandado.

45      Daqui resulta que, uma vez que o pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta e do artigo 22.°, n.os 1 e 2, do Regulamento 2020/1784, não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal e, por conseguinte, é inadmissível.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às primeira a terceira questões

 Observações preliminares

46      No que respeita, em primeiro lugar, à interpretação das disposições relevantes do Regulamento n.° 1215/2012, a título preliminar, coloca‑se a questão de saber se o litígio no processo principal é abrangido por este regulamento, uma vez que a sua aplicação requer a existência de um elemento de estraneidade. Ora, no caso em apreço, mesmo que o devedor em causa ainda não seja parte no processo principal, não deixa de ser verdade que o requerimento de injunção de pagamento é apresentado contra esse devedor cuja residência se situa noutro Estado‑Membro, o que constitui um elemento de estraneidade suficiente para implicar a aplicação deste regulamento.

47      No que respeita, em segundo lugar, à interpretação do artigo 18.° TFUE, há que recordar que este artigo só se destina a ser aplicado autonomamente em situações reguladas pelo direito da União em relação às quais não existam regras específicas de não discriminação (v., neste sentido, Acórdãos de 10 de fevereiro de 2011, Missionswerk Werner Heukelbach, C‑25/10, EU:C:2011:65, n.° 18, e de 28 de setembro de 2023, Ryanair/Comissão, C‑321/21 P, EU:C:2023:713, n.° 98 e jurisprudência referida).

48      Ora, no caso em apreço, no que respeita à problemática suscitada, em substância, pelas questões submetidas, a saber, a da diferença das modalidades de determinação do domicílio consoante estejam em causa nacionais búlgaros ou nacionais estrangeiros residentes na Bulgária, o artigo 4.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1215/2012 estabelece uma proibição de discriminação, uma vez que esta disposição proíbe a diferença de tratamento em razão da nacionalidade no que respeita à aplicação das regras de competência instituídas por este regulamento. Por conseguinte, não há necessidade de aplicar o artigo 18.° do TFUE de forma autónoma nem, consequentemente, de o interpretar separadamente.

49      Em terceiro lugar, importa lembrar que, uma vez que o Regulamento n.° 1215/2012 revogou e substituiu o Regulamento (CE) n.° 44/2001 do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 2001, L 12, p. 1), que, por sua vez, substituiu a Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1972, L 299, p. 32), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a essa convenção, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições destes dois últimos instrumentos jurídicos vale também para a interpretação do Regulamento n.° 1215/2012 quando essas disposições possam ser qualificadas de «equivalentes» às deste último regulamento (Acórdão de 9 de julho de 2020, Verein für Konsumenteninformation, C‑343/19, EU:C:2020:534, n.° 22 e jurisprudência referida).

 Quanto à primeira questão

50      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 62.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual se considera que os nacionais de um Estado‑Membro que residem noutro Estado‑Membro têm domicílio num endereço que continua registado no primeiro Estado‑Membro.

51      A este respeito, há que observar, antes de mais, que o conceito de «domicílio» é essencial na sistemática do Regulamento n.° 1215/2012, uma vez que constitui o critério geral de conexão que permite estabelecer a competência internacional em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, deste regulamento, que faz referência ao domicílio do requerido, independentemente da nacionalidade deste último (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2013, Corman‑Collins, C‑9/12, EU:C:2013:860, n.os 22 e 23).

52      Como resulta do relatório de P. Jenard sobre a Convenção de 27 de setembro de 1968 s relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1979, C 59, p. 1), cujos comentários sobre a justificação da escolha do critério do domicílio também são válidos para a interpretação do Regulamento n.° 1215/2012, a opção do legislador da União de privilegiar este critério em relação ao da nacionalidade foi motivada pela necessidade de facilitar a aplicação uniforme das regras de competência para evitar regras de competência distintas, consoante os litígios oponham nacionais de um Estado contratante ou um nacional de um Estado contratante e um nacional estrangeiro, ou dois nacionais estrangeiros.

53      À semelhança da Convenção de 27 de setembro de 1968 relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial e do Regulamento n.° 44/2001, o Regulamento n.° 1215/2012 não define o conceito de «domicílio». Assim, o artigo 62.°, n.° 1, deste último regulamento remete para o direito interno do Estado‑Membro a cujos órgãos jurisdicionais se recorre para determinar se uma parte tem domicílio nesse Estado‑Membro. Ao abrigo do artigo 62.°, n.° 2, deste último regulamento, caso a parte não tenha domicílio no Estado‑Membro a cujos órgãos jurisdicionais foi submetida a questão, para determinar se a parte tem domicílio noutro Estado‑Membro, o juiz aplica o direito desse Estado‑Membro.

54      Por conseguinte, os Estados‑Membros são, em princípio, competentes para determinar o domicílio de uma pessoa singular segundo o seu próprio direito.

55      No entanto, é jurisprudência constante que a aplicação das regras nacionais não deve afetar o efeito útil de um ato da União. Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou, em substância, no que respeita ao Regulamento n.° 44/2001, jurisprudência transponível para a interpretação do Regulamento n.° 1215/2012, a aplicação das regras processuais de um Estado‑Membro não pode afetar o efeito útil do sistema instituído por este último regulamento, pondo em causa os princípios nele estabelecidos (v., neste sentido, Acórdão de 28 de abril de 2009, Apostolides (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.° 69 e jurisprudência referida).

56      Ora, como resulta do n.° 51 do presente acórdão, o sistema instituído pelo Regulamento n.° 1215/2012 assenta na opção de o legislador da União basear as regras uniformes de competência no critério do domicílio e não no da nacionalidade do requerido. Por conseguinte, como a Comissão também alega nas suas observações escritas, um Estado‑Membro não pode alterar esta escolha fundamental aplicando regras nacionais segundo as quais os seus nacionais estão obrigatoriamente domiciliados no seu território.

57      No caso em apreço, resulta da decisão de reenvio que o direito búlgaro faz distinção, no que respeita aos seus nacionais, entre o endereço permanente e o endereço atual destes.

58      Um nacional búlgaro dispõe de um único endereço permanente no território da República da Bulgária que corresponde ao endereço inscrito no registo da população e que permanece nesse território. Os nacionais búlgaros que residam no estrangeiro e que não podem demonstrar um endereço permanente na Bulgária são inscritos automaticamente no registo da população da localidade de «Sredets», na cidade de Sófia. Em contrapartida, o endereço atual corresponde ao endereço em que a pessoa em causa reside. Para os nacionais búlgaros estabelecidos no estrangeiro, este endereço resume‑se à menção, no registo da população, do nome do Estado em que residem, sem que haja, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, alguma possibilidade de estes nacionais registarem um endereço exato fora da Bulgária. Segundo este órgão jurisdicional, os nacionais búlgaros são, por conseguinte, obrigados a dispor de um endereço permanente na Bulgária, independentemente do lugar onde residam efetivamente.

59      Sem prejuízo das verificações que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, a legislação búlgara, conforme descrita por esse órgão jurisdicional, equipara o domicílio dos nacionais búlgaros ao seu endereço permanente, que é sempre na Bulgária, independentemente do facto de residirem na Bulgária ou no estrangeiro, e não permite que esses nacionais registem um endereço completo noutro Estado‑Membro, mesmo que aí residam de forma permanente e sejam, por conseguinte, suscetíveis de ser considerados domiciliados no território deste último Estado‑Membro, por força da legislação do referido último Estado‑Membro aplicável em conformidade com o artigo 62.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1215/2012.

60      Importa também precisar que compete unicamente ao órgão jurisdicional de reenvio determinar o alcance do conceito de «domicílio» no direito nacional. No entanto, uma vez que uma regulamentação nacional associa automaticamente este conceito a um endereço perene, obrigatório e por vezes fictício, registado para todos os nacionais do Estado‑Membro em causa, tal regulamentação prejudica o efeito útil do Regulamento n.° 1215/2012, uma vez que equivale a substituir o critério do domicílio, no qual assentam as regras de competências instituídas por este regulamento, pelo critério da nacionalidade.

61      Nestas circunstâncias, não há que examinar a questão de saber se o artigo 21.° TFUE também se opõe a uma legislação nacional como a descrita no número anterior.

62      Tendo em conta o que precede, há que responder à primeira questão que o artigo 62.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual se considera que os nacionais de um Estado‑Membro que residem noutro Estado‑Membro têm domicílio num endereço que continua registado no primeiro Estado‑Membro.

 Quanto às segunda e terceira questões

63      Segundo jurisprudência constante, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça instituído pelo artigo 267.° TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas (Acórdão de 30 de janeiro de 2024, Direktor na Glavna direktsia «Natsionalna politsia» pri MVR — Sofia, C‑118/22, EU:C:2024:97, n.° 31 e jurisprudência referida).

64      No caso em apreço, as segunda e terceira questões, que importa examinar em conjunto, têm origem no facto de, como resulta do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio afirmar estar obrigado, em conformidade com o artigo 411.° do GPK, conforme interpretado na Decisão de 18 de junho de 2014, a emitir uma injunção de pagamento contra um devedor, nacional búlgaro, cujo endereço permanente se situa na Bulgária, apesar de existirem razões plausíveis para crer que este devedor tinha domicílio, à data da apresentação desse requerimento de injunção de pagamento, no território de outro Estado‑Membro e que, por conseguinte, esse órgão jurisdicional não é internacionalmente competente para conhecer desse pedido, em conformidade com o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012.

65      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, não se pode excluir que possa basear a sua competência numa outra disposição, a saber, o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), segundo travessão, deste regulamento, que figura na secção 2 do seu capítulo II. No entanto, interroga‑se sobre se o artigo 5.°, n.° 1, do referido regulamento se opõe a que seja obrigado a emitir uma injunção de pagamento contra um devedor cujo endereço atual se situa noutro Estado‑Membro. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio também se interroga sobre a relevância da data em que o devedor em causa registou o endereço atual.

66      Por conseguinte, há que considerar que, com as segunda e terceira questões, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.°, n.° 1, e o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma regulamentação nacional, conforme interpretada pela jurisprudência nacional, confira competência a um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro para emitir uma injunção de pagamento contra um devedor relativamente ao qual tem razões plausíveis para crer que tem domicílio no território de outro Estado‑Membro.

67      Como recordado no n.° 51 do presente acórdão, o artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 estabelece a regra geral de competência em que assenta este regulamento, que é a do domicílio do requerido, independentemente da nacionalidade deste último.

68      Segundo o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1512/2012, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos órgãos jurisdicionais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do Capítulo II desse regulamento. Estas secções contêm regras de competência especial, regras de competência em matéria de contratos de seguro, de contratos celebrados por consumidores, de contratos individuais de trabalho, bem como regras de competência exclusiva e regras relativas à extensão de competência.

69      Resulta das referidas secções que só é possível considerar que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro tem competência internacional para conhecer de uma ação contra um requerido domiciliado no território de outro Estado‑Membro nas situações reguladas pelas mesmas secções.

70      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio deve poder emitir uma injunção de pagamento contra um devedor relativamente ao qual, à data da apresentação do requerimento de injunção de pagamento, tem razões plausíveis para crer que tinha domicílio num Estado‑Membro diferente da República da Bulgária, se puder basear a sua competência para apreciar esse requerimento numa das regras de competência enunciadas nas secções 2 a 7 do Regulamento n.° 1215/2012.

71      As circunstâncias a ter em consideração para efeitos da determinação da competência são, por conseguintes, as existentes à data da apresentação do requerimento de injunção de pagamento em causa.

72      Tendo em conta o que precede, há que responder às segunda e terceira questões que o artigo 4.°, n.° 1, e o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que uma regulamentação nacional, conforme interpretada pela jurisprudência nacional, confira competência a um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro para emitir uma injunção de pagamento contra um devedor relativamente ao qual, à data da apresentação do requerimento de injunção de pagamento, tem razões plausíveis para crer que tinha domicílio no território de outro Estado‑Membro, em situações diferentes das previstas nas secções 2 a 7 do capítulo II deste regulamento.

 Quanto à quarta questão

73      Com a sua quarta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 7.° do Regulamento 2020/1784 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, competente para emitir uma injunção de pagamento contra um devedor relativamente ao qual tem razões plausíveis para crer que tem domicílio no território de outro Estado‑Membro, se dirija às autoridades competentes e utilize os meios disponibilizados por esse outro Estado‑Membro para identificar o endereço desse devedor para efeitos de citação ou notificação dessa injunção de pagamento.

74      A título preliminar, há que observar que, se o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que é competente para conhecer do processo principal com base numa das regras de competência enunciadas nas secções 2 a 7 do capítulo II do Regulamento n.° 1215/2012 e, por conseguinte, que tem o direito de emitir a injunção de pagamento requerida contra o devedor em causa, mesmo que este último esteja domiciliado no território de outro Estado‑Membro, é obrigado a citar ou a notificar essa injunção de pagamento ao referido devedor.

75      A este respeito, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, quando o destinatário de um ato judicial reside no estrangeiro, a citação ou a notificação deste ato estão, em princípio, abrangidas pelo âmbito de aplicação do Regulamento 2020/1784 e devem ser efetuadas através dos meios previstos por este regulamento, com exceção, nomeadamente, da situação em que o domicílio ou o lugar de residência habitual desse destinatário é desconhecido (v., por analogia, Acórdão de 19 de dezembro de 2012, Alder, C‑325/11, EU:C:2012:824, n.os 24 e 25).

76      No entanto, nesta última situação, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, deste regulamento, que remete para o seu artigo 7.°, existe uma obrigação de assistência na localização do endereço do destinatário do ato a citar ou a notificar.

77      Nos termos do artigo 7.° do Regulamento 2020/1784, quando o endereço da pessoa que deva ser citada ou notificada de um ato judicial ou extrajudicial noutro Estado‑Membro seja desconhecido, esse outro Estado‑Membro deve prestar assistência para determinar esse endereço, quer designando as autoridades às quais as entidades de origem podem endereçar pedidos para esse efeito, quer permitindo a apresentação direta, junto de registos com informação domiciliária ou de outras bases de dados, de pedidos de informação quanto ao referido endereço através de um formulário disponível no «Portal Europeu da Justiça» ou fornecendo informações através desse portal sobre o modo de encontrar o mesmo endereço.

78      Por conseguinte, um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro que deva citar ou notificar noutro Estado‑Membro um ato judicial ou extrajudicial pode utilizar todos os meios disponibilizados, ao abrigo do artigo 7.° do Regulamento 2020/1784, para determinar o endereço do destinatário do ato a citar ou a notificar.

79      Tendo em conta o que precede, há que responder à quarta questão que o artigo 7.° do Regulamento 2020/1784 deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, competente para emitir uma injunção de pagamento contra um devedor relativamente ao qual tem razões plausíveis para crer que tem domicílio no território de outro Estado‑Membro, se dirija às autoridades competentes e utilize os meios disponibilizados por esse outro Estado‑Membro para identificar o endereço desse devedor para efeitos de citação ou notificação dessa injunção de pagamento.

 Quanto às despesas

80      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 62.°, n.° 1 do Regulamento (UE) n.° 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma regulamentação nacional por força da qual se considera que os nacionais de um EstadoMembro que residem noutro EstadoMembro têm domicílio num endereço que continua registado no primeiro EstadoMembro.

2)      O artigo 4.°, n.° 1, e o artigo 5.°, n.° 1, do Regulamento n.° 1215/2012

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a que uma regulamentação nacional, conforme interpretada pela jurisprudência nacional, confira competência a um órgão jurisdicional de um EstadoMembro para emitir uma injunção de pagamento contra um devedor relativamente ao qual, à data da apresentação do requerimento de injunção de pagamento, tem razões plausíveis para crer que tinha domicílio no território de outro EstadoMembro, em situações diferentes das previstas nas secções 2 a 7 do capítulo II deste regulamento.

3)      O artigo 7.° do Regulamento (UE) 2020/1784 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2020, relativo à citação ou notificação de atos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos EstadosMembros (citação ou notificação de atos),

deve ser interpretado no sentido de que:

não se opõe a que um órgão jurisdicional de um EstadoMembro, competente para emitir uma injunção de pagamento contra um devedor relativamente ao qual tem razões plausíveis para crer que tem domicílio no território de outro EstadoMembro, se dirija às autoridades competentes e utilize os meios disponibilizados por esse outro EstadoMembro para identificar o endereço desse devedor para efeitos de citação ou notificação dessa injunção de pagamento.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.