Language of document : ECLI:EU:C:2021:322

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 22 de abril de 2021 (1)

Processo C30/20

RH

contra

AB Volvo,

Volvo Group Trucks Central Europe GmbH,

Volvo Lastvagnar AB,

Volvo Group España SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Madrid (Tribunal de Comércio n.o 2 de Madrid, Espanha)]

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria civil — Regulamento (UE) n.o 1215/2012 — Competências especiais — Artigo 7.o, ponto 2 — Competência em matéria extracontratual — Lugar onde ocorreu o facto danoso — Lugar da materialização do dano — Pedido de indemnização pelos danos causado por um acordo declarado contrário ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu — Designação direta do tribunal competente — Lugar da aquisição dos bens — Lugar da sede social — Possibilidade de os Estados‑Membros instituírem uma concentração de competências»






I.      Introdução

1.        O pedido de decisão prejudicial do Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Madrid (Tribunal de Comércio n.o 2 de Madrid, Espanha) tem por objeto a interpretação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (2).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de uma ação intentada por RH, com sede em Córdova (Espanha), com vista à reparação dos danos causados por uma infração ao artigo 101.o TFUE e ao artigo 53.o do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (3), contra quatro sociedades do grupo Volvo, três das quais com sede em Estados‑Membros diferentes do Reino de Espanha.

3.        É pedido ao Tribunal de Justiça que esclareça se o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 designa diretamente o tribunal competente, sem remeter para as regras internas dos Estados‑Membros.

4.        Embora a resposta a esta questão pareça ser inferível de certas decisões do Tribunal de Justiça e, mais particularmente, das decisões mais recentes em matéria de responsabilidade extracontratual, verifica‑se, nomeadamente atendendo às dúvidas manifestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio, que deve ser completada em três outros pontos estreitamente relacionados.

5.        Com efeito, os objetivos de segurança jurídica e de eficácia do complexo contencioso da reparação dos danos causados por práticas anticoncorrenciais justificam que sejam fornecidas precisões úteis aos órgãos jurisdicionais nacionais quanto à designação do tribunal territorialmente competente e à coexistência de vários elementos de conexão acolhidos nas decisões do Tribunal de Justiça. A questão da liberdade dos Estados‑Membros para concentrarem a tramitação desse contencioso em tribunais especializados, suscitada por alguns deles nas suas observações escritas, deverá igualmente ser examinada nesta ocasião.

6.        Vou assim expor as razões que me levam a considerar, no essencial:

–        que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 determina tanto a competência internacional como a competência interna do tribunal chamado a decidir;

–        que, nas circunstâncias do processo principal, o tribunal territorialmente competente é o tribunal do foro do lugar de aquisição dos bens em causa, e

–        que os Estados‑Membros podem, no quadro da sua organização judiciária, optar por concentrar a tramitação dos litígios em matéria de práticas anticoncorrenciais em determinados tribunais especializados, sem prejuízo do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade.

II.    Regulamento n.o 1215/2012

7.        Os considerandos 15, 16 e 34 do Regulamento n.o 1215/2012 têm a seguinte redação:

«(15)      As regras de competência devem apresentar um elevado grau de certeza jurídica e fundar‑se no princípio de que em geral a competência tem por base o domicílio do requerido. Os tribunais deverão estar sempre disponíveis nesta base, exceto nalgumas situações bem definidas em que a matéria em litígio ou a autonomia das partes justificam um critério de conexão diferente. No respeitante às pessoas coletivas, o domicílio deve ser definido de forma autónoma, de modo a aumentar a transparência das regras comuns e evitar os conflitos de jurisdição.

(16)      O foro do domicílio do requerido deve ser completado pelos foros alternativos permitidos em razão do vínculo estreito entre a jurisdição e o litígio ou com vista a facilitar uma boa administração da justiça. A existência de vínculo estreito deverá assegurar a certeza jurídica e evitar a possibilidade de o requerido ser demandado no tribunal de um Estado‑Membro que não seria razoavelmente previsível para ele. Este elemento é especialmente importante nos litígios relativos a obrigações extracontratuais decorrentes de violações da privacidade e de direitos de personalidade, incluindo a difamação.

[…]

(34)      Para assegurar a continuidade entre a Convenção [de 27 de setembro de 1968 relativa à Competência Jurisdicional e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial (4), conforme alterada pelas sucessivas convenções relativas à adesão de novos Estados‑Membros a esta convenção (5)], o Regulamento (CE) n.o 44/2001 [do Conselho, de 22 de dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial (6),] e o presente regulamento, há que prever disposições transitórias. A mesma continuidade deverá ser assegurada no que diz respeito à interpretação, pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, [desta] [c]onvenção […] e dos regulamentos que a substituem.»

8.        No capítulo I do Regulamento n.o 1215/2012, intitulado «Âmbito de aplicação e definições», o artigo 1.o, n.o 1, prevê:

«O presente regulamento aplica‑se em matéria civil e comercial, independentemente da natureza da jurisdição […]»

9.        O capítulo II deste regulamento, intitulado «Competência», contém, na secção 1, relativa às «[d]isposições gerais», os artigos 4.o a 6.o

10.      O artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento dispõe:

«Sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, nos tribunais desse Estado‑Membro.»

11.      Nos termos do artigo 5.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro só podem ser demandadas nos tribunais de outro Estado‑Membro nos termos das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo.»

12.      A secção 2 do referido capítulo, intitulada «Competências especiais», inclui os artigos 7.o a 9.o

13.      O artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 tem a seguinte redação:

«As pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro:

[…]

2)      Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso.»

14.      O artigo 26.o do referido regulamento, que figura no capítulo II, secção 7, intitulada «Extensão de competência», prevê, no seu n.o 1:

«Para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado‑Membro no qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objetivo arguir a incompetência ou se existir outro tribunal com competência exclusiva por força do artigo 24.o»

III. Factos do litígio no processo principal e questão prejudicial

15.      Conforme resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça, RH, com sede em Córdova, adquiriu cinco camiões, entre 2004 e 2009, para a sua atividade de transporte rodoviário, a um concessionário da Volvo Group España, SA. A propriedade de um dos camiões foi transferida para RH em 2008, após ter sido objeto de um contrato de locação financeira.

16.      Em 19 de julho de 2016, a Comissão Europeia adotou a Decisão C(2016) 4673 final relativa a um processo nos termos do artigo 101.o [TFUE] e do artigo 53.o do Acordo EEE (Processo AT.39824 — Camiões), cujo resumo foi publicado no Jornal Oficial da União Europeia de 6 de abril de 2017 (7).

17.      Com esta decisão, a Comissão declarou a existência de um acordo entre quinze fabricantes de camiões, incluindo a AB Volvo, a Volvo Lastvagnar AB e a Volvo Group Trucks Central Europe GmbH, de 17 de janeiro de 1997 a 18 de janeiro de 2011, em relação a duas categorias de produtos, a saber, os camiões com um peso entre 6 e 16 toneladas (camiões médios) e os camiões de peso superior a 16 toneladas (camiões pesados), que tanto podem ser camiões rígidos como camiões tratores.

18.      Nos termos da referida decisão (8), «[a] infração consistiu em acordos colusórios sobre os preços e aumento de preços brutos no [Espaço Económico Europeu (EEE) para camiões, tendo ainda incidido sobre o calendário e a repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissões para camiões médios e pesados exigidos pelas normas EURO 3 a 6. As sedes dos destinatários foram diretamente utilizadas para a discussão de preços, aumento de preços e introdução de novas normas em matéria de emissões até 2004. A partir de, pelo menos, agosto de 2002, as discussões realizaram‑se através de filiais alemãs, que as comunicaram, em diferentes graus, às respetivas sedes. Os intercâmbios foram efetuados tanto a nível multilateral como bilateral. Os mencionados acordos colusórios incluíam acordos e/ou práticas concertadas em matéria de preços e aumento de preços brutos, a fim de alinhar os preços brutos no EEE, o calendário e a repercussão dos custos para a introdução de tecnologias de emissões que as normas Euro 3 a 6 exigem. A infração abrangeu a totalidade do EEE e prolongou‑se de 17 de janeiro de 1997 até 18 de janeiro de 2011.»

19.      Por conseguinte, a Comissão aplicou coimas a todas as entidades participantes, incluindo à Volvo, à Volvo Lastvagnar e à Volvo Group Trucks Central Europe, com exceção de uma entidade a quem concedeu imunidade (9).

20.      A RH intentou uma ação contra a Volvo, a Volvo Lastvagnar e a Volvo Group Trucks Central Europe, e contra a filial espanhola destas sociedades‑mãe, a Volvo Group España (a seguir «sociedades Volvo»).

21.      Estas sociedades contestaram unicamente a competência internacional (10) do órgão jurisdicional de reenvio. Invocaram o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 e a jurisprudência do Tribunal de Justiça, nos termos da qual o critério de competência aí enunciado, a saber, o «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso», é um conceito do direito da União e que o mesmo é o lugar do evento causal, sendo, no presente caso, o lugar onde o acordo sobre os camiões foi celebrado. Este lugar não pode ser equiparado ao lugar do domicílio da demandante e situa‑se fora de Espanha, noutros Estados‑Membros.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, a competência internacional de um tribunal espanhol pode justificar‑se atendendo ao lugar onde ocorreu o dano. Recorda que esse lugar é o lugar da sede social do lesado, segundo o Acórdão de 21 de maio de 2015, CDC Hydrogen Peroxide (11). Acrescenta que, no Acórdão de 29 de julho de 2019, Tibor‑Trans (12), que tem por objeto uma ação intentada na Hungria contra outro membro do mesmo cartel e que tem matéria idêntica à da ação instaurada pela RH, o Tribunal de Justiça decidiu que, «quando o mercado afetado pelo comportamento anticoncorrencial se localiza no Estado‑Membro em cujo território o alegado dano supostamente ocorreu, há que considerar que o lugar da materialização do dano, para efeitos da aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, se localiza nesse Estado‑Membro» (13).

23.      O órgão jurisdicional de reenvio manifesta dúvidas quanto à questão de saber se essa jurisprudência faz referência à competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro em que o dano ocorreu ou se também estabelece diretamente a competência territorial interna nesse Estado‑Membro.

24.      O órgão jurisdicional de reenvio especifica que, segundo jurisprudência constante do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal, Espanha)(14), a regra estabelecida no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 não regula a competência territorial interna. Assim, na falta de uma regra nacional específica para determinar a competência territorial de um tribunal em matéria de ações em direito privado da concorrência, as regras de competência adequadas são as que são aplicáveis em matéria de concorrência desleal, previstas no artigo 52.o, n.o 1, ponto 12, da Lei de Processo Civil 1/2000. Por conseguinte, o juiz competente é o do lugar onde ocorreu o dano, a saber, o lugar da aquisição do veículo ou da subscrição do contrato de locação financeira.

25.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 pode ser interpretado no mesmo sentido que o adotado pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência relativa à competência jurisdicional em matéria contratual. Nos Acórdãos de 3 de maio de 2007, Color Drack (15), e de 9 de julho de 2009, Rehder (16), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 5.o, ponto 1, alínea b), do Regulamento n.o 44/2001 designa diretamente o foro competente sem remeter para as regras internas dos Estados‑Membros. Se for o caso, o foro competente é o da sede social da vítima do acordo.

26.      Nestas circunstâncias, o Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Madrid (Tribunal de Comércio n.o 2 de Madrid) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento [n.o 1215/2012], que prevê que as pessoas domiciliadas num Estado‑Membro podem ser demandadas noutro Estado‑Membro: “[…] [e]m matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso”, ser interpretado no sentido de que só determina a competência internacional dos órgãos jurisdicionais do Estado‑Membro em que esse lugar se encontre, pelo que para designar o órgão jurisdicional nacional territorialmente competente dentro desse Estado é feita uma remissão para as normas processuais internas, ou deve ser interpretado como uma norma mista que, por conseguinte, determina diretamente tanto a competência internacional como a competência territorial nacional, sem necessidade de efetuar remissões para a legislação interna?»

27.      Apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça as sociedades Volvo, os Governos espanhol, francês e neerlandês e a Comissão.

28.      A audiência de alegações, cuja realização tinha sido inicialmente marcada para 17 de dezembro de 2020, foi anulada devido à crise sanitária e a questão colocada para resposta oral foi convertida numa questão para resposta escrita e completada por outras questões. As sociedades Volvo, o Governo espanhol e a Comissão responderam a essas questões nos prazos fixados.

IV.    Análise

A.      Quanto à admissibilidade

29.      As sociedades Volvo concluem pela inadmissibilidade do pedido pelo facto de a resposta à questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio ser clara.

30.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, em primeiro lugar, o juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão judicial a tomar, tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se. Em segundo lugar, as questões relativas à interpretação do direito da União submetidas pelo juiz nacional no quadro regulamentar e factual que define sob a sua responsabilidade, e cuja exatidão não cabe ao Tribunal de Justiça verificar, gozam de uma presunção de pertinência, salvo se não forem relacionadas com o litígio no processo principal (17).

31.      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio expôs com precisão os motivos da dúvida alimentada quanto à sua competência territorial, que justificou o seu pedido de decisão prejudicial. Esses motivos são relativos à falta de uma decisão expressa do Tribunal de Justiça em matéria extracontratual quanto ao alcance do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, e à jurisprudência constante do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal), segundo a qual esta disposição não exclui a aplicação das regras internas de competência.

32.      Nestas condições, a questão submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio é, a meu ver, admissível.

B.      Quanto ao mérito

33.      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que determina, em matéria extracontratual, não só a competência internacional dos tribunais do Estado‑Membro em que se situa o critério de conexão previsto por esta disposição, mas também a competência territorial dos tribunais desse Estado‑Membro.

1.      Observações preliminares

34.      Em apoio do seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio recordou, com razão, que, num quadro factual idêntico ao do processo principal, a saber, o cartel dos camiões, o Tribunal de Justiça se pronunciou no Acórdão Tibor‑Trans sobre a questão da competência do tribunal que foi chamado a decidir de uma ação de indemnização pelos danos causado por uma infração ao direito da concorrência. Do mesmo modo, o órgão jurisdicional de reenvio salientou que a resposta do Tribunal de Justiça, nesse acórdão, não tem expressamente por objeto o caráter «misto» da regra de competência prevista no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, ao contrário das decisões proferidas em matéria contratual, a saber, os Acórdãos de 3 de maio de 2007, Color Drack (18), e de 9 de julho de 2009, Rehder (19).

35.      Observo, por um lado, que esta questão inédita não é isolada (20). Parece, portanto, que é esperada pelos órgãos jurisdicionais nacionais uma interpretação mais precisa das disposições do Regulamento n.o 1215/2012. Por outro lado, em meu entender, há que considerar dar uma resposta ao órgão jurisdicional de reenvio à luz dos Acórdãos Verein für Konsumenteninformation e, de 24 de novembro de 2020, Wikingerhof (21), que foram proferidos após ter sido apresentado o pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

36.      É por esta razão que a minha análise será consagrada, em primeiro lugar, à questão colocada relativa ao alcance da regra de competência prevista no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012. Em seguida, tecerei considerações que visam precisar os critérios de determinação do tribunal territorialmente competente. Por último, examinarei a sugestão do Governo francês e da Comissão relativa à possibilidade de os Estados‑Membros optarem por uma organização material dos tribunais que concentra a tramitação de certos contenciosos em tribunais especializados.

37.      Para efeitos do exame de todos estes pontos, recordo que, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na medida em que o Regulamento n.o 1215/2012 revoga e substitui o Regulamento n.o 44/2001, que, por sua vez, substituiu a Convenção de Bruxelas, a interpretação dada pelo Tribunal de Justiça às disposições destes últimos instrumentos jurídicos vale também para o Regulamento n.o 1215/2012 quando essas disposições possam ser qualificadas de «equivalentes» (22). É o que sucede, por um lado, com o artigo 5.o, ponto 3, dessa convenção e do Regulamento n.o 44/2001 e, por outro, com o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 (23).

2.      Quanto à determinação da competência judiciária tanto internacional como interna

38.      Sou de opinião que a dúvida expressa pelo órgão jurisdicional de reenvio quanto ao objeto do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 pode ser facilmente dissipada desde que foi proferido o Acórdão Wikingerhof. O Tribunal de Justiça considerou que «o tribunal competente nos termos do artigo 7.o, ponto 2, [deste regulamento], a saber […] o do mercado afetado pelo comportamento anticoncorrencial alegado, é o mais apto a decidir» (24).

39.      Por conseguinte, entendo, à semelhança de todas as partes e interessados que apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça e dos advogados‑gerais que se pronunciaram de forma incidental sobre esta questão em processos anteriores (25), que pode ser expressamente esclarecido que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 tem por objeto regular a competência dos tribunais não só entre os Estados‑Membros, mas também a nível interno, permanecendo as outras questões processuais regidas pelo direito do Estado‑Membro do foro do tribunal chamado a decidir (26).

40.      Assim, poderia ser suficiente salientar, por um lado, como no Acórdão de 9 de julho de 2009, Rehder (27), proferido em matéria contratual, no que respeita às disposições do Regulamento n.o 44/2001, que as considerações de natureza idêntica àquelas em que o Tribunal de Justiça se baseou para chegar à interpretação formulada no Acórdão de 3 de maio de 2007, Color Drack (28), são válidas em relação às regras de competência especial equivalentes no Regulamento n.o 1215/2012 devido à sua génese, à sua finalidade e ao seu lugar no sistema estabelecido por este regulamento. Por outro lado, esta fundamentação levou o Tribunal de Justiça a interpretar no mesmo sentido as regras de competência em matéria de obrigações alimentares.

41.      No entanto, para favorecer a compreensão da articulação das disposições do Regulamento n.o 1215/2012 no seu conjunto, parece‑me oportuno especificar os elementos úteis para a interpretação do artigo 7.o, ponto 2, deste regulamento, tendo em consideração não só a sua redação, mas também o sistema por este estabelecido e os objetivos prosseguidos (29).

42.      Em primeiro lugar, quanto à redação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, devem tirar‑se conclusões da sua comparação com a redação do artigo 4.o, n.o 1, deste regulamento. Neste artigo são referidos «os tribunais» do Estado‑Membro em cujo território estão domiciliadas as pessoas demandadas. Esta expressão geral determina a competência dos tribunais de um Estado‑Membro, considerados no seu conjunto (30). A designação do tribunal territorialmente competente rege‑se, então, por regras nacionais.

43.      Em contrapartida, no artigo 7.o do Regulamento n.o 1215/2012, com exceção do n.o 6, a expressão «perante o tribunal do lugar» (31) ou «perante o tribunal» foi adotada pelo legislador da União, uma vez que se trata de uma opção aberta ao demandante, tendo em consideração um lugar concreto, por exceção à regra de competência geral (32), consoante o objeto do pedido. Assim, em matéria extracontratual, no artigo 7.o, ponto 2, deste regulamento, o critério enunciado é o do «lugar onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso». Do mesmo modo, ao abrigo do artigo 7.o, ponto 1, alínea a), do referido regulamento, o requerido pode ser demandado «perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão».

44.      Em segundo lugar, o caráter derrogatório do sistema instituído pelo Regulamento n.o 1215/2012, que permite ao demandante invocar uma das regras de competência especial previstas nesse regulamento, deve ser salientado (33) na medida em que está reservado a certas matérias ou se destina a proteger uma parte fraca.

45.      Em terceiro lugar, importa sublinhar que a formulação destas regras de competência especial se justifica, conforme especificado no considerando 16 do Regulamento n.o 1215/2012, pelo objetivo do legislador de autorizar a escolha de um tribunal de um Estado‑Membro em função do lugar a que o litígio está particularmente ligado e pela preocupação de facilitar a boa administração da justiça (34). Estes princípios orientaram constantemente o Tribunal de Justiça na interpretação das regras de competência especial para reconhecer os elementos de conexão adequados a fim de unificar as regras de conflito de jurisdição (35) e designar o tribunal mais apto a decidir.

46.      Esta análise é corroborada pelo Relatório de P. Jenard relativo à Convenção de Bruxelas (36) cuja análise é confirmada no Relatório de P. Schlosser sobre a Convenção relativa à adesão do Reino da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Convenção de Bruxelas, bem como ao Protocolo relativo à sua interpretação pelo Tribunal de Justiça (37).

47.      Nestas condições e como já se podia deduzir da fundamentação de anteriores acórdãos do Tribunal de Justiça, tanto em matéria contratual (38) como em matéria de obrigações alimentares (39), não há dúvida de que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 designa diretamente o foro competente (40), atendendo aos objetivos por ele prosseguidos.

48.      Uma vez que impõe que um tribunal de um Estado‑Membro chamado a decidir com base no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 não aplique as regras internas de competência territorial, tal resposta deve, em meu entender, especialmente devido à evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de competência em caso de violação do direito da concorrência, ser utilmente completada por precisões sobre o lugar da materialização do dano alegado (41), bem como sobre a designação concreta do tribunal especialmente competente.

3.      Quanto à determinação do lugar da materialização do dano alegado e à designação do tribunal competente

49.      Na fundamentação do pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio referiu‑se aos Acórdãos CDC Hydrogen Peroxide (42) e Tibor‑Trans, relativos à determinação do tribunal competente para decidir das ações de indemnização pelos prejuízos causados por cartéis punidos pela Comissão (43), sem fazer distinção entre eles, quando duas diferentes localizações do dano foram consideradas pelo Tribunal de Justiça e as circunstâncias factuais do processo principal impunham uma aproximação ao segundo acórdão.

50.      Por conseguinte, a meu ver, é assim dada ao Tribunal de Justiça a oportunidade de fornecer todos os esclarecimentos úteis aos órgãos jurisdicionais nacionais sobre o alcance do Acórdão Tibor‑Trans, à luz dos Acórdãos Verein für Konsumenteninformation e Wikingerhof proferidos pelo Tribunal de Justiça após o pedido de decisão prejudicial. O Tribunal de Justiça deverá igualmente precisar se podem ser adotados vários critérios de competência para atingir o objetivo que justifica a sua existência, a saber, privilegiar a relação de proximidade com o litígio.

a)      Acórdão TiborTrans

51.      Apesar de o Acórdão Tibor‑Trans ter sido proferido num contexto quase idêntico ao do litígio no processo principal, a sua análise merece ser detalhada em vários aspetos.

52.      Em primeiro lugar, como no processo principal, no processo que deu origem ao Acórdão Tibor‑Trans, foi intentada no órgão jurisdicional de reenvio uma ação de indemnização por danos que consistiam em acréscimos de custos pagos devido a preços artificialmente altos aplicados a camiões e que foram causados por práticas anticoncorrenciais idênticas.

53.      Se, no processo que deu origem ao Acórdão Tibor‑Trans, a sociedade demandante optou por intentar a sua ação apenas contra um dos participantes no cartel em causa junto do qual não se abasteceu (44), no caso vertente, a RH demandou, entre outras sociedades responsáveis pelo acordo em causa, várias sociedades estabelecidas fora de Espanha às quais não adquiriu diretamente os camiões por elas fabricados. A RH demandou ainda a filial espanhola dessas sociedades (45) de que depende o concessionário automóvel espanhol junto do qual a RH se abasteceu, como se pode deduzir dos autos (46).

54.      Em segundo lugar, no processo que deu origem ao Acórdão Tibor‑Trans, o órgão jurisdicional de reenvio duvidava da aplicação analógica do Acórdão CDC Hydrogen Peroxide, no qual o Tribunal de Justiça tinha identificado como tribunal competente o tribunal do lugar da sede social da sociedade demandante, devido à inexistência de um vínculo contratual direto entre as partes e à obrigação de não adotar uma regra de competência que favorecesse o forum actoris (47).

55.      O Tribunal de Justiça declarou que «o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de uma ação para reparação do prejuízo causado por uma infração ao artigo 101.o TFUE, que consiste nomeadamente em acordos colusórios sobre fixação de preços e aumento dos preços brutos dos camiões, o “lugar onde ocorreu o facto danoso” se refere, numa situação como a que está em causa no processo principal, ao lugar do mercado afetado por essa infração, a saber, o lugar onde os preços de mercado foram distorcidos, no qual a vítima alega ter sofrido esse prejuízo, ainda que a ação seja intentada contra um participante no cartel em causa com quem essa vítima não tinha estabelecido relações contratuais» (48).

56.      No que respeita à determinação do dano, o Tribunal de Justiça salientou que «o dano alegado no processo principal resulta, no essencial, dos acréscimos de custos pagos em razão de preços artificialmente elevados e, por isso, [se] afigur[a] a consequência imediata da infração nos termos do artigo 101.o TFUE e constitui, portanto, um dano direto que permite fundamentar, em princípio, a competência dos tribunais do Estado‑Membro em cujo território se materializou» (49).

57.      No que respeita à localização do dano diretamente sofrido, o Tribunal de Justiça declarou que, «quando o mercado afetado pelo comportamento anticoncorrencial se localiza no Estado‑Membro em cujo território o alegado dano supostamente ocorreu, há que considerar que o lugar da materialização do dano, para efeitos da aplicação do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, se localiza nesse Estado‑Membro» (50).

58.      Em apoio dessa decisão, o Tribunal de Justiça fez referência ao n.o 40 do Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines. Por conseguinte, saliento, por um lado, que, num processo de cartel sobre preços de mesma natureza e punido nas mesmas condições daquele que servia de base à ação de indemnização no Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (51), o Tribunal de Justiça alargou a solução que tinha dado a um processo em que tinha sido declarado um abuso de posição dominante por um conselho da concorrência nacional e era alegado um acordo anticoncorrencial (52). Por outro lado, esta solução baseia‑se na concordância de dois elementos, a saber, o lugar do mercado afetado e o lugar onde supostamente ocorreu o alegado dano (53).

59.      Mais em geral, no Acórdão Tibor‑Trans, as inúmeras outras referências ao Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines traduzem a evolução da jurisprudência do Tribunal de Justiça com vista a harmonizar os elementos de conexão ao lugar do dano diretamente sofrido, quer se trate de um acréscimo de custos suportado em compras (54) ou de uma perda de vendas (55), sem distinguir consoante os comportamentos anticoncorrenciais tenham sido ou não declarados por decisão prévia de uma autoridade (56).

60.      Esta corrente jurisprudencial a favor da referência ao mercado afetado por práticas anticoncorrenciais, cuja reparação é pedida em juízo, foi muito recentemente confirmada no Acórdão Wikingerhof, no qual o Tribunal de Justiça declarou que está abrangida por matéria extracontratual, na aceção do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, uma ação destinada a fazer cessar determinados comportamentos adotados no âmbito da relação contratual que vincula o demandante ao demandado e baseada numa alegação de abuso de posição dominante cometido por este último, em violação do direito da concorrência (57).

61.      O Tribunal de Justiça considerou que, nas circunstâncias do litígio em causa no processo principal, «o tribunal competente nos termos do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, a saber […] o do mercado afetado pelo comportamento anticoncorrencial alegado, é o mais apto a decidir sobre a questão principal da procedência desta alegação, nomeadamente em termos de recolha e de avaliação dos elementos de prova pertinentes a este respeito» (58).

62.      Observo, por um lado, que, no Acórdão Wikingerhof, o Tribunal de Justiça atribuiu uma importância especial a essa precisão sobre a localização onde ocorreu ou poderá ocorrer o facto danoso, uma vez que era questionado sobre a aplicabilidade do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 consoante a qualificação das pretensões do demandante (59) e não sobre a determinação de um dos critérios de competência decorrentes deste artigo (60).

63.      Por outro lado, parece‑me que devem ser retirados ensinamentos das remissões, no n.o 37 do Acórdão Wikingerhof, para os Acórdãos Tibor‑Trans e Verein für Konsumenteninformation a fim de servir de fundamento, por analogia, à decisão do Tribunal de Justiça quanto à competência jurisdicional.

b)      Fundamentação da escolha do lugar do mercado afetado para efeitos de localização do dano

64.      No n.o 34 do Acórdão Tibor‑Trans, para o qual o Acórdão Wikingerhof remete (61), que deve ser lido em conjugação com os n.os 33 e 35 desse primeiro acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que a escolha do lugar onde se situa o mercado afetado em que a vítima alega ter sofrido um prejuízo resulta da necessidade de procurar o tribunal mais bem colocado para apreciar as ações de indemnização relacionadas com uma restrição de concorrência, de garantir a previsibilidade dessa regra para o operador económico em causa e de satisfazer as exigências de coerência com a lei aplicável a tais ações de indemnização (62).

65.      No n.o 38 do Acórdão Verein für Konsumenteninformation, para o qual o Acórdão Wikingerhof também remete (63), o Tribunal de Justiça fundamentou a interpretação que o levou a adotar como lugar de materialização do dano o lugar onde o veículo em causa foi adquirido (64) como estando «igualmente em conformidade com os objetivos de proximidade e de boa administração da justiça, referidos no considerando 16 do Regulamento n.o 1215/2012, na medida em que, para determinar o montante do dano sofrido, o tribunal nacional pode ter de avaliar as condições do mercado no EstadoMembro em cujo território esse veículo foi comprado. No entanto, os tribunais deste último Estado‑Membro podem ter mais facilmente acesso aos meios de prova necessários à realização dessas avaliações» (65).

66.      Nesses três acórdãos, a evolução da fundamentação do elemento de conexão tido em conta pelo Tribunal de Justiça revela, em meu entender, a concreta consideração da dimensão especial do contencioso em matéria de concorrência. Com efeito, em caso de comportamentos ilícitos que afetam um mercado económico, o acesso facilitado aos meios de prova necessários à avaliação das condições desse mercado e das consequências de tais comportamentos contribui para uma organização útil do processo (66). É, portanto, um elemento determinante quanto à escolha do tribunal mais apto para garantir o respeito pelas normas de uma concorrência sã que passa pela punição de qualquer infração à concorrência e pela garantia da efetividade do direito à proteção da vítima.

67.      Assim, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, reiterada com base nessas considerações probatórias pragmáticas, deve ser recolocada num contexto cuja importância foi sublinhada ainda muito recentemente (67). Com efeito, a construção jurisprudencial do Tribunal de Justiça continua a contribuir para a aplicação do direito da concorrência e, especialmente, da fase privada da aplicação do artigo 101.o TFUE (68), na medida em que favorece o desenvolvimento e a consolidação das ações de indemnização instauradas nos tribunais nacionais (69). Refira‑se a este respeito que o Tribunal de Justiça incumbiu esses tribunais da salvaguarda desse direito, que reforça o caráter operacional das normas de concorrência da União (70). Além disso, o Tribunal de Justiça precisou que as ações de indemnização por incumprimento das normas de concorrência da União, instauradas nos tribunais nacionais, fazem parte integrante do sistema de aplicação dessas normas, que visa reprimir os comportamentos anticoncorrenciais das empresas e dissuadi‑las de adotarem tais comportamentos (71).

68.      Por último, a ação complementar das autoridades dos Estados‑Membros responsáveis em matéria de concorrência e dos tribunais nacionais foi consagrada no Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos 81.o e 82.o do Tratado (72). Além disso, para regular as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União, a Diretiva 2014/104 definiu novas regras processuais e substantivas, que deviam ser transpostas em todos os Estados‑Membros até 27 de dezembro de 2016 (73).

69.      No entanto, embora visem permitir às empresas lesadas serem integralmente indemnizadas prevendo, nomeadamente, regras de prova destinadas a ultrapassar as grandes dificuldades que apresentam as condições de efetivação da responsabilidade no contencioso da reparação dos danos no direito da concorrência, essas normas não preveem, porém, disposições especiais em matéria de competência.

70.      Por conseguinte, embora, em princípio, a determinação, pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Tibor‑Trans, do lugar da materialização do dano como sendo o lugar do mercado afetado pela infração, a saber, o lugar onde os preços de mercado foram distorcidos, no qual a vítima alega ter sofrido um dano (74), seja adaptada ao contexto que acabo de recordar para determinar o tribunal internacionalmente competente (75), parece‑me que essa localização não é suficientemente precisa para designar o tribunal territorialmente competente no Estado‑Membro em causa (76). Ora, do meu ponto de vista, à luz de outros acórdãos do Tribunal de Justiça, isto constitui uma fonte de insegurança jurídica na escolha da opção de competência prevista no artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 de que dispõe o demandante (77).

71.      Parece‑me, assim, oportuno que a resposta do Tribunal de Justiça às interrogações do órgão jurisdicional de reenvio, que deve, devido às circunstâncias do processo principal, inscrever‑se na linha do Acórdão Tibor‑Trans, seja completada neste ponto para que os tribunais nacionais possam dispor de uma resposta que ultrapasse o quadro estrito do processo que justificou o pedido de decisão prejudicial. O número de processos suscetíveis de serem instaurados devido à importância do cartel em causa deve igualmente ser tomado em consideração.

c)      Localização precisa do dano alegado no mercado afetado para efeitos de designação do tribunal competente

72.      No Acórdão flyLALLithuanian Airlines, que constitui a base do Acórdão TiborTrans, o Tribunal de Justiça declarou que, «no âmbito de uma ação de indemnização de um prejuízo causado por comportamentos anticoncorrenciais, o “lugar onde ocorreu […] o facto danoso” se refere, numa situação como a que está em causa no processo principal, concretamente ao lugar da materialização de uma perda de receitas que consiste numa perda de vendas, isto é, ao lugar do mercado afetado pelos referidos comportamentos no qual a vítima alega ter sofrido essas perdas» (78).

73.      A localização precisa do dano alegado podia facilmente ser deduzida desta interpretação. Com efeito, o litígio teve origem nos comportamentos anticoncorrenciais de um operador económico no mercado em que a respetiva vítima, uma companhia aérea, desenvolvia o essencial das suas atividades, a saber, voos organizados com origem ou destino em Vilnius (Lituânia), capital do Estado‑Membro em que essa companhia estava sediada. O Tribunal de Justiça declarou que se tratava do «mercado essencialmente afetado» (79).

74.      Além disso, no n.o 40 do Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines, o Tribunal de Justiça salientou que esta solução é fundada na concordância de dois elementos que são o lugar do mercado afetado pelas práticas que falsearam a concorrência e o lugar da ocorrência do alegado dano causado por essas práticas. Neste sentido, garante‑se a limitação da competência ao prejuízo sofrido no território de um único Estado‑Membro e a existência de uma ligação entre a lesão do interesse geral e a lesão dos interesses da empresa ou, mais em geral, dos interesses privados.

75.      No entanto, uma vez que o mercado afetado era o mercado em que a vítima desenvolvia o essencial das suas atividades de venda de viagens aéreas e tinha sofrido uma perda de receitas (80), esta condição de concordância estava necessariamente preenchida (81). Esta última devia levar, concretamente, a designar como tribunal territorialmente competente o tribunal do lugar onde está sediada a empresa vítima das práticas anticoncorrenciais (82), devido à natureza do dano alegado.

76.      No Acórdão TiborTrans, foi adotado um raciocínio semelhante ao raciocínio tido no Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines. A existência de uma ligação entre o mercado afetado pela infração e o mercado em que a vítima alegou ter sofrido um acréscimo de custos pôde ser declarada pelo Tribunal de Justiça pelo facto de, como no processo principal, o mercado afetado pelo cartel sobre o preço dos camiões ser o do Estado‑Membro em que a empresa vítima deste adquiriu veículos, por intermédio de um concessionário, com sede no mesmo Estado, que é também o Estado em que exerce as suas atividades de transporte (83).

77.      Assim, no Acórdão Tibor‑Trans, o Tribunal de Justiça considerou como lugar da materialização do dano o «lugar onde os preços de mercado foram distorcidos, no qual a vítima alega ter sofrido um prejuízo» (84), e não o lugar onde o acréscimo de custos foi pago (85) que poderia ter sido extraído de uma adaptação direta do n.o 43 do Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlinest (86), sem, contudo, precisar que se trata do lugar da materialização do dano (87).

78.      Ora, não se pode deixar de observar, por um lado, que o tribunal territorialmente competente no Estado‑Membro assim designado não é claramente identificável, contrariamente ao que o Tribunal de Justiça decidiu no Acórdão CDC Hydrogen Peroxide, num caso semelhante de infração punida pela Comissão, a saber, considerar elemento de conexão o lugar da sede social da pessoa lesada.

79.      Por outro lado, para ir além do quadro factual em que o Tribunal de Justiça é questionado, deve ser tida em conta a variedade de circunstâncias em que pode haver danos sofridos em caso de cartel sobre os preços que é muito diferente dos casos de ofensa ao desenvolvimento de uma atividade económica. Com efeito, especialmente no setor da venda de veículos e do transporte, o lugar do mercado afetado pelas práticas anticoncorrenciais que implicam acréscimos de custos não é necessariamente concordante com o lugar de aquisição dos bens em causa ou com o lugar do exercício das atividades do comprador final, ao contrário da situação do comprador direto.

80.      Por estas razões, e tendo em conta o princípio segundo o qual o conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso» deve ser interpretado de maneira estrita (88), os critérios de determinação do tribunal em que o demandante pode intentar a sua ação devem ser estabelecidos.

81.      Para o efeito, à semelhança das sociedades Volvo, do Governo espanhol e da Comissão, convido o Tribunal de Justiça a proceder a uma aproximação ao Acórdão Verein für Konsumenteninformation, uma vez que este acórdão foi proferido num processo que tem vários pontos comuns com o processo principal, assim como o processo que deu origem ao Acórdão Tibor‑Trans, e se situa no seu prolongamento (89). Com efeito, a ação em causa tinha por objeto a reparação dos danos causados pela aquisição de veículos a um terceiro a um preço superior ao seu valor real (90) devido a um comportamento ilegal dos seus construtores (91).

82.      O Tribunal de Justiça declarou que o dano sofrido pelo adquirente final, que não é indireto nem puramente patrimonial, se materializa no momento da aquisição do veículo em causa a um terceiro (92). Este critério constitui o único elemento de conexão relevante, devido à existência de uma ligação com um bem material que justifica que não sejam procuradas outras circunstâncias especiais como nos processos em que os investimentos financeiros tinham provocado uma diminuição dos ativos das pessoas em causa (93).

83.      Assim, em primeiro lugar, é agora claro que, em caso de dano material resultante da perda de valor de um bem (94), que não é, portanto, um dano puramente patrimonial, o lugar da materialização do dano é o lugar da aquisição desse bem (95).

84.      Além disso, na origem do dano material está o facto de o pagamento efetuado pela aquisição do bem em causa ter como contrapartida, com a revelação do comportamento ilegal do respetivo fabricante, um bem de valor inferior (96).

85.      Em segundo lugar, as circunstâncias do processo principal justificam que nos interroguemos sobre o significado do termo «aquisição», uma vez que a RH tinha celebrado contratos de locação financeira no âmbito dos quais se tornou proprietária dos camiões.

86.      O facto de o pedido de indemnização ter por fundamento o direito da concorrência justifica, em meu entender, uma abordagem económica (97) do conceito de «aquisição», uma vez que se traduz na contabilização, no ativo do balanço, do bem objeto de um contrato de locação financeira.

87.      Neste sentido, partilho da opinião expressa pelo advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona, segundo o qual «[o] ponto de partida correto encontra‑se […] no ato pelo qual o bem entrou no património do afetado e provocou a perda. O lugar [da] materialização do dano é aquele onde essa operação foi concluída» (98).

88.      O lugar da transação pode assim ser entendido em larga medida como o lugar onde foi celebrado o acordo sobre o bem e sobre o preço (99) e não o lugar do pagamento do preço (100) ou da disponibilização do bem que podem ocorrer noutros locais numa fase posterior a esse acordo (101).

89.      A exigência de previsibilidade (102) em relação ao demandado parece‑me respeitada, uma vez que, da sua perspetiva, é adotado o lugar da comercialização do bem e, no caso vertente, por um concessionário dos veículos ou por qualquer outro intermediário encarregado da respetiva venda, independentemente de qualquer transferência de propriedade em sentido jurídico.

90.      A exigência de uma boa administração da justiça também o é devido ao interesse fundamental que pode apresentar o facto de o tribunal ser competente para apreciar igualmente os eventuais pedidos do intermediário encarregado da transação com o mesmo fundamento ou a questão da eventual repercussão dos acréscimos de custos por este sobre o comprador a jusante, que constitui um meio de defesa recorrente (103).

91.      Os objetivos do Regulamento n.o 1215/2012, conforme precisados pelo Tribunal de Justiça nos acórdãos mais recentes quanto às exigências probatórias nos litígios em causa que devem ser satisfeitas nas melhores condições (104), parecem‑me igualmente ser atingidos pela designação do lugar da materialização do dano ao lugar da transação, sem outras circunstâncias especiais em caso de inexistência de transferência de propriedade.

92.      Com efeito, ao contrário dos litígios em que o alegado dano puramente patrimonial justifica que vários elementos concretos venham suprir a falta de ligação com um bem material, a conexão ao lugar da transação basta, em princípio, para designar o tribunal objetivamente mais bem colocado para analisar os elementos constitutivos da responsabilidade do demandado (105).

93.      Por conseguinte, identificar o tribunal competente como o do lugar da aquisição dos camiões cujos preços foram artificialmente aumentados responde às necessidades probatórias do litígio, uma vez que a vítima alega ter sofrido um dano relacionado com um acréscimo de custos dos camiões num lugar dentro do mercado afetado, que é o lugar da sua atividade, pelos mesmos fundamentos que os considerados no Acórdão Verein für Konsumenteninformation (106). É o caso da RH no presente litígio.

94.      Assim, no termo desta primeira parte da minha análise que tem por objeto a designação do tribunal competente no mercado afetado por práticas anticoncorrenciais, proponho que o Tribunal de Justiça considere que o tribunal competente para conhecer de uma ação de indemnização pelos danos causados com o acréscimo de custos pagos pela pessoa que foi lesada por um cartel sobre os preços é, em princípio, o tribunal do lugar da aquisição dos bens em causa.

95.      No entanto, como já aflorei (107), há que reservar, a meu ver, a situação em que o lugar da ocorrência do dano alegado não é concordante com o lugar da atividade da vítima das práticas que distorceram os preços (108), por exemplo, em caso de compra de veículos em vários Estados‑Membros ou em múltiplos pontos de fornecimento no mesmo Estado‑Membro ou ainda em caso de aquisição a um vendedor estabelecido fora do mercado afetado (109).

96.      Embora, no lugar de cada uma das transações no ou nos mercados afetados, as condições de análise do ou dos mercados sejam idênticas, o mesmo não acontece com a avaliação do dano sofrido pelo demandante, sua vítima direta (110). Por hipótese, a análise pode ser mais difícil se o tribunal competente não for o tribunal em cuja área de jurisdição é exercida a atividade económica da lesada. Ora, como o Tribunal de Justiça já sublinhou, em caso de cartel ilícito declarado de forma vinculativa, esta avaliação constitui o essencial da função do juiz que é chamado a decidir do pedido de indemnização do dano daí resultante (111).

97.      Nestas condições, sou de opinião que merece ser aprofundada a questão de saber se ainda pode ser oportuno recorrer à conexão ao lugar da sede social da empresa lesada, adotada pelo Tribunal de Justiça em circunstâncias especiais (112).

d)      Localização do dano no lugar da sede do lesado

98.      Determinadas circunstâncias justificam, a meu ver, à luz do objetivo de proximidade, fixado no Regulamento n.o 1215/2012 (113), que o elemento de conexão do lugar da sede social da vítima de práticas anticoncorrenciais possa ser ainda pertinente para garantir a eficácia da tramitação dessas ações de indemnização, complexas por natureza (114) e pelo seu objeto, em caso de infrações geograficamente muito dispersas (115).

99.      Com efeito, na prática, não vejo como seria conforme a este objetivo de proximidade, que surge agora em termos muito concretos na jurisprudência do Tribunal de Justiça (116), a escolha de um elemento de conexão que obrigasse uma empresa adquirente de vários camiões em diferentes Estados‑Membros a recorrer ao tribunal em cuja área de jurisdição se situasse cada lugar de aquisição e onde, além disso, a atividade da empresa lesada não fosse exercida (117). Além disso, as regras de conexão, previstas no artigo 30.o do Regulamento n.o 1215/2012, não oferecem soluções satisfatórias devido à condição fixada no n.o 2, dado que se considera que o tribunal só pode conhecer do dano causado na sua área de jurisdição (118).

100. Nestas condições, a decisão do Tribunal de Justiça proferida no Acórdão CDC Hydrogen Peroxide merece uma atenção renovada. O processo que deu origem a esse acórdão tinha por objeto pedidos de indemnização por todos os danos causados por um cartel sobre o preço do peróxido de hidrogénio em vários Estados‑Membros e em datas e locais diferentes (119), declarado pela Comissão (120), a empresas ativas no setor do tratamento da celulose e do papel e que tinham comprado, entre 1994 e 2006, quantidades consideráveis de peróxido de hidrogénio em diferentes EstadosMembros da União ou do EEE. Além disso, para algumas delas, o peróxido de hidrogénio tinha sido fornecido em fábricas situadas em vários Estados‑Membros (121).

101. Nestas circunstâncias, que se caracterizam pela multiplicidade de lugares de aquisição em diversos mercados afetados pelo cartel em causa, o Tribunal de Justiça declarou que o tribunal do lugar onde a empresa demandante tem a sua sede social é competente para conhecer, quanto à totalidade dos danos causados a esta empresa em resultado do acréscimo de custos que suportou para se abastecer em produtos que são objeto do cartel em questão, de uma ação intentada contra um ou uma pluralidade de autores desse cartel (122). No n.o 52 desse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o lugar onde o dano se manifesta concretamente, tratando‑se de um dano que consiste nesses acréscimos de custos, se encontra, «em princípio», na sede social dessa empresa.

102. Por conseguinte, em primeiro lugar, a interpretação adotada no Acórdão CDC Hydrogen Peroxide parece‑me poder ser conciliada com a dos acórdãos proferidos posteriormente em caso de concordância entre o lugar do mercado afetado pela distorção da concorrência e a ocorrência do dano materializado por um acréscimo de custos ou por uma perda de vendas, a saber, tanto o Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines como o Acórdão Tibor‑Trans, uma vez que, no processo que deu origem a este acórdão, os veículos tinham sido adquiridos num único Estado‑Membro, em cujo território a vítima desenvolvia a sua atividade (123). Por outras palavras, se o imperativo de proximidade justifica que se privilegie o forum actoris, não vejo qual seria a dificuldade (124).

103. Em segundo lugar, no que respeita ao lugar da sede social ou do estabelecimento principal, conforme definido no artigo 63.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1215/2012, esse lugar deve apresentar uma ligação estreita com o lugar do dano (125). Mais precisamente, a atividade desenvolvida nesse lugar, relacionada com o litígio, deve estar na origem da transação com base na qual é fundado o pedido de indemnização do prejuízo. Sou igualmente de opinião que o lugar onde a atividade da empresa é afetada ou o lugar a partir do qual se organiza a atividade é determinante.

104. Em terceiro lugar, a vastidão dos lugares de ocorrência dos danos, que caracteriza as atividades anticoncorrenciais no mercado interno (126), bem como o desenvolvimento das transações celebradas pela Internet (127) militam a favor da escolha em localizar a materialização do dano na sede social. A este respeito, parece‑me concebível visar uma certa coerência com a jurisprudência do Tribunal de Justiça que tem em consideração a dimensão das violações dos direitos perpetradas no contexto da Internet (128). O Tribunal de Justiça esclareceu que esta possibilidade de a pessoa que se considera lesada intentar, nos tribunais do Estado‑Membro onde se situa o centro dos seus interesses, uma ação relativa à totalidade do dano alegado é justificada no interesse de uma boa administração da justiça e não para proteger especificamente o demandante (129).

105. Em quarto lugar, em matéria de práticas concorrenciais, o risco de ver prosperar processos abusivos, supostamente mais fáceis de instaurar no lugar da sede social (ou do domicílio) do lesado, que justifica, em parte, a escolha de privilegiar o lugar do domicílio do demandado (130), não me parece dirimente. Com efeito, há que ter em conta o facto de que, na maioria dos casos, a ação de indemnização tem por fundamento a declaração prévia da existência de uma infração ao direito da concorrência (131).

106. Por outro lado, as sugestões da doutrina a favor da possibilidade de recorrer ao tribunal do lugar da sede social do demandante parecem‑me dever ser tomadas em consideração uma vez que se baseiam na verificação de uma multiplicidade de mercados afetados (132) ou no risco de recorrer a um tribunal de um Estado‑Membro afetado por um cartel internacional no qual nenhuma das partes no litígio está estabelecida (133) ou ainda na relativização do objetivo de estabelecer um critério de conexão idêntico, a saber, o do mercado afetado, para os conflitos de leis e de jurisdição (134).

107. De um modo mais geral, considero igualmente muito interessante a sugestão de definir como fio condutor da determinação da competência dos tribunais o de facilitar a reparação satisfatória dos atos ilícitos ou das violações de princípios fundamentais (135). Com efeito, esta sugestão traduz a ideia de que o reforço do exercício efetivo dos direitos nestes domínios particulares contribui para a implementação das políticas gerais de prevenção.

108. Resulta de todas estas considerações que dois critérios de localização do dano para a determinação da competência jurisdicional me parece poderem coexistir, no que respeita às ações de indemnização por práticas anticoncorrenciais, devido à satisfação do objetivo de proximidade e, mais precisamente, do objetivo de facilitar o acesso aos meios de prova. Essa solução permite assegurar uma coerência com os objetivos da Diretiva 2014/104 que inclui numerosas disposições em matéria de prova, devido às dificuldades em recolher dados contabilísticos e financeiros sobre as empresas e sobre o mercado em causa (136), e contribuir para a resolução mais eficaz de litígios cuja complexidade decorre dos documentos elaborados pela Comissão, concebidos como auxílios práticos destinados aos tribunais nacionais (137).

109. Nestas condições, tal interpretação das regras de competência parece‑me contribuir para a garantia de uma tutela jurisdicional efetiva do direito da concorrência da União (138).

110. No termo da minha análise global relativa à determinação do lugar da materialização do dano alegado e à designação do tribunal competente no território do Estado‑Membro em que o mesmo se situa, proponho que o Tribunal de Justiça considere que o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de uma ação de indemnização pelo dano causado por uma infração nos termos do artigo 101.o TFUE, que consiste, nomeadamente, em acordos colusórios sobre a fixação e o aumento dos preços de bens, o lugar da materialização do dano se situa no Estado‑Membro do mercado afetado por essa infração em que foram suportados os acréscimos de custos. O tribunal territorialmente competente é, em princípio, o tribunal em cuja área de jurisdição se situa o lugar de aquisição desses bens, pela empresa que exerce a sua atividade no mesmo Estado‑Membro, que deve ser determinada em função de critérios económicos. Na falta de concordância entre o lugar da materialização do dano e o lugar da atividade do lesado, a ação pode ser intentada no tribunal em cuja área de jurisdição está estabelecido o lesado.

111. Vou agora explicar as razões que me levam a propor que o Tribunal de Justiça precise que a determinação concreta do tribunal, designado nos termos do artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, se rege pelas regras internas de organização dos órgãos jurisdicionais que os Estados‑Membros podem definir com vista a uma eventual especialização dos mesmos.

4.      Quanto à concentração de competências

112. Nas suas observações escritas apresentadas ao Tribunal de Justiça, o Governo francês e a Comissão sublinham, em substância, que, embora o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 determine a competência internacional e territorial dos tribunais competentes para conhecer dos litígios transfronteiriços em matéria extracontratual, incumbe, todavia, apenas aos Estados‑Membros, no âmbito da sua organização judiciária, definir a área de jurisdição dos tribunais competentes e, nomeadamente, dos tribunais especializados em matéria de ações de indemnização por infrações às disposições do direito da concorrência. Na sua resposta à questão escrita do Tribunal de Justiça sobre este ponto, o Governo espanhol sustenta esta análise.

113. Sou igualmente desta opinião devido ao sistema instituído pelo Regulamento n.o 1215/2012 e à especificidade das ações em matéria de reparação dos danos causados por práticas anticoncorrenciais (139).

a)      Análise sistémica

114. Em determinados aspetos, parece‑me que pode ser adotado um raciocínio por analogia com o raciocínio adotado pelo Tribunal de Justiça no Acórdão Sanders e Huber (140), e, em menor medida, no Acórdão de 9 de janeiro de 2015, RG (141).

115. No Acórdão Sanders e Huber, foram submetidas ao Tribunal de Justiça questões relativas a uma concentração de competências jurisdicionais em matéria de obrigações alimentares transfronteiriças num órgão jurisdicional de primeira instância com assento na circunscrição do órgão jurisdicional de recurso (142).

116. O Tribunal de Justiça interpretou, assim, o artigo 3.o, alínea b), do Regulamento (CE) n.o 4/2009 do Conselho, de 18 de dezembro de 2008, relativo à competência, à lei aplicável, ao reconhecimento e à execução das decisões e à cooperação em matéria de obrigações alimentares (143), nos termos do qual o tribunal competente para decidir de litígios transfronteiriços sobre obrigações alimentares é o tribunal do «local em que o credor tem a sua residência habitual».

117. Trata‑se de uma das disposições relativas às regras de competência que substituíram as do Regulamento n.o 44/2001, que se inscreve no prolongamento da Convenção de Bruxelas (144). O Tribunal de Justiça declarou que «[e]ssa disposição, que determina tanto a competência internacional como a competência territorial, visa unificar as regras de conflitos de jurisdição (v., neste sentido, Acórdão Color Drack, C‑386/05, EU:C:2007:262, n.o 30)» (145).

118. No Acórdão Sanders e Huber, o Tribunal de Justiça declarou que, embora as regras de conflitos de jurisdição tenham sido harmonizadas mediante a determinação de critérios comuns de conexão, a identificação concreta do órgão jurisdicional competente continua a incumbir aos Estados‑Membros, desde que essa legislação nacional não ponha em causa os objetivos do Regulamento n.o 4/2009 nem prive este último do seu efeito útil (146).

119. O Tribunal de Justiça precisou que a execução dos objetivos de proximidade e de boa administração da justiça não implica que os Estados‑Membros devam instituir órgãos jurisdicionais em todos os lugares (147) e que importa que o órgão jurisdicional competente seja o que assegura um critério de conexão particularmente estreito com o lugar onde o credor de alimentos tem a sua residência habitual, previsto no artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009 (148).

120. A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou de forma positiva a concentração de competências, uma vez que, em matéria de obrigações alimentares, essa escolha de organização pode contribuir para o desenvolvimento de uma especialização específica que responde a uma parte dos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.o 4/2009 e a uma boa administração da justiça (149).

121. Por conseguinte, pelas mesmas razões, basta, a meu ver, no que respeita ao artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012, considerar que o tribunal que é chamado a decidir se reconheça competente, a esse título, em razão do elemento de conexão pertinente situado na sua área de jurisdição (150), isto é, na parte do território nacional em que exerce as suas atribuições (151). Trata‑se também de não fazer do critério geográfico um elemento de conexão, entendido estritamente, que privilegie a proximidade em detrimento da boa administração da justiça (152).

122. No entanto, no Acórdão Sanders e Huber, o Tribunal de Justiça considerou que se impõe, em caso de concentração de competências, uma apreciação concreta da situação existente no Estado‑Membro em causa, a fim de garantir que a legislação nacional não prive do seu efeito útil o regulamento aplicável ao litígio (153).

123. Essa ressalva foi de novo expressa no Acórdão de 9 de janeiro de 2015, RG (154), relativo à atribuição a um tribunal especializado da competência para examinar as questões do regresso ou da guarda do menor, embora um órgão jurisdicional já tenha sido chamado a pronunciar‑se sobre a responsabilidade parental em relação ao menor (155), na apreciação das disposições relativas à determinação do órgão jurisdicional nacional competente que depende da escolha dos Estados‑Membros. É interessante observar que, neste caso, o Tribunal de Justiça teve em conta o objetivo de celeridade dos processos, previsto no Regulamento n.o 2201/2003,(156).

124. Ora, em matéria de violação dos direitos da concorrência, o quadro legislativo em que a concentração de competências é instituída num Estado‑Membro (157) é muito diferente. A meu ver, há que salientar a inexistência de limitações em matéria extracontratual como as resultantes do objeto específico, nomeadamente, do Regulamento n.o 4/2009 (158) e, no que respeita ao processo que deu origem ao Acórdão Sanders e Huber, as particularidades da legislação nacional em causa à luz dos objetivos desse regulamento (159).

125. Neste sentido, partilho das opiniões expressas anteriormente por outros advogados‑gerais sobre a autonomia dos Estados‑Membros em matéria de concentração das competências territoriais resultante ou não da repartição das competências materiais, limitada pela inexistência de ofensa ao efeito útil do Regulamento n.o 1215/2012 e pelo princípio da equivalência (160).

126. Além disso, uma vez que o objeto das ações em causa assume uma parte importante na análise do Tribunal de Justiça (161), importa sublinhar os elementos que caracterizam mais especificamente o contencioso relativo à indemnização por práticas anticoncorrenciais.

b)      Especificidade das ações de indemnização por práticas anticoncorrenciais

127. Em primeiro lugar, há que recordar a falta de regulamentação dos pressupostos processuais na tramitação das ações em matéria de direito da concorrência que justifica considerar que os Estados‑Membros, no âmbito da sua organização judiciária, determinam o tribunal competente ratione materiae e a sua área de jurisdição, sob reserva do respeito pelos princípios da equivalência (162) e da efetividade (163).

128. Em segundo lugar, considero, à semelhança da Comissão, que devem ser tidas em conta a entrada em vigor e a transposição da Diretiva 2014/104 (164), e a complexidade técnica das regras aplicáveis às ações de indemnização pela prática de infrações às disposições do direito da concorrência (165).

129. Por estes motivos, parece‑me indispensável que, para responder ao órgão jurisdicional de reenvio, o Tribunal de Justiça tenha por inspiração a redação dos Acórdãos de 16 de maio de 2013, Melzer (166), ou CDC Hydrogen Peroxide, relativos à competência em matéria extracontratual, nos quais é utilizada a expressão «o tribunal em cuja área de jurisdição […]».

130. Tendo em conta todas estas considerações relativas à concentração das competências dos órgãos jurisdicionais, proponho que o Tribunal de Justiça interprete o artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento n.o 1215/2012 no sentido de que, embora determine a competência territorial, tanto no plano internacional como interno, dos tribunais competentes para conhecer dos litígios transfronteiriços em matéria extracontratual, os Estados‑Membros podem optar por concentrar a tramitação desses litígios em certos tribunais, no âmbito da sua organização judiciária, sob reserva do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade. Em especial, no domínio do direito da concorrência, os Estados‑Membros devem assegurar que as regras por eles estabelecidas ou aplicadas não prejudiquem a aplicação efetiva dos artigos 101.o e 102.o TFUE.

V.      Conclusão

131. Tendo em conta todas estas considerações, proponho que o Tribunal de Justiça responda à questão prejudicial submetida pelo Juzgado de lo Mercantil n.o 2 de Madrid (Tribunal de Comércio n.o 2 de Madrid, Espanha) do seguinte modo:

O artigo 7.o, ponto 2, do Regulamento (UE) n.o 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2012, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, deve ser interpretado no sentido de que:

–        designa o tribunal competente do Estado‑Membro em cuja área de jurisdição, nomeadamente, se materializou o dano direto;

–        no âmbito de uma ação de indemnização pelos danos causados por uma infração nos termos do artigo 101.o TFUE, que consiste, nomeadamente, em acordos colusórios sobre a fixação e o aumento dos preços de bens, o lugar da materialização do dano se situa no Estado‑Membro do mercado afetado por essa infração em que foram suportados os acréscimos de custos. O tribunal territorialmente competente é, em princípio, o tribunal em cuja área de jurisdição se situa o lugar de aquisição desses bens, pela empresa que exerce a sua atividade no mesmo Estado‑Membro, que deve ser determinada em função de critérios económicos. Na falta de concordância entre o lugar da materialização do dano e o lugar da atividade do lesado, a ação pode ser intentada no tribunal em cuja área de jurisdição está estabelecido o lesado, e

–        os Estados‑Membros podem optar por concentrar a tramitação dos litígios em certos tribunais, no âmbito da sua organização judiciária, sob reserva do respeito pelos princípios da equivalência e da efetividade. Em especial, no domínio do direito da concorrência, os Estados‑Membros devem assegurar que as regras por eles estabelecidas ou aplicadas não prejudiquem a aplicação efetiva dos artigos 101.o e 102.o TFUE.


1      Língua original: francês.


2      JO 2012, L 351, p. 1.


3      JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE».


4      JO 1972, L 299, p. 32.


5      A seguir «Convenção de Bruxelas».


6      JO 2001, L 12, p. 1.


7      JO 2017, C 108, p. 6, a seguir «Decisão sobre o cartel dos camiões».


8      Pontos 9 a 11.


9      V. ponto 15 da Decisão sobre o cartel dos camiões. Segundo as indicações fornecidas pela Comissão, em 2019 (https://ec.europa.eu/competition/cartels/statistics/statistics.pdf, p. 3), o montante total dessas coimas era o mais elevado desde 1969.


10      O órgão jurisdicional de reenvio sublinhou que as demandadas nunca puseram em causa a sua competência territorial, pelo que se deve considerar que, a seu favor, elegeram tacitamente o foro, nos termos do artigo 56.o da Ley de Enjuiciamiento Civil 1/2000 (Lei do Processo Civil 1/2000), de 7 de janeiro de 2000 (BOE n.o 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575).


11      C‑352/13, a seguir «Acórdão CDC Hydrogen Peroxide», EU:C:2015:335 (n.os 52 e 53).


12      C‑451/18, a seguir «Acórdão Tibor‑Trans», EU:C:2019:635.


13      Acórdão Tibor‑Trans (n.o 33).


14      O órgão jurisdicional de reenvio cita o Despacho do Tribunal Supremo, Sala de lo Civil (Supremo Tribunal, Secção Cível, Espanha) de 26 de fevereiro de 2019, n.o 262/2018, e decisões idênticas recentes, nomeadamente, de 8 e 15 de outubro de 2019. O Governo espanhol cita igualmente essa Decisão n.o 262/2018, mas também outras decisões do mesmo tribunal, a saber, as Decisões de 7 de maio de 2019, n.o 16/2019, de 9 de julho de 2019, n.o 100/2019, e de 4 de fevereiro de 2020, n.o 266/2019.


15      C‑386/05, EU:C:2007:262.


16      C‑204/08, EU:C:2009:439.


17      V., nomeadamente, Acórdãos de 14 de fevereiro de 2019, Milivojević (C‑630/17, EU:C:2019:123, n.os 47 e 48), e de 9 de julho de 2020, Verein für Konsumenteninformation (C‑343/19, a seguir «Acórdão Verein für Konsumenteninformation», EU:C:2020:534, n.o 19).


18      C‑386/05, EU:C:2007:262.


19      C‑204/08, EU:C:2009:439.


20      V., nomeadamente, Processo Allianz Elementar Versicherung (C‑652/20), atualmente pendente no Tribunal de Justiça.


21      C‑59/19, a seguir «Acórdão Wikingerhof», EU:C:2020:950.


22      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.o 22 e jurisprudência referida).


23      V. Acórdão Wikingerhof (n.o 20 e jurisprudência referida). É também útil precisar que o artigo 4.o e o artigo 7.o, ponto 1, do Regulamento n.o 1215/2012 correspondem, respetivamente, ao artigo 2.o e ao artigo 5.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001.


24      V. Acórdão Wikingerhof (n.o 37 e jurisprudência referida). O sublinhado é meu. A este respeito, há que salientar a diferença de redação em relação ao Acórdão Tibor‑Trans, a que se referiu o órgão jurisdicional de reenvio. No n.o 34 desse acórdão, figuram as expressões «os tribunais do Estado‑Membro no qual se situa o mercado afetado» e «[o]s tribunais do lugar onde os […] comportamentos [de um operador económico] falsearam as regras de uma sã concorrência», extraídas do Acórdão de 5 de julho de 2018, flyLAL‑Lithuanian Airlines (C‑27/17, a seguir «Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines», EU:C:2018:533, n.o 40), que nele é referido.


25      V., nomeadamente, Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no Processo Melzer (C‑228/11, EU:C:2012:766, n.o 34) e do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no Processo Verein für Konsumenteninformation (C‑343/19, EU:C:2020:253, n.o 74), e no Processo Vereniging van Effectenbezitters (C‑709/19, EU:C:2020:1056, n.o 18).


26      V., igualmente neste sentido, Thode, R., «Art. 7 [Besondere Gerichtsstände]», Beck’scher OnlineKommentar ZPO, Brüssel IaVO, C.H. Beck, Munich, 2020, n.o 6.


27      C‑204/08, EU:C:2009:439, n.o 36.


28      C‑386/05, EU:C:2007:262.


29      V. Acórdão Wikingerhof (n.o 25, primeiro período, e jurisprudência referida).


30      V., igualmente, em matéria de competências exclusivas, Acórdãos de 28 de abril de 2009, Apostolides (C‑420/07, EU:C:2009:271, n.os 48 e 50). Assim, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 22.o do Regulamento n.o 44/2001, equivalente ao artigo 24.o do Regulamento n.o 1215/2012, que contém uma lista imperativa e taxativa da competência jurisdicional internacional exclusiva dos Estados‑Membros, apenas designa o Estado‑Membro cujos tribunais são competentes, ratione materiae, mas não designa as competências internas do Estado‑Membro em causa e que é competência dos Estados‑Membros estabelecer a sua própria organização judiciária. O Tribunal de Justiça esclareceu que a regra do forum rei sitae prevista no artigo 22.o, ponto 1, do Regulamento n.o 44/2001 diz respeito à competência judiciária internacional dos Estados‑Membros, e não à sua competência judiciária interna.


31      O sublinhado é meu.


32      V., a este respeito, Gaudemet‑Tallon, H., e Ancel, M.‑E., Compétence et exécution des jugements en Europe, Règlements 44/2001 et 1215/2012, Conventions de Bruxelles (1968) et de Lugano (1998 et 2007), 6.a ed., Librairie générale de droit et de jurisprudence, coleção «Droit des affaires», Paris, 2018, n.o 180, pp. 246 e 247. V., a título de comparação, outras disposições do Regulamento n.o 1215/2012 que fazem referência ao tribunal de um lugar, a saber, o artigo 11.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 12.o, em matéria de seguros, o artigo 18.o, n.o 1, em matéria de contratos celebrados por um consumidor, bem como o artigo 21.o, n.o 1, alínea b), em matéria de contratos individuais de trabalho.


33      V. Acórdãos de 14 de fevereiro de 2019, Milivojević (C‑630/17, EU:C:2019:123, n.o 81), e Wikingerhof (n.os 26 e 27).


34      V., para recordar a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa à competência em matéria extracontratual, Acórdãos Verein für Konsumenteninformation (n.o 38), e Wikingerhof (n.o 28 e jurisprudência referida).


35      V. Acórdão de 3 de maio de 2007, Color Drack (C‑386/05, EU:C:2007:262, n.o 30).


36      Relatório sobre a Convenção, de 27 de setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial (JO 1979, C 59, p. 1), em especial, p. 22.


37      JO 1979, C 59, p 71, em especial, p. 98, ponto 81 bb).


38      V., no que respeita ao artigo 7.o, ponto 1, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.o 1215/2012, Acórdão de 15 de junho de 2017, Kareda (C‑249/16, EU:C:2017:472, n.o 46).


39      V. Acórdão de 18 de dezembro de 2014 (C‑400/13 e C‑408/13, a seguir «Acórdão Sanders e Huber», EU:C:2014:2461, n.o 30 e jurisprudência referida).


40      V., a este respeito, precisões constantes do Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (n.o 55).


41      Na sua jurisprudência relativa ao conceito de «lugar onde ocorreu o facto danoso», o Tribunal de Justiça declarou que este conceito se refere simultaneamente ao lugar da materialização do dano e ao lugar do evento causal que está na origem deste dano, de modo que o requerido pode ser demandado, à escolha do requerente, perante o tribunal de um ou outro destes dois lugares (v. Acórdão Verein für Konsumenteninformation, n.o 23 e jurisprudência referida), o que pressupõe que estes não coincidem (v., nomeadamente, Acórdão de 30 de novembro de 1976, Bier, 21/76, EU:C:1976:166, n.os 24 e 25).


42      V., para uma exposição pormenorizada desse processo, n.os 100 e 101 das presentes conclusões.


43      V. n.o 22 das presentes conclusões.


44      V. Acórdão Tibor‑Trans (n.o 36).


45      Sublinho que as dúvidas do órgão jurisdicional de reenvio não incidem sobre a escolha de demandar a filial espanhola. A este respeito, à semelhança do Governo espanhol, esclareço que será brevemente decidida pelo Tribunal de Justiça [Processo Sumal (C‑882/19)] a questão de saber se, no âmbito de ações privadas de indemnização pelo dano sofrido por uma vítima de uma prática anticoncorrencial declarada pela Comissão, no presente caso, a Decisão sobre o cartel dos camiões, essa vítima tem o direito de pedir uma indemnização pelos danos não à sociedade‑mãe especificamente visada na decisão da Comissão, mas sim às filiais que fazem parte do mesmo grupo de sociedades, com fundamento na teoria da unidade económica no direito da concorrência [v. Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no Processo Sumal (C‑882/19, EU:C:2021:293)].


46      Não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça que, como no processo que deu origem ao Acórdão Tibor‑Trans (v. n.o 30), os concessionários espanhóis repercutissem o aumento dos preços nos compradores finais. A inexistência de um processo movido por ou contra os compradores diretos milita a favor de uma uniformidade das práticas.


47      V. Acórdão Tibor‑Trans (n.o 19).


48      Acórdão Tibor‑Trans (n.o 37).


49      Acórdão Tibor‑Trans (n.o 31).


50      Acórdão Tibor‑Trans (n.o 33).


51      V. Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (n.o 10).


52      V. Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines (n.os 20 e 34).


53      V., quanto à incidência da falta de concordância, n.o 95 das presentes conclusões.


54      V. Acórdãos CDC Hydrogen Peroxide (n.o 52) e Tibor‑Trans (n.o 26).


55      V. Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines (n.o 36).


56      Sobre o direito de todas as pessoas que se considerem lesadas por uma infração às normas do direito da concorrência pedirem a reparação do prejuízo sofrido que é independente da declaração prévia de tal infração por uma autoridade da concorrência, v. n.o 67 e nota 68 das presentes conclusões. V., igualmente, considerandos 3, 12 e 13 da Diretiva 2014/104/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de novembro de 2014, relativa a certas regras que regem as ações de indemnização no âmbito do direito nacional por infração às disposições do direito da concorrência dos Estados‑Membros e da União Europeia (JO 2014, L 349, p. 1).


57      V. Acórdão Wikingerhof (n.os 36 e 38).


58      Acórdão Wikingerhof (n.o 37). O sublinhado é meu.


59      V. Acórdão Wikingerhof (n.os 33 a 35).


60      A este respeito, v. Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no Processo Wikingerhof (C‑59/19, EU:C:2020:688, nota 20).


61      O n.o 34 do Acórdão Tibor‑Trans reproduz, em parte, o n.o 40 do Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines.


62      No n.o 35 do Acórdão Tibor‑Trans são referidos o considerando 7 e o artigo 6.o, n.o 3, alínea a), do Regulamento (CE) n.o 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de julho de 2007, relativo a lei aplicável às obrigações extracontratuais (Roma II) (JO 2007, L 199, p. 40). Esse artigo, aplicável a partir de 11 de janeiro de 2009, prevê que a lei aplicável nas ações de indemnização relacionadas com uma restrição de concorrência é a lei do país em que o mercado seja afetado ou seja suscetível de ser afetado.


63      Neste número, remete‑se para o n.o 34 do Acórdão Tibor‑Trans.


64      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.o 35).


65      O sublinhado é meu.


66      V. Acórdãos CDC Hydrogen Peroxide (n.o 53) e flyLAL‑Lithuanian Airlines (n.o 27, e jurisprudência referida em matéria de responsabilidade extracontratual).


67      V. relatório da Comissão sobre a aplicação da Diretiva 2014/104 [SWD(2020) 338 final], disponível no seguinte endereço Internet: https://ec.europa.eu/competition/antitrust/actionsdamages/report_on_damages_directive_implementation_en.pdf, e a apresentação desse relatório por Ronzano, A., «Dommages: La Commission européenne publie un rapport transitoire sur l’évaluation de la directive “dommages” et de sa transposition par les États membres (directive 2014/104/EU)», Concurrences, Institut de droit de la concurrence, Paris, 2021, n.o 1, e comunicado de imprensa da Comissão: https://ec.europa.eu/commission/presscorner/detail/fr/ip_20_2413.


68      O Tribunal de Justiça declarou que a plena eficácia do artigo 101.o TFUE e, em particular, o efeito útil da proibição enunciada no seu n.o 1 seriam postos em causa se não fosse possível a qualquer pessoa pedir a reparação dos danos que lhe tivessem sido causados por um contrato ou um comportamento suscetível de restringir ou falsear o jogo da concorrência [Acórdão de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan (C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 26)] quando haja um nexo de causalidade entre o prejuízo sofrido e um cartel ou uma prática proibida pelo artigo 101.o TFUE [Acórdão de 14 de março de 2019, Skanska Industrial Solutions e o. (C‑724/17, EU:C:2019:204, n.os 25 e 26, e jurisprudência referida)].


69      V. relatório da Comissão referido na nota 67 das presentes conclusões, em que observa que o número de ações de indemnização privadas nos tribunais nacionais por infrações às regras de concorrência passou, após a adoção da Diretiva 2014/104, de cerca de 50 processos no início de 2014 para 239 durante o ano de 2019. V., igualmente, Wurmnest, W., «Forum Shopping bei Kartellschadensersatzklagen und die Kartellschadensersatzrichtlinie», Neue Zeitschrift für Kartellrecht, n.o 2, C.H. Beck, Munich, 2017, n.o 2, ponto III, 2, c), e nota 64.


70      V. Acórdãos de 30 de janeiro de 1974, BRT e Société belge des auteurs, compositeurs et éditeurs (127/73, EU:C:1974:6, n.os 15 e 16), e de 20 de setembro de 2001, Courage e Crehan (C‑453/99, EU:C:2001:465, n.o 25).


71      V. Acórdãos de 14 de março de 2019, Skanska Industrial Solutions e o. (C‑724/17, EU:C:2019:204, n.o 45), e, por analogia, Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Whiteland Import Export (C‑308/19, EU:C:2021:47, n.o 56).


72      JO 2003, L 1, p. 1. V. considerando 7 e artigo 6.o deste regulamento. V., igualmente, no que respeita à modernização das regras e dos procedimentos relativos à aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE, operada pelo Regulamento n.o 1/2003, Conclusões do advogado‑geral G. Pitruzzella no Processo Whiteland Import Export (C‑308/19, EU:C:2020:639, n.o 50).


73      V. relatório da Comissão referido na nota 67 das presentes conclusões. A Comissão salienta que a transposição da Diretiva 2014/104 foi tardia em 21 Estados‑Membros e que o número de casos de aplicação da diretiva transposta pelos tribunais nacionais ainda não é suficientemente significativo. A Comissão sublinha que passam em média treze anos entre o início de uma prática anticoncorrencial e a decisão judicial que concede uma indemnização. V., igualmente, n.o 108 das presentes conclusões.


74      V. n.os 33 e 37 desse acórdão.


75      V. n.o 39 das presentes conclusões.


76      Esta conclusão é partilhada pela Comissão na sua resposta às questões escritas do Tribunal de Justiça. V., de um modo mais geral, sobre a dificuldade em localizar a lesão em causa, Ancel, M.‑E., «Un an de droit international privé du commerce électronique», Communication Commerce électronique, n.o 1, LexisNexis, Paris, 2021, n.o 4.


77      V., a este respeito, Heuzé, V., Mayer, P., e Remy, B., Droit international privé, 12.a ed., Librairie générale de droit et de jurisprudence, Paris, 2019, n.o 296, pp. 203 e 204. V., igualmente, no que respeita à casuística da jurisprudência do Tribunal de Justiça, Thode, R., op. cit., n.os 93 e 95a.


78      Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines (n.o 43).


79      V. Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines (n.os 38 e 39).


80      V. Acórdão flyLAL‑Lithuanian Airlines (n.o 39).


81      V., no que respeita à coincidência do dano sofrido no mercado porque é causado um dano ao mercado, análise de Farnoux, E., Les considérations substantielles dans le règlement de la compétence internationale des juridictions: réflexions autour de la matière délictuelle, tomo I, tese de doutoramento defendida em 20 de outubro de 2017, n.o 303. A este respeito, esclarece, a meu ver com razão, que «a proposição pode mesmo ser invertida: uma vez que o mercado é constituído pelas relações dos atores económicos, é porque essas relações são afetadas (alguns atores sofrem danos) que o mercado é afetado. Em definitivo, o efeito no mercado pode ser analisado como o dano causado às vítimas (indefinidas), dado que a vítima (definida) que pede a reparação faz forçosamente parte das vítimas (indefinidas)».


82      V., igualmente neste sentido, no que respeita ao alcance do Acórdão Wikingerhof, entre os quais, designadamente, Ronzano, A., deduziu que «um hotel que utiliza a plataforma Booking.com pode, em princípio, demandá‑la num tribunal do Estado‑Membro em que esse hotel está estabelecido para fazer cessar um eventual abuso de posição dominante, mesmo que o comportamento denunciado seja adotado no âmbito de uma relação contratual» [«Competência: o Tribunal de Justiça da União Europeia declara que uma ação de indemnização que tem por fundamento a obrigação legal de se abster de qualquer abuso de posição dominante constitui matéria extracontratual na aceção do Regulamento Bruxelas I bis (Wikingerhof/Booking)», Concurrences, Institut de droit de la concurrence, Paris, 2021, n.o 1].


83      V. Acórdão Tibor‑Trans (n.os 12, 30 e 33).


84      Acórdão Tibor‑Trans (n.o 37).


85      V., a este respeito, a mesma observação nas Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no Processo Verein für Konsumenteninformation (C‑343/19, EU:C:2020:253, n.o 52). A comparar com o Acórdão Tibor‑Trans (n.os 31 e 33), do qual decorre que o lugar da materialização do dano se situa no Estado‑Membro em que se encontra o mercado afetado pela infração em causa, no território do qual ocorreu o dano resultante dos acréscimos de custos pagos.


86      V. n.o 72 das presentes conclusões.


87      A comparar igualmente com o n.o 55 do Acórdão CDC Hydrogen Peroxide e o n.o 40 do Acórdão Verein für Konsumenteninformation.


88      V. Acórdãos flyLAL‑Lithuanian Airlines (n.o 26) e Verein für Konsumenteninformation (n.o 26).


89      V. n.os 38 e 39 do Acórdão Verein für Konsumenteninformation, cujas remissões para os n.os 34 e 35 do Acórdão Tibor‑Trans contribuem para clarificar o seu sentido.


90      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.o 30).


91      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.os 29, 34 e 37).


92      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.os 35, 37 a 39).


93      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.o 33).


94      Esta expressão entendida no seu sentido amplo abrange as hipóteses de preços artificialmente elevados.


95      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.o 35). Por conseguinte, devem considerar‑se afastados os critérios evocados no pedido de decisão prejudicial no processo que deu origem ao Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.os 10 e 12), tais como o lugar da celebração do contrato ou da entrega do veículo. Para uma análise desses critérios, v. Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no Processo Verein für Konsumenteninformation (C‑343/19, EU:C:2020:253, nota 31 relativa ao lugar onde a obrigação foi contraída, e, para o lugar de entrega, n.os 78 e 79). Sobre este último ponto, v., ainda, Acórdão de 27 de outubro de 1998, Réunion européenne e o. (C‑51/97, EU:C:1998:509, n.os 33 e 34). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça afastou o lugar de entrega final. No que respeita ao lugar de cumprimento do contrato, v. Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no Processo CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2014:2443, n.o 50).


96      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.o 34).


97      V., a este respeito, quanto à competência especial em matéria contratual da determinação do lugar da entrega principal em função de critérios económicos, Acórdão de 3 de maio de 2007, Color Drack (C‑386/05, EU:C:2007:262, n.os 40 e 45). V., igualmente, Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no Processo Verein für Konsumenteninformation (C‑343/19, EU:C:2020:253, n.o 36), segundo o qual «a aquisição de um objeto acrescenta ao património em que é incorporado um valor pelo menos equivalente ao valor que dele sai (e que, no caso de compra e venda, é representado pelo preço que é pago pelo objeto)».


98      Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no Processo Verein für Konsumenteninformation (C‑343/19, EU:C:2020:253, n.o 74). V., no que respeita ao termo «transação», artigo 101.o, n.o 1, alínea a), TFUE.


99      As expressões «lugar onde nasceu a obrigação contratual» ou «lugar onde foi determinado o preço de venda», resultantes do Acórdão de 16 de junho de 2016, Universal Music International Holding (C‑12/15, EU:C:2016:449, respetivamente, n.os 30 e 31), também podem ser utilizadas.


100      V., neste sentido, Acórdão de 16 de junho de 2016, Universal Music International Holding (C‑12/15, EU:C:2016:449, n.os 32 e 39). V., igualmente, Acórdão de 9 de julho de 2009, Rehder (C‑204/08, EU:C:2009:439, n.o 39).


101      Comparar com o Acórdão de 16 de junho de 2016, Universal Music International Holding (C‑12/15, EU:C:2016:449, n.o 38).


102      Quanto ao respeito por esta exigência que deve ser relativizado e à tomada em consideração da verificação do comportamento ilícito, v. Racine, J.‑B., «Le forum actoris en droit international privé», Droit international privé, années 20162018, Éditions Pedone, coleção «Travaux du Comité français de droit international privé», Paris, 2019, respetivamente n.o 79, p. 68, e n.o 57, p. 57.


103      V. Amaro, R., e Laborde, J.‑F., La réparation des préjudices causés par les pratiques anticoncurrentielles, recueil de décisions commentées, 2.a ed., Institut de droit de la concurrence, Paris, 2020, n.o 245, p. 147. Quanto à importância desta questão de que testemunham os trabalhos da Comissão, v. nota 67 das presentes conclusões.


104      V. n.o 66 das presentes conclusões. V., igualmente, Acórdão de 16 de junho de 2016, Universal Music International Holding (C‑12/15, EU:C:2016:449, n.o 27 e jurisprudência referida).


105      V. Acórdão Verein für Konsumenteninformation (n.o 33 e jurisprudência referida).


106      V. n.o 38 deste acórdão.


107      V. n.o 79 das presentes conclusões.


108      À semelhança do Governo espanhol na sua resposta às questões escritas do Tribunal de Justiça.


109      V., mais em geral, quanto à especificidade das ações de indemnização por infrações às regras de concorrência europeia que dizem respeito a diferentes Estados‑Membros, Gaudemet‑Tallon, H., e Ancel, M.‑E., op. cit., n.o 235, p. 357. No que respeita à multiplicidade dos locais de compra suscetível de estar ligada à incorporação de sociedades, v., a título de exemplo, circunstâncias factuais recordadas no n.o 14 do Acórdão Tibor‑Trans.


110      No que diz respeito ao dano de uma vítima indireta, materializado num lugar diferente do dano causado à vítima direta que sofreu inicialmente um prejuízo, que não pode ser fundamento da competência jurisdicional, v., nomeadamente, Acórdãos Tibor‑Trans (n.o 29 e jurisprudência referida), e Verein für Konsumenteninformation (n.o 27 e jurisprudência referida).


111      V. Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (n.os 53 e 54).


112      V. n.os 100 e 101 das presentes conclusões.


113      A meu ver, o respeito pela exigência de previsibilidade não suscita dificuldades, uma vez que, na perspetiva dos demandados, membros do cartel, os mercados afetados por este são conhecidos, bem como os locais de atividade dos compradores diretos e indiretos, tendo em conta os produtos em causa. Além disso, partilho do ponto de vista expresso por Racine, J.‑B., op. cit., n.o 79, p. 68, segundo o qual esta exigência não deve levar a favorecer o autor de atos ilícitos. Por último, no Acórdão Verein für Konsumenteninformation, o Tribunal de Justiça privilegiou o objetivo de proximidade [v., a título de comparação, n.os 78 e 79 das Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona apresentadas nesse processo (C‑343/19, EU:C:2020:253)].


114      V. n.o 108 e nota 118 das presentes conclusões. V., igualmente, Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Whiteland Import Export (C‑308/19, EU:C:2021:47, n.o 51, e, por analogia, n.os 52, 53 e 65).


115      V., a este respeito, elementos de discussão submetidos ao Tribunal de Justiça pelo advogado‑geral N. Jääskinen no processo CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2014:2443, n.os 47 e 50).


116      V. n.os 66 e 67 das presentes conclusões. A meu ver, o nível de proximidade é necessariamente variável. V., a este respeito, Farnoux, E., op. cit., n.os 163 e 164.


117      V., relativamente ao facto de os prejuízos da vítima a avaliar estarem relacionados com a atividade da vítima e do mercado no qual opera, Amaro, R., e Laborde, J.‑F., op. cit., n.o 289, p. 167, e exemplo n.o 460, pp. 248 e 249. V., igualmente, questões relativas à determinação do volume de compras (n.o 442, p. 239) e à repercussão dos acréscimos de custos (n.o 457, p. 246).


118      V. Gaudemet‑Tallon, H., e Ancel, M.‑E., op. cit., n.os 236 e 237, pp. 358 a 360. V., a este respeito, Acórdão de 7 de março de 1995, Shevill e o. (C‑68/93, EU:C:1995:61, n.o 33). V., no entanto, Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (n.o 54). O Tribunal de Justiça declarou que o tribunal do lugar da sede social é competente, «quanto à totalidade dos danos causados […] em resultado do acréscimo de custos», para decidir contra um ou uma pluralidade de autores desse cartel. Quanto à simplificação realizada pelo Tribunal de Justiça, aprovada por Amaro, R., v. «Actions privées en matière de pratiques anticoncurrentielles — Aspects internationaux: juridiction compétente, loi applicable (droit international privé européen)», JurisClasseur Concurrence — Consommation, LexisNexis, Paris, 2015, Fascículo 318 de 14 de setembro de 2015, n.o 26. V., igualmente, no que respeita à diversidade das consequências danosas, Amaro, R., e Laborde, J.‑F., op. cit., n.o 90, pp. 59 e 60.


119      V. Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (n.o 56).


120      Decisão 2006/903/CE da Comissão, de 3 de maio de 2006, relativa a um procedimento nos termos do artigo 81.o [CE] e do artigo 53.o do Acordo EEE contra a Akzo Nobel NV, a Akzo Nobel Chemicals Holding AB, a EKA Chemicals AB, a Degussa AG, a Edison SpA, a FMC Corporation, a FMC Foret S.A., a Kemira OYJ, a L’Air Liquide SA, a Chemoxal SA, a Snia SpA, a Caffaro Srl, a Solvay SA/NV, a Solvay Solexis SpA, a Total SA, a Elf Aquitaine SA e a Arkema SA (Processo COMP/F/C.38.620 — Peróxido de hidrogénio e perborato) (JO 2006, L 353, p. 54). A Comissão decidiu que, no que respeita ao peróxido de hidrogénio e ao perborato de sódio, as demandadas no processo principal e outras empresas participaram numa infração única e continuada, infringindo assim a proibição de cartéis, prevista no artigo 81.o CE [atual 101.o TFUE] e no artigo 53.o do Acordo EEE.


121      V. Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (n.o 11).


122      V. Acórdão CDC Hydrogen Peroxide (n.os 53 e 54).


123      V. n.o 76 das presentes conclusões.


124      V., neste sentido, Racine, J.‑B., op. cit., n.os 62 a 64, pp. 59 e 60. V., igualmente, Heuzé, V., Mayer, P., e Remy, B. op. cit., n.o 297, pp. 204 e 205.


125      Comparar com o Acórdão de 9 de julho de 2009, Rehder (C‑204/08, EU:C:2009:439, n.o 39).


126      V., no que respeita aos efeitos da globalização, Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu n.o 24/2020, intitulado «Processos de controlo das concentrações e antitrust na UE conduzidos pela Comissão: é necessário reforçar a fiscalização do mercado», disponível no seguinte endereço Internet: https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/SR20_24/SR_Competition_policy_PT.pdf e comunicado de imprensa: https://www.eca.europa.eu/Lists/ECADocuments/INSR20_24/INSR_Competition_policy_PT.pdf.


127      Este caso concreto é evocado na resposta da Comissão às questões escritas do Tribunal de Justiça.


128      V. Acórdãos de 25 de outubro de 2011, eDate Advertising e o. (C‑509/09 e C‑161/10, EU:C:2011:685, n.os 47 a 50), e de 17 de outubro de 2017, Bolagsupplysningen e Ilsjan (C‑194/16, EU:C:2017:766, n.o 32). O Tribunal de Justiça declarou que, em caso de alegada violação dos direitos de personalidade através de conteúdos colocados em linha num sítio na Internet, a pessoa que se considerar lesada tem a faculdade de intentar uma ação fundada em responsabilidade nos tribunais do Estado‑Membro onde se encontra o centro dos seus interesses que o emissor do conteúdo em causa está em condições de conhecer no momento da sua colocação em linha. V., no que respeita à análise da perda de materialidade de pelo menos uma parte do litígio, Farnoux, E., op. cit., n.o 291.


129      Acórdão de 17 de outubro de 2017, Bolagsupplysningen e Ilsjan (C‑194/16, EU:C:2017:766, n.o 38).


130      V. Racine, J.‑B., op. cit., n.o 72, pp. 64 e 65. V. comentários de Amaro, R., e Laborde, J.‑F., op. cit., relativos à prova da culpa no n.o 249, p. 148.


131      V. Laborde, J.‑F., «Cartel damages actions in Europe: How courts have assessed cartel overcharges (2019 ed.)», Concurrences, Institut de droit de la concurrence, Paris, 2019, n.o 4, em especial, p. 4. Em 2019, em 239 processos provenientes de treze Estados‑Membros, 57 % foram instaurados na sequência de uma decisão de infração tomada por uma autoridade nacional, 40 % de uma decisão da Comissão e apenas 2 % eram ações isoladas (a maior parte dos processos isolados correspondem a ações civis intentadas nos tribunais penais franceses). Os tribunais conheceram de ações de indemnização pela prática de um cartel interpostas na sequência de, pelo menos, 63 decisões de infração (por vezes, uma decisão de infração pune vários cartéis. Consequentemente, o número de processos de cartéis que conduzem a, pelo menos, um processo é ligeiramente superior).


132      V. Idot, L., «Le contentieux international des actions en réparation pour violation du droit de la concurrence: l’arrêt CDC revisité», Revue critique de droit international privé, Dalloz, Paris, 2019, n.o 3, pp. 786 a 815, em especial, n.o 22.


133      V. Idot, L., «Contentieux en réparation pour violation du droit de la concurrence: de nouvelles précisions sur le lieu de matérialisation du dommage», Revue critique de droit international privé, Dalloz, Paris, 2020, n.o 1, pp. 129 a 138, em especial, n.o 8.


134      V. Amaro, R. e Thomas, B. «Le contentieux de la réparation des pratiques anticoncurrentielles (juin 2019 ‑ novembre 2019)», Concurrences, Institut de droit de la concurrence, Paris, 2020, n.o 1, ponto 35 «segunda série de questões».


135      V. Racine, J.‑B., op. cit., n.o 57, p. 57, e n.o 70, p. 64.


136      V. Amaro R., e Laborde, J.‑F., op. cit., n.os 144 e 145, pp. 85 e 86. V., igualmente, Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Whiteland Import Export (C‑308/19, EU:C:2021:47, n.o 51).


137      V. Guia Prático sobre a quantificação dos danos nas ações de indemnização que tenham por fundamento infrações aos artigos 101.o ou 102.o [TFUE] [SWD(2013) 205], que acompanha a Comunicação da Comissão sobre a quantificação dos danos nas ações de indemnização que tenham por fundamento as infrações aos artigos 101.o e 102.o [TFUE] (JO 2013, C 167, p. 19), que se concentra no acréscimo de custos, enquanto a repercussão dos acréscimos de custos é tratada na Comunicação da Comissão intitulada «Orientações destinadas aos tribunais nacionais sobre a forma de calcular a parte dos custos adicionais repercutida nos adquirentes indiretos» (JO 2019, C 267, p. 4).


138      A este respeito, remeto para as considerações preliminares do advogado‑geral N. Jääskinen no Processo CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2014:2443, n.os 26 e 27, e 32). V., igualmente, no mesmo sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Whiteland Import Export (C‑308/19, EU:C:2021:47, n.o 53).


139      V. n.o 108 das presentes conclusões.


140      V., igualmente, neste sentido, Conclusões do advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona no Processo Vereniging van Effectenbezitters (C‑709/19, EU:C:2020:1056, n.o 94).


141      C‑498/14 PPU, EU:C:2015:3.


142      V. Acórdão Sanders e Huber (n.os 22 e 38). Concretamente, o tribunal competente, por força da disposição nacional em causa, era o Amtsgericht (Tribunal de Primeira Instância, Alemanha) situado na circunscrição do Oberlandesgericht (Tribunal Regional Superior, Alemanha) territorialmente competente no qual o credor deveria eventualmente apresentar‑se no quadro de um processo de recurso.


143      JO 2009, L 7, p. 1.


144      V. Acórdão Sanders e Huber (n.o 23). O artigo 3.o, alínea b), do Regulamento n.o 4/2009 está redigido em termos semelhantes aos das regras de «[c]ompetências especiais» em matéria de obrigações alimentares que constam do artigo 5.o, ponto 2, da Convenção de Bruxelas e do artigo 5.o, ponto 2, do Regulamento n.o 44/2001.


145      V. Acórdão Sanders e Huber (n.o 30).


146      V. Acórdão Sanders e Huber (n.o 32 e jurisprudência referida). V., igualmente, n.o 22 desse acórdão no que respeita à legislação nacional em causa. Esta legislação repartia a competência territorial para litígios relativos às obrigações alimentares em função da existência ou da falta de elementos de estraneidade. Para as situações transfronteiriças, existia uma transferência de competência territorial para um tribunal de primeira instância diferente daquele em que, em princípio, o interessado devia instaurar a ação em função do local da sua residência.


147      V. Acórdão Sanders e Huber (n.o 35).


148      V. Acórdão Sanders e Huber (n.o 36).


149      V. Acórdão Sanders e Huber (n.os 44 e 45).


150      Comparar com o Acórdão de 16 de maio de 2013, Melzer (C‑228/11, EU:C:2013:305, n.o 28). V., em matéria contratual, Acórdão de 3 de maio de 2007, Color Drack (C‑386/05, EU:C:2007:262, n.os 37 e 44).


151      A área de jurisdição inclui várias localidades ou entidades administrativas repartidas num território nacional. V., a este respeito, Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen nos Processos apensos Sanders e Huber (C‑400/13 e C‑408/13, EU:C:2014:2171, n.os 55 e 56).


152      No n.o 29 do Acórdão Sanders e Huber, o Tribunal de Justiça sublinhou que «o objetivo da boa administração da justiça deve ser entendido não apenas do ponto de vista de uma otimização da organização judiciária mas igualmente […] à luz do interesse das partes, quer se trate do requerente ou do requerido, que devem ter a possibilidade de beneficiar, designadamente, de um acesso facilitado à justiça e da previsibilidade das regras de competência».


153      V. n.os 32 e 46 desse acórdão. V., a título de exemplo de uma análise do respeito pelo princípio da efetividade em caso de concentração do contencioso em matéria de ajudas agrícolas num órgão jurisdicional especializado nesta matéria, Acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04 (C‑93/12, EU:C:2013:432, n.os 50 a 58).


154      C‑498/14 PPU, EU:C:2015:3, n.os 41 e 51.


155      O Tribunal de Justiça interpretou o artigo 11.o, n.os 7 e 8, do Regulamento (CE) n.o 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1347/2000 (JO 2003, L 338, p. 1).


156      V. Acórdão de 9 de janeiro de 2015, RG (C‑498/14 PPU, EU:C:2015:3, n.o 52).


157      A este respeito, a Comissão esclareceu, nas suas observações escritas, que, segundo as informações de que dispõe, «na Bélgica, Alemanha, Grécia, Espanha, França, Itália, Portugal, Suécia e Eslováquia, as ações de indemnização são tramitadas por secções especializadas dos tribunais cíveis comuns, ao passo que, na Dinamarca, Lituânia, Letónia, Roménia e Reino Unido, são tramitadas por tribunais especializados». V., no que respeita a França, Itália e Irlanda, esclarecimentos prestados por Riffault‑Silk, J., «Les actions privées en droit de la concurrence: obstacles de procédure et de fond», Revue Lamy de la concurrence, janeiro/março 2006, n.o 6, pp. 84 a 90, em especial, p. 87. É também especificado que, noutras matérias, os Estados‑Membros puderam optar por concentrar as competências materiais dos órgãos jurisdicionais, como, nomeadamente em matéria de propriedade industrial. Para o direito marítimo, v. Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen nos Processos apensos Sanders e Huber (C‑400/13 e C‑408/13, EU:C:2014:2171, nota 72).


158      Este regulamento tem origem na vontade de desenvolver um instrumento específico, distinto do Regulamento n.o 44/2001, com vista a reforçar a proteção dos credores de alimentos, considerados a parte mais fraca, especialmente em matéria de reconhecimento e execução das decisões proferidas nesta matéria. V. Acórdão Sanders e Huber (n.o 41) e Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen nos Processos apensos Sanders e Huber (C‑400/13 e C‑408/13, EU:C:2014:2171, n.os 38 e 40).


159      V. nota 146 das presentes conclusões e Acórdão Sanders e Huber (n.o 46).


160      V. Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no Processo CDC Hydrogen Peroxide (C‑352/13, EU:C:2014:2443, nota 74) e, para considerações relativas a diversos instrumentos aplicáveis, Conclusões do advogado‑geral H. Saugmandsgaard Øe no Processo Guaitoli e o. (C‑213/18, EU:C:2019:524, n.o 74, e notas 67 e 68).


161      V. n.os 122 e 123 das presentes conclusões.


162      Segundo esse princípio, as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações similares de direito interno, v., nomeadamente, Acórdão de 27 de junho de 2013, Agrokonsulting‑04 (C‑93/12, EU:C:2013:432, n.o 36). Em caso de práticas anticoncorrenciais, pode tratar‑se de ações interpostas com base em decisões de autoridades nacionais. V. Blumann, C., e Dubouis, L., Droit matériel de l’Union européenne, 8.a ed., Librairie générale de droit et de jurisprudence, Paris, 2019, n.o 938, p. 665.


163      V., para recordar esses princípios gerais destinados a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo efeito direto do direito da concorrência, Acórdão de 13 de julho de 2006, Manfredi e o. (C‑295/04 a C‑298/04, EU:C:2006:461, n.os 62 e 71, e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 21 de janeiro de 2021, Whiteland Import Export (C‑308/19, EU:C:2021:47, n.o 46).


164      V. n.o 68 das presentes conclusões.


165      V. nota 137 das presentes conclusões.


166      C‑228/11, EU:C:2013:305.