Language of document : ECLI:EU:C:2024:388

Processo C53/23

Asociaţia “Forumul Judecătorilor din România”
e
Asociaţia “Mişcarea pentru Apărarea Statutului Procurorilor”

contra

Parchetul de pe lângă Înalta Curte de Casaţie şi Justiţie Procurorul General al României

(pedido de decisão prejudicial apresentado pela Curtea de Apel Piteşti)

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 8 de maio de 2024

«Reenvio prejudicial — Estado de direito — Independência judicial — Artigo 19.°, n.° 1, TUE — Mecanismo de cooperação e de verificação — Objetivos de referência subscritos pela Roménia — Luta contra a corrupção — Investigação das infrações cometidas no âmbito do sistema judicial — Recursos da nomeação de procuradores competentes para conduzir essas investigações — Legitimidade ativa das associações profissionais de magistrados»

EstadosMembros — Obrigações — Estabelecimento das vias de recurso necessárias para garantir uma tutela jurisdicional efetiva — Respeito pelo princípio da independência dos juízes — Nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra magistrados — Legislação nacional relativa aos recursos de anulação da nomeação desses procuradores — Associações profissionais de magistrados — Legitimidade ativa — Falta — Admissibilidade

(Artigos 2.° e 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 12.° e 47.°; Convenção de Aarhus; Diretiva 2000/78 do Conselho)

(cf. n.os 35‑37, 40‑44, 52, 57‑64 e disp.)

Resumo

Chamado a pronunciar‑se a título prejudicial pela Curtea de Apel Piteşti (Tribunal de Recurso de Pitești, Roménia), o Tribunal de Justiça esclarece que o direito da União não obriga os Estados‑Membros a autorizar as associações profissionais de magistrados a interpor um recurso de anulação das decisões relativas à nomeação de procuradores competentes para o exercício de ações penais contra magistrados, a fim de defender o princípio da independência dos juízes.

Em 2022, duas associações profissionais de magistrados, a Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e a Asociația «Mișcarea pentru Apărarea Statutului Procurorilor», interpuseram no órgão jurisdicional de reenvio um recurso de anulação parcial de um despacho de nomeação de procuradores que serão responsáveis pelo exercício de ações penais contra magistrados em processos de corrupção. As associações alegaram, em substância, que a legislação nacional que fundamenta esse despacho é contrária ao direito da União.

O órgão jurisdicional de reenvio salienta que, em aplicação das regras processuais romenas, deve declarar inadmissível o recurso de anulação. Com efeito, no que respeita às associações, a jurisprudência do Înalta Curte de Casație și Justiție (Tribunal Superior de Cassação e Justiça, Roménia) subordina a admissibilidade de tal recurso à existência de um nexo direto entre o ato administrativo sujeito à fiscalização da legalidade e a finalidade direta bem como os objetivos prosseguidos pela associação recorrente. Em vários acórdãos, este órgão jurisdicional considerou que as associações profissionais de magistrados não tinham interesse em agir contra decisões relativas à nomeação de magistrados.

No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que as recorrentes no processo principal procuram obter uma tutela jurisdicional efetiva num domínio abrangido pelo direito da União. Por conseguinte, seria necessário determinar se a interpretação das normas processuais nacionais adotada pelo Tribunal Superior de Cassação e Justiça é contrária ao artigo 2.° e ao artigo 19.°, n.° 1, TUE, em conjugação com os artigos 12.° e 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»). Consequentemente, decidiu submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça salienta que, sob reserva dos princípios da equivalência e da efetividade, incumbe, em princípio, aos Estados‑Membros determinar a legitimidade e o interesse de um litigante em agir judicialmente, sem, todavia, prejudicar o direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União, cujo respeito os Estados‑Membros devem assegurar, na aceção do artigo 19.°, n.° 1, segundo parágrafo, TUE.

É certo que os Estados‑Membros estão obrigados, em determinados casos, a autorizar associações representativas a agir judicialmente para proteger o ambiente ou lutar contra discriminações (1). No entanto, por um lado, estas constatações decorrem de direitos processuais especificamente conferidos a associações representativas por uma convenção internacional (2) ou por atos de direito derivado (3). Por outro lado, mesmo nestes domínios, os Estados‑Membros, quando essa convenção ou esses atos não imponham especificamente o reconhecimento da legitimidade para agir judicialmente a associações representativas, continuam a ser livres de conferir ou não essa legitimidade a tais associações.

Ora, no que respeita às associações profissionais de magistrados, nenhuma disposição do direito da União impõe aos Estados‑Membros que garantam a estas associações direitos processuais que lhes permitam impugnar uma alegada incompatibilidade com o direito da União de uma disposição ou medida nacional relacionada com o estatuto dos juízes. Por conseguinte, não se pode deduzir da obrigação de estabelecer um sistema de vias de recurso e de processos que garanta aos particulares o respeito do seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios abrangidos pelo direito da União que os Estados‑Membros estão obrigados, de maneira geral, a garantir a essas associações o direito de interpor um recurso baseado em tal incompatibilidade com o direito da União.

Em segundo lugar, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, em determinadas circunstâncias, os Estados‑Membros estão obrigados, a fim de garantir a observância da exigência de independência dos juízes, a estabelecer determinadas vias de recurso que permitam fiscalizar a regularidade de medidas nacionais que tenham consequências na carreira dos juízes ou na composição dos órgãos jurisdicionais nacionais. No entanto, os Estados‑Membros estão obrigados a garantir que a ação dos procuradores competentes para o exercício de ações penais contra os magistrados será enquadrada por regras efetivas plenamente respeitadoras da exigência de independência dos juízes. Além disso, as associações profissionais de magistrados não são, em princípio, diretamente afetadas pela nomeação de procuradores, incluindo quando estes últimos forem competentes para o exercício de ações penais contra magistrados, e o direito da União não impõe, de maneira geral, o reconhecimento de direitos processuais específicos a tais associações.

Por conseguinte, o simples facto de uma legislação nacional não autorizar as associações profissionais de magistrados a interpor recurso de anulação de decisões relativas à nomeação de tais procuradores não basta para gerar, no espírito dos litigantes, dúvidas legítimas sobre a independência dos juízes.

Por outro lado, também não se pode inferir do artigo 47.° da Carta um direito das associações profissionais de magistrados judiciais de litigar contra medidas como as que estão em causa no processo principal. Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que não se pode considerar que uma associação que alega, perante um órgão jurisdicional nacional, que uma legislação nacional relativa à nomeação de magistrados é incompatível com o artigo 19.°, n.° 1, TUE, por esse simples facto, invoca uma violação de um direito de que esteja investida ao abrigo de uma disposição do direito da União, na aceção do artigo 51.°, n.° 1, da Carta (4).


1      V., neste sentido, Acórdãos de 20 de dezembro de 2017, Protect Natur‑, Arten‑ und Landschaftsschutz Umweltorganisation (C‑664/15, EU:C:2017:289, n.° 58), e de 23 de abril de 2020, Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI (C‑507/18, EU:C:2020:289, n.° 60).


2      Convenção sobre o acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de ambiente, assinada em Aarhus, em 25 de junho de 1998, e aprovada em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2005/370/CE do Conselho, de 17 de fevereiro de 2005 (JO 2005, L 124, p. 1)


3      Como a Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000, L 303, p. 16).


4      V., neste sentido, Acórdão de 20 de abril de 2021, Repubblika (C‑896/19, EU:C:2021:311, n.os 43 e 44).