Language of document : ECLI:EU:C:2022:431

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

NICHOLAS EMILIOU

apresentadas em 2 de junho de 2022 (1)

Processo C72/22 PPU

MA

sendo interveniente

Valstybės sienos apsaugos tarnyba

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia)]

«Reenvio prejudicial — Controlos nas fronteiras, asilo e imigração — Política de asilo — Direito de um nacional de país terceiro, que entrou ilegalmente no território de um Estado‑Membro, de pedir proteção internacional neste Estado — Modalidades de acesso aos procedimentos de concessão desta proteção — Diretiva 2013/32/UE — Artigos 6.o e 7.o, n.o 1 — Possibilidade de detenção desse requerente pelo mero facto de ter atravessado ilegalmente a fronteira nacional — Diretiva 2013/33/UE — Artigo 8.o, n.o 3 — Incompatibilidade — Artigo 72.o TFUE — Responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna — Possibilidade de um Estado‑Membro derrogar as Diretivas 2013/32 e 2013/33 em caso de afluxo massivo de migrantes à sua fronteira»






I.      Introdução

1.        No âmbito do direito internacional, tem existido sempre alguma tensão entre, por um lado, o direito soberano dos Estados de controlar a entrada e a permanência de estrangeiros no seu território e, por outro, o direito de pedir asilo de que beneficiam aqueles que, entre esses estrangeiros (2), receiam ser perseguidos no país de que são nacionais (3). O primeiro autoriza esses Estados a controlar rigorosamente a passagem das respetivas fronteiras — e a tomar medidas rigorosas em caso de entrada ilegal —, matéria na qual o segundo requer alguma tolerância.

2.        Esta tensão é particularmente notória quando ocorre o que é comummente designado por «afluxo massivo» de nacionais de países terceiros às fronteiras. Esse fenómeno, cuja frequência aumentou na Europa durante os últimos 20 anos devido às guerras e outros conflitos que atingem diversas regiões do mundo, torna complexo o controlo das fronteiras em questão. Efetivamente, muitos desses nacionais tentam e conseguem mesmo atravessá‑las ilegalmente. Essas entradas sem controlo são muitas vezes vistas pelos Estados em causa como uma ameaça à sua segurança interna. Não obstante, se esses nacionais são requerentes de asilo, devem, em princípio, ser admitidos nos territórios desses Estados e poder neles permanecer durante o período de apreciação dos seus pedidos.

3.        A Letónia, a Lituânia e a Polónia confrontam‑se, desde o verão de 2021, com um «afluxo massivo» às fronteiras comuns com a Bielorrússia — um dos pontos de entrada no Espaço Schengen —, e os casos de passagem ilegal destas fronteiras aumentaram drasticamente. Além disso, este «afluxo» insere‑se num contexto geopolítico específico. Como constataram as instituições políticas da União Europeia, o mesmo tem sido efetivamente orquestrado pelas autoridades bielorrussas.

4.        Para fazer face a estas circunstâncias, esses Estados‑Membros, no intuito de reforçar as respetivas fronteiras e garantir, assim, a ordem pública e a segurança interna nos respetivos territórios, declararam o estado de emergência. Neste contexto, procederam à aplicação de disposições derrogatórias do direito comum, inclusivamente em matéria de asilo. No presente pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia), pede‑se ao Tribunal de Justiça que precise se algumas dessas disposições, aplicadas pela República da Lituânia, são compatíveis com o direito da União.

5.        As questões submetidas por esse órgão jurisdicional incidem, mais precisamente, sobre o tratamento que os Estados‑Membros podem dar, em conformidade com a Diretiva 2013/32/UE, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (4) (a seguir «Diretiva “Procedimentos”»), e com a Diretiva 2013/33/UE, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional (5) (a seguir «Diretiva “Acolhimento”»), aos nacionais de países terceiros que entraram de forma irregular nos respetivos territórios e que aí procuram obter proteção internacional. Pretendem esclarecer, em substância, se estas diretivas se opõem a regras nacionais que, num contexto de afluxo massivo, por um lado, restringem consideravelmente a possibilidade de esses nacionais terem acesso aos procedimentos de concessão dessa proteção e, por outro, permitem a detenção dos requerentes de asilo pelo simples facto de terem atravessado ilegalmente a fronteira nacional.

6.        Nas presentes conclusões, explicarei que essas regras não são efetivamente compatíveis com as Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento». No entanto, não me cingirei apenas a esse ponto e abordarei a questão de saber se, em circunstâncias como as que a Lituânia enfrenta na sua fronteira, um Estado‑Membro está autorizado, ao abrigo do direito primário da União, a derrogar estas diretivas em nome da ordem pública e da segurança interna. Quanto a este ponto, explicarei que, embora determinadas derrogações sejam, em teoria, possíveis, a legislação nacional em causa ultrapassa o que é admissível a este respeito.

II.    Quadro jurídico

A.      Convenção de Genebra

7.        O artigo 31.o da Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados (6) (a seguir «Convenção de Genebra»), sob a epígrafe «Refugiados em situação irregular no país de acolhida», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais, devido a entrada ou estada irregulares, aos refugiados que, chegando diretamente do território onde a sua vida ou liberdade estavam ameaçadas no sentido previsto pelo artigo 1.o, entrem ou se encontrem nos seus territórios sem autorização, desde que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões consideradas válidas para a sua entrada ou presença irregulares.»

B.      Direito da União

1.      Diretiva «Procedimentos»

8.        O artigo 6.o da Diretiva «Procedimentos», sob a epígrafe «Acessibilidade do processo», dispõe:

«1.      Quando uma pessoa apresenta um pedido de proteção internacional a uma autoridade competente segundo a lei nacional para o registo de tais pedidos, esse registo é feito no prazo de três dias úteis a contar da apresentação do pedido.

Se o pedido de proteção internacional for feito a outras autoridades suscetíveis de o receber mas não competentes para o registo segundo a lei nacional, os Estados‑Membros asseguram que o registo seja feito no prazo de seis dias úteis a contar da apresentação do pedido.

Os Estados‑Membros asseguram que as autoridades suscetíveis de receber pedidos de proteção internacional, como a polícia, a guarda de fronteiras, as autoridades de imigração e o pessoal de estabelecimentos de detenção, disponham das informações pertinentes e o seu pessoal receba o necessário nível de formação adequada ao exercício das suas funções e responsabilidades, bem como instruções para informar os requerentes da forma e do local próprio para apresentar pedidos de proteção internacional.

2.      Os Estados‑Membros devem assegurar que as pessoas que apresentam um pedido de proteção internacional tenham a possibilidade efetiva de o apresentar o mais rapidamente possível. Se o requerente não apresentar o pedido, os Estados‑Membros podem aplicar o artigo 28.o

3.      Sem prejuízo do n.o 2, os Estados‑Membros podem exigir que os pedidos de proteção internacional sejam apresentados presencialmente e/ou em local designado.

4.      Não obstante o n.o 3, considera‑se que um pedido de proteção internacional foi apresentado no momento em que as autoridades competentes do Estado‑Membro em causa recebam um formulário apresentado pelo requerente ou, caso a lei nacional o preveja, um auto lavrado pela autoridade.

5.      Nos casos em que o pedido simultâneo de proteção internacional por um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas torne muito difícil na prática respeitar o prazo fixado no n.o 1, os Estados‑Membros podem permitir que esse prazo seja fixado em 10 dias úteis.»

9.        O artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva prevê que «[o]s Estados‑Membros asseguram que todo o indivíduo adulto, dotado de capacidade jurídica, tenha o direito de apresentar um pedido de proteção internacional em seu próprio nome».

10.      O artigo 31.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Procedimento de apreciação», dispõe, no seu n.o 8:

«Os Estados‑Membros podem estabelecer que um procedimento de apreciação, nos termos dos princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II, seja acelerado e/ou conduzido na fronteira ou em zonas de trânsito de acordo com o artigo 43.o se:

[…]

h)      O requerente entrar ilegalmente no território do Estado‑Membro ou prolongar ilegalmente a sua estadia e, sem justificação, não se apresentar às autoridades nem introduzir um pedido de proteção internacional logo que possível, dadas as circunstâncias da entrada; ou

[…]»

11.      O artigo 43.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Procedimentos na fronteira», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros podem estabelecer, de acordo com os princípios e garantias fundamentais enunciados no capítulo II, procedimentos para aprovar decisões na fronteira ou em zonas de trânsito do Estado‑Membro, sobre:

a)      A admissibilidade de um pedido, nos termos do artigo 33.o, apresentado nesses locais; e/ou

b)      Os fundamentos de um pedido num procedimento de acordo com o artigo 31.o, n.o 8.

2.      Os Estados‑Membros asseguram que as decisões no âmbito dos procedimentos previstos no n.o 1 sejam proferidas num prazo razoável. Na ausência de uma decisão no prazo de quatro semanas, o requerente deve ser autorizado a entrar no território do Estado‑Membro para que o seu pedido possa ser tratado de acordo com as restantes disposições da presente diretiva.

3.      Na eventualidade de chegada de um grande número de nacionais de países terceiros ou de apátridas que apresentem pedidos de proteção internacional na fronteira ou em zonas de trânsito, impossibilitando a aplicação do n.o 1, esses procedimentos podem igualmente ser aplicados nos locais onde tais nacionais de países terceiros ou apátridas forem normalmente alojados, ou seja, nas imediações da fronteira ou das zonas de trânsito, pelo tempo da sua estadia nesses locais.»

2.      Diretiva «Acolhimento»

12.      O artigo 8.o da Diretiva «Acolhimento», sob a epígrafe «Detenção», dispõe, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      Quando se revele necessário, com base numa apreciação individual de cada caso, os Estados‑Membros podem manter os requerentes detidos se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas.

3.      Os requerentes só podem ser detidos:

[…]

c)      Para determinar, no âmbito de um procedimento, o direito de o requerente entrar no território;

[…]

e)      Se a proteção da segurança nacional e da ordem pública o exigirem;

[…]»

C.      Direito lituano

1.      Lei Relativa aos estrangeiros

13.      A Lietuvos Respublikos įstatymas «Dėl užsieniečių teisinės padėties» (Lei da República da Lituânia Relativa ao Estatuto Jurídico dos Estrangeiros) (TAR, 2021, n.o 2021‑27706), na sua versão resultante da Lei n.o XIV‑816, de 23 de dezembro de 2021 (a seguir «Lei Relativa aos Estrangeiros»), dispõe, no seu artigo 2.o, n.o 20, que é considerado requerente de asilo o estrangeiro que introduza um pedido de asilo segundo as modalidades previstas na mesma lei e em relação ao qual ainda não foi adotada uma decisão definitiva.

14.      O capítulo X2 da Lei Relativa aos Estrangeiros rege a aplicação desta lei em caso de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, bem como de uma situação de emergência devido a um afluxo massivo de estrangeiros.

15.      Neste capítulo, o artigo 14012 da referida lei dispõe, no seu n.o 1, que «o estrangeiro pode apresentar um pedido de asilo 1) nos postos de controlo fronteiriços ou nas zonas de trânsito: ao [Valstybės sienos apsaugos tarnyba prie Lietuvos Respublikos vidaus reikalų ministerijos (Serviço Nacional de Proteção das Fronteiras sob a tutela do Ministério da Administração Interna da República da Lituânia) (a seguir “VSAT”)]; 2) no território da República da Lituânia, se o estrangeiro aí tiver entrado legalmente: ao [Departamento de Imigração]; 3) num Estado estrangeiro: por intermédio das representações diplomáticas e consulares da República da Lituânia designadas pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros [lituano]». O n.o 2 deste artigo dispõe que «o pedido de asilo apresentado por um estrangeiro que não respeite as modalidades previstas no n.o 1 do referido artigo não é admissível, sendo se as modalidades de apresentação de um pedido de asilo explicadas [ao requerente]». Esta disposição prevê igualmente que, atentas a vulnerabilidade do estrangeiro ou outras circunstâncias individuais, o VSAT pode receber o pedido de asilo de um estrangeiro que tenha atravessado ilegalmente a fronteira da República da Lituânia (7).

16.      O artigo 14017 da Lei Relativa aos Estrangeiros, que prevê os fundamentos da detenção do requerente de asilo em caso de declaração do estado de sítio ou do estado de emergência, bem como de uma situação de emergência, devido a um afluxo massivo de estrangeiros, dispõe, ab initio e no ponto 2, que o requerente de asilo pode ser detido se entrar no território da República da Lituânia atravessando ilegalmente a fronteira deste Estado‑Membro.

2.      Descrição do procedimento

17.      A descrição do procedimento de concessão e de retirada do direito de asilo na República da Lituânia, aprovado pelo Decreto n.o 1V‑131 do Ministro da Administração Interna da República da Lituânia, de 24 de fevereiro de 2016 (na sua versão resultante do Decreto do Ministro da Administração Interna da República da Lituânia n.o 1V‑626, de 27 de julho de 2021) (a seguir «descrição do procedimento»), dispõe, no ponto 22, que «um pedido de asilo é considerado como tendo sido apresentado no momento em que o estrangeiro o apresenta a uma das autoridades ou instituições designadas no artigo 67.o, n.o 1, da Lei Relativa aos Estrangeiros […], em conformidade com as prescrições constantes do n.o 2 do mesmo artigo. Se a fronteira da República da Lituânia tiver sido atravessada ilegalmente, o pedido de asilo deve ser apresentado imediatamente. A partir da apresentação do pedido de asilo, a pessoa que o apresentou beneficia dos direitos e garantias previstos para os requerentes de asilo».

18.      A descrição do procedimento prevê, no ponto 23, que, se o pedido de asilo for apresentado a uma autoridade que não esteja designada no artigo 67.o, n.o 1, da Lei Relativa aos Estrangeiros ou desrespeitando as prescrições enunciadas no n.o 2 do mesmo artigo ou no ponto 22 da descrição do procedimento, este pedido é devolvido ao estrangeiro no prazo de dois dias úteis contado a partir do momento em que se verifique que o pedido recebido pela autoridade é um pedido de asilo, informando‑se o requerente das modalidades de apresentação de um pedido de asilo.

III. Litígio no processo principal e questões prejudiciais

19.      Resulta da decisão de reenvio e dos elementos do processo que, em 2 de julho de 2021, foi declarada na República da Lituânia uma «situação de emergência a nível nacional em todo o território devido a um afluxo massivo de estrangeiros». A esta declaração seguiu‑se, em 10 de novembro de 2021, a declaração do «estado de emergência» numa parte do território lituano (8). Estas declarações destinavam‑se a dar resposta a um afluxo massivo e repentino de migrantes à fronteira entre a Lituânia e a Bielorrússia.

20.      Subsequentemente, MA, um nacional de país terceiro, entrou ilegalmente na Lituânia, vindo da Bielorrússia. Em 17 de novembro de 2021, no âmbito de um controlo, foi detido em território polaco, juntamente com outros 21 nacionais de países terceiros, depois de ter saído do território lituano num miniautocarro. O interessado não conseguiu apresentar à guarda de fronteiras polaca a necessária documentação de viagem, os vistos ou as autorizações exigidas para permanecer na Lituânia ou, de um modo geral, na União Europeia, pelo que foi detido.

21.      Em 19 de novembro de 2021, MA foi entregue aos agentes do VSAT. Este serviço, por um lado, manteve o interessado detido por um período inferior a 48 horas e, por outro, apresentou, no Alytaus apylinkės teismas (Tribunal de Primeira Instância de Alytus, Lituânia), na comarca de Alytus (a seguir «órgão jurisdicional de primeira instância»), um pedido de detenção por período superior a 48 horas, até que a situação jurídica de MA fosse definida, mas, em todo o caso, por um período máximo de seis meses.

22.      O VSAT fundamentou este pedido indicando, nomeadamente, que não dispunha de nenhuma informação relativa às diversas passagens de MA nas fronteiras. Este serviço sublinhou igualmente que o interessado entrou e permanece ilegalmente na Lituânia, que não tem qualquer local de residência nem laços familiares, sociais, económicos ou outros neste Estado nem dispõe de meios de subsistência. Consequentemente, segundo o VSAT, justifica‑se o entendimento de que, se não estivesse detido, MA poderia pôr‑se em fuga para se subtrair a um eventual afastamento.

23.      Na audiência perante o órgão jurisdicional de primeira instância, MA manifestou a sua vontade de beneficiar de proteção internacional. Por conseguinte, em conformidade com o artigo 2.o, n.os 184 e 20, da Lei Relativa aos Estrangeiros e à luz do Acórdão Ministerio Fiscal (Autoridade suscetível de receber um pedido de proteção internacional) (9), este órgão jurisdicional considerou o interessado um requerente de asilo. No entanto, entendeu ser necessário mantê‑lo em detenção, pelo motivo previsto no artigo 113.o, n.o 4, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros (10). Com efeito, atendendo, nomeadamente, ao facto de MA ter entrado ilegalmente na Lituânia e ao facto de, segundo as suas próprias declarações, ter como destino a Alemanha, havia razões para entender que, se o interessado não estivesse detido, fugiria para evitar ser reenviado para um país terceiro ou ser afastado da Lituânia.

24.      Assim, por Decisão de 20 de novembro de 2021, o órgão jurisdicional de primeira instância ordenou que MA fosse mantido em detenção num centro do VSAT, até à adoção de uma decisão sobre o seu estatuto jurídico na Lituânia, mas, em todo o caso, por um período máximo de três meses, ou seja, até 18 de fevereiro de 2022.

25.      Consecutivamente, MA interpôs recurso dessa decisão para o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia). Em seu entender, o órgão jurisdicional de primeira instância errou ao aplicar‑lhe a medida de coação mais restritiva, que vai além do que é necessário. MA pediu que lhe fosse aplicada, em substituição, uma medida alternativa à detenção, a saber, a obrigação de se apresentar regularmente no VSAT.

26.      Em sua defesa, o VSAT sublinhou que, depois de ter vindo da Bielorrússia para a Lituânia, MA não se dirigiu às autoridades nacionais e prosseguiu a sua viagem atravessando ilegalmente a fronteira polaca. A este respeito, o interessado terá indicado que tinha pago a outra pessoa para o transportar para a Alemanha, passando pela Polónia. Quando foi ouvido nesse serviço, MA terá evitado, desde o início, responder diretamente às perguntas que lhe eram feitas, dando apenas respostas vagas, comportamento que não constitui uma cooperação adequada. Assim, o VSAT reiterou que, se fosse adotada a medida alternativa à detenção requerida pelo interessado, era muito provável que ele se pusesse em fuga antes da adoção de uma decisão sobre o seu estatuto jurídico.

27.      Na primeira audiência no órgão jurisdicional de reenvio, MA reiterou o seu pedido de proteção internacional e indicou que, em 20 de novembro de 2021, já tinha apresentado esse pedido, por escrito, a um funcionário não identificado do VSAT, mas que não dispunha de informações quanto ao seguimento que lhe tinha sido dado. O representante do VSAT indicou, então, que não existiam dados relativos ao registo de um pedido de asilo respeitante a MA, pois não tinha sido apresentado nenhum pedido desse tipo em conformidade com a regulamentação lituana. Não obstante, o mesmo representante pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que ordenasse à autoridade competente, a saber, o Departamento de Imigração, que aceitasse o pedido de MA para apreciação.

28.      Em 24 de janeiro de 2022, MA apresentou, por escrito, um pedido de proteção internacional ao VSAT, que este serviço transmitiu ao Departamento de Imigração. No dia 27 do mesmo mês, esta última autoridade devolveu o pedido pelo facto de, por um lado, o mesmo ter sido submetido desrespeitando o artigo 14012, n.o 1, da Lei Relativa aos Estrangeiros e os pontos 22 e 23 da descrição do procedimento e, por outro, não ter sido apresentado imediatamente.

29.      Em 1 de fevereiro de 2022, aquando de uma nova audiência no órgão jurisdicional de reenvio, o representante do VSAT e a representante de MA pediram, cada um deles, a esse órgão jurisdicional que ordenasse ao Departamento de Imigração a apreciação do pedido de proteção internacional do interessado.

30.      Nestas condições, o Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia), em primeiro lugar, decidiu alterar temporariamente a situação de MA e adotar, em relação a este, uma medida «diferente da detenção», a saber «alojamento em centro de acolhimento do VSAT ou noutro local adequado, ficando a sua liberdade de circulação restrita à área do local de alojamento», válida até 18 de fevereiro de 2022. Considerando que MA era «manifestamente requerente de proteção internacional», o órgão jurisdicional de reenvio ordenou, em seguida, ao Departamento de Imigração que o mesmo não fosse reenviado para um país terceiro ou afastado da Lituânia até à adoção de uma decisão definitiva no processo principal. Por último, o referido órgão jurisdicional decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 7.o, n.o 1, da [Diretiva “Procedimentos”], lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, da [Diretiva 2011/95/UE, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (11)], ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a aplicável no presente processo, que, em caso de declaração de estado de sítio, de estado de emergência ou de situação de emergência devido a um afluxo massivo de estrangeiros, não permite, em princípio, que um estrangeiro que tenha entrado e permaneça ilegalmente no território de um Estado‑Membro apresente um pedido de proteção internacional?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão: deve o artigo 8.o, n.os 2 e 3, da [Diretiva “Acolhimento”] ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional segundo a qual, em caso de declaração de estado de sítio, de estado de emergência ou de situação de emergência devido a um afluxo massivo de estrangeiros, um requerente de asilo pode ser detido pelo simples facto de ter entrado no território da República da Lituânia atravessando ilegalmente a fronteira da República da Lituânia?»

IV.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

31.      O despacho de reenvio, datado de 2 de fevereiro de 2022, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no dia 4 do mesmo mês.

32.      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio fosse submetido a tramitação prejudicial urgente, prevista no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

33.      Em apoio deste pedido, o órgão jurisdicional de reenvio sublinhou que MA tinha sido detido de 17 de novembro de 2021 a 2 de fevereiro de 2022, e que, depois desta última data, e até 18 de fevereiro de 2022, era objeto de uma medida de «alojamento em centro de acolhimento do VSAT ou noutro local adequado, ficando a sua liberdade de circulação restrita à área do local de alojamento» (12).

34.      Em 21 de fevereiro de 2022, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu enviar ao órgão jurisdicional de reenvio um pedido de esclarecimentos relativamente à situação de MA posterior a 18 de fevereiro de 2022. Na sua resposta, esse órgão jurisdicional esclareceu que o interessado era objeto, desde 11 de fevereiro de 2022, de uma nova medida de alojamento em centro de acolhimento do VSAT, do qual não tinha o direito de sair sem autorização, a manter até ser tomada uma decisão sobre o seu estatuto jurídico na Lituânia, mas, em todo o caso, por um período máximo de três meses, ou seja, até 11 de maio de 2022.

35.      À luz desta resposta, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 3 de março de 2022, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submissão do presente reenvio prejudicial a tramitação prejudicial urgente.

36.      MA, o Governo lituano e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas no Tribunal de Justiça. Este Governo e a Comissão também se fizeram representar na audiência realizada em 7 de abril de 2022.

V.      Análise

37.      No processo principal, o órgão jurisdicional de reenvio é chamado a pronunciar‑se sobre a legalidade e a idoneidade de uma medida de retenção. Esta medida foi aplicada a MA, um nacional de país terceiro que entrou ilegalmente na Lituânia (13) vindo da Bielorrússia.

38.      Para se pronunciar sobre a referida medida, esse órgão jurisdicional deve, num primeiro momento, determinar se o nacional em causa se encontra abrangido pelo âmbito de aplicação da legislação aplicável aos requerentes de proteção internacional, incluindo as garantias de que estes devem beneficiar em matéria de detenção, conforme se encontram harmonizadas nas Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento».

39.      Neste âmbito, pretende ser esclarecido sobre a compatibilidade com o direito da União de uma disposição legal lituana, a saber, o artigo 14012 da Lei Relativa aos Estrangeiros. Esta disposição apresenta, como referi na introdução, a especificidade de só se aplicar em caso de declaração de «estado de sítio», de «estado de emergência» ou, ainda, de «situação de emergência a nível nacional em todo o território devido a um afluxo massivo de estrangeiros», situações durante as quais, em diversas medidas, o direito comum é temporariamente suspenso ou restringido para permitir ao Estado lituano salvaguardar a ordem pública e a segurança interna face às «circunstâncias excecionais» em causa. No presente caso, tanto o regime de «estado de emergência» como o da «situação de emergência» tinham sido, à época dos factos, aplicados na Lituânia para enfrentar o «afluxo massivo» de migrantes na sua fronteira comum com a Bielorrússia.

40.      Nestas condições, o artigo 14012 da Lei Relativa aos Estrangeiros substituiu as regras de direito comum relativas às modalidades de acesso dos nacionais de países terceiros aos procedimentos de concessão de proteção internacional na Lituânia e, assim sendo, tornou mais rigorosas essas mesmas modalidades. Com efeito, contrariamente ao que é permitido pela lei lituana num período «normal», este artigo prevê, em substância, que um nacional de país terceiro não possa, em princípio, apresentar validamente um pedido de proteção internacional no território lituano depois de aí ter entrado de forma ilegal — apesar de, neste caso, MA ter manifestado por diversas vezes a sua vontade de obter essa proteção.

41.      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas de que tal seja compatível com o direito da União. Assim, com a sua primeira questão, pede ao Tribunal de Justiça que esclareça se as regras da Diretiva «Procedimentos» (14) se opõem a uma disposição nacional que tenha essas consequências.

42.      Admitindo que seja o caso e que, tendo em conta a pretensão manifestada de obter proteção internacional, um nacional de país terceiro como MA seja abrangido pelas regras aplicáveis aos requerentes de asilo, o órgão jurisdicional de reenvio deve, num segundo momento, verificar criteriosamente se a medida de detenção aplicada a essa pessoa satisfaz as garantias previstas, nessa matéria, nas Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento».

43.      Nesse contexto, este órgão jurisdicional pretende ser esclarecido sobre a compatibilidade com estas diretivas de uma segunda disposição da Lei Relativa aos Estrangeiros, a saber, o seu artigo 14017, ponto 2. Esta disposição é igualmente aplicável na Lituânia devido às declarações do «estado de emergência» e de uma «situação de emergência» anteriormente evocadas. Nestas circunstâncias, a referida disposição acresce às leis gerais em matéria de detenção dos requerentes de proteção internacional (15) e, também ela, tornou mais rigoroso o tratamento que pode ser dado a quem entre ilegalmente no território lituano.

44.      Com efeito, embora num período «normal» um nacional de país terceiro que peça asilo na Lituânia não possa ser detido pelo simples facto de ter atravessado ilegalmente a fronteira desse Estado, tal é permitido pelo artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros num período «excecional».

45.      Ora, o órgão jurisdicional também tem dúvidas de que tal seja compatível com o direito da União. Por conseguinte, com a sua segunda questão, este órgão jurisdicional pede ao Tribunal de Justiça que esclareça se as regras da Diretiva «Acolhimento» se opõem a essa disposição nacional.

46.      Para ser o mais elucidativo possível, dividirei a minha análise em duas partes. Por um lado, explicarei por que motivo disposições como os artigos 14012 e 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros não são compatíveis com as Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento», independentemente do facto de essas disposições se aplicarem apenas em, e para fazer face a, «circunstâncias excecionais» (secções B e C). Por outro lado, analisarei a questão de saber se, e se for caso disso em que medida, um Estado‑Membro está autorizado, ao abrigo do direito primário da União, a derrogar estas diretivas com vista a garantir a ordem pública e a segurança interna quando se vê perante essas circunstâncias (secção D). Ainda antes, centrar‑me‑ei sobre a admissibilidade das questões prejudiciais (secção A).

A.      Quanto à admissibilidade das questões prejudiciais

47.      Embora não tenha sido formalmente suscitada a exceção de inadmissibilidade, o Governo lituano esgrime dois argumentos nesse sentido.

48.      Em primeiro lugar, este Governo deixou transparecer que, desde o início, a segunda questão não teria relevância para a solução do litígio no processo principal, uma vez que a detenção de MA foi ordenada pelo órgão jurisdicional de primeira instância, não com base no artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros, mas com base no artigo 113.o, n.o 4, ponto 2, dessa lei, tendo em conta o risco de fuga deste último (16).

49.      No meu entender, a segunda questão afigura‑se, pelo contrário, efetivamente pertinente para a resolução do litígio no processo principal. Com efeito, o órgão jurisdicional de reenvio explicou que foi chamado a pronunciar‑se quer quanto à legalidade quer quanto à idoneidade da decisão inicial de detenção de MA. Por conseguinte, não se trata apenas de verificar se essa decisão tinha uma base legal mas também se a mesma era oportuna. Neste contexto, o facto de o órgão jurisdicional de primeira instância se ter baseado no risco de fuga do interessado não impede, aparentemente, o órgão jurisdicional de reenvio de tomar em consideração outros fundamentos legais, suscetíveis de justificar a referida decisão. Este órgão jurisdicional sublinhou, aliás, que uma resposta a essa questão lhe permitirá «decidir clara e inequivocamente quanto […] ao motivo específico da detenção [de MA] ou quanto à adoção de uma medida diferente da detenção».

50.      Em segundo lugar, o Governo lituano deixou transparecer que, em todo o caso, já não seria necessária a resposta às questões prejudiciais. Com efeito, relativamente à primeira questão, na audiência, este Governo indicou que, em 18 de março de 2022, o Departamento de Imigração registou o pedido de proteção internacional de MA, cuja idoneidade estava a apreciar. Quanto à segunda questão, o referido Governo sublinhou que, atualmente, MA já não estava detido, uma vez que a detenção ordenada, em 20 de novembro de 2021, pelo órgão jurisdicional de primeira instância tinha sido substituída, em 2 de fevereiro de 2022, por uma medida «diferente da detenção», renovada até 11 de maio de 2022 (17).

51.      Na minha opinião, continua a ser necessário responder às questões submetidas.

52.      A este respeito, de acordo com a interpretação que faço da decisão de reenvio, para se pronunciar sobre a medida de detenção inicialmente aplicada a MA, o órgão jurisdicional nacional deve, nomeadamente, reportar‑se à data em que essa medida foi ordenada. Consequentemente, por um lado, mesmo admitindo que o pedido de proteção internacional do interessado tenha sido efetivamente registado em 18 de março de 2022 — informação que, de resto, o órgão jurisdicional de reenvio não confirmou —, o litígio no processo principal mantém o seu objeto e a primeira questão continua a ser pertinente para o resolver. Com efeito, resta saber se deveria ter sido considerado que MA era abrangido pelas regras aplicáveis aos requerentes de asilo, incluindo em matéria de detenção, logo a partir de 20 de novembro de 2021, data na qual a medida controvertida foi ordenada e, por sinal, o interessado manifestou, pela primeira vez, a sua vontade de beneficiar de proteção internacional (18).

53.      Por outro lado, pela mesma razão, o facto de a medida de detenção inicialmente aplicada a MA ter sido, posteriormente, substituída por uma medida «diferente da detenção» não põe em causa a pertinência da segunda questão. Além disso, o facto de a primeira medida ter sido posteriormente revogada não fez desaparecer os efeitos já produzidos. MA esteve privado da sua liberdade, pelo menos, de 20 de novembro de 2021 a 2 de fevereiro de 2022. Por conseguinte, este continua a ter interesse em que a eventual ilegalidade dessa medida seja judicialmente declarada. Esta declaração pode servir‑lhe de fundamento para um futuro pedido de indemnização (19).

B.      Quanto ao acesso a um procedimento de concessão de proteção internacional, em conformidade com a Diretiva «Procedimentos» (primeira parte da primeira questão)

54.      Como já referi, o artigo 14012 da Lei Relativa aos Estrangeiros prevê modalidades «excecionais» para a apresentação de pedidos de proteção internacional na Lituânia, aplicadas em resposta ao «afluxo massivo» anteriormente evocado. Afigura‑se oportuno, nesta fase da minha análise, especificar o respetivo funcionamento e suas implicações.

55.      Segundo esta disposição, um nacional de país terceiro só pode apresentar esse pedido 1) nos postos de controlo fronteiriços ou nas zonas de trânsito, no VSAT, ou 2) no território da República da Lituânia, se aí tiver entrado legalmente, no Departamento de Imigração, ou, ainda, 3) no estrangeiro, nas representações diplomáticas e consulares deste Estado.

56.      De acordo com a lei lituana, esse pedido só é considerado validamente apresentado se o tiver sido em conformidade com as modalidades previstas nessa disposição (20). Sendo esse o caso, o nacional em causa é então considerado um requerente de asilo — em conformidade com a definição deste conceito que figura no artigo 2.o, n.o 20, da Lei Relativa aos Estrangeiros (21) — e goza dos direitos e garantias associados a esse estatuto (22).

57.      Inversamente, quando um nacional de país terceiro não respeita essas modalidades, o seu pedido não é, em conformidade com o artigo 14012, n.o 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros, e salvo exceção (23), admitido para apreciação e é devolvido ao interessado (24).

58.      Do anteriormente exposto resulta que, na prática, os nacionais de países terceiros que não preenchem as condições de entrada no Espaço Schengen só podem apresentar um pedido de asilo válido na Lituânia se estiverem no estrangeiro ou na fronteira deste Estado. Salvo exceção, esses nacionais não o podem fazer no interior do território lituano depois de aí terem entrado ilegalmente. Em princípio, se o tentarem fazer, o pedido não é tido em conta pelas autoridades nacionais e, por este motivo, não são considerados requerentes de asilo.

59.      No presente caso, aparentemente, MA fez quatro tentativas de requerer proteção internacional no território lituano depois de aí ter entrado ilegalmente (25). Pelo menos um dos seus pedidos apresentados por escrito foi transmitido à autoridade lituana competente, a saber, o Departamento de Imigração, que se recusou a apreciá‑lo pelo facto de o mesmo não ter sido apresentado segundo as modalidades previstas no artigo 14012, n.o 1, da Lei Relativa aos Estrangeiros (26). Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, em aplicação do artigo 2.o, n.o 20, dessa lei, MA não deve, assim, ser tratado como requerente de asilo (27).

60.      Tal como MA e a Comissão, considero que essas modalidades de acesso ao procedimento de concessão da proteção internacional, e as implicações daí decorrentes, não são compatíveis com as regras da Diretiva «Procedimentos».

61.      A este respeito, importa recordar, em primeiro lugar, que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, qualquer nacional de país terceiro ou apátrida (28) tem, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva, lido em conjugação com o artigo 3.o, n.o 1, da mesma, o direito de requerer o benefício da proteção internacional no território de um Estado‑Membro. Trata‑se da concretização do direito de asilo garantido no artigo 18.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») (29).

62.      Ainda segundo esta jurisprudência, esse nacional pode, por força das disposições acima referidas, exercer o seu direito de requerer asilo não apenas nas fronteiras ou nas zonas de trânsito de um Estado‑Membro mas também no interior do território desse Estado, mesmo que aí se encontre em situação irregular (30). O mesmo acontece, por analogia, quando esse nacional entrou de forma ilegal no território.

63.      A leitura de outras disposições da Diretiva «Procedimentos» confirma esta interpretação. Por um lado, o facto de um nacional de país terceiro ter entrado ou ter prolongado ilegalmente a sua estada no território do Estado‑Membro de acolhimento não figura entre os fundamentos de inadmissibilidade dos pedidos de asilo taxativamente enumerados no artigo 33.o, n.o 2, desta diretiva. Por outro lado, como precisarei posteriormente (31), o artigo 31.o, n.o 8, alínea h), da referida diretiva autoriza as autoridades nacionais, em determinados casos (32), a apreciar um pedido apresentado nessas circunstâncias de forma acelerada e mediante um procedimento específico, o que implica necessariamente que devem, a montante, admiti‑lo para apreciação.

64.      Em segundo lugar, devo recordar que para permitir aos nacionais de países terceiros exercer o direito de requerer asilo que lhes é, assim, garantido, os Estados‑Membros devem proporcionar‑lhes um acesso efetivo, fácil e rápido a um procedimento de concessão desta proteção nos respetivos territórios.

65.      A este respeito, o artigo 6.o da Diretiva «Procedimentos» distingue, nos seus n.os 1 a 4, entre, por um lado, a «apresentação» de um pedido de asilo por um nacional de país terceiro e, por outro, a «[formalização]» do mesmo. O legislador da União entendeu separar ali claramente duas etapas, a saber, primeiro, a manifestação informal, por parte desse nacional, da vontade de beneficiar de proteção internacional e, segundo, a apresentação formal de um pedido para esse efeito.

66.      No que diz respeito à primeira etapa, resulta do n.o 1 deste artigo que um nacional de país terceiro «apresenta» um pedido de proteção internacional ao manifestar, sob qualquer forma, que pretende beneficiar dessa proteção junto da «autoridade competente segundo a lei nacional para o registo de tais pedidos» ou de qualquer «outra autoridade» com a qual entre em contacto ao longo do seu percurso, como «a polícia, a guarda de fronteiras, as autoridades de imigração e o pessoal de estabelecimentos de detenção» (33).

67.      Quanto a este aspeto, devo sublinhar que, de acordo com as explicações que figuram no n.o 62 das presentes conclusões, um nacional de país terceiro que entrou ou permanece ilegalmente no território de um Estado‑Membro, tal como MA, pode perfeitamente «apresentar» um pedido de proteção internacional mesmo que se encontre detido, se for caso disso, no âmbito de um procedimento de afastamento ao abrigo da Diretiva dita «Regresso» (34). Como referi no número anterior, esta disposição inclui especificamente o «pessoal de estabelecimentos de detenção» entre as «outras autoridades» perante as quais o nacional pode validamente manifestar a sua vontade de beneficiar dessa proteção. Além disso, o Tribunal de Justiça já declarou que um nacional de país terceiro pode «apresentar» um pedido de asilo ao tribunal chamado a pronunciar‑se sobre a legalidade da sua detenção, o qual deve igualmente ser considerado «outra autoridade» (35).

68.      Quando um nacional de país terceiro manifesta, assim, à semelhança de MA, a sua vontade de beneficiar de proteção internacional junto de «autoridades» como o VSAT e o órgão jurisdicional de primeira instância, estes não podem optar por ignorá‑lo pelo facto de as modalidades previstas no direito nacional para a formalização — ou seja, recordo, a apresentação formal — de um pedido de asilo não terem sido respeitadas. Pelo contrário, devem daí retirar determinadas consequências.

69.      Antes de mais, a partir do momento em que esse nacional «apresentou» o seu pedido, deve ser considerado, pelas autoridades nacionais, um «requerente», na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva «Procedimentos», bem como do artigo 2.o, alínea b), da Diretiva «Acolhimento» (36), e beneficiar dos direitos e garantias associados a esse estatuto, conforme previstos nessas diretivas (37). Em particular, enquanto não for proferida decisão de primeira instância sobre este pedido, o referido nacional, mesmo que tenha entrado ou prolongado ilegalmente a sua estada no território do Estado‑Membro de acolhimento, não deve, ou já não deve, ser considerado como estando em situação irregular nesse território e, portanto, abrangido pelas regras aplicáveis aos migrantes em situação irregular, entre as quais a Diretiva «Regresso». Com efeito, o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva «Procedimentos» confere‑lhe o direito de permanecer nesse Estado durante o referido período (38). Por outro lado, a sua detenção ou, se for o caso, a sua manutenção em detenção deve estar de acordo com as regras previstas, na matéria, nas Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento».

70.      Por conseguinte, contrariamente ao que parece prever, no presente caso, o artigo 2.o, n.o 20, da Lei Relativa aos Estrangeiros, as autoridades nacionais não podem adotar uma abordagem formalista do referido estatuto e restringir o benefício dos direitos e garantias que lhe são associados a quem tenha apresentado um pedido segundo as modalidades previstas no direito nacional — pois, caso contrário, esses mesmos direitos e garantias ficariam privados de uma parte substancial do seu efeito útil.

71.      Em seguida, a fim de assegurar que o nacional de país terceiro em causa beneficia efetivamente das garantias e direitos previstos nas Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento», as autoridades nacionais, num prazo curto fixado no artigo 6.o, n.o 1 (39), da Primeira Diretiva, devem registar esse nacional como «requerente» nas bases de dados pertinentes (40).

72.      Por último, esse nacional deve beneficiar, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, da Diretiva «Procedimentos», da possibilidade concreta de «[formalizar]» o seu pedido, ou seja, como referi no n.o 65 das presentes conclusões, apresentá‑lo formalmente, o mais rapidamente possível.

73.      No que respeita a esta segunda etapa, que corresponde ao final da fase de acesso ao procedimento de concessão da proteção internacional e à abertura da fase de apreciação do pedido propriamente dita (41), resulta do artigo 6.o, n.o 4, dessa diretiva que é necessário, em princípio, que o nacional de país terceiro em causa preencha um formulário previsto para esse efeito. Além disso, em conformidade com o n.o 3 deste artigo, os Estados‑Membros podem exigir que esse formulário seja apresentado presencialmente e/ou em local designado.

74.      Como alega o Governo lituano, em princípio, a República da Lituânia podia, portanto, prever no seu direito nacional uma disposição como o artigo 14012, n.o 1, da Lei Relativa aos Estrangeiros, exigindo que os nacionais de países terceiros formalizem os seus pedidos de asilo em determinados locais e junto das autoridades designadas.

75.      Contudo, os Estados‑Membros não podem exercer a faculdade que lhes é dada pelo artigo 6.o, n.o 3, da Diretiva «Procedimentos» de forma a impedir, na prática, esses nacionais, ou mesmo só alguns deles, de formalizarem os seus pedidos «o mais rapidamente possível» ou, a fortiori, de forma a impedi‑los completamente de o fazer. Caso contrário, o objetivo desta diretiva, que consiste em garantir um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de concessão dessa proteção, seria posto em causa e o efeito útil do direito de requerer asilo, que o artigo 7.o, n.o 1, dessa diretiva reconhece a qualquer nacional de país terceiro, seria gravemente prejudicado (42).

76.      Ora, como alegam MA e a Comissão, o artigo 14012, n.o 1, da Lei Relativa aos Estrangeiros afigura‑se problemático a este respeito. Com efeito, segundo a interpretação dada pelo órgão jurisdicional de reenvio, um nacional como MA, que entrou ilegalmente no território lituano e que aí se encontra detido, não tem possibilidade concreta de formalizar o seu pedido em conformidade com as modalidades previstas nesta disposição: por um lado, em princípio, não está autorizado a fazê‑lo no interior do território lituano; por outro, também não se pode dirigir, para esse efeito, à fronteira desse Estado, a uma zona de trânsito ou a uma embaixada ou consulado do referido Estado no estrangeiro.

77.      Quanto a este aspeto, devo sublinhar, além do que já referi no n.o 75 das presentes conclusões, que a detenção de um requerente de proteção internacional, admitindo que esteja de acordo com as regras previstas nas Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento», não pode, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, da Primeira Diretiva, prejudicar a possibilidade de o interessado formalizar o seu pedido e, assim, exercer o seu direito de requerer asilo (43). Pelo contrário, esta diretiva prevê diversas garantias destinadas a facilitar o acesso ao procedimento de concessão dessa proteção nos estabelecimentos de detenção (44).  Como alegou a Comissão na audiência, as modalidades que os Estados‑Membros escolhem implementar para a formalização dos pedidos, em aplicação do n.o 3 desse artigo, devem, assim, permitir que um requerente que esteja nessa situação o faça.

78.      Contrariamente ao que alega o Governo lituano, o poder discricionário que o artigo 14012, n.o 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros reconhece ao VSAT de aceitar, a título excecional, o pedido de proteção internacional de um nacional de país terceiro que entrou ilegalmente no território da Lituânia, tendo em consideração a sua vulnerabilidade ou outras circunstâncias individuais, incluindo o facto de estar detido num dos seus centros, não é suficiente a este respeito. Com efeito, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 2, e com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva «Procedimentos», todos os nacionais de país terceiro nessa situação, e não apenas alguns deles, devem poder requerer essa proteção e, para esse efeito, formalizar o seu pedido o mais rapidamente possível (45).

79.      Por último, devo precisar que a Diretiva «Procedimentos» não autoriza um Estado‑Membro a derrogar as obrigações que acabei de explicar, pelo facto de se ver confrontado, como a República da Lituânia, com um «afluxo massivo» de nacionais de países terceiros às suas fronteiras.

80.      Com efeito, embora essa diretiva permita às autoridades nacionais, nessas circunstâncias, designadamente, prorrogar os prazos de registo (46) e de apreciação dos pedidos de asilo (47), não autoriza estas autoridades a privar, de direito ou de facto, alguns nacionais de países terceiros de um acesso efetivo ao procedimento de concessão dessa proteção.

81.      Atendendo a todas as considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à primeira parte da primeira questão que uma disposição nacional que, salvo exceção, não permite aos nacionais de países terceiros aceder ao procedimento de concessão de proteção internacional no território do Estado‑Membro em questão se aí tiverem entrado ilegalmente não é compatível com o artigo 6.o, n.os 1 e 2, e com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva «Procedimentos».

C.      Quanto aos fundamentos de detenção dos requerentes de asilo, conforme previstos na Diretiva «Acolhimento» (primeira parte da segunda questão)

82.      Da análise precedente decorre que um nacional de país terceiro, como MA, deve, a partir do momento em que tenha «apresentado» um pedido de asilo a uma autoridade como o VSAT ou ao órgão jurisdicional de primeira instância, e até à decisão definitiva desse pedido, ser considerado «requerente» na aceção das Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento». Isso implica, nomeadamente, que só pode ser detido ou mantido em detenção em conformidade com as regras previstas, nessa matéria, nestas diretivas.

83.      Há que analisar, agora, a primeira parte da segunda questão e determinar se uma disposição nacional, como o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros, que permite a detenção de um requerente de asilo pelo simples facto de ter atravessado ilegalmente a fronteira nacional, é compatível com as referidas diretivas (secção 2). Entendo que, antes disso, se impõe uma precisão, relativa ao conceito de «detenção» (secção 1).

1.      Quanto ao conceito de «detenção»

84.      Segundo entendo, o órgão jurisdicional de reenvio apenas submeteu a sua segunda questão para efeitos de apreciar a legalidade e a idoneidade da medida de detenção aplicada a MA pelo órgão jurisdicional de primeira instância na sua decisão de 20 de novembro de 2021.

85.      No entanto, MA alegou, perante o Tribunal de Justiça, que a medida de substituição que lhe foi aplicada a partir de 2 de fevereiro de 2022, a saber, o «alojamento em centro de acolhimento do VSAT […], ficando a sua liberdade de circulação restrita à área do local de alojamento», embora seja considerada uma alternativa à detenção (48) na lei lituana, constitui, na realidade, uma detenção de facto.

86.      Se for efetivamente assim, esta segunda medida deve, na minha opinião, ser igualmente apreciada à luz das regras em matéria de detenção previstas nas Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento». Com efeito, o âmbito de aplicação dessas regras não depende da qualificação dada, na lei nacional, a uma determinada medida, mas da questão de saber se se enquadra na definição autónoma de «detenção», constante do artigo 2.o, alínea h), da Segunda Diretiva.

87.      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou, à luz desta definição, que essa «detenção» é constituída por qualquer medida coerciva que «priva [o] requerente da sua liberdade de circulação e o isola do resto da população, impondo‑lhe que permaneça numa área restrita e delimitada» (49). No presente caso, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se a medida de «alojamento em centro de acolhimento do VSAT» preenche esses critérios.

88.      No entanto, considero oportuno prestar‑lhe esclarecimentos úteis nessa apreciação. Em substância, parece decorrer das explicações dadas por esse órgão jurisdicional que o «território» no qual o interessado é obrigado a permanecer é limitado à área do centro de acolhimento, da qual não tem direito de sair sem autorização, o que, aliás, o Governo lituano confirmou na audiência realizada no Tribunal de Justiça. Esta área afigura‑se, assim, «restrita e delimitada». Além disso, MA parece estar «isolado do resto da população», tendo uma possibilidade muito limitada de manter contactos com o mundo exterior. Por conseguinte, salvaguardada a verificação a efetuar pelo referido órgão jurisdicional, afigura‑se que a medida em questão priva aquele da sua liberdade de circulação e constitui, portanto, uma «detenção», na aceção das Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento» (50).

2.      Quanto à legalidade da (ou das) medida(s) de detenção em causa

89.      Feita essa precisão, importa recordar que as Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento» regulam a possibilidade de as autoridades nacionais manterem em detenção um requerente de asilo. A este respeito, resulta do artigo 26.o, n.o 1, da Primeira Diretiva que os motivos e as condições dessa detenção devem estar de acordo, em particular, com o artigo 8.o da segunda.

90.      Este artigo 8.o sublinha, no seu n.o 2, que a detenção dos requerentes de asilo não deve ser a regra, mas uma exceção. Com efeito, segundo esta disposição, esse requerente só pode ser detido se, na sequência de uma apreciação individual de cada caso, isso se revelar necessário e se não for possível aplicar de forma eficaz outras medidas alternativas menos coercivas. Além disso, o referido artigo enumera taxativamente (51), no seu n.o 3, os diversos motivos suscetíveis de justificar essa medida.

91.      Ora, o motivo de detenção previsto no artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros, a saber, a passagem ilegal da fronteira, não figura pura e simplesmente, enquanto tal, no artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva «Acolhimento». Contrariamente ao que invoca o Governo lituano, este motivo também não corresponde, em substância, a nenhum dos enumerados nesta disposição.

92.      A este respeito, nas suas observações escritas, esse Governo alegou, no essencial, que o motivo previsto no artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros corresponde ao que figura no artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva «Acolhimento». Devo recordar que, em conformidade com esta alínea, um requerente de proteção internacional pode ser detido «se a proteção da segurança nacional e da ordem pública o exigirem». Ora, a possibilidade de deter um requerente que tenha atravessado ilegalmente a fronteira nacional cumpriria, segundo o referido governo, as exigências da segurança nacional. Com efeito, trata‑se de uma das medidas tomadas pela República da Lituânia para proteger a fronteira comum com a Bielorrússia e, mais precisamente, de reprimir a sua passagem ilegal pelos migrantes, no contexto do «afluxo massivo» com o qual esse Estado‑Membro se vê atualmente confrontado e, assim, garantir a segurança interna no seu território e em todo o Espaço Schengen.

93.      Na minha opinião, o facto de uma pessoa fazer parte de um fluxo de migrantes que um Estado‑Membro procura estancar para salvaguardar a segurança interna — entendida na aceção, ampla, de «polícia» — do seu território (52) não pode justificar a sua detenção com base no motivo previsto no artigo 8.o, n.o 3, alínea e), da Diretiva «Acolhimento».

94.      Com efeito, em conformidade com jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma ofensa à «segurança nacional» ou à «ordem pública» na aceção dessa disposição só pode, à luz da exigência de necessidade, justificar a colocação de um requerente de asilo em detenção por esse motivo se o «seu comportamento individual representar uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade ou a segurança interna […] do Estado‑Membro em causa», por exemplo, pelo facto de essa pessoa ser um criminoso perigoso. Nesta hipótese, a detenção do requerente permite «proteger o público do perigo que pode constituir o [seu] comportamento» (53).

95.      Assim, a detenção ao abrigo do referido artigo 8.o, n.o 3, alínea e), pressupõe uma apreciação da perigosidade da pessoa em causa, tomando em consideração outros fatores além da eventual passagem ilegal da fronteira — infração que não é, por si só, suscetível de caracterizar uma ameaça como a prevista no número precedente (54). Neste âmbito, as autoridades nacionais nem sequer podem presumir que qualquer indivíduo que entrou ilegalmente no território é perigoso e proceder à sua detenção a título preventivo (55). Pelo contrário, devem dispor, previamente à adoção dessa medida em relação a um requerente de asilo, de motivos coerentes, objetivos e precisos que demonstrem essa perigosidade (56).

96.      De resto, o Governo lituano admitiu, na audiência realizada no Tribunal de Justiça, que este mesmo artigo 8.o, n.o 3, alínea e), abrange apenas a hipótese específica que acabei de descrever e que o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros excede, na realidade, o que é permitido por essa disposição (57) — ou pela Diretiva «Acolhimento» em geral. Em contrapartida, nessa ocasião procurou justificar essa situação pelo facto de uma possibilidade de detenção limitada a essa única hipótese não ser suficiente para responder eficazmente ao «afluxo massivo» com o qual se vê confrontado. Abordarei esse aspeto na secção D das presentes conclusões.

3.      Conclusão intercalar

97.      Atendendo às considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à primeira parte da segunda questão que uma disposição nacional que permite colocar em detenção um requerente de proteção internacional pelo simples facto de ter passado ilegalmente a fronteira do Estado‑Membro em causa não é compatível com o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva «Acolhimento».

D.      Quanto à possibilidade de derrogar as Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento» (segunda parte das duas questões)

98.      Expus, nas secções precedentes, as razões pelas quais, na minha opinião, disposições como o artigo 14012 e o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros não são compatíveis com as Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento». Por conseguinte, há agora que analisar a segunda parte das questões prejudiciais, relativa à questão de saber se um Estado‑Membro deve ser autorizado a derrogar essas diretivas, aplicando tais disposições para efeitos de garantia da ordem pública e da segurança interna face a «circunstâncias excecionais» como as que estão em causa no processo principal.

99.      Começarei por recordar o contexto no qual se inscreve o presente processo (secção 1), antes de abordar as disposições do Tratado FUE que podem, teoricamente, autorizar um Estado‑Membro a derrogar o direito da União em nome da ordem pública e da segurança interna (secção 2) e, em seguida, as condições que enquadram essa possibilidade de derrogação (secção 3).

1.      Quanto às «circunstâncias excecionais» em causa

100. Conforme referi na introdução das presentes conclusões, os Estados têm, na ordem jurídica internacional, o «direito [soberano] inalienável» de controlar a entrada e a permanência de estrangeiros no seu território (58). Além disso, os Estados‑Membros cujas fronteiras coincidem em parte com as fronteiras externas do Espaço Schengen, como a Lituânia, têm, nos termos do direito da União, obrigações a este respeito. Esses Estados são obrigados, por força do Código das Fronteiras Schengen, a «proteger» as fronteiras em questão. Devem efetuar controlos e vigiar essas fronteiras (59), bem como tomar outras medidas destinadas a lutar contra a passagem não autorizada das mesmas (60).

101. Como refere o considerando 6 do Código das Fronteiras Schengen, o controlo nas fronteiras externas deste espaço existe no interesse de todos os Estados‑Membros que suprimiram o controlo nas suas fronteiras internas. Esse controlo contribui, nomeadamente, para a luta contra a imigração clandestina, bem como para a prevenção de qualquer ameaça para a segurança interna e a ordem pública no referido espaço.

102. Na minha opinião, decorre do exposto que a proteção das fronteiras externas da União pelos Estados‑Membros em causa insere‑se nas responsabilidades que lhes incumbem em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna, não apenas nos respetivos territórios, mas também em todo o Espaço Schengen.

103. Nesta perspetiva, como alegou o Governo lituano perante o Tribunal de Justiça, o «afluxo massivo» de migrantes que a Lituânia enfrenta na sua fronteira com a Bielorrússia é inegavelmente uma situação crítica. Este «afluxo» levou a um aumento drástico dos casos de passagem ilegal da fronteira lituana (61). O contexto geopolítico em que esta situação se insere também não deve esquecido. As instituições da União, incluindo o Parlamento Europeu, o Conselho Europeu e a Comissão (62), constataram, com efeito, que este «afluxo massivo» foi dirigido pelo Governo bielorrusso. Este terá sido responsável pela viagem de avião de nacionais de países terceiros desde os respetivos países de origem, os quais, posteriormente, terá sitiado nas fronteiras externas dos Estados‑Membros. As várias instituições qualificaram os atos em questão de «instrumentalização de migrantes para efeitos políticos», ou seja, uma forma de «ataque híbrido» destinado a destabilizar os Estados‑Membros diretamente envolvidos e a União no seu todo.

104. Não me cabe questionar estas considerações de ordem política. Devo observar simplesmente que a Lituânia pôde legitimamente considerar que enfrentava uma ameaça «excecional» à ordem pública e à segurança interna no seu território e em todo o Espaço Schengen.

105. As autoridades lituanas ponderaram, assim, a necessidade de reforçar a proteção das fronteiras externas da União, através de medidas extraordinárias e temporárias com vista a estancar esses fluxos migratórios «massivos» (63).

106. A apreciação destas autoridades quanto à necessidade dessas medidas extraordinárias e temporárias afigura‑se, de resto, partilhada pelas instituições da União. Com efeito, a Comissão apresentou, em 1 de dezembro de 2021, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, uma proposta de decisão do Conselho relativa a medidas de emergência provisórias a favor da Letónia, da Lituânia e da Polónia (64), medidas julgadas «necessárias» em resposta à «ameaça real […] para a segurança da União» constituída pelo «ataque híbrido» sofrido, nomeadamente, pela Lituânia (65), e às quais voltarei infra. Além disso, a Comissão apresentou, em 14 de dezembro de 2021, uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à resposta a situações de instrumentalização no domínio da migração e do asilo (66), que visa institucionalizar a maior parte das medidas que figuram na proposta anterior (67). Contudo, estas propostas legislativas ainda não foram adotadas.

2.      Quanto às disposições que permitem derrogar o direito da União, em nome da ordem pública e da segurança interna

107. No entanto, quando um Estado‑Membro adota, assim, medidas extraordinárias e temporárias com o objetivo legítimo de garantir a ordem pública e a segurança interna em resposta a «circunstâncias excecionais», essas medidas não escapam a qualquer enquadramento jurídico. Quando afetam a aplicação normal do direito da União, essas medidas só são compatíveis com este direito se o mesmo autorizar essa derrogação (68).

108. A este respeito, o Tratado FUE prevê, nos seus artigos 36.o, 45.o, 52.o, 65.o, 72.o, 346.o e 347.o, derrogações expressas aplicáveis em caso de situações suscetíveis de pôr em causa a ordem pública ou a segurança interna, incluindo em caso de «circunstâncias excecionais».

109. Curiosamente, no presente processo, o Governo lituano não se referiu a nenhum destes artigos para defender a sua posição. No entanto, atendendo ao teor dos argumentos apresentados por esse governo, e tendo em conta as discussões que tiveram lugar perante o Tribunal de Justiça, há duas derrogações que devem, na minha opinião, ser analisadas.

110. Evocarei sucintamente, em primeiro lugar, o artigo 347.o TFUE, relativo às medidas que um Estado‑Membro pode ser levado a tomar, nomeadamente, em caso de «graves perturbações internas que afetem a ordem pública» e em caso de «guerra ou de tensão internacional grave que constitua ameaça de guerra».

111. Até à presente data, o Tribunal de Justiça nunca se pronunciou sobre as condições de aplicação desta «cláusula de salvaguarda». Apenas precisou que essa derrogação se refere a hipóteses «absolutamente excecionais» (69). Contudo, diversos advogados‑gerais já abordaram pormenorizadamente os seus limites.

112. Resulta das respetivas análises que o artigo 347.o, localizado na parte final do Tratado FUE, permite, em teoria, derrogar todas as regras deste Tratado e as regras adotadas com base nele (70). Como alegou o Governo lituano na audiência — sem, todavia, repito, referir expressamente este artigo —, nos casos previstos no referido artigo, um Estado‑Membro pode, assim, teoricamente, eximir‑se, com esse fundamento, e em determinada medida, às Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento» (71).

113. No entanto, as circunstâncias extremas contempladas no artigo 347.o TFUE não estão em causa no presente processo. Em particular, sem pretender minimizar a gravidade da situação enfrentada pela Lituânia na sua fronteira, essa situação não corresponde, em meu entender, às «graves perturbações internas que afetem a ordem pública» evocadas neste artigo. O facto de este Estado‑Membro ter declarado o estado de emergência numa parte do seu território não é, por si só, decisivo a este respeito — pelo contrário, a aplicação do referido artigo varia em função das condições previstas no direito nacional de cada Estado‑Membro para a implementação desse regime. Na minha opinião, uma vez que qualquer derrogação deve ser objeto de interpretação estrita (72), e uma vez que o artigo 347.o TFUE equipara o caso das «perturbações internas» e a guerra, as circunstâncias em causa devem apresentar um limiar de gravidade análogo, ou seja, ser verdadeiras crises, próximas de um desabamento completo da segurança interna, e cujo aparecimento põe gravemente em perigo a própria existência do Estado (73).

114. Passo, em segundo lugar, ao artigo 72.o TFUE, que aparenta ser mais pertinente. Por força deste artigo, as disposições que figuram no título V da terceira parte do Tratado FUE, relativo ao espaço de segurança, liberdade e justiça, «não prejudicam o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados‑Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança interna». No presente caso, as Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento» inserem‑se no âmbito de aplicação deste artigo, uma vez que foram adotadas com base no artigo 78.o TFUE, que figura nesse título V.

115. O Tribunal de Justiça, desta vez, pronunciou‑se sobre este artigo 72.o em vários acórdãos. Estabeleceu o princípio segundo o qual o referido artigo constitui uma derrogação suscetível de permitir a um Estado‑Membro de se eximir, em determinadas circunstâncias, às obrigações que lhe impõem essas diretivas, apesar de ter sistematicamente rejeitado, até ao presente, os meios de defesa apresentados pelos Estados‑Membros nesse sentido que não tenham preenchido as condições exigidas nesta matéria. Debruçar‑me‑ei sobre essas condições na secção seguinte.

3.      Quanto às condições a respeitar pelos EstadosMembros para que essa derrogação seja compatível com o artigo 72.o TFUE

116. Uma vez que o artigo 72.o TFUE, como qualquer derrogação, deve ser objeto de uma interpretação restrita, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que não confere aos Estados‑Membros o poder de derrogar as disposições do direito da União através da mera invocação das responsabilidades que lhes incumbem com vista à manutenção da ordem pública e à garantia da segurança interna (74). Pelo contrário, devem preencher determinadas condições.

117. Antes de mais, segundo o Tribunal de Justiça, incumbe ao Estado‑Membro que invoca o benefício do artigo 72.o TFUE fazer prova da necessidade de recorrer à derrogação prevista neste artigo a fim de exercer as responsabilidades em questão (75).

118. Seguidamente, a essa exigência de necessidade acresce, na minha opinião, um requisito de proporcionalidade stricto sensu. Com efeito, as medidas nacionais controvertidas, mesmo que sejam necessárias, não podem, em meu entender, ser justificadas com base no artigo 72.o TFUE, se os inconvenientes por elas causados forem desproporcionados relativamente aos fins pretendidos (76). Neste contexto, há que ter em conta, em particular, o impacto das referidas medidas nos direitos fundamentais cujo respeito o Tribunal de Justiça assegura, designadamente os previstos na Carta (77).

119. Por último, estes requisitos materiais são, em meu entender, completados por um requisito processual. Atendendo ao princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE, um Estado‑Membro não pode adotar unilateralmente medidas derrogatórias, extraordinárias e temporárias sem ter, previamente, consultado devidamente as instituições da União, bem como os outros Estados‑Membros, e procurado uma solução comum para o problema (78). Se assim for, se, e a partir do momento em que, a própria União se dota de tais medidas comuns, com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE, considero que qualquer possibilidade de derrogação nos termos do artigo 72.o TFUE fica, por esse facto, excluída.

120. No presente caso, afigura‑se que a República da Lituânia parece ter cumprido este requisito processual (79), e, até à presente data, não foram adotadas semelhantes medidas comuns. Em contrapartida, em meu entender, disposições como o artigo 14012 e o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros não cumprem nenhum dos dois requisitos materiais acima enumerados, como explicarei nas seguintes secções.

a)      Quanto ao requisito da necessidade

121. Para verificar se, num determinado caso, um Estado‑Membro tem necessidade de derrogar um instrumento do direito da União a fim de exercer as suas responsabilidades em matéria de ordem pública e de segurança interna, o Tribunal de Justiça não considera apenas as «circunstâncias excecionais» em causa, mas verifica igualmente se o legislador da União previu, no instrumento em questão, mecanismos que permitam aos Estados‑Membros dar‑lhe resposta de forma eficaz (80).

122. Assim, para cumprir este requisito da necessidade, o Estado‑Membro que invoca o benefício do artigo 72.o TFUE deve demonstrar que o instrumento do direito da União em questão não lhe permite, tendo em conta quer o seu próprio conteúdo quer as condições concretas da sua aplicação, e atentas as circunstâncias em causa, assegurar o exercício das responsabilidades em questão (81).

123. No presente caso, o Governo lituano alega, em substância, que o cumprimento rigoroso das Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento» não lhe permitia assegurar o exercício efetivo dessas responsabilidades em matéria de ordem pública e de segurança interna, no âmbito do controlo das fronteiras externas da União face a um «afluxo massivo» como o que está em causa no processo principal. Em substância, a argumentação deste governo remete para a tensão evocada na introdução das presentes conclusões: de um lado, os Estados‑Membros situados nessas fronteiras devem normalmente impedir a passagem das mesmas por nacionais de países terceiros que não preencham as condições de entrada previstas pelo Código das Fronteiras Schengen (82); de outro lado, quando esses nacionais apresentam um pedido de proteção internacional, têm o direito de permanecer no território desses Estados durante o período de apreciação dos seus pedidos — e, portanto, devem aí ser admitidos, independentemente dessas condições, se já não tiverem entrado, mesmo ilegalmente (83).

124. Numa situação de afluxo massivo, tal gera, segundo o Governo lituano, um grande número de situações abusivas, uma vez que só uma pequena parte dos migrantes são refugiados de boa‑fé, e muitos outros apresentam pedidos de asilo, que sabem ser manifestamente infundados, exclusivamente para poderem beneficiar temporariamente das garantias decorrentes do estatuto de «requerente», serem simplesmente admitidos no espaço ou, se já aí se encontrarem em situação irregular, atrasar o seu afastamento.

125. No entanto, devo observar que a Diretiva «Procedimentos» contém uma disposição que visa permitir aos Estados‑Membros assegurar o controlo das fronteiras externas da União, respeitando sempre o direito de requerer asilo dos nacionais de países terceiros, a saber, o artigo 43.o desta diretiva.

126. No seu n.o 1, este artigo autoriza os Estados‑Membros a preverem, nas suas fronteiras ou zonas de trânsito, procedimentos específicos para se pronunciar sobre a admissibilidade, ao abrigo do artigo 33.o da Diretiva «Procedimentos», dos pedidos de asilo apresentados nesses locais, e mesmo quanto ao mérito desses pedidos, nos casos previstos no artigo 31.o, n.o 8, dessa diretiva, que correspondem, em substância, a diversas hipóteses nas quais o comportamento ou as afirmações do requerente indicam que o seu pedido é manifestamente infundado e abusivo. Em conformidade com o n.o 2 do referido artigo 43.o, esses procedimentos específicos devem, no entanto, ser concluídos num prazo razoável, entendendo‑se que, se não for tomada nenhuma decisão num prazo de quatro semanas, o Estado‑Membro deve conceder aos requerentes em causa o direito de entrar no seu território, devendo o seu pedido ser tratado em conformidade com o procedimento de direito comum.

127. Esses procedimentos permitem aos Estados‑Membros, antes de mais,  fazerem uma «primeira triagem» dos pedidos de proteção internacional, na fronteira ou numa zona de trânsito, antes de autorizarem a entrada nos seus territórios dos nacionais em causa. Os referidos Estados podem assim recusar a entrada às pessoas, evocadas pelo Governo lituano, que apresentem pedidos manifestamente infundados e abusivos.

128. Seguidamente, durante esses procedimentos específicos, os Estados‑Membros são autorizados, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 3, alínea c), da Diretiva «Acolhimento», a deter os requerentes em causa na fronteira ou numa zona de trânsito, quando, em conformidade com o n.o 2 deste artigo, uma tal medida seja necessária. Ora, na minha opinião, tal acontece quando as autoridades nacionais têm motivos razoáveis para considerar que se um requerente fosse deixado em liberdade atravessaria ou tentaria atravessar sem autorização a fronteira em questão.

129. Por último, quanto aos nacionais de países terceiros que já atravessaram ilegalmente a fronteira nacional e que apresentam um pedido de asilo no território do Estado‑Membro em causa, recordo que o artigo 31.o, n.o 8, alínea h), da Diretiva «Procedimentos» autoriza os Estados‑Membros, nos casos previstos nesta disposição (84), para lutar contra eventuais abusos, a apreciar esse pedido de forma acelerada e segundo um procedimento na fronteira, tal como previsto no artigo 43.o desta diretiva. Nestes casos, as autoridades nacionais podem assim, aparentemente, conduzir as pessoas em causa à fronteira para efeitos desse procedimento. Eventualmente, o facto de terem entrado ilegalmente no território nacional, uma primeira vez, pode, em meu entender, ser suscetível de demonstrar que é necessário colocá‑las em detenção durante o referido procedimento, com base no artigo 8.o, n.o 3, alínea c), da Diretiva «Acolhimento».

130. Por conseguinte, na minha opinião, não se pode considerar que o conteúdo das Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento», por si só, não permite aos Estados‑Membros exercer, nas fronteiras externas da União, as suas responsabilidades em matéria de ordem pública e segurança interna.

131. Quanto às condições concretas da aplicação destes instrumentos, admito que, no caso de um afluxo massivo como o que está em causa no presente processo, de, aparentemente, especial natureza e dimensão, seja difícil para as autoridades de um Estado‑Membro proceder, no âmbito de procedimentos específicos na fronteira, à «primeira triagem» de pedidos de asilo apresentados simultaneamente por um número considerável de nacionais de países terceiros, no prazo de quatro semanas previsto no artigo 43.o, n.o 2, da Diretiva «Procedimentos». Embora o n.o 3 deste artigo autorize, nessas circunstâncias, a prosseguir esses procedimentos além desse prazo, tal implica, não obstante, admitir todos os nacionais em causa devem no território nacional — estejam eles de boa‑fé ou abusem do sistema (85). De resto, mesmo a Comissão, na sua proposta de decisão do Conselho, deixa transparecer que a Diretiva «Procedimentos» não é totalmente adequada a semelhantes circunstâncias.

132. Assim, posso admitir que, enquanto esta proposta não for adotada, seja necessário que um Estado‑Membro derrogue, ao abrigo do artigo 72.o TFUE, determinadas disposições do artigo 43.o da Diretiva «Procedimentos». Na minha opinião, um Estado‑Membro pode, como é sugerido na referida proposta, alargar os procedimentos na fronteira, prevendo que todos os pedidos de asilo de nacionais intercetados ou encontrados nas imediações da fronteira em questão, após uma entrada ilegal, ou depois de se terem apresentado nos pontos de passagem de fronteira, sejam apreciados no âmbito desses procedimentos (86) e, nesse mesmo âmbito, derrogar, razoavelmente, o prazo de quatro semanas previsto no n.o 2 desse artigo, para deixar às autoridades nacionais tempo suficiente para efetuar essa «primeira triagem» dos pedidos de asilo (87).

133. Em contrapartida, considero que não é necessário que um Estado‑Membro derrogue os artigos 6.o e 7.o da Diretiva «Procedimentos» e o artigo 8.o da Diretiva «Acolhimento», aplicando disposições nacionais como o artigo 14012 e o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros, para exercer efetivamente as suas responsabilidades em matéria de ordem pública e de segurança interna no caso de «afluxo massivo» de migrantes à sua fronteira — independentemente da natureza e dimensão desse afluxo. Como acabei de explicar, os procedimentos específicos de apreciação dos pedidos de asilo na fronteira, previstos no artigo 43.o da Primeira Diretiva, e a possibilidade de deter determinados requerentes neste âmbito, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 3, alínea c), da Segunda Diretiva, permitem já dar resposta a essa situação, eventualmente mediante algumas adaptações.

b)      Quanto ao respeito pelos direitos fundamentais

134. No âmbito da apreciação da compatibilidade com o direito da União de qualquer medida derrogatória, extraordinária e temporária, os direitos fundamentais das pessoas em causa não podem ser esquecidos. Com efeito, embora «circunstâncias excecionais» possam, teoricamente, dar lugar a muitas restrições a esses direitos para garantir a ordem pública e a segurança interna, primeiro, deve ser sempre mantido um equilíbrio entre os referidos direitos e esses imperativos, segundo, determinadas restrições são tão graves que nunca serão aceitáveis numa sociedade democrática e, terceiro e último, determinados direitos não podem de forma alguma ser restringidos quaisquer que sejam as circunstâncias.

135. Neste âmbito, na minha opinião, há que ter em conta não apenas a Carta, mas igualmente a CEDH, que estabelece um limiar mínimo de proteção abaixo do qual a União não pode descer. O mesmo se diga da Convenção de Genebra. Embora a União não seja parte contratante nesta convenção, o artigo 78.o, n.o 1, TFUE e o artigo 18.o da Carta impõem‑lhe o cumprimento das regras nela contidas. Por conseguinte, o Tribunal de Justiça deve assegurar, no âmbito da sua interpretação do artigo 72.o TFUE e das derrogações ao direito da União que esta disposição possa justificar, que essa interpretação respeita o nível de proteção garantido por essa mesma convenção (88).

1)      Quanto ao facto de não ser permitido a um nacional de país terceiro aceder a um procedimento de concessão da proteção internacional

136. Em primeiro lugar, uma disposição como o artigo 14012 da Lei Relativa aos Estrangeiros, que, na prática, não permite, salvo exceção, a um nacional de país terceiro aceder ao procedimento de concessão de proteção internacional se tiver entrado ilegalmente no território lituano, não é, em meu entender, compatível com os direitos fundamentais garantidos pela Carta, mesmo em caso de «afluxo massivo» de migrantes.

137. Com efeito, por um lado, essa disposição é, na minha opinião, contrária ao direito de asilo, garantido, enquanto tal, pelo artigo 18.o da Carta. Sublinho, a este respeito, que a efetividade desse direito depende do acesso a um procedimento nesta matéria (89). É certo que, nas condições previstas no artigo 52.o, n.o 1, da Carta (90), podem ser introduzidas restrições ao referido direito. Contudo, considero que impedir, na prática, um nacional de país terceiro de requerer proteção internacional viola o «conteúdo essencial» desse mesmo direito (91).

138. Por outro lado, recusar aceitar para apreciação um pedido de asilo apresentado por um nacional de país terceiro em situação ilegal no território nacional seria igualmente contrário ao princípio da não repulsão, conforme previsto no artigo 19.o, n.o 2, da Carta.

139. Com efeito, esse direito fundamental, que está diretamente ligado à proibição da tortura e das penas ou tratos desumanos ou degradantes, constante do artigo 4.o da Carta e do artigo 3.o da CEDH, não admite nenhuma restrição. Proíbe os Estados‑Membros de, em qualquer circunstância, afastar, expulsar ou extraditar uma pessoa para um Estado onde exista um risco sério de ser sujeita a esses tratamentos (92).

140. Ora, um Estado‑Membro não pode excluir esse risco e, portanto, cumprir as suas obrigações em matéria de não repulsão, estando em causa um nacional de país terceiro em situação ilegal no seu território, se não analisar, antes de expulsar o interessado, o pedido no qual este alega, precisamente, que receia ser perseguido no seu país de origem (93).

141. A interpretação precedente não é posta em causa pelo argumento do Governo lituano de que, em substância, um nacional de país terceiro que entra ilegalmente no território de um Estado no contexto de um «afluxo massivo» adota um comportamento abusivo que justifica privá‑lo do seu direito de requerer asilo, e de que o princípio da não repulsão não pode ser considerado absoluto nessa situação.

142. Com efeito, por um lado, devo recordar que os redatores da Convenção de Genebra reconheceram que, ao exercerem o direito de asilo que lhes assiste, os refugiados — incluindo os requerentes de asilo, enquanto não for tomada decisão negativa sobre o pedido (94) — são frequentemente levados a entrar ilegalmente no território dos Estados em que procuram proteção. Longe de autorizar os Estados a privar essas pessoas do direito de pedirem asilo por este motivo, os mesmos redatores, pelo contrário, enquadraram, no artigo 31.o desta convenção, o poder dos Estados de lhes aplicarem sanções penais em caso de entrada ou estada irregulares nos seus territórios (95) — aspeto a que regressarei. Por outro lado, as obrigações dos Estados decorrentes do respeito pelo princípio da não repulsão, tal como garantido no artigo 19.o, n.o 2, da Carta, são impostas seja qual for comportamento da pessoa em causa (96).

143. Na minha opinião, o Acórdão N. D. e N. T. c. Espanha (97), invocado pelo Governo lituano, não demonstra o contrário. Este acórdão não tem por objeto o princípio da não repulsão, conforme consagrado no artigo 3.o da CEDH, e, além disso, diz respeito a circunstâncias muito específicas — os recorrentes tinham tomado parte num ataque coletivo para tentar entrar no território espanhol forçando, com recurso à violência, a barreira de fronteira —, consideravelmente diferentes das do presente caso. De qualquer modo, mesmo admitindo que este acórdão deve ser entendido no sentido de que, segundo o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o facto de um requerente de asilo ter entrado de forma irregular no território de um Estado, no contexto de um afluxo massivo de migrantes, autoriza que esse Estado não tenha em consideração o seu pedido de asilo, sobre o que tenho sérias dúvidas, daí resultaria simplesmente que o direito da União asseguraria, assim, nos artigos 18.o e 19.o, n.o 2, da Carta, uma proteção mais alargada do que a CEDH, como é expressamente permitido pelo artigo 52.o, n.o 3, do primeiro instrumento.

2)      Quanto à possibilidade de colocar um requerente em detenção pelo simples facto de ter atravessado ilegalmente a fronteira nacional

144. Em segundo lugar, uma disposição como o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros, que permite deter um requerente de asilo pelo simples facto de ter atravessado ilegalmente a fronteira nacional, também não está em conformidade, na minha opinião, com os direitos fundamentais garantidos pela Carta e pelos outros instrumentos pertinentes, mesmo em caso de «afluxo massivo» de migrantes.

145. Por um lado, ao prever essa medida de detenção, esta disposição implica uma ingerência particularmente grave no direito à liberdade consagrado no artigo 6.o da Carta. A este respeito, recordo que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, atendendo à importância deste direito fundamental, face a uma ingerência dessa gravidade, as restrições ao exercício do mesmo só são admissíveis se forem operadas dentro dos limites do estritamente necessário (98).

146. Inquirido pelo Tribunal de Justiça, na audiência, sobre a forma pela qual o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros contribui como necessário para a manutenção da ordem pública e da segurança interna no território lituano, e, em particular, sobre a finalidade exata de uma medida de detenção aplicada ao abrigo desta disposição, o Governo lituano explicou, nomeadamente, que, quando os migrantes conseguiam entrar ilegalmente no território nacional, a sua eventual colocação em detenção visava evitar os fluxos secundários ilegais no Espaço Schengen — uma vez que, caso contrário, segundo este governo, a maioria dessas pessoas, previsivelmente, não ficaria na Lituânia e continuaria o seu percurso para outros Estados‑Membros.

147. Ora, em meu entender, vista sob esta perspetiva, essa medida de detenção ultrapassa o necessário para proteger a ordem pública e a segurança interna.

148. É certo que o facto de um requerente ter entrado ilegalmente no território nacional pode constituir, em determinados casos, um indício de risco de fuga — eventualmente para outros Estados‑Membros — do mesmo. Admitindo que seja corroborado por outros elementos, esse risco pode validamente tornar necessária a colocação do interessado em detenção durante um determinado período — como aliás é permitido pelo artigo 8.o, n.o 3, alínea b), da Diretiva «Acolhimento» (99). Em contrapartida, na falta desses elementos, uma medida de detenção fundamentada na mera entrada ilegal encontra‑se no limite do arbitrário (100).

149. Uma medida como a prevista no artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros é, por outro lado, em meu entender, contrária ao artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Genebra. Devo recordar que, em conformidade com esta disposição, os Estados partes nesta convenção não devem aplicar «sanções penais», devido a entrada ou estada irregulares, aos «refugiados» — incluindo, recordo, os requerentes de asilo — sob determinadas condições.

150. A referida disposição visa evitar que essas pessoas sejam penalizadas pela sua entrada ou presença irregulares no território de um Estado (101). Atento este objetivo, é geralmente admitido que o conceito de «sanção penal», na aceção da referida disposição, deve ser entendido, de uma forma autónoma e ampla, como visando qualquer medida que tenha um caráter não só preventivo, mas também punitivo ou dissuasivo, seja qual for a sua qualificação em direito nacional (102).

151. Ora, se, como referiu o Governo lituano na audiência, uma medida de detenção ao abrigo do artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros não constitua uma sanção penal no direito lituano, esse Governo reconheceu, porém, nessa ocasião, que a detenção se destina igualmente, em determinada medida, a punir os requerentes que atravessaram de forma ilegal a fronteira nacional e a dissuadir outros migrantes que fossem tentados a adotar o mesmo comportamento.

152. Por conseguinte, essa medida de detenção constitui, a meu ver, uma «sanção penal», na aceção do artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Genebra. Como o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros se dirige apenas aos requerentes de asilo, só pode, na minha opinião, ser compatível com esta disposição fundamental se respeitar apenas àqueles que não preenchem as condições previstas nessa disposição (103), o que não se afigura ser o caso.

4.      Conclusão intercalar

153. Atendendo às considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda à segunda parte das duas questões no sentido de que o artigo 72.o TFUE não autoriza um Estado‑Membro a aplicar disposições como o artigo 14012 e o artigo 14017, ponto 2, da Lei Relativa aos Estrangeiros, derrogando as Diretivas «Procedimentos» e «Acolhimento», em caso de «circunstâncias excecionais» caracterizadas por um «afluxo massivo» de migrantes à sua fronteira.

VI.    Conclusão

154. Atendendo a todas as considerações precedentes, sugiro ao Tribunal de Justiça que responda às questões submetidas pelo Lietuvos vyriausiasis administracinis teismas (Supremo Tribunal Administrativo, Lituânia) da seguinte forma:

1)      Uma disposição nacional que, salvo exceção, não permite aos nacionais de países terceiros aceder ao procedimento de concessão de proteção internacional no território do Estado‑Membro em questão se aí tiverem entrado ilegalmente não é compatível com o artigo 6.o, n.os 1 e 2, e com o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional.

2)      Uma disposição nacional que permite colocar um requerente de proteção internacional em detenção pelo simples facto de ter passado ilegalmente a fronteira do Estado‑Membro em causa não é compatível com o artigo 8.o, n.o 3, da Diretiva 2013/33/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional.

3)      O artigo 72.o TFUE não autoriza um Estado‑Membro a aplicar essas disposições nacionais, derrogando as Diretivas 2013/32 e 2013/33, em caso de «circunstâncias excecionais» caracterizadas por um «afluxo massivo» de migrantes à sua fronteira.


1      Língua original: francês.


2      Utilizarei, nestas conclusões, o conceito, mais preciso, de «nacional de país terceiro» que visa, segundo o artigo 2.o, n.o 6, do Regulamento (UE) 2016/399 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, que estabelece o código da União relativo ao regime de passagem de pessoas nas fronteiras (Código das Fronteiras Schengen) (JO 2016, L 77, p. 1) (a seguir «Código das Fronteiras Schengen»), «qualquer pessoa que não seja cidadão da União na aceção do artigo 20.o, n.o 1, [TFUE] e que [não beneficie do direito à livre circulação ao abrigo do direito da União]».


3      Nestas conclusões, utilizarei indiferenciadamente os termos «proteção internacional» e «asilo».


4      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 180, p. 60).


5      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de junho de 2013 (JO 2013, L 180, p. 96, e retificação no JO 2015, L 100, p. 81).


6      Convenção assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], que entrou em vigor em 22 de abril de 1954, conforme completada pelo Protocolo Relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967.


7      Entre 10 de agosto de 2021 e 1 de janeiro de 2022, as mesmas disposições figuravam no artigo 67.o, n.os 11 e 12, da Lei Relativa aos Estrangeiros (na versão resultante da Lei n.o XIV‑515, de 10 de agosto de 2021). Atendendo ao período abrangido pelos factos do processo principal, este dois artigos são, assim, aplicáveis ratione temporis. Contudo, limitar‑me‑ei a fazer referência ao referido artigo 14012.


8      Das observações do Governo lituano resulta que o estado de emergência esteve em vigor de 10 de novembro de 2021 a 14 de janeiro de 2022 inclusive, e o regime da «situação de emergência» ainda está em vigor.


9      Acórdão de 25 de junho de 2020 (C‑36/20 PPU, a seguir «Acórdão Ministerio Fiscal», EU:C:2020:495).


10      Por força desta disposição, um requerente de asilo pode ser detido a fim de se determinarem os motivos em que se baseia o seu pedido (se não for possível obter essas informações de outra forma) e se, após a apreciação das circunstâncias indicadas em determinadas disposições legais, existirem razões para considerar que o interessado poderia pôr‑se em fuga para evitar ser reenviado para um Estado terceiro ou ser afastado da Lituânia.


11      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho de 13 de dezembro de 2011 (JO 2011, L 337, p. 9).


12      V. n.os 24 e 30 das presentes conclusões.


13      Com esta expressão, refiro‑me ao facto de MA ter atravessado a fronteira que separa a Lituânia da Bielorrússia sem respeitar as condições de entrada enumeradas no artigo 6.o, n.o 1, do Código das Fronteiras Schengen. Além disso, afigura‑se que o interessado atravessou a fronteira de forma «não autorizada», na aceção do artigo 5.o, n.o 3, deste Código, ou seja, fora dos pontos de passagem de fronteira e das horas de abertura fixadas (v. n.os 20 e 22 das presentes conclusões).


14      Embora o órgão jurisdicional de reenvio tenha feito referência, no enunciado da sua primeira questão, ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 2011/95, este artigo tem por objeto os elementos necessários para justificar um pedido de proteção internacional e, por conseguinte, não rege a questão submetida. Em contrapartida, como especificarei posteriormente, há diversas disposições da Diretiva «Procedimentos» que são pertinentes a este respeito.


15      Previstas, nomeadamente, no artigo 113.o, n.o 4, da Lei Relativa aos Estrangeiros.


16      V. n.o 23 das presentes conclusões.


17      V. n.os 30 e 34 das presentes conclusões.


18      V. n.o 23 das presentes conclusões.


19      Além disso, MA alega que a medida «diferente da detenção» que lhe foi aplicada constitui uma detenção de facto. Nessa medida, a segunda questão também mantém a sua pertinência (v. n.os 84 a 88 das presentes conclusões).


20      V. também ponto 22, primeiro período, da descrição do procedimento.


21      V. n.o 13 das presentes conclusões.


22      V. também ponto 22, terceiro período, da descrição do procedimento.


23      Exceção que será debatida no n.o 78 das presentes conclusões.


24      V. também ponto 23 da descrição do procedimento.


25      V. n.os 23 e 27 a 28 das presentes conclusões.


26      Esta recusa baseava‑se igualmente no facto de que MA não apresentou o seu pedido tão rapidamente quanto possível após ter atravessado ilegalmente a fronteira nacional. Este aspeto será analisado na nota de pé de página 33 das presentes conclusões.


27      Vou esquematizar as coisas para efeitos da análise. Na realidade, a questão do estatuto jurídico de MA dá lugar a um imbróglio a nível nacional: órgão jurisdicional de primeira instância e o órgão jurisdicional de reenvio consideram‑no requerente de asilo (v. n.os 23 e 30 das presentes conclusões); VSAT, por sua vez, começou por recusar admitir o seu pedido, antes de por fim pedir a este último órgão jurisdicional que ordenasse ao Departamento de Imigração a respetiva apreciação (v. n.o 27), exercendo, assim, aparentemente, o poder discricionário debatido no n.o 78; finalmente, embora o referido Departamento tenha devolvido o pedido de MA (v. n.o 28), acabou por decidir apreciá‑lo (v. n.o 51). Obviamente, todas estas autoridades fizeram uma leitura diferente do direito nacional ou do direito da União.


28      Por comodidade, apenas farei referência aos nacionais de países terceiros na continuação das presentes conclusões.


29      V., designadamente, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência aos requerentes de asilo) (C‑821/19, EU:C:2021:930, n.os 132 e 136 e jurisprudência referida).


30      V., designadamente, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência aos requerentes de asilo) (C‑821/19, EU:C:2021:930, n.o 136 e jurisprudência referida).


31      V. n.o 129 das presentes conclusões.


32      Nomeadamente quando a pessoa em causa, sem justificação, não se apresentou às autoridades nem apresentou um pedido de proteção internacional logo que possível, dadas as circunstâncias da entrada. Assim, embora, contrariamente ao considerado pelo Departamento de Imigração (v. n.o 28 das presentes conclusões), essas circunstâncias não possam levar o interessado a perder o seu direito de requerer asilo (v. igualmente, quanto à admissibilidade dos pedidos extemporâneos, artigo 10.o, n.o 1, da Diretiva «Procedimentos»), podem ter consequências quanto à forma como o pedido é apreciado pelas autoridades nacionais (v. também n.o 129 das presentes conclusões).


33      V. considerando 27 da Diretiva «Procedimentos» e Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 97 e jurisprudência referida).


34      Diretiva 2008/115/CE do Parlamento Europeu e do conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativa a normas e procedimentos comuns nos Estados‑Membros para o regresso de nacionais de países terceiros em situação irregular (JO 2008, L 348, p. 98, a seguir «Diretiva “Regresso”»). Com efeito, um nacional de país terceiro que entre de forma ilegal no território de um Estado‑Membro e não disponha de uma autorização de residência, encontra‑se numa «situação irregular» na aceção desta diretiva. Por conseguinte, deve, em princípio, ser objeto de procedimento de afastamento ao abrigo da referida diretiva.


35      V. Acórdão Ministerio Fiscal (n.os 59 a 68). Devidamente salientado, no presente caso, pelo órgão jurisdicional de primeira instância (v. n.o 23 das presentes conclusões).


36      Com efeito, essas disposições definem o «requerente» como «um nacional de um país terceiro ou um apátrida que tenha apresentado um pedido de proteção internacional em relação ao qual ainda não foi tomada uma decisão definitiva».


37      V. considerando 27 da Diretiva «Procedimentos» e, nomeadamente, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 100 e jurisprudência referida).


38      V. considerando 9 da Diretiva «Regresso» e Acórdão Ministerio Fiscal (n.o 99).


39      Esta disposição impõe, em princípio, aos Estados‑Membros que procedam ao registo do pedido no prazo de três ou seis dias úteis a contar da sua «apresentação», consoante o referido pedido tenha sido apresentado à autoridade competente segundo a lei nacional para proceder ao seu registo ou a «outra autoridade».


40      V. considerando 27 da Diretiva «Procedimentos».


41      V. artigo 31.o, n.o 3, da «Diretiva procedimentos» e Acórdão de 16 de novembro de 2021, Comissão/Hungria (Criminalização da assistência aos requerentes de asilo) (C‑821/19, EU:C:2021:930, n.o 81).


42      A este respeito, devo sublinhar que, se um requerente não formaliza o seu pedido, os Estados‑Membros podem, em princípio, aplicar o artigo 28.o da Diretiva «Procedimentos» e, assim, considerar que desistiu implicitamente do mesmo.


43      V., no mesmo sentido, Recomendação Rec(2003)5 1 do Comité de Ministros aos Estados‑Membros sobre medidas de retenção dos requerentes de asilo, adotada pelo Comité de Ministros, em 16 de abril de 2003, na 837.a reunião dos Delegados dos Ministros, n.o 8, e TEDH, 25 de junho de 1996, Amuur c. França, CE:ECHR:1996:0625JUD001977692, § 43.


44      V. artigo 8, n.o 1, da Diretiva «Procedimentos».


45      O Governo lituano alegou também que um nacional de país terceiro que entrou ilegalmente no território lituano pode igualmente, em conformidade com o Acórdão Ministerio Fiscal, apresentar um pedido de asilo ao tribunal responsável pela sua detenção. Se for caso disso, o pedido é transmitido à autoridade competente para o registo, tendo o requerente, em seguida, a possibilidade efetiva de o formalizar e é, então, apreciado. É, aliás, o que terá ocorrido no processo principal (v. n.o 50 das presentes conclusões). Em resposta às questões do Tribunal de Justiça, esse Governo explicou que se trata de um meio de requerer asilo que, embora não previsto no artigo 14012 da Lei Relativa aos Estrangeiros, não é, no entanto, proibido pelo mesmo artigo. No entanto, além do facto de o órgão jurisdicional de reenvio não ter dado a mesma interpretação desse artigo, devo observar simplesmente que um Estado‑Membro não garante um acesso efetivo, fácil e rápido ao procedimento de concessão da proteção internacional se alguns nacionais forem obrigados a recorrer aos tribunais para requerer essa proteção.


46      V. artigo 6.o, n.o 5, da Diretiva «Procedimentos», que autoriza a prorrogação desse prazo por 10 dias.


47      V. artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da «Diretiva procedimentos», que permite, nestas circunstâncias, prorrogar o prazo de seis meses normalmente aplicável por um período que não exceda outros nove meses.


48      V., a este respeito, artigo 8.o, n.o 4, da Diretiva «Acolhimento».


49      Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.o 223).


50      V., por analogia, Acórdão de 14 de maio de 2020, Országos Idegenrendészeti Főigazgatóság Dél‑alföldi Regionális Igazgatóság (C‑924/19 PPU e C‑925/19 PPU, EU:C:2020:367, n.os 226 e 227). MA também alegou que as condições de vida no centro do VSAT em questão são equivalentes ao trato desumano ou degradante, proibido, nomeadamente, pelo artigo 4.o da Carta e pelo artigo 3.o da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»). Mais uma vez, é ao órgão jurisdicional de reenvio que cabe verificá‑lo à luz da jurisprudência pertinente [v., em particular, Acórdão de 25 de julho de 2018, Generalstaatsanwaltschaft (Condições de detenção na Hungria) (C‑220/18 PPU, EU:C:2018:589)].


51      V., designadamente, Acórdão Ministerio Fiscal (n.o 104 e jurisprudência referida).


52      V., a respeito desta conceção, n.os 100 e seguintes das presentes conclusões.


53      Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.os 55 e 67).


54      V., por analogia, Acórdão de 11 de junho de 2015, Zh. e O. (C‑554/13, EU:C:2015:377, n.os 49, 50, 57 e 61). O mesmo acontece, a fortiori, se a pessoa em causa só entrou ilegalmente num Estado‑Membro de acolhimento por se encontrar em trânsito com destino a um segundo Estado (v. n.o 63 deste acórdão).


55      V., por analogia, Acórdão de 11 de junho de 2015, Zh. e O. (C‑554/13, EU:C:2015:377, n.o 50).


56      V., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 172).


57      O que é confirmado pelo facto de a referida disposição já se refletir, no direito lituano, no artigo 113.o, n.o 4, ponto 5, da Lei Relativa aos Estrangeiros.


58      V., designadamente, Acórdão TEDH, 29 de janeiro de 2008, Saadi c. Reino Unido, CE:ECHR:2008:0129JUD001322903, § 64.


59      V., em particular, artigos 8.o e 13.o do Código das Fronteiras Schengen.


60      V., designadamente, artigo 5.o, n.o 3, do Código das Fronteiras Schengen.


61      O Governo lituano indicou que, entre 1 de julho de 2021 e 10 de março de 2022, 3 695 nacionais de países terceiros atravessaram ilegalmente as fronteiras da Lituânia.


62      V., respetivamente, Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de outubro de 2021, sobre a situação na Bielorrússia após um ano de protestos e da sua violenta repressão [2021/2881(RSP)], § 16; Conselho Europeu, Conclusões da reunião de 21 e 22 de outubro de 2021 (EUCO 17/21), § 19, e Conclusões da reunião de 16 de dezembro de 2021 (EUCO 22/21), §§ 18 e 21; 2021 State of the Union Address by President von der Leyen, Estrasburgo, 15 de setembro de 2021.


63      V. n.o 92 das presentes conclusões.


64      COM(2021) 752 final (a seguir «proposta de decisão do Conselho»).


65      Proposta de decisão do Conselho, exposição de motivos, p. 1.


66      COM(2021) 890 final.


67      A Comissão ainda apresentou, no mesmo dia, uma proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que altera o [Código das Fronteiras Schengen] [COM(2021) 891 final], visando, nomeadamente, permitir aos Estados‑Membros atuar rapidamente em caso de «instrumentalização de migrantes». No essencial, esta proposta prevê que, nesse caso, os Estados‑Membros possam limitar o número de pontos de passagem de fronteira e intensificar a vigilância das fronteiras.


68      V., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 214 e jurisprudência referida).


69      V. Acórdão de 15 de maio de 1986, Johnston (222/84, EU:C:1986:206, n.o 27).


70      V. Conclusões do advogado‑geral M. Darmon no processo Johnston (222/84, não publicadas EU:C:1986:44, n.o 5), e Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Comissão/Grécia (C‑120/94, EU:C:1995:109, n.o 46).


71      No entanto, mesmo nestes casos, há restrições impostas ao abrigo de determinados direitos fundamentais que não podem ser objeto de derrogação (v. n.os 138 e 139 das presentes conclusões).


72      V., designadamente, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento de requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 215).


73      V. Conclusões do advogado‑geral F. G. Jacobs no processo Comissão/Grécia (C‑120/94, EU:C:1995:109, n.o 47), e Conclusões do advogado‑geral A. La Pergola no processo Sirdar (C‑273/97, EU:C:1999:246, n.o 21).


74      V., designadamente, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 215).


75      V., designadamente, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 216).


76      V., por analogia, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Centraal Israëlitisch Consistorie van België e o. (C‑336/19, EU:C:2020:1031, n.o 64).


77      V., por analogia, Acórdão de 21 de maio de 2019, Comissão/Hungria (Usufruto sobre terrenos agrícolas) (C‑235/17, EU:C:2019:432, n.o 64 e jurisprudência referida).


78      Devo observar que esse procedimento é expressamente previsto nos artigos 347.o e 348.o TFUE, em caso de aplicação da primeira disposição.


79      Devo observar, quanto a este ponto, que a República da Lituânia consultou os seus parceiros europeus e pediu à Comissão que propusesse medidas provisórias com base no artigo 78.o, n.o 3, TFUE (v. proposta de decisão do Conselho, exposição de motivos).


80      V., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo temporário de relocalização de requerentes de proteção internacional (C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257, n.o 171).


81      V. Conclusões do advogado‑geral P. Pikamäe no processo Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:493, n.o 103).


82      V. n.o 100 das presentes conclusões.


83      V. n.o 69 das presentes conclusões e artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva «Procedimentos».


84      Nomeadamente, recordo, quando, sem motivo válido, a pessoa em causa não se apresentou às autoridades ou não apresentou um pedido de proteção internacional imediatamente atendendo às circunstâncias da sua entrada.


85      As autoridades nacionais apenas podem limitar a liberdade de circulação desses requerentes a uma zona situada nas imediações das fronteiras ou das zonas de trânsito desse Estado‑Membro, em conformidade com o artigo 7.o da Diretiva «Acolhimento».


86      V. artigo 2.o, n.o 2, da proposta de decisão do Conselho.


87      O artigo 2.o, n.o 5, da proposta de decisão do Conselho permite, assim, prorrogar para dezasseis semanas o prazo de concessão do direito de acesso ao território.


88      V., designadamente, Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.os 74 e 75).


89      V., neste sentido, Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Hungria (Acolhimento dos requerentes de proteção internacional) (C‑808/18, EU:C:2020:1029, n.o 102).


90      Em conformidade com esta disposição, qualquer restrição ao exercício de um direito garantido pela Carta só é admissível, primeiro, se for «prevista por lei», segundo, respeitar o «conteúdo essencial» desse direito, e, terceiro, se respeitar o princípio da proporcionalidade.


91      Essa privação deve, na minha opinião, ser ponderada com a possibilidade de submeter a apreciação do pedido a um procedimento acelerado ou a um procedimento específico na fronteira.


92      V., designadamente, Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.os 94 a 96). V. também artigo 15.o da CEDH, que permite, no seu n.o 1, que os Estados‑Membros derroguem as obrigações previstas nessa convenção em caso de guerra ou de outro perigo público que ameace a vida da nação, mas que precisa, no seu n.o 2, que não autoriza nenhuma derrogação ao artigo 3.o da referida convenção.


93      United Nations High Commissioner for Refugees (UNHCR), Observações on Draft Amendments to the Law of the Republic of Lithuania on Legal Status of Aliens (No 2129207), 27 de setembro de 2021, § 17.


94      V. Goodwin‑Gill, G. S., «L’article 31 de la convention de 1951 relative au statut des réfugiés: l’absence de sanctions pénales, la détention et la protection», Feller, E., Türk, V., e Nicholson, F., (dir.) La Protection des réfugiés en droit international, Larcier, Bruxelas, 2008, pp. 232 a 234.


95      ACNUR, Observations on draft Amendments to the Law of the Republic of Lithuania on Legal Status of Aliens, §§ 11 e 14 e referências citadas. Além disso, o legislador da União já previu medidas menos radicais para combater eventuais abusos na matéria (v. n.os 63 e 129 das presentes conclusões).


96      V. Acórdão de 14 de maio de 2019, M e o. (Revogação do estatuto de refugiado) (C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, EU:C:2019:403, n.o 94).


97      TEDH, de 13 de fevereiro de 2020, CE:ECHR:2020:0213JUD000867515. Neste acórdão, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem declarou que a Espanha podia, em derrogação do princípio da proibição de expulsão coletiva previsto no artigo 4.o do Protocolo n.o 4, da CEDH, rejeitar, sem analisar as respetivas circunstâncias individuais, migrantes que tinham tentado atravessar ilegalmente a sua fronteira, baseando‑se, por um lado, no comportamento dos interessados e, por outro, no facto de esse Estado permitir efetivamente a entrada legal (§§ 201, 218, 222 e 231).


98      V. Acórdão de 15 de fevereiro de 2016, N. (C‑601/15 PPU, EU:C:2016:84, n.o 56).


99      V., também, no presente caso, n.o 23 e nota de pé de página 16 das presentes conclusões


100      V., por analogia, Comité dos Direitos do Homem, A c. Austrália, 1997, n.o 9.4. V. também ACNUR, Principes directeurs relatifs aux critères et aux normes applicables à la détention des demandeurs d’asile et alternatives à la rétention, 2012, n.os 31 e 32.


101      Assim, embora o artigo 5.o, n.o 3, do Código das Fronteiras Schengen preveja que os Estados‑Membros aplicam sanções no caso de passagem não autorizada das fronteiras externas, esta obrigação é imposta a esses Estados «[s]em prejuízo […] das suas obrigações em matéria de proteção internacional», não podendo essas sanções, em princípio, ser aplicadas aos refugiados.


102      V. Goodwin‑Gill, G. S., op. cit., pp. 232 a 234.


103      Quanto a este ponto, especificarei simplesmente, tratando‑se da condição segundo a qual os refugiados devem «chegar diretamente do território em que a sua vida ou a sua liberdade se encontravam ameaçadas», que é geralmente aceite que esta expressão não deve ser entendida literalmente, e que abrange igualmente situações nas quais as pessoas em causa transitam, durante o seu percurso, por outro país onde não lhe tenha sido garantida qualquer proteção efetiva (v. Goodwin‑Gill, G. S., op. cit., p. 232), categoria em que a Bielorrússia pode, muito provavelmente, ser incluída. Por conseguinte, o simples facto de um requerente de asilo, depois da saída do seu país de origem, ter permanecido na Bielorrússia por um breve período antes de entrar na Lituânia não lhe faz perder o benefício da proteção prevista no artigo 31.o, n.o 1, da Convenção de Genebra.