Language of document : ECLI:EU:C:2012:816

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

19 de dezembro de 2012 (*)

«Marca comunitária — Regulamento (CE) n.° 207/2009 — Artigo 15.°, n.° 1 — Conceito de ‘utilização séria da marca’ — Âmbito territorial da utilização — Utilização da marca comunitária no território de um único Estado‑Membro — Suficiência»

No processo C‑149/11,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.° TFUE, apresentado pelo Gerechtshof te ’s‑Gravenhage (Países Baixos), por decisão de 1 de fevereiro de 2011, entrado no Tribunal de Justiça em 28 de março de 2011, no processo

Leno Merken BV

contra

Hagelkruis Beheer BV,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Rosas, exercendo funções de presidente da Segunda Secção, U. Lõhmus (relator), A. Ó Caoimh, A. Arabadjiev e C. G. Fernlund, juízes,

advogado‑geral: E. Sharpston,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 19 de abril de 2012,

vistas as observações apresentadas:

¾        em representação da Leno Merken BV, por D. M. Wille, advocaat,

¾        em representação da Hagelkruis Beheer BV, por J. Spoor, advocaat,

¾        em representação do Governo neerlandês, por C. Wissels e C. Schillemans, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo belga, por J.‑C. Halleux, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo dinamarquês, por C. H. Vang, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo alemão, por K. Petersen, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo francês, por J. Gstalter, na qualidade de agente,

¾        em representação do Governo húngaro, por M. Ficsor, K. Szíjjártó e K. Molnár, na qualidade de agentes,

¾        em representação do Governo do Reino Unido, por S. Ossowski, na qualidade de agente,

¾        em representação da Comissão Europeia, por T. van Rijn, F. W. Bulst e F. Wilman, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 5 de julho de 2012,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Leno Merken BV (a seguir «Leno») à Hagelkruis Beheer BV (a seguir «Hagelkruis»), a respeito da oposição apresentada pela Leno, titular da marca comunitária ONEL, ao registo da marca Benelux OMEL pela Hagelkruis.

 Quadro jurídico

 Regulamento n.° 207/2009

3        Nos termos dos considerandos 2 a 4, 6 e 10 do Regulamento n.° 207/2009:

«(2)      Convém promover um desenvolvimento harmonioso das atividades económicas em toda a Comunidade e uma expansão contínua e equilibrada através da realização e do bom funcionamento de um mercado interno que ofereça condições análogas às existentes num mercado nacional. A realização de um mercado dessa natureza e o reforço da sua unidade implicam não só a eliminação dos obstáculos à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços e a instituição de um regime que assegure não haver falseamento da concorrência, mas também a criação de condições jurídicas que permitam às empresas adaptar à partida as suas atividades de fabrico e distribuição de bens ou de prestação de serviços à escala da Comunidade. Entre os instrumentos jurídicos de que as empresas deverão dispor para o efeito, são particularmente adequadas marcas que lhes permitam identificar os seus produtos ou serviços de forma idêntica em toda a Comunidade, sem atender a fronteiras.

(3)       Para atingir os objetivos comunitários acima referidos, parece adequado prever um regime comunitário de marcas que confira às empresas o direito de adquirirem, segundo um procedimento único, marcas comunitárias que gozem de proteção uniforme e produzam efeitos em todo o território da Comunidade. O princípio do caráter unitário da marca comunitária assim definido deverá ser aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.

(4)       A aproximação das legislações nacionais é ineficaz no tocante à supressão do obstáculo da territorialidade dos direitos conferidos aos titulares de marcas pelas legislações dos Estados‑Membros. Para permitir às empresas exercerem sem entraves uma atividade económica em todo o mercado interno é necessário que existam marcas reguladas por um direito comunitário único, diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros.

[...]

(6)      O direito de marcas comunitário não substitui, porém, os direitos de marcas dos Estados‑Membros. Com efeito, não parece justificável obrigar as empresas a depositarem as suas marcas como marcas comunitárias, uma vez que as marcas nacionais continuam a ser necessárias às empresas que não pretendem que as suas marcas sejam protegidas à escala comunitária.

[...]

(10)      Apenas se justificará proteger as marcas comunitárias e, contra elas, as marcas registadas anteriores, na medida em que essas marcas sejam efetivamente utilizadas.»

4        O artigo 1.°, n.° 2, deste regulamento dispõe:

«A marca comunitária tem caráter unitário. A marca comunitária produz os mesmos efeitos em toda a Comunidade: só pode ser registada, transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a Comunidade. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

5        Nos termos do artigo 15.° do referido regulamento, com a epígrafe «Utilização da marca comunitária»:

«1.      Se, num prazo de cinco anos a contar do registo, o titular não tiver utilizado seriamente a marca comunitária na Comunidade, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se essa utilização tiver sido suspensa por um período ininterrupto de cinco anos, a marca comunitária será sujeita às sanções previstas no presente regulamento, exceto se houver motivos que justifiquem a sua não utilização.

São igualmente consideradas como ‘utilização’, na aceção do primeiro parágrafo:

a)      A utilização da marca comunitária sob uma forma que difira em elementos que não alterem o caráter distintivo da marca na forma sob a qual foi registada;

b)      A aposição da marca comunitária nos produtos ou na respetiva embalagem na Comunidade apenas para efeitos de exportação.

2.      A utilização da marca comunitária com o consentimento do titular é considerada como feita pelo titular.»

6        O artigo 42.° deste mesmo regulamento, com a epígrafe «Exame da oposição», prevê, nos seus n.os 2 e 3:

«2.      A pedido do requerente, o titular de uma marca comunitária anterior que tenha deduzido oposição, provará que, nos cinco anos anteriores à publicação do pedido de marca comunitária, a marca comunitária anterior foi objeto de uma utilização séria na Comunidade em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e em que se baseia a oposição, ou que existem motivos justificados para a sua não utilização, desde que, nessa data, a marca anterior esteja registada há, pelo menos, cinco anos. Na falta dessa prova, a oposição será rejeitada. [...].

3.      O n.° 2 é aplicável às marcas nacionais anteriores referidas no n.° 2, alínea a), do artigo 8.°, partindo‑se do princípio de que a utilização na Comunidade é substituída pela utilização no Estado‑Membro em que a marca nacional anterior se encontre protegida.»

7        O artigo 51.° do Regulamento n.° 207/2009, com a epígrafe «Causas de extinção», dispõe, no seu n.° 1, alínea a):

«Será declarada a perda dos direitos do titular da marca comunitária, na sequência de pedido apresentado ao Instituto [de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI)] ou de pedido reconvencional em ação de contrafação:

a)      Quando, durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca não seja objeto de utilização séria na Comunidade em relação aos produtos ou serviços para que foi registada e se não existirem motivos justos para a sua não utilização; [...]»

8        Nos termos do artigo 112.° deste regulamento:

«1.      O requerente ou o titular de uma marca comunitária pode requerer a transformação do seu pedido ou da sua marca comunitária em pedido de marca nacional:

a)      Na medida em que o pedido de marca comunitária seja recusado, retirado ou considerado retirado;

b)      Na medida em que a marca comunitária deixe de produzir efeitos.

2.      A transformação não ocorre:

a)      Quando o titular da marca comunitária tenha perdido os seus direitos por falta de uso dessa marca, a não ser que no Estado‑Membro para o qual a transformação foi pedida a marca comunitária tenha sido utilizada em condições que constituam uso real nos termos da legislação do referido Estado‑Membro;

[...]»

 Diretiva 2008/95/CE

9        O considerando 2 da Diretiva 2008/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2008, que aproxima as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO L 299, p. 25), enuncia:

«As legislações que eram aplicadas nos Estados‑Membros em matéria de marcas, antes da entrada em vigor da [Primeira] Diretiva 89/104/CEE [do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1)], comportavam disparidades suscetíveis de entravar a livre circulação dos produtos e a livre prestação de serviços e de distorcer as condições de concorrência no mercado comum. Importava, pois, aproximar estas legislações para assegurar o bom funcionamento do mercado interno.»

10      O artigo 10.°, n.° 1, desta diretiva dispõe:

«Se, num prazo de cinco anos a contar da data do encerramento do processo de registo, a marca não tiver sido objeto de uso sério pelo seu titular, no Estado‑Membro em questão, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se tal uso tiver sido suspenso durante um período ininterrupto de cinco anos, a marca fica sujeita às sanções previstas na presente diretiva, salvo justo motivo para a falta de uso.

[...]»

 Convenção Benelux em matéria de propriedade intelectual

11      A Convenção Benelux em matéria de propriedade intelectual (marcas e desenhos ou modelos), assinada em Haia, em 25 de fevereiro de 2005, na versão alterada, em vigor desde 1 de fevereiro de 2007 (a seguir «CBPI»), visa, entre outros, reunir de maneira sistemática e transparente num só texto, as leis uniformes que transpõem a Primeira Diretiva 89/104, revogada e substituída pela Diretiva 2008/95.

12      Nos termos do artigo 2.3 da CBPI:

«A ordem de precedência do depósito é avaliada tendo em conta os direitos, existentes no momento da sua apresentação e mantidos no momento da disputa, a:

a)      marcas idênticas apresentadas para produtos ou serviços idênticos;

b)      marcas idênticas ou semelhantes apresentadas para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes, se existir um risco de confusão, no espírito do público, que compreenda o risco de associação com a marca anterior;

[…]»

13      O artigo 2.14, n.° 1, da CBPI dispõe:

«O requerente ou o titular de uma marca anterior pode, no prazo de dois meses a contar do primeiro dia do mês seguinte ao da publicação do pedido, submeter por escrito ao Instituto [Benelux] uma oposição a uma marca que:

a.      tem ordem de precedência posterior à sua, em conformidade com as disposições do artigo 2.3, alíneas a) e b), ou

[…]»

14      Nos termos do artigo 2.45 da CBPI, «[o] artigo 2.3 e o artigo 2.28, n.° 3, alínea a), aplicam‑se quando o registo se baseia no depósito anterior de uma marca comunitária».

15      O artigo 2.46 da CBPI prevê:

«O artigo 2.3 e o artigo 2.28, n.° 3, alínea a), são aplicáveis às marcas comunitárias em relação às quais seja validamente invocada a antiguidade no território do Benelux, em conformidade com o regulamento sobre a marca comunitária, mesmo que tenha havido cancelamento voluntário ou caducidade do registo Benelux ou internacional com base na antiguidade.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

16      Em 27 de julho de 2009, a Hagelkruis apresentou no Office Benelux de la propriété intellectuelle (marques, dessins ou modèles) (OBPI) [Instituto Benelux da Propriedade Intelectual (marcas, desenhos ou modelos)] o pedido de registo da marca nominativa OMEL, para serviços das classes 35 (publicidade; gestão de negócios comerciais; administração comercial; trabalhos de escritório; marketing), 41 (formações e cursos; organização de seminários e de bolsas) e 45 (serviços jurídicos) na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado.

17      A Leno é titular da marca nominativa comunitária ONEL, cujo pedido de registo foi apresentado em 19 de março de 2002, tendo sido registada em 2 de outubro de 2003, para serviços das classes 35, 41 e 42 na aceção daquele acordo.

18      Em 18 de agosto de 2009, a Leno deduziu oposição ao pedido de registo da marca OMEL apresentado pela Hagelkruis, baseando‑se nas disposições conjugadas dos artigos 2.14, n.° 1, e 2.3, alíneas a) ou b), da CBPI. A Hagelkruis contestou esta oposição, pedindo que fossem apresentadas provas da utilização da marca comunitária.

19      Por decisão de 15 de janeiro de 2010, o OBPI julgou improcedente esta oposição, por a Leno não ter demonstrado que tinha feito uma utilização séria da sua marca ONEL, durante o período de cinco anos anterior à data da publicação do pedido contestado. A Leno interpôs recurso desta decisão no Gerechtshof te ’s‑Gravenhage.

20      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, as partes concordam que as duas marcas são parecidas e que estão registadas para serviços idênticos ou semelhantes e que a utilização da marca OMEL é suscetível de criar no espírito do público um risco de confusão na aceção do artigo 2.3, alínea b), da CBPI. Contudo, estão em desacordo com a interpretação do conceito de «utilização séria», na aceção do artigo 15.° do Regulamento n.° 207/2009, e, nomeadamente, com o âmbito territorial exigido para essa utilização.

21      Resulta das explicações do órgão jurisdicional de reenvio que, embora esteja provado que a Leno demonstrou ter feito uma utilização séria da marca anterior ONEL, durante o período relevante nos Países Baixos, não apresentou prova da utilização dessa marca no resto da Comunidade.

22      Este órgão jurisdicional recorda que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v. acórdãos de 11 de março de 2003, Ansul, C‑40/01, Colet., p. I‑2439, n.° 43, e de 11 de maio de 2006, Sunrider/IHMI, C‑416/04 P, Colet., p. I‑4237, n.os 66, 70 a 73 e 76; e despacho de 27 de janeiro de 2004, La Mer Technology, C‑259/02, Colet., p. I‑1159, n.° 27) que a «utilização séria» é um conceito autónomo do direito da União, que o âmbito territorial da utilização é apenas um dos elementos a ter em conta para apreciar se uma marca anterior foi ou não objeto de uma «utilização séria» para os produtos ou serviços para os quais foi registada e que a utilização dessa marca num único Estado‑Membro não conduz necessariamente à conclusão de que não se trata de uma «utilização séria» na Comunidade.

23      No entanto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a importância da Declaração Conjunta n.° 10, relativa ao artigo 15.° do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), inscrita na ata da sessão do Conselho da União Europeia em que foi adotado o Regulamento n.° 40/94 (publicada no JO IHMI, 1996, p. 613, a seguir «declaração conjunta»), nos termos da qual «[o] Conselho e a Comissão consideram que uma utilização séria, na aceção do artigo 15.°, num único país, constitui uma utilização séria na Comunidade».

24      Nestas condições o Gerechtshof te ’s‑Gravenhage decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 15.°, n.° 1, do [Regulamento n.º 207/2009] deve ser interpretado no sentido de que, para efeitos de apreciação da ‘[utilização séria]’ de uma marca comunitária, é suficiente [a sua utilização] dentro das fronteiras de um único Estado‑Membro, desde que [esta utilização], tratando‑se de uma marca nacional, seja considerada [uma ‘utilização séria’] nesse Estado‑Membro (v. Declaração Conjunta n.° 10, relativa ao artigo 15.° do [Regulamento n.° 40/94] e as diretivas relativas ao processo de oposição no IHMI)?

2)      Em caso de resposta negativa à primeira questão, [a utilização] acima descrit[a] de uma marca comunitária num único Estado‑Membro não pode, em caso algum, ser [considerada utilização séria] na Comunidade, na aceção do artigo 15.°, n.° 1, do [Regulamento n.º 207/2009]?

3)      Caso [a utilização] de uma marca comunitária num único Estado‑Membro não deva, em caso algum, ser considerad[a] [utilização séria] na Comunidade, que requisitos devem ser impostos, a par dos outros fatores, ao âmbito territorial do uso de uma marca comunitária, para efeitos da apreciação [da utilização séria] na Comunidade?

4)      Ou deverá o artigo 15.° do [Regulamento n.º 207/2009] — ao contrário do acima exposto — ser interpretado no sentido de que, na apreciação [da utilização séria] na Comunidade, se deve abstrair totalmente das fronteiras do território dos Estados‑Membros individuais [e, por exemplo, basear‑se em quotas de mercado (mercado do produto/mercado geográfico)]?»

 Quanto às questões prejudiciais

25      Com as suas questões, que há que examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, no essencial, se o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que a utilização séria de uma marca comunitária num só Estado‑Membro é suficiente para satisfazer a exigência da «utilização séria na Comunidade» de uma marca na aceção desta disposição, ou se, para apreciar esta exigência, não se devem tomar em consideração as fronteiras do território dos Estados‑Membros.

26      A título preliminar, há que recordar que a proteção das marcas se caracteriza, na União Europeia, pela coexistência de vários regimes de proteção. Por um lado, a Diretiva 2008/95, de acordo com o seu considerando 2, tem por objeto aproximar as legislações nacionais em matéria de marcas, com vista a eliminar as disparidades existentes, suscetíveis de entravar a livre circulação dos produtos e a livre prestação de serviços e de distorcer as condições de concorrência no mercado comum (v., neste sentido, acórdão de 22 de março de 2012, GENESIS, C‑190/10, n.os 30 e 31).

27      Por outro lado, o Regulamento n.° 207/2009, como resulta do seu considerando 3, tem por objetivo o estabelecimento de um regime comunitário de marcas que gozem de proteção uniforme e produzam os seus efeitos em todo o território da União (v., neste sentido, acórdãos de 12 de abril de 2011, DHL Express France, C‑235/09, Colet., p. I‑2801, n.° 41, e GENESIS, já referido, n.° 35).

28      O Tribunal de Justiça já interpretou o conceito de «utilização séria» no quadro da apreciação da utilização séria das marcas nacionais, nos acórdãos, já referidos, Ansul e Sunrider/IHMI, bem como no despacho La Mer Technology, já referido, tendo considerado que se trata de um conceito autónomo do direito da União ao qual deve ser dada uma interpretação uniforme.

29      Resulta desta jurisprudência que uma marca é objeto de «utilização séria», quando é utilizada, em conformidade com a sua função essencial, que consiste em garantir a identidade de origem dos produtos ou dos serviços para os quais foi registada, a fim de criar ou de conservar um mercado para estes produtos e serviços, com exclusão de utilizações de caráter simbólico que tenham como único objetivo a manutenção dos direitos conferidos pela marca. A apreciação do caráter sério da utilização da marca deve assentar em todos os factos e circunstâncias adequados para provar a existência da exploração comercial da mesma no mundo dos negócios, em especial nas utilizações consideradas justificadas no setor económico em questão para manter ou criar quotas de mercado em benefício dos produtos ou dos serviços protegidos pela marca, na natureza desses produtos ou serviços, nas características do mercado, no âmbito e na frequência da utilização da marca (acórdãos, já referidos, Ansul, n.° 43, e Sunrider/IHMI, n.° 70, e despacho La Mer Technology, já referido, n.° 27).

30      O Tribunal de Justiça salientou também que a importância territorial da utilização é apenas um dos fatores, entre outros, que deve ser tido em conta para determinar se esta utilização é séria ou não (v. acórdão Sunrider/IHMI, já referido, n.° 76).

31      Esta interpretação é aplicável por analogia às marcas comunitárias, na medida em que, ao exigir que seja feita uma utilização séria da marca, a Diretiva 2008/95 e o Regulamento n.° 207/2009 prosseguem o mesmo objetivo.

32      Com efeito, resulta tanto do considerando 9 da referida diretiva como do considerando 10 do dito regulamento que o legislador da União pretendeu submeter a manutenção dos direitos ligados à marca, respetivamente nacional e comunitária, à condição de essa marca ser efetivamente utilizada. Como a advogada‑geral salienta nos n.os 30 e 32 das suas conclusões, uma marca comunitária que não é utilizada poderia constituir um obstáculo à concorrência, ao limitar o âmbito dos sinais que podem ser registados por outros como marca e ao privar os concorrentes da possibilidade de utilizarem essa marca ou uma marca semelhante aquando da introdução no mercado interno de produtos ou de serviços idênticos ou semelhantes aos que são protegidos pela marca em causa. Por conseguinte, a não utilização de uma marca comunitária cria igualmente um risco de restrição à livre circulação de mercadorias e à livre prestação de serviços.

33      Contudo, na aplicação por analogia, às marcas comunitárias, da jurisprudência referida no n.° 29 do presente acórdão, há que ter em conta a diferença entre o âmbito territorial da proteção conferida às marcas nacionais e o âmbito da proteção conferida às marcas comunitárias, diferença que resulta, aliás, da redação das disposições relativas à exigência de utilização séria respetivamente aplicáveis a estes dois tipos de marcas.

34      Assim, por um lado, o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 dispõe que, «[s]e, num prazo de cinco anos a contar do registo, o titular não tiver utilizado seriamente a marca comunitária na Comunidade, para os produtos ou serviços para que foi registada, ou se essa utilização tiver sido suspensa por um período ininterrupto de cinco anos, a marca comunitária será sujeita às sanções previstas no presente regulamento, exceto se houver motivos que justifiquem a sua não utilização». Por outro lado, o artigo 10.° da Diretiva 2008/95 prevê, no essencial, a mesma regra no que respeita às marcas nacionais, embora preveja que estas devem ser objeto de uma utilização séria «no Estado‑Membro em questão».

35      Esta diferença quanto ao âmbito territorial da «utilização séria» entre os dois regimes das marcas é sublinhada, além disso, pelo artigo 42.°, n.° 3, do Regulamento n.° 207/2009. Este prevê que a regra enunciada no n.° 2 do mesmo artigo, isto é, que, em caso de oposição, o requerente de uma marca comunitária pode pedir que seja feita prova de que a marca comunitária anterior foi objeto de uma utilização séria na Comunidade, é igualmente aplicável às marcas nacionais anteriores, «partindo‑se do princípio de que a utilização na Comunidade é substituída pela utilização no Estado‑Membro em que a marca nacional anterior se encontre protegida».

36      Porém, há que observar que, como decorre da jurisprudência recordada no n.° 30 do presente acórdão, o âmbito territorial da utilização não constitui um critério distintivo da utilização séria, mas uma das componentes dessa utilização, que deve ser integrada na análise global e ser estudada em paralelo com as outras componentes desta. A este respeito, os termos «na Comunidade» visam determinar o mercado geográfico de referência para a análise da existência de uma utilização séria de uma marca comunitária.

37      Assim, para responder às questões submetidas, há que examinar o que é abrangido pela expressão «utilização séria na Comunidade», na aceção do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009.

38      A redação da referida disposição não contém nenhuma referência ao território dos Estados‑Membros. Em contrapartida, resulta claramente desta que a marca comunitária deve ser utilizada na Comunidade, o que significa, por outras palavras, que não pode ser tida em conta a utilização desta marca em Estados terceiros.

39      Não havendo precisões adicionais no artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, há que ter em conta o contexto no qual esta disposição se inscreve, assim como o sistema estabelecido pela regulamentação em causa e os objetivos que esta pretende atingir.

40      No que respeita aos objetivos prosseguidos pelo Regulamento n.° 207/2009, resulta de uma leitura conjugada dos seus considerandos 2, 4 e 6 que se pretende suprimir o obstáculo da territorialidade dos direitos que as legislações dos Estados‑Membros conferem aos titulares das marcas ao permitir que as empresas adaptem as suas atividades económicas às dimensões da Comunidade e as exerçam sem entraves. A marca comunitária permite, assim, que o seu titular identifique os seus produtos ou os seus serviços de forma idêntica em toda a Comunidade, sem tomar em consideração as fronteiras. Em contrapartida, as empresas que não desejarem uma proteção das suas marcas à escala da Comunidade podem escolher utilizar marcas nacionais, sem serem obrigadas a apresentar pedidos de registo das suas marcas como marcas comunitárias.

41      Para realizar esses objetivos, o legislador da União previu, no artigo 1.° n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009, conjugado com o considerando 3 deste, que a marca comunitária tem caráter unitário, que se traduz no facto de a marca comunitária gozar de proteção uniforme e produzir os mesmos efeitos em todo o território da Comunidade. Em princípio, a marca comunitária só pode ser registada ou transferida, ser objeto de renúncia, de decisão de extinção dos direitos do seu titular ou de anulação e a sua utilização só pode ser proibida, para toda a Comunidade.

42      Assim, como resulta do considerando 2 deste regulamento, o sistema das marcas comunitárias tem por finalidade oferecer no mercado interno condições análogas às existentes num mercado nacional. Neste contexto, considerar que, no quadro do regime comunitário das marcas, há que atribuir um significado particular aos territórios dos Estados‑Membros frustraria a realização dos objetivos precisados no n.° 40 do presente acórdão e prejudicaria o caráter unitário da marca comunitária.

43      É certo que resulta do exame sistemático do Regulamento n.° 207/2009 que, no texto de algumas das suas disposições, é feita referência ao território de um ou vários Estados‑Membros. Contudo, importa salientar que essas referências são feitas, nomeadamente, no contexto de marcas nacionais, em disposições relativas à competência e ao processo respeitante às ações judiciais relativas às marcas comunitárias bem como em regras sobre o registo internacional, sendo que a expressão «na Comunidade» é geralmente utilizada em relação aos direitos conferidos pela marca comunitária.

44      Resulta das considerações que precedem que, para apreciar a existência de uma «utilização séria na Comunidade», na aceção do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, não devem ser tomadas em consideração as fronteiras do território dos Estados‑Membros.

45      Esta interpretação não pode ser contrariada pela declaração conjunta referida no n.° 23 do presente acórdão, nos termos da qual «uma utilização séria, na aceção do artigo 15.°, num único país, constitui uma utilização séria na Comunidade», nem pelas diretivas do IHMI relativas ao processo de oposição que, no essencial, contêm a mesma regra.

46      Por um lado, no que respeita à declaração conjunta, resulta de jurisprudência constante que quando uma declaração inscrita numa ata do Conselho não encontrar expressão no texto de uma disposição de direito derivado, essa declaração não pode ser considerada para efeitos da interpretação desta última (v. acórdãos de 26 de fevereiro de 1991, Antonissen, C‑292/89, Colet., p. I‑745, n.° 18; de 6 de maio de 2003, Libertel, C‑104/01, Colet., p. I‑3793, n.° 25; de 10 de janeiro de 2006, Skov e Bilka, C‑402/03, Colet., p. I‑199, n.° 42; e de 19 de abril de 2007, Farrell, C‑356/05, Colet., p. I‑3067, n.° 31).

47      O Conselho e a Comissão reconheceram, aliás, expressamente, esta limitação no preâmbulo da referida declaração, segundo a qual «[a]s declarações do Conselho e da Comissão a seguir reproduzidas não fazem parte do texto legislativo e não prejudicam a interpretação deste último pelo Tribunal».

48      Por outro lado, no que respeita às diretivas do IHMI, há que salientar que estas não constituem atos jurídicos vinculativos para interpretar as disposições do direito da União.

49      Da mesma forma, a afirmação, avançada por certos interessados que apresentaram observações no âmbito do presente processo, segundo a qual o âmbito territorial da utilização de uma marca comunitária não pode em caso algum ser limitado ao território de um único Estado‑Membro também não pode proceder. Esta afirmação tem como fundamento o artigo 112.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009, nos termos do qual é possível transformar em pedido de marca nacional uma marca comunitária cujo titular tenha perdido os seus direitos por falta de uso dessa marca, se, «no Estado‑Membro para o qual a transformação foi pedida[,] a marca comunitária [foi] utilizada em condições que constituam uso real nos termos da legislação do referido Estado‑Membro».

50      Ora, embora seja certo que se justifica esperar que uma marca comunitária, pelo facto de gozar de uma proteção territorial mais alargada do que uma marca nacional, seja objeto de uma utilização num território mais vasto do que o de um único Estado‑Membro, para poder ser qualificada de «utilização séria», não está excluído que, em certas circunstâncias, o mercado dos produtos ou dos serviços para os quais uma marca comunitária foi registada seja, de facto, limitado ao território de um único Estado‑Membro. Nesse caso, uma utilização da marca comunitária nesse território pode respeitar simultaneamente a condição da utilização séria de uma marca comunitária e a da utilização séria de uma marca nacional.

51      Como a advogada‑geral sublinhou no n.° 63 das suas conclusões, só no caso de um órgão jurisdicional nacional entender, depois de tomar em consideração todos os factos do caso, que a utilização num Estado‑Membro foi insuficiente para constituir uma utilização séria na Comunidade é que poderá ainda ser possível converter a marca comunitária num pedido de marca nacional, através da aplicação da exceção prevista no artigo 112.°, n.° 2, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009.

52      Alguns dos interessados que submeteram as suas observações ao Tribunal de Justiça alegam igualmente que, ainda que as fronteiras dos Estados‑Membros no mercado interno não sejam tomadas em consideração, a condição da utilização séria de uma marca comunitária exige que esta seja utilizada numa parte substancial do território da Comunidade, o que pode corresponder ao território de um Estado‑Membro. Esse critério decorre, por analogia, dos acórdãos de 14 de setembro de 1999, General Motors (C‑375/97, Colet., p. I‑5421, n.° 28); de 22 de novembro de 2007, Nieto Nuño (C‑328/06, Colet., p. I‑10093, n.° 17); e de 6 de outubro de 2009, PAGO International (C‑301/07, Colet., p. I‑9429, n.° 27).

53      Esta argumentação também não pode ser acolhida. Por um lado, a referida jurisprudência diz respeito à interpretação das disposições relativas à proteção alargada conferida às marcas que gozam de prestígio ou de notoriedade na Comunidade ou no Estado‑Membro em que foram registadas. Ora, essas disposições prosseguem um objetivo diferente da exigência da utilização séria, que pode ter por consequência a improcedência da oposição ou mesmo a extinção da marca, conforme previsto, nomeadamente, no artigo 51.° do Regulamento n.° 207/2009.

54      Por outro lado, embora seja razoável esperar que uma marca comunitária seja utilizada num território mais importante do que as marcas nacionais, não é necessário que essa utilização seja geograficamente alargada, para ser qualificada de séria, pois tal qualificação depende das características do produto ou do serviço em questão no mercado correspondente (v., por analogia, no que se refere ao âmbito quantitativo da utilização, acórdão Ansul, já referido, n.° 39).

55      Uma vez que a apreciação do caráter sério da utilização da marca assenta em todos os factos e circunstâncias adequados para provar que a exploração comercial dessa marca permite criar ou conservar quotas de mercado para os produtos ou os serviços para os quais a marca foi registada, é impossível determinar a priori, em abstrato, qual o âmbito territorial que deve ser considerado para determinar se a utilização da referida marca tem ou não caráter sério. Uma regra de minimis, que não permita que o juiz nacional aprecie todas as circunstâncias do litígio que lhe é submetido, não pode, assim, ser fixada (v., por analogia, despacho La Mer Technology, já referido, n.os 25 e 27, e acórdão Sunrider/IHMI, já referido, n.os 72 e 77).

56      No que respeita à utilização da marca comunitária em causa no processo principal, o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto necessários que lhe permitam dar ao órgão jurisdicional de reenvio indicações mais concretas sobre a existência de uma utilização séria ou não da referida marca. Como decorre das considerações que precedem, compete a este órgão jurisdicional apreciar se a marca em causa é utilizada em conformidade com a sua função essencial e com vista a criar ou conservar quotas de mercado para os produtos ou os serviços protegidos. Esta apreciação deve assentar em todos os factos e circunstâncias relevantes no processo principal, como, nomeadamente, as características do mercado em causa, a natureza dos produtos ou dos serviços protegidos pela marca, o âmbito territorial e quantitativo da utilização, bem como a frequência e a regularidade desta última.

57      Há assim que responder às questões submetidas que o artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009 deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar a exigência da «utilização séria na Comunidade» de uma marca, na aceção desta disposição, não há que tomar em consideração as fronteiras do território dos Estados‑Membros.

58      Uma marca comunitária é objeto de «utilização séria», na aceção do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, quando é utilizada em conformidade com a sua função essencial e com vista a manter ou criar quotas de mercado na Comunidade para os produtos ou os serviços designados pela referida marca. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as condições estão preenchidas no processo principal, tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes, como, nomeadamente, as características do mercado em causa, a natureza dos produtos ou dos serviços protegidos pela marca, o âmbito territorial e quantitativo da utilização, bem como a frequência e a regularidade desta última.

 Quanto às despesas

59      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária, deve ser interpretado no sentido de que, para apreciar a exigência da «utilização séria na Comunidade» de uma marca, na aceção desta disposição, não há que tomar em consideração as fronteiras do território dos Estados‑Membros.

Uma marca comunitária é objeto de «utilização séria», na aceção do artigo 15.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, quando é utilizada em conformidade com a sua função essencial e com vista a manter ou criar quotas de mercado na Comunidade Europeia para os produtos ou os serviços designados pela referida marca. Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se as condições estão preenchidas no processo principal, tendo em conta todos os factos e circunstâncias relevantes, como, nomeadamente, as características do mercado em causa, a natureza dos produtos ou dos serviços protegidos pela marca, o âmbito territorial e quantitativo da utilização, bem como a frequência e a regularidade desta última.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.