Language of document : ECLI:EU:T:1997:132

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

18 de Setembro de 1997
(1)

«Acções de fornecimento gratuito de produtos agrícolas às populações da Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Quirguizistão e Tajiquistão — Obrigação do adjudicatário pagar uma dispatch»

Nos processos apensos T-121/96 e T-151/96,

Mutual Aid Administration Services NV (MAAS), sociedade de direito belga, estabelecida em Antuérpia (Bélgica), representada por Jan Tritsmans e Koenraad Maenhout, advogados no foro de Antuérpia, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado René Faltz, 6, rue Heinrich Heine,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Blanca Vilá Costa, funcionária nacional destacada na Comissão, e Hubert van Vliet, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto pedidos de anulação das decisões da Comissão que impõem à recorrente o pagamento de uma dispatch,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, P. Lindh e J. D. Cooke, juízes,

secretário: A. Mair, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 5 de Junho de 1997,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do recurso

1.
    A recorrente, Mutual Aid Administration Services NV, é uma agência marítima.

2.
    Em 4 de Agosto de 1995, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 1975/95, relativo a acções de fornecimento gratuito de produtos agrícolas às populações da Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Quirguizistão e Tajiquistão (JO L 191, p. 2, a seguir «Regulamento n.° 1975/95»). Com o Regulamento (CE) n.° 2009/95, de 18 de Agosto de 1995 (JO L 196, p. 4, a seguir «Regulamento n.° 2009/95»), a Comissão estabeleceu as normas de execução do regulamento já referido.

Processo T-121/96

3.
    Com base no Regulamento n.° 1975/95, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 2781/95, de 1 de Dezembro de 1995, relativo ao transporte para o fornecimento gratuito de farinha de centeio à Geórgia, à Arménia, ao Azerbaijão e ao Tajiquistão (JO L 289, p. 5, a seguir «Regulamento n.° 2781/95»).

4.
    Este regulamento abria um concurso relativo às despesas de fornecimento de 23 000 toneladas de farinha de centeio.

5.
    Por força do seu artigo 1.°, n.° 1, e do artigo 2.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 2009/95, a obrigação imposta ao adjudicatário comportava o fornecimento de farinha carregada no meio de transporte, num porto ou numa estação ferroviária comunitários, até ao local de tomada a cargo e no estádio de entrega a indicar no anúncio de concurso.

6.
    O lote n.° 3 deste concurso foi adjudicado à recorrente em 18 de Dezembro de 1995. Esta última foi disso informada por fax e por correio normal do mesmo dia.

O lote compunha-se do fornecimento, por um lado, de 2 500 toneladas (peso líquido) destinadas à Arménia, colocadas à disposição no porto de Antuérpia a partir de 18 de Janeiro de 1996 e, por outro, de 2 000 toneladas (peso líquido) destinadas à Geórgia, colocadas à disposição no porto de Roterdão a partir de 15 de Janeiro de 1996. A remuneração paga à recorrente por esta operação atingiu a quantia de 12 541 273 BFR.

7.
    O ofício da Comissão que informava a adjudicação à recorrente vinha acompanhado de extractos de um memorando celebrado em 10 de Outubro de 1995, com base no disposto no artigo 10.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2009/95, entre a Comissão e as autoridades da Geórgia (a seguir «memorando»). Convidava a recorrente a lê-los atentamente e a velar pelo respeito das instruções referentes ao pagamento das despesas de descarga e de transporte.

8.
    Em conformidade com o disposto no Regulamento n.° 2009/95, bem como no memorando, a recorrente podia livremente organizar o transporte marítimo da forma que entendesse, mas devia obrigatoriamente confiar às autoridades da Geórgia a descarga dos navios nos portos da Geórgia e o posterior transporte para o local de destino.

9.
    Para o transporte marítimo do lote adjudicado, a recorrente celebrou então uma carta-partida com um armador na modalidade COP (customs of the port). Foi expressamente previsto que não seria paga qualquer dispatch, constituindo a dispatch um prémio de incentivo que a empresa de descarga recebe caso esta tenha duração mais curta do que o previsto [compensação por descarga expedita].

10.
    O artigo 10.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2009/95 prevê que os pagamentos relativos à descarga e ao transporte, bem como às sobreestadias e às dispatches, a efectuar a favor das administrações da Geórgia, deverão ser feitos segundo as normas e as condições fixadas no memorando. A sobreestadia («demurrage») é a indemnização que o proprietário de um navio recebe como reparação do prejuízo que se prende com o atraso sofrido em relação à duração da descarga inicialmente prevista, devido a, durante o tempo desse atraso, não poder realizar qualquer novo transporte. A empresa responsável pela descarga é, geralmente, a devedora dessa indemnização.

11.
    O ponto 5 do memorando dispõe que o pagamento da descarga e do transporte deve ser efectuado, na medida de 70%, antes da chegada do navio, com base nas quantidades transportadas.

12.
    O ponto 6 prevê que o saldo de 30%, bem como as sobreestadias e a dispatch serão calculados pela Comissão com base nos «time sheets» [mapas horários] estabelecidos antes da partida do navio e assinados pelo capitão e as autoridades portuárias de Poti ou Batumi. Não será tratado directamente com os portos o recebimento ou o pagamento de qualquer sobreestadia ou dispatch.

13.
    O ponto 9 prevê que as dispatches e as sobreestadias serão calculadas com base nos seguintes elementos:

—    as horas de trabalho de segunda feira 8 h 00 a segunda feira 18 h 00, à razão de 24 horas por dia sem interrupção;

—    os períodos de chuva serão deduzidos do tempo transcorrido;

—    após o termo da totalidade do tempo previsto para a descarga, os períodos de chuva e os dias feriadas não serão tomados em consideração;

—    as tarifas diárias de descarga tomadas em consideração para cada porto são as seguintes:

        «bullk wheat — vacuvator»            1 300 toneladas

        «grab»                        2 500 toneladas

        «big bags/pallets»                 350 toneladas

        «unpalletised sacks and cartons»         250 toneladas.

14.
    O ponto 7 dispõe que, após a notificação pela Comissão do montante aludido no ponto 6, o operador — que, no caso concreto, era a recorrente — procederá ao pagamento no prazo de quinze dias. A prova do pagamento deve ser enviada à Comissão.

15.
    As mercadorias foram descarregadas no porto de Batumi no período que mediou entre 8 e 15 de Fevereiro de 1996, inclusive.

16.
    Em 6 de Maio de 1996, a Comissão enviou por fax à recorrente uma nota das despesas a pagar às autoridades da Geórgia, que referia a dívida de uma quantia de 21 967,19 USD a título de dispatch. A esta comunicação foi junto um documento da Comissão intitulado «port of Batumi time sheet — dispatch (demurrage calculation)» que continha todos os dados necessários ao cálculo da dispatch em dívida. Vinham indicados, designadamente, o nome do barco a descarregar, a sua tonelagem, o ritmo de descarga previsto, a data de chegada do navio, a duração da descarga, a tarifa diária da dispatch e a totalidade da dispatch em dívida.

17.
    Entre 10 de Maio e 25 de Julho de 1996, data do último fax da Comissão, a recorrente e esta última trocaram várias cartas ou faxes nos quais a recorrente contestava a obrigação de pagar a dispatch, ao passo que a Comissão considerava que esta era devida por força do disposto no artigo 10.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2009/95.

18.
    No seu fax de 25 de Julho de 1996, a Comissão rejeitou a proposta da recorrente de resolver amigavelmente o diferendo, indicando que a quantia em dívida não podia ser objecto de qualquer negociação.

19.
    Em 26 de Julho de 1996, com vista a evitar o pagamento da garantia bancária que prestara, a recorrente pagou a dispatch.

Processo T-151/96

20.
    Em 12 de Março de 1996, a Comissão adoptou o Regulamento (CE) n.° 449/96, relativo ao transporte para o fornecimento gratuito de sumos de frutas, doces de frutas e farinha de trigo mole à Arménia e ao Azerbaijão (JO 62, p. 4, a seguir «Regulamento n.° 449/96»).

21.
    Este regulamento abria um concurso relativo às despesas de fornecimento de 3 800 toneladas de sumos de frutas, de doces de frutas e de farinha de trigo mole.

22.
    Com uma decisão de 27 de Março de 1996, a Comissão adjudicou o transporte deste lote à recorrente, que disso foi informada por ofício enviado por carta registada com data de 28 de Março de 1996. Este ofício era acompanhado de extractos do memorando idênticos aos que constavam do anexo ao ofício enviado à recorrente no processo T-121/96 (v. n.os 7 e 8 supra).

23.
    A recorrente celebrou então para o transporte marítimo do lote adjudicado uma carta-partida com o armador na modalidade COP. Nesta estava expressamente previsto que não seria paga qualquer dispatch.

24.
    As mercadorias foram transportadas por três navios e descarregadas no porto de Batumi no período que mediou entre 15 e 31 de Maio de 1996, inclusive.

25.
    Em 27 de Agosto de 1996,a Comissão enviou à recorrente, por fax e por correio normal, uma nota das despesas a pagar às autoridades da Geórgia, mencionando quantias referentes a dispatch de, respectivamente, 3 934,02 USD, 1 705 USD e 375 USD, ou seja, um montante total de 6 014,02 USD.

26.
    A recorrente contestou esta nota de despesas num fax de 29 de Agosto de 1996. Contudo, pagou as dispatches, com vista evitar o pagamento da garantia bancária que prestara.

Tramitação processual e pedidos das partes

27.
    Por petições apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 5 de Agosto e 24 de Setembro de 1996, a recorrente interpôs dois recurso de anulação, registados, respectivamente, com os números T-121/96 e T-151/96.

28.
    Por despacho de 9 de Dezembro de 1996, o presidente da Quarta Secção decidiu, em aplicação do artigo 50.° do Regulamento de Professo, a apensação dos dois processos para efeitos das fases escrita e oral.

29.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência realizada em 5 de Junho de 1997.

30.
    Tendo estas sido ouvidas sobre este ponto na audiência, o Tribunal (Quarta Secção) considera que há que apensar os dois processos também para os efeitos do acórdão a proferir.

31.
    No processo T-121/96, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular as decisões da Comissão que impõem à recorrente o pagamento de uma dispatch de 21 967,19 USD e declarar que a recorrente não está obrigada a pagar uma dispatch às autoridades da Geórgia;

—    obrigar a Comissão a proceder ao reembolso à recorrente do montante de 21 967,19 USD, acrescido de juros calculados em função da taxa de juro legal corrente na Bélgica de 8% ao ano, contados a partir de 30 de Julho de 1996;

—    condenar a Comissão nas despesas.

32.
    No processo T-151/96, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão da Comissão de 27 de Agosto de 1996 que impõe à recorrente o pagamento de uma dispatch de 6 014,02 USD e, por conseguinte, declarar que a recorrente não está obrigada a pagar uma dispatch às autoridades da Geórgia;

—    obrigar a Comissão a proceder ao reembolso à recorrente do montante de 6 014,02 USD, acrescido de juros calculados em função da taxa de juro legal corrente na Bélgica de 7% ao ano, contados a partir de 1 Setembro de 1996;

—    condenar a Comissão nas despesas.

33.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    julgar o recurso interposto no processo T-121/96 inadmissível e, a título subsidiário, negar-lhe provimento;

—    negar provimento ao recurso interposto no processo T-151/96;

—    condenar a recorrente nas despesas da instância.

Quanto às conclusões no sentido de ser julgado inadmissível o recurso interposto no processo T-121/96

Argumentos das partes

34.
    Na fase da tréplica, a Comissão invocou a inadmissibilidade do recurso no processo T-121/96 por ser intempestivo. Em seu entender, a decisão controvertida teria já sido comunicada à recorrente em 6 de Maio de 1996, pelo que todas as outras decisões da Comissão mencionadas na petição constituíam decisões puramente confirmativas da decisão controvertida. O recurso, interposto em 5 de Agosto de 1996, seria, portanto, intempestivo.

35.
    A Comissão acrescenta que ao conhecimento da questão prévia da admissibilidade, suscitada na fase da tréplica, não obsta o disposto no n.° 2 do artigo 48.° do Regulamento de Processo, que proíbe a dedução de novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante a fase escrita do processo. Em seu entender, resulta da jurisprudência que as faltas de pressupostos processuais de ordem pública, como a expiração dos prazos de recurso, que são de natureza a serem conhecidas oficiosamente pelo Tribunal, podem ser invocadas pelas partes em qualquer momento do processo (v., a este respeito, as conclusões apresentadas pelo advogado-geral M. Darmon no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1989, Del Plato/Comissão, 126/87, Colect., p. 643, n.os 9 e 10).

36.
    Na audiência, a recorrente invocou, reafirmando ao mesmo tempo que o presente recurso foi interposto nos termos do artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado CE, que o prazo de dois meses tinha sido respeitado. Em seu entender, este prazo apenas começou a correr no caso concreto em 4 de Junho de 1996, data em que a Comissão lhe terá comunicado através de um novo fax o conteúdo exacto, bem como a fundamentação, do fax de 6 de Maio de 1996, de modo que apenas a partir desse momento terá ficado em posição de poder exercer o seu direito de recurso (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Março de 1995, Socurte e o./Comissão, T-432/93, T-433/93 e T-434/93, Colect., p. II-503, n.° 49).

37.
    A título subsidiário, a recorrente alegou ainda na audiência que a carta de 10 de Maio de 1996, com a qual informou a Comissão de que tinha celebrado, para a execução do transporte que lhe tinha sido confiado, uma carta-partida COP, constituía um facto novo. A Comissão terá então tomado uma nova decisão, comunicada à recorrente pelo fax de 4 de Junho de 1996, na qual este facto novo terá sido tomado em conta (v., a contrario, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 1995, Cobrecaf e o./Comissão, T-514/93, Colect., p. II-621, n.° 47).

Apreciação do Tribunal

38.
    É jurisprudência constante que os prazos do recurso ao abrigo do artigo 173.° do Tratado são de ordem pública e não estão na disponibilidade das partes ou do juiz,

tendo sido instituídos com o objectivo de assegurar a clareza e a segurança das situações jurídicas e de se evitar qualquer discriminação ou tratamento arbitrário na administração da justiça (v., designadamente, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1987, Misset/Conselho, 152/85, Colect., p. 223, n.° 11, e de 23 de Janeiro de 1997, Coen, C-246/95, Colect., p. I-403, n.° 21).

39.
    Em conformidade com o disposto no artigo 113.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode, a todo o tempo e oficiosamente, verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais de ordem pública. O prazo de recurso de dois meses previsto no artigo 173.°, quinto parágrafo, do Tratado para a interposição do recurso constitui uma sua condição de admissibilidade de ordem pública. No caso concreto, incumbe, portanto, ao Tribunal verificar oficiosamente se este prazo foi respeitado.

40.
    O prazo para a interposição do recurso de anulação contra uma decisão começa a correr, nos termos do disposto no artigo 173.°, quinto parágrafo, do Tratado, a partir da sua notificação ao seu destinatário. É jurisprudência constante que a notificação tem por finalidade permitir ao interessado tomar utilmente conhecimento da existência da decisão e dos fundamentos com os quais a instituição entende justificá-la. Para que uma decisão seja devidamente notificada, é necessário que tenha sido comunicada ao seu destinatário e que este tenha a possibilidade de dela tomar conhecimento (v., de data mais recente, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Junho de 1997, H./Comissão, T-196/95, ainda não publicado na Colectânea, n.° 31).

41.
    Há, pois, que determinar se o fax de 6 de Maio de 1996 constitui uma decisão susceptível de ser objecto de recurso de anulação nos termos do artigo 173.° do Tratado e, na afirmativa, se foi devidamente notificado à recorrente.

42.
    Para apreciar se o fax de 6 de Maio de 1996 constituía uma decisão, há que examinar se era susceptível de produzir efeitos jurídicos (v. o acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Março de 1980, Sucrimex e Westzucker/Comissão, 133/79, Recueil, p. 1299, n.° 15).

43.
    A este respeito, resulta deste fax que a Comissão, em conformidade com o memorando, impôs à recorrente a obrigação de pagar às autoridades da Geórgia, num prazo de 20 dias, as despesas de descarga e de transporte no montante de 89 940,87, USD, que compreende uma quantia de 21 967,19 USD a título da dispatch. Com efeito, menciona o disposto no artigo 12.°, n.° 4, alínea b), segundo travessão, do Regulamento n.° 2009/95, por força do qual a garantia bancária prestada pelo recorrente seria executada até ao montante da quantia em dívida, aumentada das despesas de transporte, no caso do não pagamento no prazo fixado. Este fax, constitui, portanto, um acto causador de prejuízo à recorrente, de que pôde tomar conhecimento em 6 de Maio de 1996 de forma inequívoca.

44.
    Quanto a saber se a recorrente pôde tomar conhecimento da fundamentação da decisão controvertida, impõem-se duas constatações.

45.
    Em primeiro lugar, a decisão controvertida refere-se explicitamente ao memorando cujos extractos relevantes a recorrente tinha recebido. Os termos utilizados pela recorrente no seu fax de 10 de Maio de 1996 demonstram, a este respeito, que tinha identificado os fundamentos avançados pela Comissão para justificar a sua decisão, pois que contesta a validade da remissão para o memorando de modo a ser-lhe imposto o pagamento de uma dispatch às autoridades da Geórgia. Ora, o ponto 6 deste memorando, relativo à preparação pela Comissão, após a execução do transporte, da nota referente às despesas de descarga e de transporte, dispõe precisamente que estas despesas são calculadas pela Comissão tomando em consideração a «demurrage» e a dispatch.

46.
    Em segundo lugar, é forçoso constatar que em momento algum, nem antes da interposição do seu recurso nem perante o Tribunal de Primeira Instância, a recorrente contestou a exactidão material dos dados retomados no «time sheet — dispatch/demurrage calculation» transmitido pela Comissão em anexo ao seu fax de 6 de Maio de 1996, como a própria recorrente reconheceu na audiência. Este documento comporta todos os dados detalhados necessários ao cálculo da dispatch devida no caso em apreço, como a cadência de descarga (já mencionada no ponto 9 do memorando), a tarifa diária da dispatch, a tonelagem do navio a descarregar, a data da chegada do navio, a data e a hora do início da descarga e a data e a hora do fim da descarga, bem como o relatório completo, dia após dia, das operações de descarga. Portanto, a recorrente não pode, como fez na audiência, afirmar presentemente que, na medida em que não foi colocada em posição de verificar a autenticidade dos dados desse «time sheet — dispatch/demurrage calculation» antes de ter recebido cópia do original em anexo ao ofício da Comissão de 17 de Julho de 1996, a decisão controvertida estava incompleta e não era, portanto, susceptível de produzir efeitos jurídicos em relação a si.

47.
    Resulta de todos estes elementos que o fax de 6 de Maio de 1996 constituía uma decisão susceptível de produzir efeitos jurídicos em relação à recorrente e que ela lhe foi devidamente notificada. Portanto, a recorrente tinha a possibilidade, após a recepção do fax, de fazer uso do direito de recurso que lhe reconhece o artigo 173.° do Tratado. Donde resulta que o prazo de recurso de dois meses começou a correr em 6 de Maio de 1996.

48.
    Esta conclusão não é infirmada pelo facto de a Comissão ter enviado, em 4 de Junho de 1996, um fax em resposta ao fax da recorrente de 10 de Maio de 1996. Com efeito, este fax de 4 de Junho de 1996, no qual a Comissão se recusou a rever a sua decisão anterior constante do fax de 6 de Maio de 1996, não modificou de modo caracterizado a situação jurídica da recorrente em comparação com a que resultava da decisão anterior, pois que a Comissão se limitou a confirmá-la sem tomar em consideração qualquer elemento novo susceptível de produzir efeitos

jurídicos obrigatórios de natureza a afectar os interesses da recorrente (v., a este respeito, o acórdão Cobrecaf e o./Comissão, já referido, n.° 45, e o acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 1996, Zunis Holding e o./Comissão, C-480/93 P, Colect., p. I-1, n.os 11 a 14).

49.
    A este propósito, há que sublinhar que a remissão, feita no fax de 4 de Junho de 1996, para o artigo 10.°, n.° 5, do Regulamento n.° 2009/95 deve ser considerada como uma simples explicitação da base legal em que a decisão inicial constante do fax de 6 de Maio de 1996 já se fundava, por meio de uma remissão para o memorando. Portanto, não constitui a prova de uma reanálise do processo por parte da Comissão na sequência do fax da recorrente de 10 de Maio de 1996. Além disso, a Comissão confirma claramente na sua resposta que a obrigação de pagamento da dispatch se funda exclusivamente nas disposições regulamentares aplicáveis no caso em apreço, «independentemente dos contratos em sentidocontrário que os operadores tenham assinado com o seu armador». A existência de uma carta-partida COP celebrada pela recorrente para o transporte em causa, de que apenas informou a Comissão pelo seu fax de 10 de Maio de 1996, não constitui, portanto, um facto novo. Com efeito, sendo esta carta-partida estranha à relação jurídica entre a Comissão e a recorrente, não era susceptível de alterar a apreciação da Comissão quanto à existência e ao fundamento da obrigação de pagamento imposta pela decisão constante do fax de 6 de Maio de 1996.

50.
    Donde resulta que o fax de 4 de Junho de 1996 não constituiu uma decisão nova em relação à decisão constante do fax de 6 de Maio de 1996.

51.
    O prazo de recurso de dois meses, acrescido dos dois dias de dilação em razão da distância previstos no n.° 2 do artigo 102.° do Regulamento de Processo em benefício das partes estabelecidas na Bélgica, expirou, por conseguinte, à meia-noite do dia 8 de Julho de 1996.

52.
    O recurso interposto no processo T-121/96 em 5 de Agosto de 1996 é, portanto, intempestivo e, por essa razão, inadmissível.

53.
    Além disso, sendo os fundamentos e argumentos invocados em sede do mérito idênticos aos suscitados no processo T-151/96,a este recurso devia, em todo o caso, ser negado provimento pelas mesmas razões que são adiante desenvolvidas no âmbito deste último processo.

Quanto às conclusões que se destinam, no processo T-151/96, a obter a anulação da decisão controvertida, por um lado, e a obrigar a Comissão a proceder ao reembolso da dispatch paga, acrescida de juros, por outro

54.
    Na sua réplica, a recorrente invoca que o conteúdo da sua petição e da sua réplica apresentadas no âmbito do processo T-121/96 deve ser considerado como integralmente retomado no âmbito do processo T-151/96. Para este efeito, junta em anexo a esta réplica as duas peças processuais em causa.

55.
    Nestas circunstâncias e tendo sido apensos os dois processos, há, para a decisão do processo T-151/96, que tomar em consideração os argumentos desenvolvidos pela recorrente no âmbito do processo T-121/96.

56.
    Há que observar que a petição está pouco estruturada e que os fundamentos invocados pela recorrente em apoio dos seus pedidos de anulação não são identificados enquanto tais. Todavia, a Comissão pôde tomar posição quanto ao mérito e a estruturação dos argumentos efectuada pelo juiz-relator no seu relatório para audiência foi aprovada pelas partes. Portanto, o Tribunal de Primeira Instância encontra-se em condições de exercer a sua fiscalização.

Primeiro fundamento: violação do Regulamento n.° 2009/95, bem como do memorando

Argumentos das partes

57.
    A recorrente considera que a decisão de lhe impor o pagamento de uma dispatch de 6 014,02 USD constitui uma violação do Regulamento n.° 2009/95, bem como do memorando, pois que nenhum destes actos fixa a mínima tarifa susceptível de servir de base de cálculo a essa dívida. Portanto, a recorrente não poderá ser considerada como devedora da dispatch devida às autoridades da Geórgia.

58.
    A Comissão teria podido determinar a tarifa da dispatch no momento do aviso de concurso ou, pelo menos, no momento em que este foi realizado. Com efeito,a recorrente refere que o memorando foi celebrado em 6 de Outubro de 1995, pelo que, no momento da adjudicação do concurso, em 27 de Março de 1996, as tarifas da dispatch poderiam ter sido comunicadas. Após a apresentação da proposta da recorrente, a Comissão terá sido informada de todos os dados técnicos dos navios destinados a efectuar o transporte adjudicado à recorrente, tendo esta última sido obrigada a fornecê-los nos termos do disposto no artigo 6.°, n.° 1, alínea d), ponto 3, do Regulamento n.° 2009/95. Resulta também da prática da Comissão que esta está perfeitamente em condições de determinar a tarifa da dispatch no momento da adopção do regulamento referente ao concurso. A este respeito, a recorrente remete para o Regulamento (CE) n.° 1416/96 da Comissão, de 22 de Julho de 1996, relativo à entrega de trigo mole a título de ajuda alimentar (JO L 182, p. 1, a seguir «Regulamento n.° 1416/96»), no qual as tarifas da dispatch foram indicadas no que respeita a um fornecimento em favor do Bangladeche.

59.
    A recorrente também se interroga sobre as razões que levaram a Comissão a apenas revelar os dados necessários ao cálculo da dispatch na sua contestação, quando o teria podido fazer numa fase anterior do concurso.

60.
    A tese da Comissão de que a recorrente estava obrigada a pagar uma dispatch traduz-se em se afirmar que esta devia ter previsto uma tarifa no momento de proceder ao afretamento do navio quando ignorava o montante que seria

finalmente devido. A este respeito, a Comissão não pode defender que a recorrente teria podido remeter-se às tarifas aplicadas no âmbito de operações anteriores de ajuda alimentar com base no Regulamento (CE) n.° 1999/94 do Conselho, de 27 de Julho de 1994, relativo a acções de fornecimento gratuito de produtos agrícolas destinados às populações da Geórgia, Arménia, Azerbaijão, Quirguizistão e Tajiquistão (JO L 201, p. 1), pois que estes transportes foram efectuados em 1994 e 1995, ao passo que o presente transporte se verificou em 1996.

61.
    Por último, na sua réplica a recorrente denuncia o facto de, ao inserir no memorando uma cadência de descarga pouco elevada e ao simultaneamente não prever uma tarifa para a dispatch, a Comissão elaborou indirectamente uma disposição que permitia em caso de descarga rápida o pagamento pelo proponente de uma espécie de subsídio ao beneficiário da ajuda alimentar, ou seja, no caso em apreço, as autoridades da Geórgia. Em semelhante situação, o pagamento da dispatch pelo proponente é desrazoável e isto tanto mais quanto a quantia cujo pagamento é pedido é desproporcionada em relação ao valor dos alimentos transportados. A recorrente sustenta que, a se considerar este argumento como um novo fundamento, será, ainda assim, admissível à luz do disposto no n.° 2 do artigo 48.° do Regulamento de Processo, pois que se funda num elemento de que tomou conhecimento com a comunicação do Anexo I da contestação apresentada no processo T-121/96.

62.
    A Comissão retorque, em primeiro lugar, que o simples facto de não estar prevista qualquer tarifa para a dispatch no Regulamento n.° 2009/95, ou no memorando, não basta para dispensar a recorrente do pagamento da dispatch, pois que resulta do n.° 5 do artigo 10.° do referido regulamento e dos pontos 5 e 9 do memorando que era ela o seu devedor. A este respeito, a Comissão remete para o artigo 55.° da Convenção sobre a Lei Aplicável aos Contratos de Venda Internacional de Mercadorias, em aplicação do qual, quando o contrato não estipule um preço de venda, o comprador está obrigado a pagar o preço geralmente fixado no momento da celebração do contrato para as mercadorias dessa natureza vendidas em circunstâncias comparáveis no mercado em causa.

63.
    Tendo em conta estes elementos, a Comissão sustenta que convém examinar se o montante das dispatches cujo pagamento foi exigido à recorrente era razoável. Ora, a tarifa da dispatch finalmente fixada no acordo celebrado entre a Comissão e as autoridades da Geórgia não pode ser considerada desrazoável, pois que tarifas de um nível comparável tinham sido acordadas aquando de uma operação de auxílio alimentar anteriormente realizada e quando as empresas estavam autorizadas a negociar individualmente as tarifas da dispatch. Além disso, resulta do ponto 18 da primeira parte da carta-partida celebrada entre a recorrente e o proprietário de um navio afretado para o transporte em causa e junta pela recorrente à petição no processo T-151/96, bem como da sua cláusula adicional 23, que as penalidades de sobreestadia foram fixadas em 2 200 USD, pelo que a tarifa da dispatch fixada pela Comissão neste processo, ou seja 750 USD para o navio que tinha transportado

menos de 1 000 toneladas e 1 100 USD para os dois outros navios que tinham transportado entre 1 000 e 2 000 toneladas, não é desrazoável, tendo em conta que a dispatch é normalmente de metade do valor das penalidades por sobreestadia.

64.
    A Comissão sublinha que a recorrente não contesta o carácter razoável das tarifas da dispatch fixadas, mas limita-se a afirmar que não era devida qualquer dispatch, pois que as suas tarifas não faziam parte dos extractos do memorando comunicados aquando da adjudicação dos concurso em causa. A recorrida acrescenta que nenhuma outra empresa se recusou a pagar a dispatch devido ao facto da tarifa não ser conhecida nesse momento.

65.
    Em segundo lugar, a Comissão entende que há que distinguir entre a relação jurídica existente entre ela e a recorrente e a que vincula a recorrente ao proprietário do navio, o armador.

66.
    A relação entre a Comissão e a recorrente está unicamente subordinada ao Regulamento n.° 2009/95 e ao memorando. O n.° 1 do artigo 5.° do Regulamento n.° 2009/95 prevê, por exemplo, que a Comissão pagará um preço de montante previamente fixado por tonelada transportada sem tomar em conta o preço real fixado entre a recorrente e o armador. Resulta claramente destas regulamentações que a recorrente era devedora da dispatch devida. Assim, o memorando celebrado com as autoridades da Geórgia previa que seria assegurado o pagamento das penalidades por sobreestadia às empresas que efectuassem os transportes previstos. Foi por esta razão que estas foram obrigadas a pagar antecipadamente apenas 70% das despesas de descarga, sendo o saldo de 30% devido somente após a dedução das eventuais penalidades por sobreestadia em função do prazo real de descarga. Em contrapartida, as autoridades da Geórgia terão exigido que fosse acrescentada uma dispatch a esse saldo de 30% em caso de descarga expedita. O teor do ponto 6 do memorando, nos termos do qual o recebimento ou o pagamento da dispatch e das penalidades por sobreestadia não pode ser tratado directamente com os portos e esse saldo será calculado em conjugação com as sobreestadias e a dispatch («together with demurrage and dispatch»), é explicado por esta dupla exigência. Resulta também do ponto 2 deste memorando que eram as autoridades da Geórgia, e não a recorrente enquanto afretador, as responsáveis pela descarga. Eventualmente, e contrariamente a uma situação normal, são, portanto, estas autoridades, e não a recorrente, as obrigadas a pagar penalidades por sobreestadia ou as autorizadas a receber uma dispatch.

67.
    Pelo contrário, a relação entre a recorrente e o armador, o proprietário dos navios afretados, está regida pelas cartas-partidas entre estes celebradas. Assim, a cláusula n.° 23 da carta-partida junta à petição no processo T-151/96 prevê que não será devida qualquer dispatch, de modo que o proprietário do navio não ficou obrigado, contrariamente a uma situação normal, a pagá-la à recorrente (o afretador). Contudo, estas cartas-partidas não afectam a obrigação, que impunham à recorrente enquanto adjudicatária do concurso referente ao transporte em causa

o Regulamento n.° 2009/95 bem como o memorando, de pagar a dispatch às autoridades da Geórgia, responsáveis pela descarga em seu lugar. Destinavam-se exclusivamente a regular a relação entre a recorrente e o armador. A Comissão invoca ainda que a recorrente teria podido redigir cartas-partidas em função do memorando de que conhecia o conteúdo. Ao prever que o proprietário dos navios não ficava obrigado a pagar uma dispatch, ter-se-á, portanto, exposto deliberadamente ao risco de dever pagá-la ela própria.

68.
    Em terceiro ligar, a Comissão observa que não estava em condições de fixar o montante exacto da dispatch no momento da assinatura do memorando, pois que este montante dependia de vários factores que não eram conhecidos nesse momento, como o porto de descarga, a tonelagem do navio, o seu estado, bem como a evolução dos preços no mercado do transporte marítimo. As tarifas aplicadas terão sido estabelecidas apenas à medida da disponibilidade das informações. Além disso, teria sido impossível determinar a tonelagem dos navios utilizados com base nos dados indicados nas propostas da recorrente, pois que estasapenas continham uma indicação do tipo de navio e não revelavam nem o número de navios utilizados nem a sua tonelagem. Pelo contrário, no Regulamento n.° 1416/96 para o qual remete a recorrente, a Comissão teria estado em condições de prever a tonelagem dos navios que seriam utilizados para o transporte e, por conseguinte, de fixar previamente a tarifa da dispatch aplicável. A Comissão observa ainda que a recorrente nunca procurou saber qual era a tarifa da dispatch aplicável e, portanto, não tinha aparentemente qualquer objecção a que essa tarifa não fosse expressamente mencionada nos documentos que lhe foram enviados.

69.
    Em quarto lugar, a Comissão considera que o argumento de que o pagamento da dispatch constituiria uma espécie de subsídio às autoridades da Geórgia constitui um novo fundamento que é inadmissível à luz do disposto no n.° 2 do artigo 48.° do Regulamento de Processo, na medida em que se funda em dois elementos de facto referentes ao cálculo do montante da dispatch devida que a recorrente já conhecia antes da interposição do presente recurso. A Comissão sublinha que a cadência de descarga fixada figurava no ponto 2 dos extractos do memorando comunicados aquando da adjudicação dos concursos em causa e que a tarifa da dispatch estava fixada nas decisões controvertidas. Em todo o caso, a cadência de descarga prevista não terá sido demasiada baixa, pois que foram tomados em consideração a natureza das mercadorias transportadas e os serviços disponíveis na Geórgia.

Apreciação do Tribunal

70.
    As relações entre a recorrente e a Comissão estão exclusivamente reguladas pelo Regulamento n.° 1975/95 do Conselho, os Regulamentos n.os 2009/95 e 459/96 adoptados pela Comissão no âmbito fixado por este regulamento, a decisão de 27 de Março de 1996 e o memorando celebrado entre a Comissão e as autoridades da Geórgia, cujos extractos relevantes acompanhavam o ofício da Comissão de 28 de Março de 1996.

71.
    Resulta claramente destes actos que as empresas adjudicatárias dos transportes ficavam, eventualmente, obrigadas ao pagamento de uma dispatch às autoridades da Geórgia.

72.
    Assim, o n.° 5 do artigo 10.° do Regulamento n.° 2009/95 prevê que os pagamentos relativos à descarga e ao transporte, bem como às sobreestadias e às dispatches a efectuar a favor das administrações da Geórgia devem ser feitos segundo as normas e as condições fixadas no memorando. Esta disposição prevê, não apenas que o memorando regulará as normas e as condições de pagamento da dispatch, mas estabelece claramente o princípio de que, eventualmente, será devido uma dispatch a favor das autoridades da Geórgia, quando utiliza os termos «os pagamentos [...] relativos às dispatches a efectuar a favor das administrações da Geórgia».

73.
    As modalidades de pagamento são reguladas do seguinte modo no memorando. O ponto 5 prevê que a empresa à qual for adjudicado o transporte deve pagar, antes da chegada do navio ao porto da Geórgia, 70% das despesas de transporte e de descarga, calculadas com base nas quantidades transportadas. O ponto 6 dispõe que o saldo de 30%, bem como as penalidades por sobreestadia e a dispatch («together with demurrage and dispatch») serão calculados pela Comissão após a descarga com base nos «time sheets» redigidos conjuntamente pelo capitão do navio e as autoridades portuárias. O mesmo ponto prevê que não pode ser tratado directamente com as autoridades portuárias o recebimento ou o pagamento de qualquer penalidade por sobreestadia ou dispatch. Por último, o ponto 7 prevê que o operador deve pagar num prazo de quinze dias o montante a que se faz referência no ponto 6.

74.
    Resulta, portanto, destes pontos 5, 6 e 7 do memorando que a nota de despesas calculada pela Comissão após a descarga do navio pelas autoridades da Geórgia abrange, não apenas o saldo das despesas de descarga, mas também, eventualmente, a dispatch, e que a empresa à qual tenha sido adjudicado o transporte é sua devedora.

75.
    O facto da recorrente ter celebrado com o armador uma carta-partida que exclui o pagamento de qualquer dispatch por este último em nada afecta a sua posição jurídica em relação à Comissão, pois que esta carta-partida destina-se apenas a regular as relações entre a recorrente e o armador. A cláusula de no dispatch apenas significa que o armador não fica obrigado ao pagamento de qualquer dispatch à recorrente, mesmo quando esta dela se torne devedora em relação às autoridades da Geórgia com base no disposto no n.° 5 do artigo 10.° do Regulamento n.° 2009/95, bem como no memorando.

76.
    Como ela própria reconheceu na audiência, a recorrente sujeitou-se, portanto, a um risco ao ter aceite essa cláusula de no dispatch. Segundo ela, terá aceite esse risco porque estava convencida de que a falta da comunicação de uma tarifa precisa para a dispatch aquando da adjudicação do concurso teria tido por efeito

impedir o nascimento efectivo da obrigação de, eventualmente, pagar uma dispatch às autoridades da Geórgia. Todavia, esta convicção é errada. A falta de comunicação da tarifa da dispatch no momento da adjudicação do concurso à recorrente não dispensa esta última dessa obrigação. Com efeito, há que recordar que o memorando impôs claramente à empresa adjudicatária a obrigação do pagamento da dispatch, sem regular a determinação do seu valor por meio da fixação da tarifa que lhe será aplicável. Além disso, não existe qualquer outra disposição dos actos regulamentares aplicáveis às relações entre a Comissão e a recorrente que imponha à Comissão a obrigação de estabelecer a tarifa da dispatch antes ou no momento da adjudicação dos vários concursos de transporte. Nestas condições, a falta de comunicação das tarifas aplicáveis no momento da adjudicação não afecta a própria existência da obrigação de pagamento da dispatch imposta à recorrente.

77.
    De resto, o montante exacto de uma dispatch só pode ser fixado após a descarga de um navio, pelo que a determinação deste montante antes da descarga é sempre aleatória, mesmo quando as tarifas aplicadas sejam conhecidas antecipadamente. Quando, como no caso em apreço, estas tarifas não sejam conhecidas no momento da adjudicação do concurso, incumbe ao adjudicatário prever a aplicação de uma tarifa razoável.

78.
    Ora, a este respeito,a recorrente não contesta o carácter razoável da tarifa da dispatch finalmente fixada no caso concreto, o que uma vez mais confirmou na audiência.

79.
    Em todo o caso, a recorrente — sabendo desde o momento da apresentação da sua proposta, com base no disposto no n.° 5 do artigo 10.° do Regulamento n.° 2009/95 e, de um modo ainda mais preciso, com a comunicação dos extractos do memorando no momento da adjudicação do concurso em causa, que seria eventualmente devida uma dispatch — teria podido, em caso de dificuldade, pedir informações à Comissão para ficar a saber as tarifas exactas, a fim de ficar em situação de melhor apreciar o risco que corria ao celebrar cartas-partidas que continham uma cláusula de no dispatch.

80.
    Quanto ao argumento que, na sua réplica, a recorrente retira da existência de um subsídio dissimulado que é concedido às autoridades da Geórgia devido à importância do montante da dispatch devida, constitui um novo fundamento que é inadmissível à luz do disposto no n.° 2 do artigo 48.° do Regulamento de Processo, na medida em que se funda em dois elementos de facto de que a recorrente já tinha conhecimento no momento da interposição do recurso. Com efeito, o cálculo do montante da dispatch devida depende da cadência de descarga prevista e da tarifa de dispatch aplicada. Ora, o primeiro elemento figura no ponto 9 dos extractos do memorando juntos em anexo à petição nos dois processos em causa e o segundo é mencionado em cada uma das decisões que são objecto dos presentes recursos, que constam também em anexo à petição nos dois processos em causa.

81.
    Resulta de tudo o que precede que o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

Segundo fundamento: cálculo pouco claro da dispatch devida

Argumentos das partes

82.
    A recorrente invoca também que os cálculos das quantias devidas, contidos na decisão controvertida, não eram claros.

83.
    A Comissão responde que o método de cálculo da quantia da dispatch devida resulta claramente dos documentos intitulados «time sheet — dispatch/demurrage calculation» e que os diferentes cálculos não contêm qualquer erro.

Apreciação do Tribunal

84.
    O cálculo da quantia da dispatch devida resulta claramente dos documentos intitulados «time sheet — dispatch/demurrage calculation» que a Comissão transmitiu à recorrente como parte integrante da decisão controvertida.

85.
    Na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal, a recorrente precisou que a falta de clareza criticada dizia, na realidade, respeito exclusivamente ao facto de as tarifas da dispatch aplicadas nos cálculos não serem previamente conhecidas da recorrente. Deve, pois, concluir-se que os cálculos eram perfeitamente claros para a recorrente, mas que, na realidade, contesta de novo através deste segundo fundamento o próprio princípio da obrigação de pagar uma eventual dispatch, o que constituía precisamente o objecto da argumentação desenvolvida no âmbito do primeiro fundamento.

86.
    De onde resulta que, como este último, o segundo fundamento deve ser rejeitado, tanto mais que a recorrente não contestou de modo algum perante o Tribunal que todos os cálculos efectuados são correctos e repousam na aplicação de tarifas de dispatch razoáveis.

87.
    Resulta de tudo o que precede que as conclusões que se destinam à anulação da decisão controvertida devem ser rejeitadas no seu conjunto. Por conseguinte, as conclusões destinadas a obrigar a Comissão a proceder ao reembolso da dispatch paga, acrescida de juros, ficaram sem objecto.

Quanto às despesas

88.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se tal tiver sido requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com as conclusões da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1.
    Os processos T-121/96 e T-151/96 são apensados para efeitos do acórdão a proferir.

2.
    O recurso no processo T-121/96 é julgado inadmissível.

3.
    É negado provimento ao recurso no processo T-151/96.

4.
    A recorrente é condenada nas despesas.

Lenaerts
Lindh
Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de Setembro de 1997.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts


1: Língua do processo: neerlandês.