Language of document : ECLI:EU:T:1999:100

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

19 de Maio de 1999 (1)

«Concorrência — Artigo 81.°, n.° 1, CE (ex-artigo 85.°, n.° 1) —

Acordo de distribuição exclusiva — Importações paralelas»

No processo T-176/95,

Accinauto SA, sociedade de direito belga, com sede em Bruxelas, representada por Helmut Glassen, advogado em Leimen, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Loesch e Wolters, 11, rue Goethe,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por Bernd Langeheine e, em seguida, por Wouter Wils, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, assistidos por Heinz-Joachim Freund, advogado em Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 95/477/CE da Comissão, de 12 de Julho de 1995, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/33.802 — BASF Lacke + Farben AG e SA Accinauto) (JO L 272, p. 16),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, R. M. Moura Ramos e P. Mengozzi, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 13 de Janeiro e 2 de Abril de 1998,

profere o presente

Acórdão

Factos na origem do litígio

Partes e produtos em causa

1.
    A Accinauto SA (a seguir «Accinauto» ou «recorrente») é uma sociedade de direito belga, com sede em Bruxelas. Desde 1937, distribui produtos de repintura para automóveis do grupo BASF, na Bélgica e no Luxemburgo. Desde 1974, é o distribuidor exclusivo dos produtos Glasurit para o mesmo território contratual. No ano fiscal de 1991, o seu volume de negócios foi de 738 000 000 BFR, 85% dos quais foram realizados através da venda de produtos BASF.

2.
    A BASF Coatings AG, anteriormente denominada BASF Lacke und Farben AG (a seguir «BASF»), sociedade de direito alemão, com sede em Münster-Hiltrup (Alemanha), fabrica, entre outros, produtos de repintura para automóveis, vendidos sob a marca Glasurit. Em 1991, o seu volume de negócios foi de 1 668 000 000 DM, dos quais 314 000 000 DM relativos a produtos de repintura para automóveis no mundo inteiro e 243 000 000 DM relativos a estes mesmos produtos na Comunidade.

3.
    Os produtos Glasurit são distribuídos por:

—    filiais do grupo BASF nos Países Baixos, em Itália, em França, em Espanha, no Reino Unido, na Irlanda, na Áustria, na Suécia e na Finlândia;

—    distribuidores independentes ligados por acordos de distribuição exclusiva na Bélgica, no Luxemburgo, na Dinamarca e em Portugal;

—    cinco distribuidores exclusivos regionais na Alemanha;

—    um distribuidor independente não exclusivo na Grécia.

4.
    No Reino Unido e na Irlanda, os produtos de repintura para automóveis do grupo BASF são distribuídos pela BASF Coating and Inks Ltd (a seguir «BASF C & I»), uma filial a 100% do grupo BASF.

5.
    Os produtos de repintura para automóveis distinguem-se dos produtos de pintura para veículos novos, embora tenham a mesma composição e sejam fabricados nas mesmas linhas de produção. Os produtos de pintura para veículos novos destinam-se aos fabricantes de automóveis, enquanto os produtos de repintura se destinam às oficinas de reparação. Por este facto, os produtos de repintura para automóveis são distribuídos sob formas de apresentação e em quantidades diferentes das dos produtos aplicados nos veículos novos.

6.
    Durante o período de 1985-1992, os preços líquidos no consumidor final dos produtos de repintura para automóveis, incluindo os produtos Glasurit, foram, em média, mais elevados no Reino Unido do que na Bélgica.

Tramitação do processo administrativo

7.
    Em 28 de Janeiro de 1991, a Ilkeston Motor Factories Ltd (a seguir «IMF») e a Calbrook Cars Ltd, duas sociedades com sede no Reino Unido e distribuidoras de produtos de repintura para automóveis, apresentaram uma queixa à Comissão, invocando violação pela BASF e pela Accinauto das regras de concorrência comunitárias.

8.
    As queixosas afirmavam que se tinham abastecido de produtos Glasurit — a IMF, directamente, a Calbrook Cars Ltd, por intermédio da IMF — na Accinauto, desde 1986. Durante o Verão de 1990, a Accinauto pôs termo aos seus fornecimentos por instigação da BASF. Esta e a Accinauto concertaram-se desta forma para impedir importações paralelas de produtos Glasurit no Reino Unido.

9.
    Em 26 de Junho de 1991, a Comissão procedeu a inspecções nas instalações comerciais da BASF, da BASF C & I, da Accinauto e da Technipaint, uma sociedade criada em 1982 pelos administradores da Accinauto e com a mesma sede social desta.

10.
    Posteriormente, a Comissão obteve informações escritas das diversas partes, nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22; a seguir «Regulamento n.° 17»).

11.
    Em 12 de Maio de 1993, a Comissão dirigiu à BASF e à Accinauto uma comunicação das acusações.

12.
    Em 23 de Setembro de 1993, realizou-se uma audição no quadro deste processo.

13.
    Após consulta do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posição dominantes, a Comissão adoptou a Decisão 95/477/CE, de 12 de Julho de 1995, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/33.802 — BASF Lacke + Farben AG e SA Accinauto) (JO L 272, p. 16, a seguir «decisão impugnada»). Esta decisão foi notificada à recorrente em 24 de Julho de 1995.

Conteúdo da decisão impugnada

14.
    No dispositivo da decisão impugnada, a Comissão declara que o acordo concluído entre a BASF e a Accinauto, nos termos do qual a Accinauto foi obrigada, de 8 de Outubro de 1982 a 31 de Dezembro de 1991, a transmitir à BASF os pedidos de clientes («Kundenanfragen weiterzuleiten») provenientes de fora do território contratual, infringia o artigo 81.°, n.° 1, CE (ex-artigo 85.°, n.° 1). Em virtude da sua participação na infracção assim verificada, a Comissão aplicou à BASF uma coima de 2 700 000 ecus e à Accinauto uma coima de 10 000 ecus.

15.
    Nos considerandos desta decisão, a instituição salienta que, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do acordo de distribuição exclusiva concluído entre a BASF e a Accinauto em Junho-Outubro de 1982 (a seguir «acordo de 1982»), com efeito retroactivo a 1 de Janeiro de 1981, a Accinauto compromete-se a «transmitir» à BASF «os pedidos de clientes» provenientes de fora do território contratual. A Comissão considera que esta expressão deve ser entendida no sentido de que aquele a quem as informações são «transmitidas» vai substituir aquele que as «transmite». Em consequência, a Accinauto não tem o direito de decidir autonomamente abastecer clientes estabelecidos fora da Bélgica ou do Luxemburgo. É a BASF quem decide se, e em que condições, a Accinauto, a BASF ou um terceiro podem satisfazer estas encomendas.

16.
    A Comissão sublinha que a sua interpretação do artigo 2.° do acordo é confirmada pela forma como as partes o aplicaram de modo constante.

17.
    Quando, em Março de 1986, a IMF tomou contacto pela primeira vez com a Accinauto, esta obteve uma «autorização especial» para iniciar os fornecimentos. A BASF concedeu esta autorização à Accinauto porque pretendia «canalizar e normalizar» as exportações paralelas de produtos Glasurit destinados ao Reino Unido. Este facto apresenta uma conexão com a acção empreendida pela BASF a partir de 1985-1986 contra as exportações paralelas. Durante nove meses, a BASF procedeu à marcação dos produtos vendidos por distribuidores na Bélgica, nos Países Baixos e na Alemanha, com vista a localizar os canais através dos quais os produtos Glasurit chegavam ao mercado britânico.

18.
    Segundo a Comissão, a BASF pediu à Accinauto para suspender os fornecimentos à IMF e aos outros clientes britânicos, em Junho de 1989. A decisão de pôr termo

às exportações paralelas para o Reino Unido, inicialmente autorizadas, foi, portanto, tomada pela BASF.

19.
    Todavia, a instituição verifica que a Accinauto não respeitou a proibição que lhe tinha sido imposta pela BASF. A partir de Julho de 1989, a Accinauto facturou as vendas à IMF por intermédio da Technipaint e prosseguiu assim os fornecimentos para o Reino Unido, sem disso dar conhecimento à BASF.

20.
    No fim de Maio de 1990, a Accinauto cessou os fornecimentos à IMF, na sequência de um reforço do controlo exercido pela BASF. Segundo as informações fornecidas pela BASF C & I, o problema das importações paralelas agravava-se e esta tinha provas da existência de uma fonte belga.

21.
    Após esta data, a Accinauto respeitou sem restrições o acordo de 1982. Segundo a Comissão, a infracção às regras de concorrência só terminou em 1 de Janeiro de 1992, data em que entrou retroactivamente em vigor um novo acordo de distribuição, assinado pelas partes em 14 de Dezembro de 1992 e 22 de Janeiro de 1993. Este acordo já não contém a cláusula contestada segundo a qual a Accinauto é obrigada a transmitir à BASF as encomendas de clientes não provenientes do seu território contratual.

22.
    A instituição considera que o artigo 2.°, n.° 2, do acordo de 1982 tinha por objectivo e efeito restringir a concorrência entre a Accinauto e outros fornecedores de produtos de repintura para automóveis da marca Glasurit e, em particular, entre a Accinauto e a BASF C & I. Este acordo era susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros, ao limitar as exportações paralelas dos produtos Glasurit da Bélgica para o Reino Unido.

23.
    A Comissão decide aplicar coimas à BASF e à Accinauto, salientando que a proibição das vendas passivas é contrária ao objectivo da criação de um mercado comum e constitui uma infracção particularmente grave do direito comunitário, muito claro na matéria, incluindo no que se refere aos produtos e ao mercado afectados. Além disso, a Comissão considera que a BASF e a Accinauto cometeram esta infracção deliberadamente.

Tramitação processual

24.
    O presente recurso foi interposto por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 25 de Setembro de 1995.

25.
    Na petição inicial, a recorrente pediu ao Tribunal que, como medida de organização do processo, lhe fosse enviada uma acta completa da audição de 23 de Setembro de 1993, em língua francesa.

26.
    O processo, inicialmente atribuído à Primeira Secção Alargada, foi remetido à Primeira Secção, por decisão do Tribunal de 4 de Dezembro de 1997, tomada nos termos dos artigos 14.° e 51.° do Regulamento de Processo.

27.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu que não era de ordenar a medida de organização do processo propostapela recorrente. O Tribunal decidiu igualmente iniciar a fase oral, sem proceder a outras medidas de organização ou de instrução prévias.

28.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal, na audiência que teve lugar em 13 de Janeiro de 1998.

29.
    Na sequência da entrada em funções dum novo membro do Tribunal, a composição da Primeira Secção foi alterada por decisão do mesmo Tribunal de 10 de Março de 1998.

30.
    Tendo em conta o artigo 33.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, o Tribunal (Primeira Secção), na sua nova composição, ordenou a reabertura da fase oral por despacho de 13 de Março de 1998, em conformidade com o artigo 62.° do mesmo regulamento.

31.
    As partes não estiveram presentes na audiência de 2 de Abril de 1998. Por proposta da recorrente, ouvida a recorrida, o Tribunal autorizou as partes a remeterem para as suas alegações de 13 de Janeiro de 1998, sem nova audição, e a apresentarem reproduções escritas dessas alegações, que foram registadas na Secretaria em 14 de Abril de 1998.

Pedidos das partes

32.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão impugnada, na parte respeitante à recorrente;

—    a título subsidiário, suprimir ou reduzir a coima imposta à recorrente pelo artigo 2.° desta decisão;

—    condenar a recorrida nas despesas;

—    ordenar que a recorrida reembolse à recorrente, para além da coima, juros no montante (9,5%) fixado pela recorrida no artigo 2.°, n.° 2, segundo parágrafo, da decisão impugnada.

33.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—    negar provimento ao recurso;

—    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao pedido de anulação da decisão impugnada

34.
    Em apoio do seu recurso, a recorrente deduz dois fundamentos de anulação. O primeiro consiste na violação de formalidades essenciais, pelo facto de não terem sido observados os direitos da defesa. O segundo consiste na violação do artigo 81.°, n.° 1, CE, pelo facto de a Comissão ter declarado erradamente que o acordo de 1982 era contrário a esta disposição.

Quanto ao fundamento que consiste em violação de formalidades essenciais

Argumentos das partes

35.
    A recorrente alega que, ao não colocar à sua disposição uma versão da acta da audição de 23 de Setembro de 1993, integralmente redigida em língua francesa, a Comissão violou o artigo 3.° do Regulamento n.° 1 do Conselho, de 15 de Abril de 1958, que estabelece o regime linguístico da Comunidade Económica Europeia (JO 1958, 17, p. 385; EE 01 F1 p. 8). Este artigo dispõe que «Os textos dirigidos pelas instituições a um Estado-Membro ou a uma pessoa sujeita à jurisdição de um Estado-Membro serão redigidos na língua desse Estado.»

36.
    Segundo a recorrente, a acta da audição constitui um documento processual previsto no artigo 19.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 e no artigo 2.°, n.° 1, do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62). Como empresa interessada, a recorrente teria direito a que a acta lhe fosse comunicada na língua do Estado a que está sujeita (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiefarma/Comissão, 41/69, Colect., p. 447, n.os 48 e 49).

37.
    O facto de a recorrente não ter disposto de um suporte escrito contendo a tradução das declarações dos outros participantes na audição, que se exprimiram em língua alemã ou em língua inglesa, nomeadamente as dos representantes da BASF, das empresas queixosas e dos Estados-Membros, impediu-a de preparar convenientemente a sua defesa no processo administrativo. Com efeito, embora a Comissão tenha assegurado a interpretação simultânea dessas declarações durante a audição, a tradução em língua francesa da totalidade da acta é essencial para a compreensão das acusações deduzidas contra a recorrente, em particular para lhe permitir esclarecer os factos invocados nessa ocasião com os seus empregados que não estiveram presentes na audição. Os seus direitos de defesa foram, portanto, violados.

38.
    A Comissão considera, pelo contrário, que a acta da audição não constitui um «texto», na acepção do artigo 3.° do Regulamento n.° 1, de 15 de Abril de 1958,

já referido. Nos processos relativos à aplicação das regras de concorrência, a jurisprudência tem aplicado esta disposição unicamente às comunicações das acusações e às decisões que têm lugar no processo administrativo. A Comissão salienta que a acta serve para consignar as observações dos representantes das diferentes partes e é-lhes enviada exclusivamente para que estas possam verificar se as suas próprias declarações foram correctamente registadas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T-77/92, Colect., p. II-549, n.os 72 a 75). Não se trata de um documento elaborado para utilização pelas empresas participantes no processo.

Apreciação do Tribunal

39.
    Importa recordar que, nos termos do artigo 9.°, n.° 4, do Regulamento n.° 99/63, de 25 de Julho de 1963, já referido, «O conteúdo essencial das declarações de cada pessoa ouvida será consignado em acta por ela aprovada depois de lida.»

40.
    No caso em apreço, é facto assente que a recorrente teve a possibilidade de tomar utilmente conhecimento do essencial das suas próprias declarações na audição de 23 de Setembro de 1993, consignadas em língua francesa na acta, e que não alega que esta comporte em relação a si inexactidões ou omissões essenciais.

41.
    Além disso, a recorrente não contesta ter tido a possibilidade de seguir as declarações das outras pessoas ouvidas graças à interpretação simultânea.

42.
    A recorrente não pode invocar a ausência de tradução das partes da acta redigidas numa língua diferente da do Estado-Membro a que está sujeita, para demonstrar a violação dos seus direitos de defesa. Com efeito, a ausência de tradução não é susceptível, no caso em apreço, de ter consequências prejudiciais que possam viciar o processo administrativo (acórdãos ACF Chemiefarma/Comissão, já referido, n.° 52, e Parker Pen/Comissão, já referido, n.° 74).

43.
    As dificuldades que a recorrente possa ter tido na preparação da sua defesa não poderão alterar esta apreciação, uma vez que a recorrente esteve representada na audição e que a Comissão colocou à sua disposição um suporte escrito contendo as declarações emitidas pelos outros participantes na sua língua original.

44.
    Desta forma, improcede o fundamento que consiste em violação de formalidades essenciais.

Quanto ao fundamento que consiste em violação do artigo 81.°, n.° 1, CE, pelo facto de a Comissão ter declarado erradamente que o acordo de 1982 era contrário a esta disposição

45.
    No essencial, a recorrente contesta que o acordo de 1982 tenha constituído um acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE, destinado a impedir importações paralelas de produtos Glasurit no Reino Unido. A Comissão cometeu erros de

apreciação, em primeiro lugar, na sua interpretação do artigo 2.°, n.° 2, deste acordo, em segundo lugar, na sua conclusão segundo a qual a aplicação do acordo pelas partes confirma a sua interpretação do mesmo, em terceiro lugar, na sua análise dos efeitos do referido acordo sobre a concorrência e sobre o comércio entre Estados-Membros, em quarto lugar, no que se refere à data da cessação da alegada infracção às regras de concorrência e, em quinto lugar, na fixação do montante da coima.

Primeiro segmento: interpretação do artigo 2.°, n.° 2, do acordo de 1982

— Argumentos das partes

46.
    A recorrente sustenta que a expressão «transmitir os pedidos de clientes», contida no artigo 2.°, n.° 2, do acordo de 1982, visa exclusivamente a transmissão de informações que permitam à BASF melhor planificar a sua organização de distribuição e a sua estratégia comercial, assim como cumprir a sua obrigação de abastecimento equitativo do mercado, em caso de dificuldades de fornecimento.

47.
    A recorrente afirma que a palavra «transmitir» significa «informar», tanto no n.° 1 como no n.° 2 do artigo 2.° Com efeito, não está prevista neste artigo qualquer obrigação de transmissão de encomendas, uma vez que esta decorre implicitamente do direito de distribuição exclusiva no território contratual concedido à recorrente nos termos do artigo 1.° Além disso, o artigo 2.° apenas diz respeito aos «pedidos» dos clientes, os quais têm unicamente como objecto a obtenção de informações sobre as possibilidades e as condições de fornecimento. Não se aplica, portanto, às encomendas dos clientes.

48.
    Segundo a recorrente, nenhum termo do artigo 2.°, n.° 2, do acordo exige o consentimento da BASF para as vendas fora do seu território contratual.

49.
    A recorrente alega que, nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, do acordo de 1982, se comprometeu a informar regularmente a BASF sobre a situação geral do mercado e a elaborar um relatório anual sobre as vendas. Todavia, na medida em que o artigo 4.° só se aplicava às informações relativas à actividade no território contratual, as informações sobre os pedidos que lhe eram dirigidos provenientes do exterior desse território estavam unicamente abrangidas pelo artigo 2.°, n.° 2, do acordo. A recorrente salienta que as informações relativas às vendas fora do território concedido apresentavam igualmente um grande interesse para si, nomeadamente para permitir à BASF informá-la sobre as condições de qualidade de formação e de admissão aplicáveis nos países para os quais as exportações eram destinadas.

50.
    A recorrente alega, além disso, que o historial do acordo é relevante para compreender a atenção prestada pelas partes à questão da compatibilidade deste com as regras de concorrência comunitárias. O anterior contrato de venda exclusiva

concluído entre a Accinauto e a transmitente dos direitos à BASF foi comunicado à Comissão em 1969. Na sequência de objecções formuladas por esta, as partes renunciaram, em 1970, a uma cláusula que estipulava que a Accinauto não estava autorizada a exportar as mercadorias objecto do contrato para fora do território concedido.

51.
    Tendo em conta este precedente, na altura das negociações que conduziram ao acordo de 1982, a recorrente recebeu do director do Serviço Jurídico da BASF a garantia da conformidade do novo artigo 2.°, n.° 2, com o direito comunitário. Dado que as partes não tinham qualquer dúvida sobre a legalidade desta cláusula, não consideraram necessário notificar o acordo de 1982 à Comissão.

52.
    A instituição recorrida considera que as razões apresentadas pela recorrente para justificar a sua interpretação da obrigação de transmissão prevista no artigo 2.°, n.° 2, do acordo não são convincentes. A Comissão reafirma que esta cláusula contém uma proibição dissimulada das vendas passivas à exportação sem autorização prévia e não uma simples obrigação de transmissão de informações.

— Apreciação do Tribunal

53.
    Importa recordar que o artigo 2.° do acordo de 1982 está colocado sob a epígrafe «Direito de distribuição exclusiva e proibição de concorrência». O seu n.° 2, primeiro parágrafo, prevê: «O concessionário compromete-se a transmitir à [BASF] os pedidos de clientes provenientes de fora do território contratual e a não fazer qualquer publicidade, não estabelecer sucursais nem a manter qualquer depósito para a distribuição dos produtos abrangidos pelo contrato fora do território concedido.»

54.
    Está assente entre as partes no presente processo que a última parte da cláusula contratual em questão contém uma proibição das medidas activas de venda pelo concessionário fora do território concedido, a qual é conforme com o direito comunitário da concorrência. O litígio quanto à interpretação a dar à referida cláusula incide, portanto, unicamente sobre a parte que diz respeito às vendas passivas a clientes estabelecidos fora do mesmo território.

55.
    Para determinar se as partes do acordo de 1982 convencionaram uma restrição à liberdade do concessionário de efectuar vendas passivas de produtos que são objecto do contrato de distribuição exclusiva a clientes estabelecidos noutros Estados-Membros e se, por conseguinte, concluíram um acordo proibido pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, o Tribunal deve tomar em consideração vários elementos de interpretação. Estes elementos compreendem, para além da análise do texto do artigo 2.°, n.° 2, e do âmbito de aplicação das outras cláusulas do contrato que apresentam uma relação com a obrigação do concessionário prevista nesta cláusula, as circunstâncias de facto e de direito que rodeiam a conclusão e a aplicação deste acordo, as quais permitem esclarecer a sua finalidade.

56.
    O texto do artigo 2.°, n.° 2, indica claramente que as partes estipularam um regime particular para o tratamento dos pedidos provenientes de clientes estabelecidos no exterior do território contratual. Todavia, o texto não especifica com que finalidade estes pedidos devem ser transmitidos ao fabricante nem as consequências que daí decorrem para a liberdade do concessionário de efectuar as vendas passivas solicitadas, nomeadamente quando provenientes de clientes estabelecidos noutros Estados-Membros.

57.
    O Tribunal observa que, no quadro de uma interpretação literal desta cláusula, não tem importância que a obrigação de transmissão seja aplicável aos pedidos, os quais visam unicamente determinar as possibilidades e as condições de fornecimento pela Accinauto, e não às encomendas feitas por clientes exteriores ao território contratual. Como a Comissão sublinhou, se fosse dada uma resposta negativa a um pedido transmitido em aplicação desta cláusula, seria inútil para o cliente fazer uma encomenda à recorrente. O facto de o concessionário ser obrigado a transmitir os pedidos que antecedem as encomendas não permite concluir que este mantenha inteira a sua liberdade de decisão e que não esteja sujeito a qualquer restrição no que se refere à satisfação destas últimas.

58.
    Quanto à inserção do artigo 2.°, n.° 2, no acordo e à determinação da sua finalidade relativamente à de outras cláusulas que prevêem trocas de informação entre as partes, é de rejeitar, antes de mais, a tese da recorrente segundo a qual as obrigações de transmissão dos n.os 1 e 2 do artigo 2.° são da mesma natureza que as obrigações de informação previstas no artigo 4.° do mesmo acordo. Com efeito, embora nos termos do artigo 4.°, n.os 1 e 2, a Accinauto se comprometa a informar regularmente a BASF sobre as vendas e sobre a situação do mercado no território contratual, estas informações têm carácter geral e só devem ser pormenorizadas através de relatórios recapitulativos, elaborados no fim de cada ano civil. Os n.os 1 e 2 do artigo 2.° prevêem, pelo contrário, que o concessionário ou o fabricante sejam imediatamente informados da recepção dos pedidos, conforme estes sejam provenientes, respectivamente, de clientes estabelecidos no território concedido ou de clientes estabelecidos no exterior deste território. Assim, deve concluir-se que as obrigações de transmissão do artigo 2.°, pelo facto de preverem a notificação recíproca dos pedidos de fornecimento específicos, são de natureza diferente da das obrigações de informação previstas no artigo 4.°

59.
    Importa salientar, em segundo lugar, que, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, a obrigação da BASF de transmitir ao concessionário todos os pedidos e todas as informações susceptíveis de permitir a venda dos produtos em questão no território contratual vem na sequência duma proibição que lhe é feita de utilizar outro circuito de distribuição no referido território. A obrigação de transmissão prevista nesta cláusula, tal como a proibição de utilizar outros circuitos de distribuição, integra assim a própria essência do direito exclusivo concedido à Accinauto, na medida em que é necessária para o exercício efectivo deste direito. Daqui resulta que a interpretação sustentada pela recorrente, segundo a qual o termo

«transmitir» significa simplesmente «informar» a outra parte da existência dos pedidos de fornecimento, tanto no n.° 1 como no n.° 2 do artigo 2.°, não merece acolhimento.

60.
    Dado que a obrigação de transmissão que incumbe ao concessionário em virtude do artigo 2.°, n.° 2, do acordo abrange unicamente os pedidos provenientes do exterior do território contratual, não se poderá considerar que a única finalidade desta cláusula é permitir ao fabricante planificar melhor a sua organização de distribuição e a sua estratégia comercial. A Comissão observou com razão que, se a BASF pretendesse ser informada sobre a quantidade e a qualidade dos produtos a que se referiam os pedidos dirigidos à recorrente, a obrigação de transmissão deveria aplicar-se da mesma forma aos pedidos dos clientes estabelecidos no território contratual. Estas informações poderiam, aliás, ser fornecidas regularmente à BASF de maneira geral ou no quadro de relatórios recapitulativos, tal como previsto no artigo 4.° do acordo, e não previamente a cada fornecimento. Também não era necessário à BASF conhecer antecipadamente o destino das mercadorias encomendadas à recorrente para estar em condições de repartir uniformemente entre os seus concessionários quantidades de fornecimento limitadas. O seu interesse em obter informações sobre as vendas à exportação, nomeadamente com vista ao cálculo das subvenções para publicidade que concedia a cada concessionário, teria podido igualmente ser satisfeito através de uma obrigação de elaborar relatórios recapitulativos respeitantes a estas vendas. Além disso, o interesse da recorrente em obter informações sobre as condições aplicáveis nos mercados a que os produtos eram destinados, pressupondo que fosse pertinente, podia ser satisfeito por meios diferentes da notificação prévia das exportações ao fabricante.

61.
    O Tribunal considera, por conseguinte, que as explicações fornecidas pela recorrente quanto à finalidade da obrigação de transmissão do artigo 2.°, n.° 2, do acordo de 1982 não são susceptíveis de infirmar a tese da Comissão, segundo a qual esta cláusula contém uma proibição dissimulada das vendas passivas à exportação sem autorização prévia.

62.
    Além disso, o historial do acordo permite explicar a redacção ambígua que as partes no acordo de 1982 deram à cláusula incriminada e o carácter dissimulado da proibição de exportação contida na mesma. Com efeito, as partes estavam suficientemente advertidas, em virtude da sua experiência anterior, do facto de uma restrição expressa da liberdade do concessionário de efectuar vendas passivas fora do território concedido ser contrária ao direito comunitário da concorrência. Não obstante, formularam claramente a sua intenção de submeter os pedidos provenientes do exterior do território contratual a um sistema de comunicação específica, o qual permitia implicitamente ao fabricante influenciar, se tal se revelasse necessário, o comportamento do concessionário relativamente às exportações.

63.
    Nestas condições, importa examinar se, como sustenta a Comissão, a sua interpretação do artigo 2.°, n.° 2, do acordo de 1982 é, além disso, confirmada pelo facto de as partes terem posto em prática um acordo que visava impedir importações paralelas de produtos Glasurit no Reino Unido.

Segundo segmento: aplicação do acordo

— Argumentos das partes

64.
    A recorrente sustenta que a aplicação do acordo controvertido mostra que a Comissão interpretou de forma errada a palavra «transmitir». Considera que os factos corroboram a sua própria interpretação deste acordo.

65.
    Quando, em Março de 1986, a IMF dirigiu pela primeira vez um pedido à recorrente, o administrador desta, Sr. Dudouet, só entrou em contacto com a BASF a fim de se informar sobre a situação do mercado e sobre a disponibilidade dos produtos pedidos. O Sr. Dudouet raramente efectuava exportações e tinha deduzido que as encomendas para o mercado britânico prometiam incidir sobre grandes quantidades. Dado que os produtos pedidos pela IMF eram produtos de venda fácil e que, segundo os hábitos do mercado de reparação de automóveis, as quantidades deviam ser fornecidas a breve prazo, eventuais atrasos de fornecimento poderiam conduzir a graves problemas para os clientes. Contrariamente ao que sustenta a Comissão, a recorrente não pediu, portanto, autorização à BASF para efectuar fornecimentos à IMF nem para fixar as condições aplicáveis a estas vendas.

66.
    A recorrente forneceu à IMF as quantidades pretendidas, e as relações de negócios entre as duas sociedades desenvolveram-se com sucesso na sequência. Até 1990, as encomendas feitas pela IMF aumentaram de forma constante, assim como os descontos que lhe eram concedidos pela recorrente.

67.
    A partir de Junho de 1989, as vendas efectuadas pela recorrente à IMF foram facturadas em nome da firma Technipaint unicamente a fim de separar as exportações das operações belgas. Esta separação tornou-se possível em 1989, após a entrada em serviço de um novo sistema informático. Isto permitiu à recorrente aumentar a transparência das suas operações e limitar o pagamento das comissões devidas aos seus colaboradores. A BASF procedeu igualmente ao registo separado das operações, uma vez que contribuía para as despesas de publicidade relativas às vendas no território contratual.

68.
    Contrariamente ao que é afirmado nos n.os 75 e 76 dos considerandos da decisão impugnada, a recorrente não suspendeu os fornecimentos à IMF no fim de Maio de 1990, mas só em Dezembro de 1990. A primeira encomenda recebida pela recorrente após o fornecimento de fim de Maio de 1990 é datada de 4 de Dezembro de 1990. A IMF não fez qualquer nova encomenda entre estas duas

datas, apesar da referência a uma futura encomenda que se encontra na carta dirigida pelos advogados da IMF à recorrente em 3 de Julho de 1990.

69.
    A recorrente tomou a decisão de deixar de fornecer a IMF de maneira autónoma, em virtude da falta de fiabilidade desta e da atitude ameaçadora que a mesma tinha adoptado. Desde Agosto de 1989 que a IMF deixara de pagar as facturas dentro dos prazos. Numa reunião com a recorrente, em 5 de Junho de 1990, a IMF insistiu em obter fornecimentos suplementares, quando dificuldades de distribuição afectavam a disponibilidade de um grande número de produtos Glasurit. A IMF ameaçou a recorrente de apresentar queixa por violação das regras de concorrência e de estabelecer uma sucursal na Bélgica com o objectivo de efectuar exportações directas para o Reino Unido.

70.
    Por carta de 7 de Fevereiro de 1991, na qual enviava cópia da carta que tinha dirigido à IMF em 19 de Dezembro de 1990, a recorrente informou pela primeira vez a BASF da ruptura definitiva das suas relações comerciais com a IMF.

71.
    A recorrente censura a Comissão por não ter tido em conta as dificuldades de fornecimento invocadas, das quais apresentou elementos de prova convincentes no decurso do processo administrativo. As capacidades de fornecimento da BASF enfrentaram dificuldades de distribuição importantes durante o período considerado, em virtude de diversos factores. As principais gamas de produtos, nomeadamente as cores de base mais utilizadas, foram afectadas por isso.

72.
    A BASF estabeleceu uma rede de informações entre ela e os seus distribuidores, entre os quais a recorrente, a fim de assegurar um abastecimento regular do mercado europeu num contexto de penúria. Com efeito, para cumprir as suas obrigações de fornecimento de produtos Glasurit para com os clientes, a BASF pretendia conhecer as correntes de mercadorias e a situação das vendas nos diferentes mercados nacionais.

73.
    Além disso, a recorrente considera que estava obrigada a fornecer o melhor possível os clientes no seu território contratual. Tendo sido contactada pela IMF, teria sido normal examinar, antes de mais, as possibilidades de fornecimento com a BASF a fim de evitar cometer uma infracção às suas obrigações contratuais. Não lhe teria sido permitido utilizar os magros recursos para aceitar novas encomendas ou efectuar fornecimentos fora do seu território.

74.
    O carácter lícito do seu comportamento é reconhecido pelos considerandos do Regulamento (CEE) n.° 1983/83 da Comissão, de 22 de Junho de 1983, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de distribuição exclusiva (JO L 173, p. 1; EE 08 F2 p. 110), como já o fora pelos considerandos do Regulamento n.° 67/67/CEE da Comissão, de 22 de Março de 1967, relativo à aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado a certas categorias de acordos de exclusividade (JO 1967, 57, p. 849; EE 08 F1 p. 94). As partes num acordo de distribuição exclusiva podem, portanto, nele incluir cláusulas que

permitam ao fabricante verificar se o objectivo principal de tal acordo, ou seja, agir de forma intensiva no território contratual, é respeitado pelo distribuidor.

75.
    A Accinauto observa ainda que, segundo as afirmações da queixosa relatadas no n.° 22 dos considerandos da decisão impugnada, a BASF deu, em Março de 1986, o seu acordo para os fornecimentos à IMF, na condição de o desconto não ser superior a 19% da tabela da Accinauto. Ora, estas afirmações são contraditas pelo facto de a IMF ter aceite, na altura, um desconto de 8% e de, durante todo o ano de 1986, não lhe ter sido concedido pela Accinauto nenhum desconto de 19%. Seria contrário a qualquer experiência comercial que a IMF se tivesse contentado com um desconto de 8%, quando o Sr. Dudouet tinha deixado entrever o acordo da BASF para a concessão de um desconto que podia ir até 19% da tabela. Na opinião da recorrente, isto fornece um indício convincente do facto de a queixosa ter reproduzido de maneira igualmente inexacta o resto da conversa telefónica entre a Accinauto e a BASF.

76.
    Resulta, além disso, da nota interna assinada pelo Sr. Augustin, datada de 5 de Junho de 1990, que a BASF estava informada de todos os fornecimentos da Accinauto à IMF em 1989. A recorrente protesta, portanto, contra a suposição da Comissão, segundo a qual teria pretendido dissimular as suas exportações para o Reino Unido através de uma facturação em nome da Technipaint.

77.
    A Comissão reitera a sua conclusão segundo a qual a aplicação do acordo pelas partes, em particular a partir de Março de 1986, confirma que o seu artigo 2.°, n.° 2, continha efectivamente um direito de aprovação das vendas passivas reservado ao fabricante. As explicações dadas pela recorrente não são convincentes nem susceptíveis de invalidar a apreciação jurídica dos comportamentos afirmados na decisão impugnada.

78.
    A recorrida sustenta que os documentos juntos aos autos contradizem a versão dos factos apresentada pela recorrente. A nota interna de 5 de Junho de 1990, mencionada nos n.os 43 e 52 dos considerandos da decisão impugnada, mostra que a BASF tinha concedido uma «autorização especial» ao Sr. Dudouet para efectuar fornecimentos à IMF, na sequência da primeira encomenda que esta fez à Accinauto em Março de 1986. Resulta de outros documentos que a suspensão dos fornecimentos à IMF teve mesmo lugar por instigação da BASF e que, a partir de Junho de 1989, a recorrente facturou estas vendas por intermédio da Technipaint, com o objectivo de as dissimular. Finalmente, na sequência de um controlo reforçado exercido pela BASF, a Accinauto pôs termo às exportações em Maio de 1990.

79.
    Segundo a Comissão, as dificuldades de fornecimento invocadas pela recorrente não podem explicar o comportamento das partes no acordo, uma vez que o período de penúria se verificou unicamente entre 1988 e o fim de 1990. Além disso, a Comissão salienta que a correspondência trocada entre a BASF e os seus

concessionários a propósito das importações paralelas no Reino Unido não apresenta qualquer traço de um receio quanto ao abastecimento eventualmente insuficiente dos outros mercados nacionais. A retirada da autorização especial concedida à recorrente explica-se não pelas dificuldades de fornecimento sentidas pela BASF mas pelo facto de as importações paralelas serem prejudiciais à BASF C & I e implicarem uma redução dos preços praticados no Reino Unido.

80.
    Segundo a Comissão, as conclusões que a recorrente extrai de um erro que a queixosa terá cometido quanto ao desconto máximo de 19% permitido pela BASF são exageradas. Por um lado, quando a Accinauto respondeu a um pedido de informações, confirmou ter concedido um desconto de 19% à IMF. Competia assim à recorrente explicar a contradição entre a sua resposta à Comissão e as suas declarações actuais. Por outro lado, tratando-se do desconto máximo autorizado pelo fabricante, seria normal que a recorrente não o concedesse desde o início à IMF, tanto mais que as encomendas inicialmente feitas por esta sociedade incidiam sobre pequenas quantidades. As objecções formuladas pela recorrente quanto à exactidão das afirmações da queixosa não têm fundamento. A questão de saber se e quando o desconto máximo de 19% foi integralmente concedido à IMF não afecta o facto de a recorrente, em Março de 1986, ter obtido autorização da BASF para abastecer a queixosa assim como para os descontos a aplicar.

81.
    A nota de um colaborador da BASF, datada de 5 de Junho de 1990, não podia provar que o fabricante estava informado, desde 1989, dos fornecimentos que foram efectuados por intermédio da Technipaint. Segundo a Comissão, as notas internas mencionadas nos n.os 47 e 50 dos considerandos da decisão impugnada mostram que a recorrente prosseguiu os seus fornecimentos à IMF sem que a BASF tenha disso tido conhecimento ou os tenha autorizado.

82.
    A recorrente confunde causa e efeito, quando explica as razões que a levaram a pôr termo aos fornecimentos à IMF. A Comissão observa que a ameaça de apresentar queixa, que foi proferida quando da reunião de 5 de Junho de 1990, segue-se às declarações do Sr. Dudouet à IMF no fim de Maio de 1990, segundo as quais tinha sido objecto de pressões por parte da BASF e não podia assim fornecer mais produtos Glasurit. A recusa de pagar a factura do mês de Maio apenas teve lugar em Julho, na sequência do litígio ocorrido entre a IMF e a Accinauto. A recorrida reafirma, por conseguinte, as suas asserções quanto à data e às circunstâncias da suspensão dos fornecimentos à IMF. Além disso, salienta que a recorrente não demonstrou que a IMF tivesse exigido, por seu turno, fornecimentos mais importantes ou condições mais vantajosas.

— Apreciação do Tribunal

83.
    Importa recordar, a título liminar, que a infracção às regras de concorrência afirmada na decisão impugnada diz respeito à conclusão pelas partes de um acordo tendo por objectivo impedir as importações paralelas de produtos Glasurit no Reino Unido. A análise da aplicação do acordo de 1982 visa assim, unicamente,

confirmar a justeza da interpretação que a Comissão deu ao artigo 2.°, n.° 2, desse acordo.

84.
    Neste contexto, a recorrente nega a existência de um nexo de causalidade entre os factos relatados na decisão impugnada e a aplicação de um pretenso acordo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE. O comportamento das partes no acordo de 1982 explicar-se-ia pelas dificuldades de fornecimento com que a BASF se confrontava no período de referência e por decisões comerciais tomadas de maneira autónoma pela Accinauto.

85.
    Todavia, a Comissão observou com razão que as dificuldades de distribuição só afectaram os fornecimentos da BASF de 1988 a 1990, ao passo que o acordo incriminado esteve em vigor de 1982 a 1991.

86.
    Estas dificuldades também não podem corroborar a explicação que a recorrente forneceu para os seus contactos com a BASF em Março de 1986, antes do primeiro fornecimento à IMF. Com efeito, nenhuma razão objectiva exigia que o Sr. Dudouet se informasse previamente da disponibilidade dos produtos encomendados.

87.
    Além disso, as relações comerciais entre a Accinauto e a IMF intensificaram-se em 1989, não obstante as dificuldades sérias sentidas pela BASF durante todo esse ano. Na altura da ruptura destas relações, no mês de Junho de 1990, a situação de penúria invocada pela recorrente já se encontrava em grande parte atenuada.

88.
    Acresce que resulta das notas internas da BASF, assim como da correspondência que lhe foi dirigida pela BASF C & I e pela Accinauto, que o problema das importações paralelas se colocava sob o ângulo dos seus efeitos sobre as actividades da filial britânica e não no contexto das dificuldades de fornecimento que pudessem afectar o abastecimento dos clientes belgas e luxemburgueses.

89.
    Daqui resulta que as dificuldades que afectaram os fornecimentos da BASF não tiveram, no caso concreto, uma influência substancial sobre a aplicação do acordo de 1982. Nestas condições, os argumentos desenvolvidos pela recorrente sobre a licitude do seu comportamento em situação de penúria, nomeadamente à luz dos considerandos do Regulamento n.° 1983/83 de 22 de Junho de 1983, já referido, não são pertinentes para o exame do presente processo.

90.
    O Tribunal verifica que, segundo uma nota interna da BASF, datada de 5 de Junho de 1990, a Accinauto tinha obtido uma «autorização especial» para fornecer a IMF:

«O proprietário da empresa [IMF] em Derby insiste para que outros fornecimentos de produtos de repintura para automóveis sejam efectuados pela Accinauto (cerca de 10 toneladas em 1989). Em relação a este cliente, o Sr. Dudouet tinha obtido,

na época, uma autorização especial de fornecimento por parte do Sr. Kunath. Nessa altura, esta autorização foi dada para uma quantidade limitada de fornecimentos a partir de Bruxelas. Motivo: não haver um aumento do volume de vendas de outros distribuidores belgas. Se não for dado o acordo para um novo fornecimento, ameaçam-nos com uma acção judicial... O Sr. Dudouet aguarda informações sobre o modo de actuação no futuro!»

91.
    Numa carta de 7 de Junho de 1989, dirigida à BASF, o Sr. Dudouet faz referência ao contexto em que esta autorização tinha sido concedida e mantida até essa data:

«Há três ou quatro anos, na sequência do grande volume de importações paralelas em Inglaterra, a Glasurit decidiu, com o nosso auxílio, marcar todos os produtos vendidos provenientes dos nossos stocks com um código específico para cada cliente, para permitir a prova fácil da origem do fornecimento... Tendo em conta este comércio, acordámos com a Glasurit tentar canalizar e normalizar estas compras, para seguir as quantidades adquiridas pelos nossos clientes, independentemente das vendas fora do território contratual... Chamamos a vossa atenção para o facto de que, se procedermos à desmontagem desta rede, deixaremos de vos poder garantir que os nossos 70 concessionários ou grandes oficinas de carroçaria não procurem concluir negócios com o Reino Unido ou sejam induzidos a fazê-lo, constituindo assim um elemento altamente perturbador do nosso mercado interno.»

92.
    Resulta destes documentos particularmente claros que, contrariamente ao quealega, a recorrente não agiu de maneira autónoma no quadro das suas relações comerciais com a IMF. A intensidade do controlo que era exercido pela BASF sobre as exportações da Accinauto é confirmada numa outra nota interna datada de Junho de 1990:

«Junto segue a resposta da Accinauto à nossa pergunta sobre a quantidade de material [Glasurit] que vai da Bélgica para a Grã-Bretanha.

Temos de partir do princípio de que Dudouet está a dizer a verdade. Ele sabe perfeitamente que depende de nós e não quererá correr riscos.»

93.
    O segundo segmento do fundamento, que consiste no erro que a Comissão teria cometido na apreciação da aplicação do acordo de 1982, deve, por conseguinte, ser rejeitado.

Terceiro segmento: efeitos do acordo sobre a concorrência e sobre o comércio entre Estados-Membros

— Argumentos das partes

94.
    A recorrente censura a Comissão por não ter tomado suficientemente em consideração as particularidades do mercado britânico de produtos de repintura para automóveis.

95.
    Refere que as importações paralelas de produtos Glasurit se desenvolveram em virtude da diferença de preços no mercado de produtos de repintura para automóveis existente entre o Reino Unido e os outros países da Comunidade. Esta diferença explicava-se sobretudo pelos custos de comercialização mais importantes no Reino Unido, mas também pelo sistema de controlo dos preços em vigor na Bélgica desde o início dos anos 80, o qual tinha sido decidido pelo Estado belga com vista a impedir um aumento dos preços no consumidor final.

96.
    Não obstante, a Comissão considerou erradamente que a posição dos produtos Glasurit no mercado britânico e as diferenças de preços existentes entre a Bélgica e o Reino Unido eram susceptíveis de favorecer importações paralelas consideráveis, as quais teriam sido impedidas pelo acordo de 1982.

97.
    A recorrente salienta, por um lado, que os preços a considerar em matéria de concorrência são os preços líquidos de venda pelo distribuidor, que correspondem ao preço de compra aplicável. Ora, segundo a recorrente, as diferenças entre os preços praticados na Bélgica e os praticados no Reino Unido diminuíam sensivelmente se se considerassem os preços de venda líquidos praticados. Por outro lado, para além da procura efectiva plenamente satisfeita, não existia procura potencial. As sociedades queixosas declararam-se satisfeitas com as suas relações comerciais com a recorrente e, em virtude das condições favoráveis que lhe eram concedidas, a IMF teve a possibilidade de fornecer produtos Glasurit não apenas à Calbrook Cars Ltd mas também a outros comerciantes britânicos.

98.
    A recorrente alega que, para além das encomendas provenientes da IMF, não recebeu outras encomendas a partir de 1986. Não era possível ter recusado encomendas inexistentes, se fosse esse o caso, por instigação da BASF. A recorrente contesta assim a justeza das afirmações da Comissão, segundo as quais os fornecimentos que objectivamente pôde assegurar não se limitam de forma alguma às quantidades fornecidas à IMF e à Calbrook Cars Ltd. A recorrente não compreende, aliás, como é que a existência no acordo de uma cláusula, que, segundo a interpretação da recorrida, não proíbe as exportações passivas mas prevê unicamente a sua autorização pelo fabricante, pôde impedir estas exportações, quando não existe nenhum caso conhecido em que a recorrente tenha pedido uma autorização e não a tenha obtido. Daqui conclui a recorrente que o acordo de distribuição exclusiva não impediu, em caso algum, as importações paralelas e não teve qualquer repercussão na exploração por sua conta das possibilidades objectivas de fornecimento.

99.
    A recorrente sustenta que o acordo de 1982 não afectou, aliás, de qualquer outra forma, a concorrência e o comércio entre Estados-Membros. Os importadores

paralelos estavam perfeitamente informados sobre as fontes de abastecimento existentes nos diferentes países da Comunidade e efectuavam compras comuns aos distribuidores que praticavam os preços mais vantajosos para cada linha de produtos. Isto é confirmado pelo facto de a IMF adquirir determinados produtos à Accinauto por conta da Calbrook Cars Ltd, enquanto esta obtinha outros produtos em melhores condições nos Países Baixos e na Alemanha. A situação da oferta e da procura não pode, além disso, ser vista de maneira estática. Na opinião da recorrente, aquela situação estava continuamente sujeita a correcções que os importadores paralelos tinham em conta quando decidiam fazer uma encomenda a um distribuidor.

100.
    A recorrida responde que os documentos descobertos na BASF revelam as diferenças de preços afirmadas na decisão impugnada e que estas diferenças eram susceptíveis de incentivar as exportações paralelas da Bélgica para o Reino Unido. Em qualquer hipótese, é a própria recorrente quem admite, na sua petição, que as diferenças entre os preços praticados no Reino Unido e os praticados nos outros Estados-Membros eram uma das causas das importações paralelas.

101.
    A Comissão considera ter demonstrado que o acordo em questão era susceptível de produzir um efeito sensível sobre o comércio intracomunitário e recorda que não é obrigada a fazer a prova de que tenha efectivamente tido lugar uma afectação sensível das trocas comerciais entre Estados-Membros (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1978, Miller/Comissão, 19/77, Colect., p. 45, n.° 15). Sublinha que procedeu às investigações necessárias e que apresentou, na decisão impugnada, as suas conclusões relativas à posição das empresas em causa no mercado, à amplitude da sua produção e das exportações assim como à sua política de preços.

102.
    A Comissão contesta igualmente a afirmação da recorrente, segundo a qual, durante o período considerado, não existiu procura potencial de produtos Glasurit no mercado britânico. A própria Accinauto declarou que esperava um aumento das encomendas feitas pela IMF e pela Calbrook Cars Ltd, tendo em conta o facto de a capacidade do mercado britânico ser bem superior à do mercado belga.

103.
    A recorrida alega, em último lugar, que a obrigação prevista no artigo 2.°, n.° 2, do acordo de distribuição exclusiva constitui, na realidade, uma proibição geral de exportação, acompanhada de uma reserva de autorização eventual, caso a caso, da BASF. Daqui conclui, portanto, que deve ser rejeitada a objecção da recorrente, segundo a qual o acordo não podia produzir efeitos restritivos da concorrência, uma vez que comportava a obrigação de obter uma autorização do fabricante para as exportações e não a proibição dessas vendas.

— Apreciação do Tribunal

104.
    O artigo 81.°, n.° 1, CE proíbe todos os acordos entre empresas que tenham por objectivo ou efeito restringir a concorrência no interior do mercado comum, na

condição de serem susceptíveis de afectar o comércio entre Estados-Membros. Resulta de jurisprudência constante que, por natureza, uma cláusula que tem por objecto proibir um comprador de revender ou de exportar a mercadoria adquirida é susceptível de compartimentar os mercados e, portanto, de afectar o comércio entre Estados-Membros (acórdãos do Tribunal de Justiça, Miller/Comissão, já referido, n.° 7, e de 31 de Março de 1993, dito «pasta de papel», Ahlström Osakeythiö e o./Comissão, C-89/95, C-104/85, C-114/85, C-116/85, C-117/85 e C-125/85 a C-129/85, Colect., p. I-1307, n.° 176). Quando se revela que as vendas de pelo menos uma das partes no acordo anticoncorrencial constituem uma parte não negligenciável do mercado em causa, deve aplicar-se o artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdãos Miller/Comissão, já referido, n.° 10, e Parker Pen/Comissão, já referido, n.° 44).

105.
    No caso em apreço, a recorrente não contesta a definição do mercado dos produtos em causa estabelecida pela Comissão, ou seja, o mercado britânico dos produtos de repintura para automóveis, nem o facto de a parte desse mercado detida pela BASF ser, em 1991, de 16%, dos quais 12% para os produtos Glasurit. As suas críticas limitam-se aos volumes das importações paralelas que a recorrida tomou em consideração assim como às afirmações desta relativas à existência de uma procura potencial que teria podido ser satisfeita pela recorrente. Tendo em conta a posição da BASF no mercado em causa assim como o facto, confirmado pela própria recorrente, de os preços dos produtos Glasurit praticados entre 1986 e 1991 neste mercado serem, em média, superiores aos preços praticados nos mercados de outros Estados-Membros, nomeadamente na Bélgica, a Comissão concluiu com razão que o acordo incriminado era susceptível de afectar o comércio intracomunitário.

106.
    Nestas condições, tem de se concluir que o acordo constitui, pelo seu objecto, uma restrição da concorrência, proibida pelo artigo 81.°, n.° 1, CE, sem que seja necessário apurar se, como sustenta a recorrente, não produziu efeitos sensíveis no mercado considerado (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect., p. 423, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T-42/93, Colect., p. II-441, n.° 127).

107.
    Daqui resulta que as outras críticas dirigidas pela recorrente contra a declaração pela Comissão de uma infracção à disposição do Tratado, acima referida, são inoperantes, na medida em que a justeza dessas críticas não pode, em circunstância alguma, conduzir à conclusão de que um acordo que tem o objecto e o alcance do do caso em apreço não infringe as regras de concorrência comunitárias.

Quarto segmento: data da cessação da infracção

— Argumentos das partes

108.
    A recorrente sustenta que, mesmo supondo que tenha havido uma infracção às regras de concorrência, tal infracção terminou, o mais tardar, no fim de Junho de 1990. A Comissão deveria ter verificado que a carta dirigida pela BASF à recorrente, em 21 de Junho de 1990, lhe indicava claramente que ela era livre de tomar as suas próprias decisões de venda. Em qualquer hipótese, a própria Comissão admitiu que a carta de 22 de Junho de 1990, dirigida pela BASF aos advogados da IMF e cuja cópia foi enviada à Accinauto, era suficientemente compreensível e clara a este respeito.

109.
    A recorrida reitera a sua conclusão segundo a qual o acordo restritivo da concorrência só terminou quando as partes suprimiram a cláusula incriminada. Considera que a Accinauto, tendo em conta as circunstâncias, não podia interpretar a cópia da carta enviada aos advogados da queixosa em Junho de 1990 como significando que a BASF renunciava ao direito de aprovação das exportações que tinha reservado para si no artigo 2.°, n.° 2, do acordo de 1982. O objectivo desta carta era unicamente prevenir eventuais reivindicações por parte da IMF.

— Apreciação do Tribunal

110.
    Dado que a infracção declarada pela decisão impugnada é a conclusão e a participação das partes num acordo de distribuição exclusiva, no qual uma das cláusulas tinha um objectivo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE, a Comissão considerou com razão que a referida infracção só terminou quando as duas partes suprimiram a cláusula em questão. Segundo a jurisprudência, o facto de uma cláusula que tem por objectivo restringir a concorrência não ter sido aplicada pelos co-contratantes não basta para a subtrair à proibição do artigo 81.°, n.° 1, CE (acórdãos Miller/Comissão, já referido, n.° 7, e pasta de papel, n.° 175). No caso em apreço, as cartas da BASF invocadas pela recorrente não provam que as partes tinham realmente a intenção de renunciar à cláusula incriminada. Com efeito, como entendeu a Comissão, os termos mais claros utilizados na carta de 22 de Junho de 1990 tinham em vista, na realidade, atenuar as censuras de comportamento anticoncorrencial que tinham sido dirigidas às partes pela queixosa IMF.

Quinto segmento: fixação do montante da coima

— Argumentos das partes

111.
    A recorrente censura a Comissão por ter abusado do seu poder discricionário, ao ter omitido tomar em conta, na fixação do montante da coima, a pequena gravidade e a curta duração da alegada infracção, a difícil situação económica da recorrente e a ausência de intenção delituosa.

112.
    A Accinauto considera que a gravidade da infracção deve ser medida em relação aos efeitos que o acordo alegadamente restritivo da concorrência produziu sobre o comércio. Ora, o acordo incriminado não produziu qualquer efeito, uma vez que

não foi aplicado pelas partes. Mesmo que tivesse sido aplicado, o acordo não teria afectado a corrente de importações paralelas no Reino Unido proveniente da Bélgica. Houve uma única recusa de fornecimento, em Dezembro de 1990, que não foi determinada pelo acordo, mas por uma decisão autónoma da recorrente. Além disso, o volume das importações paralelas abrangidas pelo acordo de 1982 era insignificante em relação ao conjunto das vendas de produtos Glasurit no Reino Unido.

113.
    A Comissão errou ao tomar como base para a duração da infracção todo o período de validade do acordo, entre a sua conclusão, em 8 de Outubro de 1982, e a entrada em vigor do novo acordo, em 1 de Janeiro de 1992. Por um lado, a própria recorrida admitiu que os efeitos do acordo só se fizeram sentir a partir de 1986. Por outro lado, a Accinauto apenas recusou um fornecimento à IMF, e a alegada infracção terminou, o mais tardar, em Junho de 1990, quando a BASF fez saber claramente à queixosa e à Accinauto que esta era livre de efectuar vendas passivas nos Estados-Membros da Comunidade. Assim, a recorrente considera que a tomada em conta de todo o período de validade do acordo é injusta e viola gravemente o princípio da proporcionalidade.

114.
    A recorrente sublinha ainda que os juristas consultados na altura da conclusão do acordo tinham considerado a cláusula em questão conforme com o direito comunitário. As partes e os seus colaboradores não tinham, portanto, consciência, durante o período de validade deste acordo, de cometer uma infracção às regras de concorrência do Tratado.

115.
    A Comissão recorda que as proibições de exportação são, por natureza, infracções graves à concorrência, uma vez que têm em vista manter artificialmente as diferenças de preços entre os mercados dos Estados-Membros e põem em perigo a liberdade das trocas intracomunitárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique Diffusion française e o./Comissão, 100/80, 101/80, 102/80 e 103/80, Recueil, p. 1825, n.° 107). A parte de mercado das importações paralelas afectadas pela infracção não tem importância para a determinação da sua gravidade. Além disso, a Comissão já refutou as alegações da recorrente relativas à ausência de efeitos económicos do acordo de 1982, nomeadamente sobre as importações paralelas da Bélgica no Reino Unido, assim como as relativas à ausência de influência do acordo sobre as decisões tomadas pela Accinauto.

116.
    A recorrida considera que a infracção começou na data da conclusão do acordo de distribuição exclusiva que estipulava um direito de aprovação do fabricante e prosseguiu durante todo o período de validade deste acordo (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Novembro de 1983, IAZ e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, Recueil, p. 3369, n.° 59). O mero silêncio da Accinauto que se seguiu às cartas da BASF de 21 e 22 de Junho de 1990 não alterou validamente o acordo de 1982. Em conformidade com o seu artigo 12.°, n.° 2, as alterações ao referido contrato só eram válidas sob a forma escrita.

117.
    A Comissão contesta a argumentação da recorrente segundo a qual não houve propósito deliberado de restringir a concorrência, uma vez que as partes não tiveram consciência de infringir o direito comunitário. O erro de direito eventualmente cometido pelos juristas da BASF nada alterou ao facto de a intenção desta ser impor uma obrigação de transmissão à Accinauto e controlar assim as exportações paralelas para o Reino Unido.

— Apreciação do Tribunal

118.
    Nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a Comissão pode, mediante decisão, aplicar às empresas, que, deliberada ou negligentemente, cometeram uma infracção às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE, multas de 1 000 ecus, no mínimo, e 1 000 000 ecus, no máximo, podendo este montante ser elevado até 10% do volume de negócios realizado, durante o exercício social anterior, por cada uma das empresas que tenha participado na infracção. Dentro destes limites, o montante da multa é determinado tendo em conta ao mesmo tempo a gravidade da infracção e a sua duração (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 118, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, SCA Holding/Comissão, T-327/94, Colect., p. II-1373, n.° 175).

119.
    Importa recordar que, para que se possa considerar que uma infracção às regras de concorrência do Tratado foi cometida deliberadamente, não é necessário que a empresa tenha tido consciência de infringir uma proibição imposta por estas regras, bastando que tenha tido consciência de que o comportamento censurado tinha por objectivo restringir a concorrência (acórdão IAZ e o./Comissão, já referido, n.° 45, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Herlitz/Comissão, T-66/92, Colect., p. II-531, n.° 45). Como resulta das anteriores afirmações do Tribunal, a recorrente não podia ignorar que a cláusula incriminada do acordo de 1982 tinha por objectivo restringir as importações paralelas e, por este facto, contrariar o próprio objectivo da realização do mercado único pretendido pelo Tratado, compartimentando os diferentes mercados nacionais. A este respeito, o parecer do conselheiro jurídico que a recorrente invoca não pode desculpá-la (acórdão Miller/Comissão, já referido, n.° 18).

120.
    No caso em apreço, o Tribunal verifica que a Comissão respeitou o limite previsto no Regulamento n.° 17, que se refere ao volume de negócios global da empresa em causa (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, já referido, n.° 119, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T-83/91, Colect., p. II-755, n.° 247). O montante da coima apenas representa assim 0,05% do volume de negócios global da Accinauto realizado em 1991, o qual atingiu cerca de 18 450 000 ecus (738 000 000 BFR, v. n.° 1, supra).

121.
    Segundo jurisprudência constante, o montante da coima deve ser graduado em função das circunstâncias da infracção e da gravidade desta e a apreciação da sua gravidade deve ser efectuada tendo em conta, nomeadamente, a natureza das restrições à concorrência (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Parker

Pen/Comissão, já referido, n.° 92, e de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect., p. II-1739, n.° 246).

122.
    Na decisão impugnada, a Comissão considerou com razão que a infracção verificada era particularmente grave, tendo em conta, nomeadamente, a natureza da restrição da concorrência em causa e a forte posição ocupada pela BASF no mercado dos produtos de repintura para automóveis na Europa.

123.
    A apreciação que a Comissão fez quanto à duração da infracção também não está viciada por qualquer erro, na medida em que esta infracção foi caracterizada como sendo a conclusão pelas partes de um acordo do qual uma das cláusulas tinha um objectivo contrário ao artigo 81.°, n.° 1, CE. Mesmo supondo que o Tribunal não tenha podido verificar a aplicação de tal cláusula, não deixa de ser certo que a sua mera existência podia criar um clima «óptico e psicológico», contribuindo para uma repartição do mercado (acórdãos Miller/Comissão, já referido, n.° 7, e Herlitz/Comissão, já referido, n.° 40). A infracção iniciada quando da conclusão do acordo de 1982 só cessou, portanto, quando a cláusula incriminada foi efectivamente suprimida.

124.
    Finalmente, importa salientar que a Comissão considerou circunstância atenuante o facto de as partes terem posto termo à infracção em 1 de Janeiro de 1992, ou seja, antes de lhes ter sido enviada a comunicação das acusações, em 12 de Maio de 1993. Tomou igualmente em consideração o facto de a Accinauto depender economicamente da BASF e de esta última ter explorado esta dependência para impor os seus interesses económicos.

125.
    Nestas condições, tem de se concluir que a Comissão, ao fixar em 10 000 ecus, o montante da coima aplicada à recorrente, não ultrapassou a margem de apreciação de que dispõe para a determinação do montante das coimas.

126.
    Resulta de tudo o que antecede que os pedidos da recorrente improcedem na sua totalidade, sem que seja necessário examinar o pedido no sentido de que a Comissão seja condenada a pagar-lhe juros a uma taxa de 9,5% sobre o montante da coima.

Quanto às despesas

127.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver pedido. Tendo a recorrente sido vencida em relação a todos os seus fundamentos, há que condená-la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente é condenada nas despesas.

Vesterdorf
Moura Ramos
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de Maio de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

B. Vesterdorf


1: Língua do processo: alemão.