ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
9 de Setembro de 1999 (1)
«Concorrência Acção por omissão Obrigação de instrução da Comissão
Prazo razoável»
No processo T-127/98,
UPS Europe SA, sociedade de direito belga, com sede em Bruxelas, representada
por Tom R. Ottervanger, advogado no foro de Roterdão, e Dirk Arts, advogado
no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de
Loeff, Claeys e Verbeke, 5, rue Charles Martel,
contra
Comissão das Comunidades Europeias, representada por Barry Doherty e Klaus
Wiedner, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no
escritório de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre
Wagner, Kirchberg,
que tem por objecto um pedido, nos termos do artigo 175.° do Tratado CE (actual
artigo 232.° CE), de declaração de omissão por parte da Comissão, na medida em
que se absteve de tomar posição sobre a queixa apresentada pela demandante com
fundamento no artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de
Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do
Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), denunciando certas práticas
anticoncorrenciais da Deutsche Post AG,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),
composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,
secretário: B. Pastor,
vistos os autos e após a audiência de 9 de Março de 1999,
profere o presente
Acórdão
Factos na origem da acção
- 1.
- A demandante é uma sociedade do grupo United Parcel Service (a seguir «UPS»),
que exerce a sua actividade de distribuição de encomendas a nível mundial. Possui
escritórios em todos os Estados-Membros da Comunidade Europeia,
nomeadamente na Alemanha.
- 2.
- Por carta de 7 de Julho de 1994, a demandante apresentou queixa junto da
Comissão, pedindo-lhe que iniciasse um processo destinado à verificação e
declaração, nomeadamente, que o comportamento abusivo da Deutsche
Bundespost, entretanto Deutsche Post AG (a seguir «Deutsche Post»), no mercado
do serviço postal e os financiamentos cruzados deste serviço eram contrários aos
artigos 86.° do Tratado CE (actual artigo 82.° CE), 90.° do Tratado CE (actual
artigo 86.° CE), 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.° CE)
e 93.° do Tratado CE (actual artigo 88.° CE).
- 3.
- Após uma reunião entre a demandante e a Comissão, que teve lugar em Agosto
de 1994, esta transmitiu à Deutsche Post, em 11 de Agosto de 1994, a queixa bem
como um primeiro pedido de informações nos termos do artigo 11.° do
Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1992, Primeiro
Regulamento de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204,
a seguir «Regulamento n.° 17»), a qual respondeu em 24 de Novembro de 1994.
A versão não confidencial desta resposta foi transmitida pela Comissão à
demandante em 28 de Novembro. A mesma foi objecto de discussão entre a
demandante e a Comissão.
- 4.
- Por carta de 21 de Março de 1995, a Comissão informou a demandante que a
queixa seria examinada apenas sob a perspectiva do artigo 86.° do Tratado e que,
se esta desejasse, podia apresentar uma outra queixa «substancialmente reforçada
por novas provas», com base no artigo 92.° do Tratado.
- 5.
- Em 3 de Abril de 1995, a demandante apresentou os seus comentários relativos à
resposta da Deutsche Post de 24 de Novembro de 1994.
- 6.
- Em 10 de Julho de 1995, a Comissão enviou à Deutsche Post um segundo pedido
de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17. Esta respondeu
em 2 de Outubro de 1995.
- 7.
- Em 13 de Dezembro de 1995, a demandante pediu informações junto da Comissão
acerca do andamento da sua queixa relativa ao artigo 82.° do Tratado.
- 8.
- Em 30 de Abril de 1996, a Comissão dirigiu à Deutsche Post um terceiro pedido
de informações nos termos do artigo 11.° do Regulamento n.° 17 . Esta respondeu
por cartas de 31 de Maio, 27 de Junho e 12 de Setembro de 1996.
- 9.
- Em 19 de Novembro de 1996, o advogado da demandante dirigiu à Comissão uma
interpelação referindo-se expressamente ao artigo 175.° do Tratado CE (actual
artigo 232.° CE).
- 10.
- Na sequência desta carta, Temple Lang, Director-Geral da Concorrência da
Comissão (DG IV), enviou em 24 de Janeiro de 1997 à Deutsche Post uma
comunicação na qual afirmava:
«A Direcção Geral da Concorrência informa pela presente que, com base nas
informações de que dispõe, conta adoptar uma posição negativa no que diz
respeito ao comportamento denunciado pela UPS e elaborar uma comunicação das
acusações a fim de propor à Comissão que considere a hipótese de adopção de
uma decisão negativa. As acusações da Comissão respeitantes ao referido
comportamento ser-vos-ão apresentadas numa comunicação de acusações
devidamente fundamentada, segundo os procedimentos habituais.»
Acrescentava:
«Atendendo às prioridades e à sobrecarga de trabalho com que a Comissão
actualmente se defronta, o calendário provisório para o seguimento do processo
neste caso será o seguinte:
comunicação das acusações em Abril de 1997;
observações escritas das partes em Junho de 1997;
audição em Julho de 1997;
Comité Consultivo em Setembro de 1997;
decisão final em Setembro de 1997.»
- 11.
- Em 28 de Fevereiro de 1997, a Deutsche Post respondeu a esta carta.
- 12.
- Em 3 de Julho de 1997, a Comissão respondeu a um novo pedido de informações
da demandante acerca do andamento do processo indicando que, na sequência da
queixa apresentada em 23 de Janeiro de 1997 por um outro concorrente da
Deutsch Post, aquele exame levaria mais tempo.
- 13.
- Na mesma data, a Comissão encarregou igualmente um gabinete exterior de
consultoria de elaborar um relatório sobre os estudos apresentados pela Deutsche
Post. Esse relatório foi entregue em 11 de Setembro de 1997.
- 14.
- Por carta de 25 de Agosto de 1997, Temple Lang informou a demandante de que
a Comissão suspendia a sua investigação ao abrigo do artigo 86.° do Tratado,
prosseguindo-a ao abrigo do artigo 92.° do Tratado.
- 15.
- Em 22 de Outubro de 1997, a demandante convidou oficialmente a Comissão
referindo-se expressamente ao artigo 232.° CE a tomar posição sobre a sua
queixa apresentada em 7 de Julho de 1994 e a reconsiderar a posição expressa na
carta de 25 de Agosto de 1997 quanto ao processo contra a Deutsche Post ao
abrigo do artigo 86.° do Tratado.
- 16.
- Em 19 de Dezembro de 1997, o director geral da DG IV enviou à demandante
uma carta referindo-se ao artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão,
de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.°
do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62), a
seguir «Regulamento n.° 99/63»). Nesta carta, precisou o seguinte:
«Tal como foi acima indicado, a Comissão considera, portanto, que, por agora, a
vossa queixa só deve ser examinada na parte em que dá conhecimento de uma
infracção às disposições em matéria de auxílios de Estado. A Comissão iniciará o
processo previsto no artigo 93.°, n.° 2 do Tratado CE no início do próximo ano. (...)
Face ao acima exposto, os serviços da Comissão concluíram que não há qualquer
motivo para satisfazer o vosso pedido na parte em que respeita ao artigo 86.° do
Tratado CE.»
Convidou também a demandante a apresentar as suas observações. Não excluiu,
todavia, a hipótese de reabrir a investigação a respeito artigo 86.° do Tratado.
- 17.
- Por carta de 2 de Fevereiro de 1998, a demandante apresentou as suas observações
relativas à carta de 19 de Dezembro de 1997, contestando a intenção da Comissão
de não prosseguir a investigação no que respeita ao artigo 86.° do Tratado.
Convidou a Comissão a indeferir a queixa, se assim o desejasse, mediante uma
decisão formal adoptada num prazo razoável.
- 18.
- Em 2 de Junho de 1998, a demandante dirigiu à Comissão uma notificação
referindo-se expressamente ao artigo 175.° do Tratado, convidando-a a tomar uma
posição definitiva a respeito do processo contra a Deutsche Post ao abrigo do
artigo 86.° do Tratado.
Tramitação processual e pedidos das partes
- 19.
- Por petição que deu entrada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em
7 de Agosto de 1998, a demandante propôs a presente acção.
- 20.
- Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal decidiu iniciar a fase oral sem
proceder a medidas de instrução prévias. Todavia, no quadro das medidas de
organização do processo, previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, a
demandante foi convidada a responder a uma questão por escrito.
- 21.
- As partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às perguntas do
Tribunal, na audiência de 9 de Março de 1999.
- 22.
- A demandante conclui pedindo que o Tribunal se digne:
declarar, nos termos do artigo 175.° do Tratado, a omissão da Comissão por
não ter adoptado uma decisão na sequência da queixa apresentada pela
demandante em 7 de Julho de 1994;
condenar a demandada nas despesas;
ordenar qualquer medida que entenda necessária.
Na audiência, a demandante pediu igualmente que o Tribunal se digne:
impor à Comissão o prazo de um mês para adoptar as medidas necessárias
nos termos do artigo 176.°, primeiro parágrafo, do Tratado CE (actual
artigo 233.° CE).
- 23.
- A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:
indeferir a acção;
condenar a demandante nas despesas do presente processo.
Quanto ao pedido por omissão
Argumentação das partes
- 24.
- A demandante, referindo-se ao acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de
1997, Guérin automobiles/Comissão (C-282/95 P, Colect., p. I-1503, n.° 36), entende
que é jurisprudência constante que a Comissão é obrigada ou a iniciar um processo
contra a pessoa objecto da queixa, ou a adoptar uma decisão definitiva de
indeferimento da queixa, quando o queixoso apresentou as suas observações por
carta enviada em conformidade com o artigo 6.° do Regulamento n.° 96/63.
- 25.
- Acrescenta que, de acordo com os princípios da boa administração, a decisão
definitiva da Comissão deve ser tomada num prazo razoável a contar da recepção
das observações do queixoso (acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido,
n.° 37). Alega que à data da proposição da presente acção, ou seja 6 meses após
a apresentação das suas observações, a Comissão ainda não tinha adoptado a sua
decisão.
- 26.
- Por outro lado, a demandante sublinha que a queixa foi inicialmente apresentada
em Julho de 1994 pelo que a Comissão teve mais de quatro anos para a examinar.
- 27.
- Na audiência, defendeu igualmente que os artigos 86.° e 92.° do Tratado não se
excluem. Assim, a Comissão tinha obrigação de proceder à investigação com base
nestas duas disposições da mesma forma e simultaneamente.
- 28.
- A demandada alega que a queixa denuncia em particular a utilização por parte da
Deutsche Post de receitas provenientes do seu monopólio no mercado das cartas
para subsidiar de forma cruzada os seus serviços de encomendas. A queixa
suscitava questões complexas de análise económica, em especial no que diz respeito
aos preços praticados pela Deutsche Post e à estrutura das suas despesas. Exigia
igualmente da Comissão uma análise do alcance das obrigações inerentes a um
serviço público impostas à Deutsche Post. A Comissão devia também ter em conta
uma queixa paralela que existia contra a Deutsche Post.
- 29.
- A Comissão acrescenta que reconsiderou a sua posição após ter recebido a carta
da demandante de 2 de Fevereiro de 1998 e decidiu reabrir o inquérito a respeito
do artigo 86.° do Tratado, suspendendo as suas investigações a título do artigo 92.°
do Tratado. Todavia, esta nova abordagem requeria um exame em profundidade
que não podia estar terminado em algumas semanas.
- 30.
- A Comissão alega que, nestas circunstâncias, não pode razoavelmente esperar-se
dela que tenha terminado a sua análise nesta fase, o que excluía que fosse
considerada culpada por omissão.
- 31.
- Na audiência, a Comissão precisou que é provavelmente culpada de violação
técnica do artigo 175.° do Tratado, mas no caso vertente não pôde agir de outro
modo. Acrescentou que a demandante tem direito a que seja adoptada uma
decisão quanto à existência ou não de uma violação do artigo 86.° do Tratado, mas
que, dadas as circunstâncias, não quis indeferir a queixa, uma vez que esta pode
ser fundada.
- 32.
- A Comissão admitiu igualmente que os artigos 86.° CE e 92.° do Tratado não se
excluem, mas acrescentou que seria um perda de recursos proceder ao exame da
violação destes artigos em simultâneo.
Apreciação do Tribunal
- 33.
- A título liminar, deve clarificar-se o objecto do pedido da acção por omissão
constante da petição. Este pedido destina-se a obter a declaração da omissão da
Comissão relativamente à queixa apresentada pela demandante em 7 de Julho de
1994 com o fundamento de que tinham decorrido seis meses desde que esta
apresentou, em 2 de Fevereiro de 1998, as suas observações sobre a carta da
Comissão de 19 de Dezembro de 1997 nos termos do artigo 6.° do Regulamento
99/63. Na audiência, a demandada, ao admitir que é provavelmente culpada de
violação técnica do artigo 175.° do Tratado, não contestou que o objecto do pedido
da acção por omissão é o que foi acima mencionado. Por outro lado, em resposta
a uma questão escrita do Tribunal, a demandante confirmou que a sua petição diz
exclusivamente respeito à eventual omissão da Comissão no exame da sua queixa
baseada no artigo 86.° do Tratado.
- 34.
- A fim de decidir sobre a procedência do pedido por omissão, há que verificar se,
aquando da notificação da Comissão, na acepção do artigo 175.° do Tratado,
impendia sobre a instituição a obrigação de agir (acórdão do Tribunal de Primeira
Instância de 15 de Setembro de 1998, Gestevisión Telecinco/Comissão, T-95/96,
Colect., p. II-3407, n.° 71).
- 35.
- Resulta da jurisprudência que uma carta dirigida ao queixoso, que esteja em
conformidade com as condições estabelecidas no artigo 6.° do Regulamento
n.° 99/63, constitui uma tomada de posição na acepção do artigo 175.°, segundo
parágrafo, do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 1979,
GEMA/Comissão, 125/78, Colect., p. 3173, n.° 21). Tal tomada de posição põe fim
à omissão da Comissão (acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido, n.os 30
e 31).
- 36.
- É igualmente jurisprudência constante que, quando o queixoso apresentou as suas
observações por carta enviada em conformidade com o artigo 6.° do Regulamento
n.° 96/63, a Comissão é obrigada ou a iniciar um processo contra a pessoa objecto
da queixa, ou a adoptar uma decisão definitiva de indeferimento da queixa,
susceptível de ser objecto de um recurso de anulação perante o juiz comunitário
(acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido, n.° 36).
- 37.
- Segundo a mesma jurisprudência, de acordo com os princípios da boa
administração, a decisão definitiva da Comissão deve ser tomada num prazo
razoável a contar da recepção das observações do queixoso (acórdão Guérin
automobiles/Comissão, já referido, n.° 37).
- 38.
- A razoabilidade da duração do procedimento administrativo aprecia-se em função
das circunstâncias próprias de cada processo, nomeadamente, do contexto em que
se inscreve, das diferentes etapas processuais seguidas pela Comissão, da conduta
das partes ao longo do processo, da sua complexidade, bem como da importância
que reveste para as diferentes partes interessadas (acórdãos do Tribunal de
Primeira Instância de 19 de Março de 1997, Oliveira/Comissão, T-73/95, Colect.,
p. II-381, n.° 45, e de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e
T-18/96, Colect., p. II-1739, n.° 57).
- 39.
- No caso vertente, a queixa da demandante foi apresentada em 7 de Julho de 1994.
A demandante apresentou, em 2 de Fevereiro de 1998, as suas observações acerca
da comunicação de 19 de Dezembro de 1997, enviada nos termos do artigo 6.° do
Regulamento n.° 99/63. A notificação da Comissão teve lugar em 2 de Junho de
1998 e a petição deu entrada no Tribunal em 7 de Agosto de 1998. Daqui resulta
que, à data da notificação da Comissão, nos termos do artigo 175.° do Tratado, e
à data da introdução da petição, tinham decorrido, respectivamente, os prazos de
quatro meses e seis meses a contar da recepção das observações da demandante.
- 40.
- A fim de apreciar se os prazos eram suficientes, há que examinar aquilo que a
Comissão devia ter feito nesse lapso de tempo. Tal como o Tribunal de Primeira
Instância referiu no acórdão de 10 de Julho de 1990, Automec/Comissão (T-64/89,
Colect., p. II-367, n.os 45 a 47), o processo para a análise de uma queixa articula-se
à volta de três fases sucessivas. Durante a primeira fase, que se segue à
apresentação da queixa, a Comissão recolhe os elementos que lhe permitirão
apreciar o seguimento a dar à queixa. Esta fase pode compreender uma troca
informal de pontos de vista entre a Comissão e a parte queixosa, com vista a
precisar os elementos de facto e de direito que são objecto da queixa e dar-lhe
oportunidade de expor as suas alegações, sendo caso disso, à luz de uma primeira
reacção dos serviços da Comissão. Na segunda fase, a Comissão indica à parte
queixosa, numa comunicação prevista no artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, os
fundamentos pelos quais não lhe parece justificado dar seguimento favorável à
queixa e dá-lhe oportunidade de apresentar, num prazo que fixa para esse efeito,
as suas eventuais observações. Na terceira fase do processo, a Comissão toma
conhecimento das observações apresentadas pela parte queixosa. Embora o artigo
6.° do Regulamento n.° 99 não preveja expressamente essa possibilidade, no final
desta fase, a Comissão é obrigada ou a iniciar um processo contra a pessoa objecto
da queixa, ou a adoptar uma decisão definitiva de indeferimento da queixa
susceptível de ser objecto de um recurso de anulação perante o juiz comunitário
(acórdão Guérin automobiles/Comissão, já referido, n.° 36).
- 41.
- No caso vertente, quando a demandante dirigiu à Comissão, em 2 de Junho de
1998, uma notificação, na acepção do artigo 175.° do Tratado, convidando-a a
tomar uma posição acerca da sua queixa, o processo de exame encontrava-se na
terceira e última fase. A Comissão tomara conhecimento da queixa que denunciava
uma violação do artigo 86.° do Tratado há 47 meses e já tinha procedido à
instrução do processo. Por consequência, para examinar se o prazo decorrido entre
as observações da demandante apresentadas na sequência da comunicação em
aplicação do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 e a notificação da Comissão é
aceitável, há que tomar em conta os anos de instrução já decorridos, o estado
actual de instrução do processo, bem como as condutas das partes consideradas no
seu conjunto.
- 42.
- Daqui resulta que, aquando da notificação, a Comissão devia ou iniciar um
processo contra a pessoa objecto da queixa, ou adoptar uma decisão definitiva de
indeferimento da queixa. Não era obrigada a retomar o exame. Por conseguinte,
a defesa da Comissão, segundo a qual a reconsideração da situação se verificou
apenas depois de ter recebido as observações da demandante na sequência da
comunicação em aplicação do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63 e segundo o qual
não se pode razoavelmente esperar dela que tenha terminado a sua análise nesta
fase, pouco tempo após ter decidido concentrar-se na violação do artigo 86.° do
Tratado, é inaceitável.
- 43.
- Pelo contrário, a Comissão devia razoavelmente ter sido capaz de ou iniciar um
processo contra a pessoa objecto da queixa, ou adoptar uma decisão definitiva de
indeferimento da queixa, salvo se provasse a existência de circunstâncias
excepcionais justificativas do esgotamento desses prazos (acórdão Gestevisión
Telecinco/Comissão, já referido, n.° 81).
- 44.
- Impõe-se, pois, concluir que nenhum dos argumentos apresentados pela Comissão
é de natureza a justificar a sua inacção nos prazos em causa.
- 45.
- Por outro lado, a Comissão não nega o seu dever de agir. Em resposta a uma
questão do Tribunal, a Comissão confirmou mesmo que à data da audiência
nenhuma medida concreta fora adoptada após as observações da demandante
sobre a carta de 19 de Dezembro de 1997 no que respeita à sua queixa relativa ao
artigo 86.° do Tratado. Assim, admite que ainda não iniciara um processo contra
a pessoa objecto da queixa, nem adoptara uma decisão definitiva de indeferimento
da queixa. Na audiência, admitiu mesmo não ter agido no presente caso «de uma
forma impressionante» e que há, manifestamente, violação do artigo 175.° do
Tratado.
- 46.
- Resulta dos desenvolvimentos precedentes que a Comissão se colocou em situação
de omissão em 2 de Agosto de 1998, quando expirou o prazo de dois meses após
a recepção, em 2 de Junho de 1998, do convite para agir, em virtude de se ter
abstido de iniciar um processo contra a pessoa objecto da queixa apresentada em
7 de Julho de 1994, ou de adoptar uma decisão definitiva de indeferimento dessa
queixa.
- 47.
- Consequentemente, o pedido de declaração de omissão relativo ao artigo 86.° do
Tratado deve ser considerado como procedente.
Quanto ao pedido destinado a que seja imposto à Comissão o prazo de um mês
para agir nos termos do artigo 176.° do Tratado
Argumentação das partes
- 48.
- Na audiência, a demandante pediu ao Tribunal que imponha à Comissão o prazo
de um mês após a decisão para adoptar as medidas necessárias nos termos do
artigo 176.°, primeiro parágrafo, do Tratado. A demandante entende que, na falta
de fixação deste prazo, era necessária uma outra acção nos termos do artigo 175.°
do Tratado. A demandante considera este pedido admissível atendendo ao carácter
geral da terceira parte do pedido na petição.
- 49.
- A este respeito, a Comissão contesta a competência do Tribunal para impor tal
obrigação.
Apreciação do Tribunal
- 50.
- Há que julgar este fundamento inadmissível. Com efeito, o Tribunal de PrimeiraInstância não tem competência para dirigir injunções às instituições comunitárias
(Despacho do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Novembro de 1996,
SDDDA/Comissão, T-47/96, Colect., p. II-1559, n.° 45). Por consequência, nos
termos do artigo 175.° do Tratado, o Tribunal tem unicamente a possibilidade de
declarar a existência de uma omissão ilegal. Incumbe, depois, à instituição em
causa, nos termos do artigo 176.° do Tratado, tomar as medidas necessárias à
execução do acórdão do Tribunal.
Quanto às despesas
- 51.
- Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é
condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido.
- 52.
- Tendo a Comissão sido vencida, é condenada nas despesas da demandante,
conforme pedido desta nesse sentido.
Pelos fundamentos expostos,
O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),
decide:
- 1.
- A Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do
Tratado CE, ao abster-se ou de iniciar um processo contra a pessoa objecto
da queixa apresentada pela demandante em 7 de Julho de 1994, ou de
adoptar uma decisão definitiva de indeferimento dessa queixa, na sequência
das observações de 2 de Fevereiro de 1998 sobre a comunicação dirigida à
demandante nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da
Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições previstas no artigo
19.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho.
- 2.
- A acção é julgada inadmissível quanto ao restante.
- 3.
- A Comissão é condenada nas despesas.
Moura RamosTiili
Mengozzi
|
Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Setembro de 1999.
O secretário
O presidente
H. Jung
R. M. Moura Ramos