Language of document : ECLI:EU:T:2019:91

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

14 de fevereiro de 2019 (*)

«Auxílios de Estado — Regime de auxílios concedido pela Bélgica — Decisão que declara o regime de auxílios incompatível com o mercado interno e ilegal e que ordena a recuperação do auxílio pago — Decisão fiscal antecipada (tax ruling) — Isenção em matéria de lucros excedentários — Autonomia fiscal dos Estados‑Membros — Conceito de regime de auxílios — Outras medidas de execução»

Nos processos T‑131/16 e T‑263/16,

Reino da Bélgica, representado inicialmente por C. Pochet, M. Jacobs e J.‑C. Halleux, e em seguida por C. Pochet e M. Halleux, na qualidade de agentes, assistidos por M. Segura Catalán e M. Clayton, avocats,

recorrente no processo T‑131/16,

apoiado pela

Irlanda, representada inicialmente por E. Creedon, G. Hodge e M. A. Joyce, em seguida por K. Duggan, M. Browne e M. Joyce e finalmente por M. Joyce e J. Quaney, na qualidade de agentes, assistidos por P. Gallagher, M. Collins, SC, B. Doherty e S. Kingston, barristers,

interveniente no processo T‑131/16,

Magnetrol International, com sede em Zele (Bélgica), representada por H. Gilliams e J. Bocken, avocats,

recorrente no processo T‑263/16,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por P.‑J. Loewenthal e B. Stromsky, e em seguida por M. Loewenthal e F. Tomat, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação da Decisão (UE) 2016/1699 da Comissão, de 11 de janeiro de 2016, relativa ao regime de auxílios estatais de isenção em matéria de lucros excedentários SA.37667 (2015/C) (ex 2015/NN) concedido pela Bélgica (JO 2016, L 260, p. 61),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

composto por: M. van der Woude, presidente, V. Tomljenović (relator), E. Bieliūnas, A. Marcoulli e A. Kornezov, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 28 de junho de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

 Quadro jurídico

 Código dos Impostos sobre o Rendimento de 1992

1        Na Bélgica, as normas relativas à tributação dos rendimentos estão codificadas no Código dos Impostos sobre o Rendimento de 1992 (a seguir «CIR 92»). Nos termos do artigo 1.o, n.o 1, do CIR 92, encontra‑se estabelecido, a título de imposto sobre os rendimentos, nomeadamente, um imposto sobre o rendimento global das sociedades residentes, denominado «imposto sobre as sociedades».

2        No que respeita especificamente à base do imposto sobre as sociedades, o artigo 185.o do CIR 92 estabelece que as sociedades estão sujeitas a imposto sobre o montante total dos seus lucros, incluindo os dividendos distribuídos.

 Quanto à Lei de 24 de dezembro de 2002

3        Em 24 de dezembro de 2002, foi promulgada a lei que altera o regime das sociedades em matéria de impostos sobre os rendimentos e que institui um sistema de decisão antecipada em matéria fiscal (a seguir «Lei de 24 de dezembro de 2002»). O artigo 20.o da referida lei estabelece que o Serviço Público Federal de Finanças se pronuncia por meio de decisão antecipada sobre qualquer pedido relativo à aplicação da legislação fiscal. Além disso, o conceito de «decisão antecipada» é definido como o ato jurídico através do qual o Serviço Público Federal de Finanças determina, em conformidade com as disposições em vigor, como se aplica a lei a uma situação ou a uma operação específica que ainda não produziu efeitos no plano fiscal. Por outro lado, refere‑se que a decisão antecipada não pode implicar a isenção ou a redução do imposto.

4        O artigo 22.o da Lei de 24 de dezembro de 2002 prevê que uma decisão antecipada não pode ser concedida, nomeadamente, quando o pedido diz respeito a situações ou a operações idênticas às que já produziram efeitos no plano fiscal no que respeita ao requerente.

5        Além do mais, o artigo 23.o da Lei de 24 de dezembro de 2002 dispõe que, salvo nos casos em que o pedido o justificar, a decisão antecipada é proferida por um prazo que não pode exceder cinco anos.

 Quanto à Lei de 21 de junho de 2004 que altera o CIR 92

6        Através da Lei de 21 de junho de 2004, que altera o CIR 92 e a Lei de 24 de dezembro de 2002 (a seguir «Lei de 21 de junho de 2004»), o Reino da Bélgica introduziu novas disposições fiscais relativas às transações transfronteiras de entidades associadas no seio de um grupo multinacional, prevendo nomeadamente uma correção dos lucros sujeitos a imposto, denominada «ajustamento correlativo».

–       Exposição de motivos

7        De acordo com a exposição de motivos constante do projeto de lei apresentado pelo Governo do Reino da Bélgica à Câmara dos Deputados, por um lado, a referida lei tem por objetivo adaptar o CIR 92, a fim de nele incluir expressamente o princípio de plena concorrência, aceite a nível internacional. Por outro lado, a referida lei visa alterar a Lei de 24 de dezembro de 2002, de forma a conceder ao Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas a competência para adotar essas decisões. O princípio de plena concorrência é introduzido na legislação fiscal belga pelo aditamento de um número 2 ao artigo 185.o do CIR 92, o qual se baseia na redação do artigo 9.o do Modelo de Convenção Fiscal da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económicos (OCDE) sobre o rendimento e o património. O objetivo do artigo 185.o, n.o 2, do CIR 92 é garantir que a base tributável das sociedades sujeitas a tributação na Bélgica possa ser adaptada mediante correções aos lucros resultantes de transações transfronteiriças intragrupo, quando os preços de transferência aplicados não refletem os mecanismos de mercado e o princípio de plena concorrência. Além disso, o conceito de «ajustamento adequado» introduzido pelo artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 justifica‑se para evitar ou eliminar uma (eventual) dupla tributação. Por outro lado, refere‑se que este ajustamento deve efetuar‑se caso a caso, com base nos elementos disponíveis, fornecidos, nomeadamente, pelo contribuinte e que não há necessidade de proceder a um ajustamento correlativo se a Administração Fiscal considerar que o ajustamento primário efetuado noutro Estado se justifica no que diz respeito ao seu princípio e ao seu montante.

–       Artigo 185.o, n.o 2, do CIR 92

8        O artigo 185.o, n.o 2, do CIR 92, dispõe o seguinte:

«[…] [P]ara duas sociedades que fazem parte de um grupo multinacional de sociedades associadas e no que se refere às suas relações transfronteiriças recíprocas:

a)      quando as duas sociedades, nas suas relações comerciais ou financeiras, estiverem ligadas por condições acordadas ou impostas diferentes das que seriam acordadas entre sociedades independentes, os lucros que, sem essas condições, teriam sido realizados por uma das sociedades mas não o puderam ser por causa dessas condições, podem ser incluídos nos lucros dessa sociedade;

b)      quando nos lucros de uma sociedade forem incluídos lucros que são igualmente incluídos nos lucros de uma outra sociedade, e que os lucros assim incluídos teriam sido realizados por essa outra sociedade se as condições acordadas entre ambas as sociedades fossem as mesmas que sociedades independentes acordariam entre si, os lucros da primeira sociedade são ajustados de forma correspondente.»

 Quanto à circular de 4 de julho de 2006

9        A circular de 4 de julho de 2006 sobre a aplicação do princípio de plena concorrência (a seguir «circular de 4 de julho de 2006») foi enviada aos funcionários da Administração Geral Tributária, em nome do ministro das Finanças, a fim de comentar, nomeadamente, o aditamento de um n.o 2 ao artigo 185.o do CIR 92 e a correspondente adaptação do mesmo código. A circular salienta que essas alterações, em vigor desde 19 de julho de 2004, visam transpor para o direito fiscal belga o princípio de plena concorrência e constituem um fundamento jurídico que permite, à luz desse princípio, ajustar o lucro tributável resultante de relações transfronteiriças intragrupo entre empresas associadas que fazem parte de um grupo multinacional.

10      Assim, por um lado, a circular indica que o ajustamento positivo previsto no artigo 185.o, n.o 2, do CIR 92, permite um aumento dos lucros da sociedade residente que faz parte de um grupo multinacional por incluir lucros que a sociedade residente devia ter realizado numa determinada transação num contexto de plena concorrência.

11      Por outro lado, a circular salienta que o ajustamento correlativo negativo, previsto no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, tem por objetivo evitar ou eliminar uma (eventual) dupla tributação. É referido que nenhum critério pode ser estabelecido para este efeito, na medida em que esse ajustamento deve ser realizado caso a caso, com base nos elementos disponíveis, fornecidos, nomeadamente, pelo contribuinte. Além disso, observa‑se que não há necessidade de proceder a um ajustamento correlativo se a Administração Fiscal ou o Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas considerar que o ajustamento se justifica no que diz respeito ao princípio e ao montante. Além disso, é precisado que o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 não se aplica se o lucro realizado no Estado parceiro é majorado de tal modo que é superior ao que se obteria em caso de aplicação do princípio de plena concorrência.

 Quanto às respostas do ministro das Finanças às perguntas parlamentares sobre a aplicação do artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92

12      Em 13 de abril de 2005, em resposta às perguntas parlamentares sobre a isenção em matéria de lucros excedentários, o ministro das Finanças belga confirmou, antes de mais, que o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 visava a situação em que era tomada uma decisão antecipada a respeito de um método para alcançar um lucro de plena concorrência. Em seguida, confirmou que os lucros que figuram nos relatórios financeiros belgas de um grupo internacional presente na Bélgica e que ultrapassavam os lucros de plena concorrência não deviam ser tidos em conta na determinação do benefício fiscal belga. Por último, o ministro das Finanças belga validou a posição segundo a qual não cabia às autoridades fiscais belgas determinar em que lucros de empresas estrangeiras este benefício adicional devia ser incluído.

13      Em 11 de abril de 2007, no âmbito de um novo conjunto de perguntas parlamentares relativas à aplicação do artigo 185.o, n.o 2, alíneas a) e b), do CIR 92, o ministro das Finanças belga declarou que só tinham sido recebidos pedidos de ajustamento negativo até àquela data. Além disso, especificou que, para a determinação do método para definir o lucro de plena concorrência da entidade belga, no âmbito das decisões antecipadas, eram tidas em consideração as funções que seriam exercidas, os riscos que seriam incorridos e os ativos que seriam afetados a atividades que ainda não tinham tido incidência fiscal na Bélgica. Assim, o lucro demonstrado na Bélgica através dos relatórios financeiros belgas do grupo multinacional que excedessem o lucro de plena concorrência não devia ser incluído no lucro fiscal tributável na Bélgica. Por último, o ministro das Finanças belga referiu que, na medida em que não cabia às autoridades fiscais belgas determinar a que sociedades estrangeiras o benefício adicional deveria ser atribuído, não era possível trocar informações com as Administrações Fiscais estrangeiras a este respeito.

14      Finalmente, em 6 de janeiro de 2015, o ministro das Finanças belga confirmou que o princípio na base das decisões antecipadas consistia em tributar lucro que correspondia a um lucro de plena concorrência para a empresa em causa e validou as respostas dadas pelo seu predecessor, em 11 de abril de 2007, quanto ao facto de o fisco belga não ter de demonstrar qual a sociedade estrangeira à qual devia ser atribuído o lucro excedentário não tributável na Bélgica.

 Decisão impugnada

15      Pela Decisão (UE) 2016/1699, de 11 de janeiro de 2016, relativa ao regime de auxílios estatais de isenção em matéria de lucros excedentários SA.37667 (2015/C) (ex 2015/NN) concedido pela Bélgica (JO 2016, L 260, p. 61, a seguir «decisão impugnada»), a Comissão Europeia constatou que as isenções concedidas pelo Reino da Bélgica por via de decisões antecipadas, com base no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, constituíam um regime de auxílios, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, incompatível com o mercado interno e que foi executado em violação do artigo 108.o, n.o 3, TFUE.

16      Por outro lado, a Comissão ordenou a recuperação dos auxílios concedidos aos beneficiários, cuja lista definitiva devia ser posteriormente estabelecida pelo Reino da Bélgica. No anexo da decisão impugnada, foram identificados, a título indicativo e com base em informações fornecidas pelo Reino da Bélgica durante o procedimento administrativo, 55 beneficiários, entre os quais a Magnetrol International, recorrente no processo T‑263/16.

17      Em primeiro lugar, no que respeita à apreciação da medida de auxílio (considerandos 94 a 110 da decisão impugnada), a Comissão considerou que a medida constituía um regime de auxílios, baseado no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, tal como aplicado pela Administração Fiscal belga. Esta aplicação era explicada na exposição de motivos da Lei de 21 de junho de 2004, na circular de 4 de julho de 2006 e nas respostas dadas pelo ministro das Finanças às perguntas parlamentares relativas à aplicação do artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92. Estes atos constituíam, segundo a Comissão, a base da concessão das isenções em causa. Além disso, a Comissão considerou que estas isenções tinham sido concedidas sem necessidade de medidas de execução das disposições de base, constituindo as decisões antecipadas meras modalidades técnicas de execução do regime em questão. Por outro lado, a Comissão salientou que os beneficiários das isenções foram definidos de forma geral e abstrata nas disposições na base do regime. Com efeito, estas visavam as entidades que fazem parte de um grupo multinacional de sociedades.

18      Em segundo lugar, no que se refere às condições de aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (considerandos 111 a 117 da decisão impugnada), em primeiro lugar, a Comissão indicou que a isenção em matéria de lucros excedentários constituía uma intervenção do Estado, imputável a este, e que implicava uma perda de recursos estatais, na medida em que esta isenção conduzia a uma redução do imposto devido na Bélgica pelas empresas que beneficiam do regime. Em segundo lugar, a Comissão considerou que o regime em causa era suscetível de afetar as trocas comerciais no interior da União Europeia, na medida em que tinha beneficiado sociedades multinacionais que operam em vários Estados‑Membros. Em terceiro lugar, a Comissão sublinhou que o regime em apreço liberta as empresas beneficiárias de encargos que normalmente teriam de suportar e que, por conseguinte, o regime falseava ou ameaçava falsear a concorrência ao reforçar a posição financeira dessas empresas. Em quarto lugar, a Comissão considerou que o regime em causa conferia uma vantagem seletiva às entidades belgas beneficiando assim apenas os grupos multinacionais de empresas a que essas entidades pertencem.

19      No que respeita, especificamente, à existência de uma vantagem seletiva, a Comissão considerou que a isenção em matéria de lucros excedentários constituía uma derrogação ao sistema de referência, identificado como sendo o sistema comum do imposto sobre o rendimento das sociedades na Bélgica, na medida em que o imposto era aplicado não sobre o lucro total efetivamente registado pela empresa em causa mas sobre o lucro de plena concorrência ajustado (considerandos 118 a 134 da decisão impugnada).

20      A este respeito e a título principal (considerandos 135 a 143 da decisão impugnada), a Comissão considerou que o regime em causa era seletivo, em primeiro lugar, porque só era acessível às entidades integradas num grupo multinacional, e não às entidades autónomas ou que fazem parte de grupos nacionais de sociedades. Em seguida, o regime em causa provocou uma seletividade entre os grupos multinacionais que alteram o seu modelo empresarial através da criação de novas atividades na Bélgica e todos os outros operadores económicos que continuam a seguir modelos empresariais existentes na Bélgica. Por último, o regime em causa também era seletivo de facto, uma vez que só as entidades belgas que faziam parte de um grupo multinacional de grandes dimensões ou de média dimensão podiam efetivamente beneficiar da isenção em matéria de lucros excedentários, e não as entidades que fazem parte de um grupo multinacional de pequena dimensão.

21      A título subsidiário (considerandos 144 a 170 da decisão impugnada), a Comissão indicou que, mesmo aceitando que o sistema do imposto sobre o rendimento das sociedades na Bélgica continha uma regra que proibia a tributação do lucro das entidades de um grupo multinacional que excedesse um lucro de plena concorrência, quod non, a isenção em matéria de lucros excedentários em causa constituía uma derrogação ao sistema de referência, dado que as razões que justificavam a isenção e o método utilizado para determinar o lucro excedentário violavam o princípio de plena concorrência. Este método compreendia duas etapas.

22      No âmbito da primeira etapa, os preços de plena concorrência aplicados às transações concluídas entre a entidade belga de um grupo e as sociedades às quais se encontra associada eram fixados com base num relatório em matéria de preços de transferência apresentado pelo contribuinte. Esses preços de transferência eram determinados através da aplicação do método da margem líquida da operação («MTMN»). Um lucro residual ou de plena concorrência seria assim estabelecido, o qual, segundo a Comissão, correspondia ao lucro efetivamente registado pela entidade belga.

23      Na segunda etapa, e com base num segundo relatório apresentado pelo contribuinte, o lucro de plena concorrência ajustado da entidade belga era estabelecido determinando‑se o lucro que uma empresa autónoma comparável teria realizado em circunstâncias comparáveis. A diferença entre o lucro obtido seguindo a primeira e a segunda etapas (ou seja, o lucro residual menos o lucro de plena concorrência ajustado) constituía o montante do lucro excedentário que as autoridades fiscais belgas consideravam resultante de sinergias ou de economias de escala decorrentes da pertença a um grupo de empresas e, portanto, não imputável à entidade belga.

24      Esse lucro excedentário não era tributado por força do regime em causa. Ora, segundo a Comissão, esta não tributação proporcionou aos beneficiários do regime uma vantagem seletiva, nomeadamente na medida em que o método de cálculo do lucro excedentário se desviava de um método conducente a uma estimativa fiável de um resultado baseado no mercado e, portanto, do princípio de plena concorrência.

25      Por outro lado, quanto à justificação do regime em causa, a Comissão considerou que este não podia ser justificado pela natureza e pela economia do sistema fiscal belga (considerandos 173 a 181 da decisão impugnada). Com efeito, contrariamente ao que foi invocado pelo Reino da Bélgica, o regime em causa não prosseguia o objetivo de evitar a dupla tributação, na medida em que não era necessário, a fim de obter a isenção em matéria de lucros excedentários, provar que esses lucros foram incluídos na base tributável de uma outra empresa.

26      Em terceiro lugar, a Comissão considerou que as medidas em causa constituíam auxílios ao funcionamento e eram, portanto, incompatíveis com o mercado interno. Além disso, não tendo estas medidas sido notificadas à Comissão nos termos do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE, constituíam auxílios ilegais (considerandos 189 a 194 da decisão impugnada).

27      No que diz respeito à recuperação dos auxílios (considerandos 195 a 211 da decisão impugnada), a Comissão salientou que o Reino da Bélgica não podia invocar o princípio da proteção da confiança legítima dos beneficiários nem o princípio da segurança jurídica para se subtrair à sua obrigação de recuperar os auxílios incompatíveis concedidos ilegalmente e que os montantes a recuperar podiam ser calculados, para cada beneficiário, com base na diferença entre o montante do imposto que teria sido devido, com base no lucro efetivamente registado e o imposto efetivamente pago em conformidade com a decisão antecipada.

28      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

O regime de isenção em matéria de lucros excedentários, que se baseia no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do [CIR 92], ao abrigo do qual [o Reino da] Bélgica emitiu decisões antecipadas a favor de entidades belgas de grupos de empresas multinacionais que concedem a essas entidades o benefício de uma isenção do imposto sobre as sociedades relativamente a uma parte do seu lucro, constitui um auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE que é incompatível com o mercado interno e foi ilegalmente concedido pela Bélgica em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE.

Artigo 2.o

1.      [O Reino da] Bélgica deve recuperar o auxílio incompatível e ilegal referido no artigo 1.o junto dos beneficiários do mesmo.

2.      Qualquer montante ainda não recuperado junto dos beneficiários na sequência da recuperação descrita no n.o 1 deve ser recuperado junto do grupo de empresas a que o beneficiário pertence.

3.      Os montantes a recuperar vencem juros a partir da data em que foram postos à disposição dos beneficiários e até à data da sua recuperação efetiva.

4.      Os juros sobre os montantes a recuperar são calculados numa base composta, em conformidade com o capítulo V do Regulamento (CE) n.o 794/2004.

5.      [O Reino da] Bélgica deve pôr termo ao auxílio referido no artigo 1.o e anular todos os pagamentos ainda não efetuados ao abrigo do referido auxílio a partir da data de adoção da presente decisão.

6.      [O Reino da] Bélgica deve recusar todos os pedidos de decisão antecipada apresentados ao Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas no âmbito do auxílio referido no artigo 1.o ou pendentes à data da adoção da presente decisão.

Artigo 3.o

1.      A recuperação do auxílio referido no artigo 1.o será imediata e efetiva.

2.      [O Reino da] Bélgica deve assegurar a plena aplicação da presente decisão no prazo de quatro meses a contar da sua notificação.

Artigo 4.o

1.      No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, [o Reino da] Bélgica deve comunicar à Comissão as seguintes informações:

a)      a lista dos beneficiários do auxílio referido no artigo 1.o e o montante total recebido por cada um deles;

b)      o montante total (capital e juros de recuperação) a recuperar junto de cada beneficiário;

c)      uma descrição pormenorizada das medidas já adotadas e planeadas para dar cumprimento à presente decisão;

d)      os documentos comprovativos de que os beneficiários foram intimados a reembolsar os auxílios.

2.      [O Reino da] Bélgica deve manter a Comissão informada sobre a evolução das medidas nacionais adotadas para aplicação da presente decisão até estar concluída a recuperação do auxílio concedido referido no artigo 1.o Deve transmitir imediatamente, mediante simples pedido da Comissão, todas as informações sobre as medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão. Deve fornecer, igualmente, informações pormenorizadas sobre os montantes do auxílio e dos juros já recuperados dos beneficiários.

Artigo 5.o

O destinatário da presente decisão é o Reino da Bélgica.»

 Tramitação processual e pedidos das partes

 Tramitação processual e pedidos das partes no processo T131/16

29      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de março de 2016, o Reino da Bélgica interpôs um recurso destinado à anulação da decisão impugnada.

30      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de abril de 2016, o Reino da Bélgica apresentou um pedido de medidas provisórias, no qual pediu ao presidente do Tribunal Geral a suspensão da execução dos artigos 2.o a 4.o da decisão impugnada até que o Tribunal Geral se pronunciasse quanto ao mérito do recurso. Por despacho do presidente do Tribunal Geral de 19 de julho de 2016, este indeferiu o pedido de medidas provisórias e reservou para final a decisão quanto às despesas.

31      Em 11 de julho de 2016, o Tribunal Geral pediu ao Reino da Bélgica que respondesse a uma questão. O Reino da Bélgica respondeu a este pedido de informações por ofício de 19 de julho de 2016.

32      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de julho de 2016, a Irlanda pediu para intervir em apoio dos pedidos do Reino da Bélgica. Por decisão de 25 de agosto de 2016, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral deferiu o pedido de intervenção da Irlanda. A Irlanda apresentou o seu articulado e as partes principais apresentaram as suas observações sobre o mesmo nos prazos estabelecidos.

33      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada em 21 de setembro de 2016, o juiz‑relator foi afetado, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, à Sétima Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

34      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de janeiro de 2017, o Reino da Bélgica Dinamarca pediu que o processo fosse julgado por uma formação de julgamento alargada. Em 15 de fevereiro de 2017, o Tribunal Geral registou, em aplicação do artigo 28.o, n.o 5, do Regulamento de Processo, a remissão do processo à Sétima Secção alargada.

35      Tendo um membro da Sétima Secção alargada ficado impedido de participar, por decisão de 28 de março de 2017, o presidente do Tribunal Geral designou o vice‑presidente do Tribunal Geral, para completar a Secção.

36      Sob proposta do juiz‑relator, o presidente da Sétima Secção alargada decidiu, em 12 de dezembro de 2017, nos termos do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, que o presente processo devia ser julgado com prioridade.

37      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sétima Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo, convidou o Reino da Bélgica e a Comissão a responderem por escrito às suas questões. As partes corresponderam a estes pedidos nos prazos previstos.

38      Por despacho de 17 de maio de 2018, ouvidas as partes, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral decidiu apensar os processos T‑131/16, Bélgica/Comissão, e T‑263/16, Magnetrol International/Comissão, para efeitos da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, tendo deferido o pedido de tratamento confidencial apresentado pela Magnetrol International em relação à Irlanda.

39      Na audiência de 28 de junho de 2018, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

40      O Reino da Bélgica pede que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        subsidiariamente, anular os artigos 1.o e 2.o do dispositivo da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

41      A Irlanda pede que o Tribunal Geral se digne anular a decisão impugnada tal como pedido pelo Reino da Bélgica.

42      A Comissão pede que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o Reino da Bélgica nas despesas.

 Tramitação processual e pedidos das partes no processo T263/16

43      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de maio de 2016, a Magnetrol International interpôs um recurso destinado à anulação da decisão impugnada.

44      Em 20 de junho de 2016, a Comissão pediu a suspensão do processo até que fosse proferida decisão no processo T‑131/16, Bélgica/Comissão, o que a recorrente contestou em 26 de julho de 2016. Por decisão notificada às partes principais em 9 de agosto de 2016, o presidente da Quinta Secção do Tribunal Geral indeferiu o pedido de suspensão da Comissão.

45      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada em 21 de setembro de 2016, o juiz‑relator foi afetado, em aplicação do artigo 27.o, n.o 5, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, à Sétima Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, atribuído.

46      Sob proposta da Sétima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em 12 de março de 2018, em aplicação do artigo 28.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

47      Tendo um membro da Sétima Secção alargada ficado impedido de participar, por decisão de 15 de março de 2018, o presidente do Tribunal Geral designou o vice‑presidente do Tribunal Geral, para completar a Secção.

48      Sob proposta do juiz‑relator, o presidente da Sétima Secção alargada decidiu, em 16 de abril de 2018, nos termos do artigo 67.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, que o presente processo devia ser julgado com prioridade.

49      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sétima Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.o do Regulamento de Processo, convidou a Magnetrol International e a Comissão a responderem por escrito às suas questões. As partes corresponderam a estes pedidos nos prazos previstos.

50      Por despacho de 17 de maio de 2018, ouvidas as partes, o presidente da Sétima Secção alargada do Tribunal Geral decidiu apensar os processos T‑131/16, Bélgica/Comissão, e T‑263/16, Magnetrol International/Comissão, para efeitos da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 68.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, tendo deferido o pedido de tratamento confidencial apresentado pela Magnetrol International em relação à Irlanda.

51      Como referido no n.o 39 supra, na audiência de 28 de junho de 2018, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

52      A Magnetrol International pede que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        subsidiariamente, anular os artigos 2.o a 4.o da decisão impugnada;

–        em qualquer dos casos, anular os artigos 2.o e 4.o da decisão impugnada na parte em que este artigos, por um lado, ordenam a recuperação junto de outras entidades além daquelas relativamente às quais foi emitida uma decisão antecipada e, por outro, ordenam a recuperação de um montante igual à poupança fiscal obtida pelo beneficiário, sem permitir que o Reino da Bélgica tenha em consideração o ajustamento efetivo em alta efetuado por outra administração fiscal;

–        condenar a Comissão nas despesas.

53      A Comissão pede que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Magnetrol International nas despesas.

 Questão de direito

54      Ouvidas as partes principais na audiência a esse respeito, o Tribunal Geral decidiu apensar os presentes processos também para efeitos da decisão que põe termo à instância, em conformidade com o artigo 68.o do Regulamento de Processo.

 Observações preliminares

55      Em apoio do seu recurso, o Reino da Bélgica invoca cinco fundamentos. O primeiro é relativo à violação do artigo 2.o, n.o 6, TFUE e do artigo 5.o, n.os 1 e 2, TUE, na medida em que a Comissão interferiu na competência fiscal do Reino da Bélgica. O segundo é relativo a um erro de direito e a um erro manifesto de apreciação, na medida em que a Comissão qualificou as medidas de regime de auxílios. O fundamento está dividido em duas partes contestando, a primeira, a identificação dos atos em que se baseia o alegado regime em causa e, a segunda, a consideração relativa da inexistência de outras medidas de execução. O terceiro fundamento é relativo à violação do artigo 107.o TFUE, na medida em que a Comissão considerou que o sistema dos lucros excedentários constituía um auxílio de Estado. O quarto é relativo a um erro manifesto de apreciação cometido pela Comissão quanto à identificação dos beneficiários do alegado auxílio. O quinto, invocado a título «subsidiário», é relativo à violação do princípio geral da legalidade e do artigo 16.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE (JO 2015, L 248, p. 9), na medida em que a decisão impugnada ordena a recuperação junto dos grupos multinacionais a que pertencem as entidades belgas que obtiveram uma decisão antecipada.

56      A Magnetrol International apresenta quatro fundamentos de recurso. O primeiro é relativo a um erro manifesto de apreciação, a abuso de poder e a falta de fundamentação, na medida em que a decisão impugnada constata a existência de um regime de auxílios. O segundo é relativo a uma violação do artigo 107.o TFUE e do dever de fundamentação e a um erro manifesto de apreciação, na medida em que a decisão impugnada qualifica o alegado regime de medida seletiva. O terceiro é relativo a uma violação do artigo 107.o TFUE e do dever de fundamentação e a um erro manifesto de apreciação, na medida em que a decisão impugnada indica que o alegado regime dá origem a uma vantagem. O quarto fundamento, invocado a título «subsidiário», é relativo a uma violação do artigo 107.o TFUE, a uma violação do princípio da proteção da confiança legítima, a um erro manifesto de apreciação, a um abuso de poder e a uma falta de fundamentação, no que respeita à recuperação do auxílio ordenada pela decisão impugnada, à identificação dos beneficiários e ao montante a recuperar.

57      Da exposição de todos os fundamentos que precedem e que foram invocados pelo Reino da Bélgica e pela Magnetrol International, resultam, embora numa ordem diferente, fundamentos relativos, em substância:

–        em primeiro lugar, à ingerência da Comissão, excedendo as suas competências em matéria de auxílios de Estado, nas competências exclusivas do Reino da Bélgica em matéria de fiscalidade direta (primeiro fundamento no processo T‑131/16 e primeira parte do terceiro fundamento no processo T‑263/16);

–        em segundo lugar, à conclusão errada relativa à existência de um regime de auxílios no caso em apreço, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589, nomeadamente em virtude da identificação incorreta dos atos nos quais se baseia o regime e à consideração errada de que o regime de auxílios não requer medidas de execução adicionais (segundo fundamento no processo T‑131/16 e primeiro fundamento no processo T‑263/16);

–        em terceiro lugar, à consideração errada das decisões antecipadas relativas a lucros excedentários como auxílios de Estado, tendo em conta, nomeadamente, a falta de uma vantagem e a falta de seletividade (terceiro fundamento no processo T‑131/16 e terceiro fundamento no processo T‑263/16);

–        em quarto lugar, à violação, nomeadamente, dos princípios da legalidade e da proteção da confiança legítima, na medida em que a recuperação dos alegados auxílios foi erradamente ordenada, incluindo junto dos grupos a que pertencem os beneficiários dos referidos auxílios (quarto e quinto fundamentos no processo T‑131/16 e quarto fundamento no processo T‑263/16).

58      O Tribunal Geral analisará os fundamentos na ordem mencionada no n.o 57 supra.

 Quanto à alegada ingerência da Comissão nas competências exclusivas do Reino da Bélgica em matéria de fiscalidade direta

59      O Reino da Bélgica e a Magnetrol International alegam, em substância, que a Comissão excedeu as suas competências quando utilizou o direito da União em matéria de auxílios de Estado para determinar unilateralmente os elementos que são da competência fiscal exclusiva de um Estado‑Membro. Com efeito, a determinação dos rendimentos tributáveis continua a ser uma competência exclusiva dos Estados‑Membros, tal como a forma de tributar os lucros gerados por transações transfronteiriças no âmbito dos grupos de empresas, mesmo que tal conduza a uma dupla não tributação. Ora, a posição da Comissão que consiste em considerar que as decisões antecipadas em matéria de lucros excedentários constituem auxílios de Estado pelo facto de se afastarem de uma aplicação do princípio de plena concorrência que considera correta equivaleria a uma harmonização forçada das regras relativas ao cálculo dos rendimentos tributáveis, o que não é da competência da União.

60      A Irlanda sustenta, em substância, que a decisão impugnada compromete seriamente a repartição equilibrada das competências entre a União e os Estados‑Membros, prevista, nomeadamente, no artigo 3.o, n.o 6, TUE e no artigo 5.o, n.os 1 e 2, TUE, e confirmada por jurisprudência constante.

61      A Comissão alega, em substância, que, embora os Estados‑Membros gozem de autonomia fiscal no domínio da tributação direta, qualquer medida fiscal adotada por um Estado‑Membro deve cumprir as regras da União em matéria de auxílios de Estado.

62      A este respeito, importa recordar que, de acordo com jurisprudência constante, embora na atual fase de desenvolvimento do direito da União a fiscalidade direta seja da competência dos Estados‑Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito da União (v. Acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Espanha, C‑269/09, EU:C:2012:439, n.o 47 e jurisprudência referida). Em contrapartida, é pacífico que a Comissão é competente para garantir o respeito do artigo 107.o TFUE.

63      Assim, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não foram objeto de uma harmonização na União, tais como a fiscalidade direta, não estão excluídas do âmbito de aplicação da regulamentação relativa à fiscalização dos auxílios de Estado. Por conseguinte, a Comissão pode qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado, desde que estejam reunidas as condições para essa qualificação (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 28; de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 81, e de 25 de março de 2015, Bélgica/Comissão, T‑538/11, EU:T:2015:188, n.os 65 e 66). Os Estados‑Membros devem, portanto, exercer a sua competência em matéria fiscal no respeito do direito da União (Acórdão de 3 de junho de 2010, Comissão/Espanha, C‑487/08, EU:C:2010:310, n.o 37). Por conseguinte, devem abster‑se de tomar, neste contexto, qualquer medida suscetível de constituir um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

64      É certo que, não existindo normas da União na matéria, é da competência dos Estados‑Membros a determinação das bases tributáveis e a repartição da carga fiscal entre os diferentes fatores de produção e os diferentes setores económicos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 97).

65      No entanto, tal não implica que qualquer medida fiscal que afeta nomeadamente a base tributável tomada em conta pelas autoridades fiscais escape à aplicação do artigo 107.o TFUE. Com efeito, se uma medida desse tipo provocar, de facto, uma discriminação entre sociedades que se encontram numa situação comparável à luz do objetivo prosseguido por essa medida fiscal e por esse motivo conferir aos beneficiários da medida vantagens seletivas que favorecem «certas» empresas ou «certas» produções, poderá ser considerada um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 104).

66      Além disso, uma medida através da qual as autoridades públicas concedem a certas empresas um tratamento fiscal privilegiado que, embora não implique uma transferência de recursos do Estado, coloca os seus beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes, é suscetível de constituir um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE. Em contrapartida, vantagens resultantes de uma medida geral indistintamente aplicável a todos os operadores económicos não constituem auxílios de Estado na aceção deste artigo 107.o TFUE (v. Acórdão 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 56 e jurisprudência referida).

67      Decorre do que precede que, sendo a Comissão competente para garantir o respeito do artigo 107.o do TFUE, não pode ser acusada de ter excedido as suas competências quando analisou as medidas que constituem o alegado regime em causa para verificar se constituíam auxílios de Estado e, em caso afirmativo, se eram compatíveis com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

68      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos argumentos do Reino da Bélgica relativos, por um lado, à falta de competência fiscal para tributar os lucros excedentários e, por outro, à sua própria competência para adotar medidas destinadas a evitar a dupla tributação.

69      O Reino da Bélgica alega que, uma vez que os lucros excedentários não deviam ser atribuídos às entidades belgas sujeitas a imposto na Bélgica, estes lucros não estão abrangidos pela competência fiscal belga. Por conseguinte, a Comissão não pode pôr em causa a não tributação desses lucros na Bélgica.

70      Na medida em que esses argumentos deviam ser entendidos no sentido de que contestam a competência da Comissão para analisar as medidas em causa, há que salientar que essas medidas dizem respeito a decisões antecipadas, adotadas pelas autoridades fiscais belgas no âmbito da sua competência em matéria de fiscalidade direta. A este respeito, há que recordar a jurisprudência referida no n.o 65 supra, segundo a qual qualquer medida fiscal que preencha as condições para a aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE constitui um auxílio de Estado. Daqui resulta que a Comissão, na sua competência no âmbito da aplicação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, deve poder analisar as medidas em questão a fim de verificar se as mesmas preenchem as referidas condições.

71      No que respeita aos argumentos relativos à competência do Reino da Bélgica para adotar medidas a fim de evitar a dupla tributação, resulta, é certo, da jurisprudência que compete aos Estados‑Membros tomar as medidas necessárias para prevenir as situações de dupla tributação, utilizando, nomeadamente, os critérios de repartição seguidos na prática fiscal internacional (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2006, Kerckhaert e Morres, C‑513/04, EU:C:2006:713, n.o 23). No entanto, como foi salientado no n.o 63 supra, os Estados‑Membros devem exercer as suas competências fiscais no respeito do direito da União e abster‑se de tomar qualquer medida correspondente a um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno. Por conseguinte, o Reino da Bélgica não pode invocar a necessidade de evitar a dupla tributação como objetivo prosseguido pela prática das autoridades fiscais belgas quanto aos lucros excedentários, para justificar uma competência exclusiva, a este respeito, que escapa à fiscalização do respeito do artigo 107.o TFUE pela Comissão.

72      Por outro lado e em todo o caso, há que salientar que, no caso em apreço, a não tributação dos lucros excedentários, tal como é aplicada pelas autoridades fiscais belgas, não parece prosseguir objetivos destinados a evitar a dupla tributação. Com efeito, a aplicação das medidas impugnadas não estava sujeita à condição de se provar que estes lucros tinham sido incluídos nos lucros de uma outra sociedade. Também não era exigida prova de que esses lucros excedentários tivessem sido efetivamente objeto de uma tributação noutro país.

73      Com efeito, o artigo 185.o, n.o 2.o, alínea b), do CIR 92 só prevê um ajustamento negativo dos lucros de uma sociedade se estes tiverem sido incluídos no lucro de uma outra sociedade. Ora, o Reino da Bélgica não se distanciou das constatações feitas pela Comissão nos considerandos 173 a 181 da decisão impugnada quanto à existência da prática das suas autoridades fiscais conforme descrita, nomeadamente, pelas respostas dos ministros das Finanças, indicadas nos n.os 12 a 14 supra, e segundo a qual o ajustamento negativo da base tributável de uma sociedade que apresentasse um pedido de decisão antecipada era efetuado sem que se verificasse se o lucro deduzido da base tributável dessa sociedade, como um lucro excedentário, era efetivamente incluído no lucro de outra sociedade.

74      À luz das considerações que precedem, há que julgar improcedente o fundamento relativo à pretensa ingerência da Comissão na competência fiscal do Reino da Bélgica.

 Quanto à existência de um regime de auxílios, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589

75      O Reino da Bélgica e a Magnetrol International alegam, em substância, que a Comissão identificou erradamente os atos com base nos quais o sistema dos lucros excedentários constituía um regime de auxílios e considerou indevidamente que esses atos não necessitavam de outras medidas de execução, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589. Por outro lado, a conclusão relativa à existência de um regime de auxílios baseava‑se numa fundamentação contraditória.

76      A Comissão alega, em substância, que seguiu um raciocínio coerente ao longo de toda a decisão impugnada, ao considerar que o regime de isenção em matéria de lucros excedentários tinha por base o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, tal como aplicado pelo Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas, à luz da interpretação dada pela exposição de motivos da Lei de 21 de junho de 2004, pela circular de 4 de julho de 2006 e pelas respostas do Ministro das Finanças às perguntas parlamentares sobre a aplicação do referido artigo. Esses atos refletem uma abordagem sistemática e coerente pela qual, sem necessidade de outras medidas de execução, as autoridades fiscais belgas isentaram do imposto os lucros ditos excedentários.

77      Nos termos do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589, constitui um regime de auxílios, qualquer ato com base no qual, sem que sejam necessárias outras medidas de execução, podem ser concedidos auxílios individuais a empresas nele definidas de forma geral e abstrata e qualquer diploma com base no qual pode ser concedido a uma ou mais empresas um auxílio não ligado a um projeto específico, por um período de tempo indefinido e/ou com um montante indefinido.

78      Resulta da jurisprudência que, no caso de um regime de auxílios, a Comissão se pode limitar a estudar as características do regime em causa, para apreciar, nos fundamentos da decisão em questão, se, em razão das modalidades que esse regime prevê, este assegura uma vantagem sensível aos beneficiários relativamente aos seus concorrentes e é suscetível de beneficiar essencialmente empresas que participam nas trocas comerciais entre Estados‑Membros. Assim, numa decisão que incide sobre um regime dessa natureza, a Comissão não está obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com base nesse regime. Apenas na fase da recuperação dos auxílios será necessário verificar a situação individual de cada empresa em causa (v. Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 63 e jurisprudência referida).

79      Além disso, já foi declarado que, no âmbito da análise de um regime de auxílios e na falta de identificação de um ato jurídico que institua esse regime de auxílios, a Comissão pode basear‑se num conjunto de circunstâncias suscetíveis de evidenciar a existência, de facto, de um regime de auxílios (v., neste sentido, Acórdão de 13 de abril de1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C‑324/90 e C‑342/90, EU:C:1994:129, n.os 14 e 15).

80      Importa recordar que, na decisão impugnada, desde logo, no seu considerando 97, se refere que a isenção em matéria de lucros excedentários é concedida com base no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92. Em seguida, no considerando 98 da mesma decisão, refere‑se que a aplicação do artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 pela Administração Fiscal belga é explicada na exposição de motivos da Lei de 21 de junho de 2004, na circular de 4 de julho de 2006 e nas respostas dadas pelo ministro das Finanças às perguntas parlamentares relativas à aplicação desta disposição. Por último, no considerando 99 da decisão impugnada, conclui‑se que o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, a exposição de motivos da Lei de 21 de junho de 2004, a circular de 4 de julho de 2006 e as respostas do ministro das Finanças às perguntas parlamentares relativas à aplicação do artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, constituem os atos com base nos quais a isenção em matéria de lucros excedentários é concedida.

81      Em contrapartida, no considerando 125 da decisão impugnada, é mencionado que nenhuma disposição do CIR 92 prescreve uma isenção unilateral abstrata de uma parte fixa ou de uma percentagem fixa do lucro efetivamente registado por uma entidade belga de um grupo. Além disso, é indicado que o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 permite ajustamentos negativos dos preços de transferência, desde que o lucro a isentar, gerado pela transação ou acordo internacional em questão, tenha sido incluído no lucro da contraparte estrangeira nessa transação ou acordo.

82      É verdade que uma certa ambivalência parece resultar do raciocínio da Comissão, na medida em que, por um lado, entende o conjunto dos atos enumerados no considerando 99 da decisão impugnada como disposições de base do regime contestado, ao passo que, por outro, ao analisar o sistema de referência, no âmbito da apreciação da existência de uma vantagem seletiva, afirma que nenhuma disposição do CIR 92 prescreve uma isenção como a aplicada pelas autoridades fiscais belgas.

83      No entanto, da leitura da decisão impugnada no seu conjunto, decorre que o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, tal como aplicado pelas autoridades fiscais belgas, constitui a base do alegado regime de auxílios em causa e que tal aplicação pode deduzir‑se da exposição de motivos da Lei de 21 de junho de 2004, da circular de 4 de julho de 2006 e das respostas do ministro das Finanças às perguntas parlamentares sobre a aplicação do referido artigo.

84      Por conseguinte, há que analisar se o alegado regime de auxílios, que se baseia em atos identificados pela Comissão, exige outras medidas de execução, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589.

85      As considerações seguintes podem ser retiradas da definição do regime de auxílios prevista no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589, enunciada no n.o 77, supra, conforme interpretada pela jurisprudência.

86      Em primeiro lugar, na medida em que os auxílios individuais são concedidos sem a intervenção de outras medidas de execução, os elementos essenciais do regime de auxílios em questão devem necessariamente resultar das disposições identificadas como fundamento desse regime.

87      Em segundo lugar, quando as autoridades nacionais aplicam o referido regime, essas autoridades não podem dispor de um poder discricionário quanto à determinação dos elementos essenciais do auxílio em questão e quanto à oportunidade da sua concessão. Com efeito, para que a existência de tais medidas de execução seja excluída, o poder das autoridades nacionais deve limitar‑se a uma execução técnica das disposições que supostamente constituem o regime em causa, se necessário após ter verificado que os requerentes preenchem as condições prévias para beneficiar do mesmo.

88      Em terceiro lugar, decorre do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589 que os atos que fundamentam o regime de auxílios devem definir os beneficiários de forma geral e abstrata, mesmo que o auxílio que lhes é concedido seja indefinido.

89      Por isso, há que analisar em que medida os elementos assinalados supra resultam dos atos que constituem a base do regime de auxílios identificados pela Comissão, de modo que as alegadas medidas de auxílio, ou seja, as isenções dos lucros excedentários, possam ser concedidas com base nos referidos atos, sem que seja necessário adotar outras medidas de execução.

 Quanto aos elementos essenciais do regime de auxílios em causa

90      Nos considerandos 13 a 22 da decisão impugnada, a Comissão descreve o regime de auxílios em causa como consistindo numa isenção em matéria de lucros excedentários e expõe os elementos que, em substância, constituem os elementos essenciais da concessão da referida isenção, reproduzidos no considerando 102 da decisão impugnada. Assim, em primeiro lugar, é tido em conta o facto de as entidades belgas em causa serem entidades integradas num grupo multinacional. Em segundo lugar, é tomada em consideração a obtenção de uma decisão antecipada do Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas, que está relacionada com uma situação nova, tal como uma reorganização que implique a relocalização do empresário principal na Bélgica, a criação de empregos ou de investimentos. Em terceiro lugar, devem ser realizados lucros superiores aos lucros que entidades autónomas comparáveis teriam realizado em circunstâncias semelhantes. Em quarto lugar, em contrapartida, não é tida em conta a existência de um ajustamento positivo primário efetuado noutro Estado‑Membro.

91      A este respeito, há que analisar se os elementos essenciais do alegado regime de auxílios, acima indicados, decorrem dos atos que a Comissão considerou como constituindo a base do sistema de isenção em matéria de lucros excedentários.

92      Com efeito, antes de mais, há que salientar que a Comissão indicou, nos considerandos 101 e 139 da decisão impugnada, que os elementos essenciais dos alegados auxílios tinham sido apurados a partir do exame de uma amostra de decisões antecipadas. Assim, a própria Comissão reconheceu que esses elementos essenciais não decorriam dos atos em que defendia que o regime se baseava, mas das próprias decisões antecipadas, ou antes, de uma amostra das mesmas.

93      Em qualquer caso, se é certo que alguns dos elementos essenciais do regime considerados pela Comissão podem resultar dos atos identificados nos considerandos 97 a 99 da decisão impugnada, tal não é o caso para todos os elementos essenciais.

94      Com efeito, como alegam, com razão, o Reino da Bélgica e a Magnetrol International, nem o método de cálculo dos lucros excedentários em duas etapas nem o requisito de investimentos, da criação de emprego, da centralização ou do aumento de atividades na Bélgica resultam, ainda que implicitamente, dos atos que Comissão considerou serem a base do regime em causa, nos considerandos 97 a 99 da decisão impugnada. Ora, se estes elementos que, segundo a própria Comissão, fazem parte dos elementos essenciais do alegado regime de auxílios, não constam dos atos que é suposto constituírem o fundamento desse regime, a aplicação desses atos e, por conseguinte, a concessão dos alegados auxílios dependem necessariamente da adoção de outras medidas de execução, de modo que não se pode tratar de um regime de auxílios na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589.

95      Por um lado, os atos identificados nos considerandos 97 a 99 da decisão impugnada, reproduzidos no n.o 80 supra, não mencionam o método em duas etapas, que inclui o MTMN para o cálculo dos lucros excedentários. Ora, resulta da decisão impugnada, designadamente do seu n.o 6.3.2 (considerandos 133, 144 e 152 a 168 da referida decisão), que este método foi aplicado de forma sistemática e constitui um elemento essencial do regime, na medida em que é precisamente a aplicação deste método que torna o referido regime seletivo.

96      Logo, e sem prejuízo da questão de saber se a determinação dos lucros excedentários segundo o método em duas etapas, descrito na decisão impugnada, poderia conduzir a uma vantagem seletiva, há que salientar que este elemento constitutivo do regime em causa não decorre, no entanto, dos atos de base do referido regime e não pode, portanto, ser aplicado na falta de outras medidas de execução.

97      Por outro lado, no caso dos investimentos, da criação de emprego, da centralização ou do aumento de atividades na Bélgica pelos requerentes de decisões antecipadas, há que salientar que, no n.o 6.3.2.1 da decisão impugnada, a Comissão indicou que, mesmo que esses elementos não fossem explicitamente identificados como condições para a concessão da isenção em matéria de lucros excedentários com fundamento no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, eram essenciais para se poder beneficiar de uma decisão antecipada que era obrigatória para a concessão da isenção em questão.

98      Ora, como a própria Comissão reconhece, nomeadamente no considerando 139 da decisão impugnada, estes elementos não decorrem dos atos em que se funda o regime em causa, mas das próprias decisões antecipadas, de acordo com a amostra que analisou. Por conseguinte, como o Reino da Bélgica e a Magnetrol International sustentam, com razão, se tais elementos não resultam dos atos que, segundo a Comissão, constituem a o fundamento do regime de auxílios, estes últimos devem ser necessariamente objeto de outras medidas de execução. Com efeito, se, como sustenta a Comissão, esses investimentos são tomados em consideração pelas autoridades fiscais belgas para conceder a isenção em matéria de lucros excedentários, esta tomada em consideração implica necessariamente uma análise e uma avaliação específica desses investimentos propostos pelas entidades belgas em causa, designadamente quanto à sua natureza, ao seu montante ou a outras características relativas à sua execução. Ora, uma tal análise só pode ser efetuada caso a caso e carece, portanto, de outras medidas de execução.

 Quanto ao poder discricionário das autoridades fiscais belgas

99      Como a Comissão observou com razão, no considerando 100 da decisão impugnada, a existência de outras medidas de execução, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento 2015/1589, implica o exercício de um poder discricionário por parte da autoridade fiscal que adota as medidas em questão, que lhe permite influenciar as características, o montante ou as condições de concessão do auxílio. A Comissão considera, pelo contrário, que a simples execução técnica do ato que prevê a concessão dos auxílios em causa não constitui outra medida de execução, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento (UE) 2015/1589.

100    Com efeito, cumpre salientar que o facto de ser necessário apresentar um pedido de autorização prévia junto das autoridades fiscais competentes para beneficiar de um auxílio não implica que essas autoridades disponham de um poder discricionário, quando se limitam a verificar se o requerente cumpre os critérios exigidos para beneficiar do auxílio em questão (v., neste sentido, e por analogia, Acórdão de 17 de setembro de 2009, Comissão/Koninklijke FrieslandCampina, C‑519/07 P, EU:C:2009:556, n.o 57).

101    No caso em apreço, é pacífico que a não tributação dos lucros excedentários depende da obtenção de uma decisão antecipada. A este respeito, importa recordar a redação do artigo 20.o da Lei de 24 de dezembro de 2002, segundo o qual por decisão antecipada se deve entender o ato jurídico através do qual o Serviço Público Federal de Finanças determina, em conformidade com as disposições em vigor, como se aplica a lei a uma situação ou a uma operação específica que ainda não produziu efeitos no plano fiscal.

102    Importa, assim, examinar se, na adoção de tais decisões antecipadas, o referido serviço dispunha de um poder discricionário que lhe permitia influenciar o montante, os elementos essenciais e as condições em que a isenção em matéria de lucros excedentários era concedida.

103    Em primeiro lugar, resulta da exposição de motivos da Lei de 21 de junho de 2004 que altera o CIR 92 (conforme resumido no n.o 7, supra) e da circular de 4 de julho de 2006 (tal como descrito nos n.os 9 a 11 supra) que o ajustamento negativo previsto no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 deve ser feito caso a caso, com base nos elementos disponíveis, fornecidos, nomeadamente, pelo contribuinte. Além disso, é indicado que nenhum critério pode ser estabelecido em relação a esse ajustamento, na medida em que o mesmo deve ser efetuado caso a caso. No entanto, é precisado que não há necessidade de proceder a um ajustamento correlativo se a Administração Fiscal ou o Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas considerar que o ajustamento se justifica no que diz respeito ao princípio e ao montante. Por outro lado, as respostas do ministro das Finanças às perguntas parlamentares sobre a aplicação do artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 (conforme resumidas nos n.os 12 a 14 supra) limitam‑se a evocar, de forma geral, a posição da Administração Fiscal belga no que respeita aos lucros excedentários e ao princípio de plena concorrência.

104    Pode inferir‑se da leitura conjugada destes atos mencionados no n.o 103 supra que, quando as autoridades fiscais belgas adotaram as decisões antecipadas sobre os lucros excedentários, não procederam a uma execução técnica do quadro regulamentar aplicável, tendo, pelo contrário, efetuado «caso a caso» uma apreciação qualitativa e quantitativa de cada pedido, com base nos relatórios e nos elementos de prova fornecidos pela entidade em causa, a fim de decidir se se justificava conceder o ajustamento negativo previsto no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92. Assim, contrariamente ao que sustenta a Comissão, nomeadamente no considerando 106 da decisão impugnada, e na falta de outras instruções a limitar o poder de decisão da administração fiscal belga, esta gozou necessariamente de um poder discricionário real quando decidiu que esses ajustamentos negativos não deviam ser concedidos.

105    Em segundo lugar, conforme referido no n.o 73 supra, o artigo 185.o, n.o 2.o, alínea b), do CIR 92 só prevê um ajustamento negativo dos lucros de uma sociedade se estes tiverem sido incluídos no lucro de uma outra sociedade. Ora, na prática, tal como a mesma é explicada, nomeadamente na circular de 4 de julho de 2006 e nas respostas do ministro das Finanças às perguntas parlamentares sobre a aplicação do artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, o ajustamento negativo foi efetuado pelo Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas sem que tenha sido dada resposta à questão de saber a que sociedades estrangeiras o lucro excedentário devia ser atribuído.

106    Além disso, resulta dos considerandos 67 e 68 da decisão impugnada que o regime contestado não visa todas as decisões antecipadas que foram adotadas com base no artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92. Trata‑se apenas das decisões antecipadas que concedem ajustamentos negativos sem que a Administração tenha verificado se os lucros em causa foram incluídos nos lucros de outra sociedade do grupo estabelecida noutra jurisdição. Em contrapartida, as decisões antecipadas que, em conformidade com a redação do artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, concedem um ajustamento negativo que corresponde ao ajustamento positivo dos lucros tributáveis de outra sociedade do grupo estabelecida noutra jurisdição não fazem parte do regime de auxílios contestado.

107    Por conseguinte, como sustentam com razão o Reino da Bélgica e a Magnetrol International, se, com base na mesma disposição, a Administração Fiscal belga pode adotar quer decisões que, segundo a Comissão, concedem auxílios de Estado como decisões que não concedem esses auxílios, não pode sustentar‑se razoavelmente que o papel desta Administração se limita a uma execução técnica do regime em causa.

108    Em terceiro lugar, com base nas informações prestadas pelo Reino da Bélgica à Comissão sobre o funcionamento do Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas, é importante analisar como é que o referido serviço determinou, no âmbito do seu exame individual dos pedidos de decisões antecipadas, se existia uma situação que dava origem a lucros excedentários, se era necessário proceder a um ajustamento negativo nos termos do artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 e quais as características, o montante e as condições de tal ajustamento.

109    No que se refere às características e condições em que a isenção em matéria de lucros excedentários é concedida, basta recordar as considerações efetuadas nos n.os 90 a 98 supra, segundo as quais determinados elementos essenciais do regime não resultam dos atos que constituem o seu fundamento de acordo com a Comissão.

110    No que respeita ao montante a isentar, importa salientar que a percentagem dos lucros considerados excedentários não se encontra definida nos atos em que se fundamenta o alegado regime de auxílios. Com efeito, não se pode deduzir destes atos uma percentagem específica, nem um intervalo, nem mesmo um limite máximo, e não é fornecido nenhum elemento concreto que defina o método de cálculo a aplicar. Pelo contrário, resulta da decisão impugnada (considerando 103 da referida decisão) que os factos individuais, os montantes em causa e as operações a ter em conta diferem de uma decisão antecipada para outra. Do mesmo modo, a descrição dos lucros excedentários, no considerando 15 da decisão impugnada, demonstra que a determinação dos mesmos exige um exercício de apreciação, caso a caso, dos estudos apresentados pelo contribuinte no que diz respeito, num primeiro momento, ao lucro residual da sociedade, resultante das suas transações com sociedades integradas no mesmo grupo, e, num segundo momento, aos lucros suplementares gerados em virtude da pertença a um grupo, que serão deduzidos do lucro residual, conforme calculado na primeira etapa.

111    Mais especificamente, como alegam com razão o Reino da Bélgica e a Magnetrol International, os parâmetros relativos ao cálculo dos lucros excedentários e as indicações necessárias para a tomada em consideração, no momento da adoção das decisões antecipadas, das sinergias, dos investimentos, da centralização das atividades e da criação de emprego na Bélgica não estão previstos nos atos que constituem, segundo a Comissão, o fundamento do regime contestado. Foi, portanto, o Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas que, por um lado, determinou os elementos essenciais que eram exigidos a fim de obter um ajustamento negativo e, por outro, verificou se esta exigência foi satisfeita nos casos em que decidiu conceder o referido ajustamento. Portanto, não se pode defender que o poder discricionário das autoridades fiscais belgas se limitava a uma simples execução técnica das disposições identificadas no considerando 99 da decisão impugnada.

112    Em quarto lugar, há que ter em conta o facto de o processo perante o Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas incluir uma fase preliminar durante a qual o pedido de decisão antecipada é analisado e na sequência da qual apenas uma parte dos pedidos é oficialmente tida em conta. Com efeito, resulta dos relatórios anuais do Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas identificados pelo Reino da Bélgica, nomeadamente o de 2014, que apenas cerca de 50% dos processos abertos em fase de pré‑notificação conduzem a uma decisão antecipada. Isto constitui um indício de que, contrariamente ao que sustenta a Comissão, o Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas goza de um poder discricionário que exerce efetivamente quando defere ou indefere, incluindo na fase de pré‑notificação, os pedidos relativos aos lucros excedentários.

113    Por último, há que salientar que, no considerando 106 da decisão impugnada, a Comissão indica que o Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas dispõe de um poder discricionário limitado para aceitar a taxa exata do ajustamento negativo. Ora, decorre das considerações feitas nos n.os 101 a 112 supra, que as autoridades fiscais belgas dispunham, no caso em apreço, de um poder discricionário quanto ao conjunto dos elementos essenciais do alegado regime de auxílios.

 Quanto à definição dos beneficiários

114    No que respeita à definição dos beneficiários, importa recordar que, no considerando 109 da decisão impugnada, a Comissão remete para o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92. Este artigo, cuja redação se reproduz no n.o 8 supra, prevê a sua aplicação às sociedades que estão integradas num grupo multinacional, no que se refere às suas relações transfronteiriças recíprocas.

115    É certo que se poderia considerar que o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92 visa uma categoria geral e abstrata de entidades, a saber, as sociedades integradas num grupo multinacional no âmbito das suas relações transfronteiriças recíprocas. No entanto, os beneficiários do regime, conforme indicados na decisão impugnada, não podem ser identificados apenas com base nesta disposição, sem outras medidas de execução.

116    Com efeito, no caso em apreço, os beneficiários do regime, tal como considerado pela Comissão, correspondem a uma categoria bem mais específica do que a correspondente às sociedades integradas num grupo multinacional no âmbito das suas relações transfronteiriças recíprocas. De acordo com as apreciações efetuadas pela Comissão, designadamente, no considerando 102 da decisão impugnada, relativas aos elementos essenciais do regime de auxílios contestado, este regime é aplicável a empresas integradas num grupo multinacional, que, com base em relatórios relativos aos preços de transferência e na existência de lucros excedentários calculados através dos referidos relatórios, invocam a isenção destes lucros excedentários através do pedido de uma decisão antecipada e que, além disso, efetuam investimentos, criam postos de trabalho ou procedem a uma centralização de atividades na Bélgica.

117    De resto, é forçoso constatar que os outros atos na base do regime identificados pela Comissão não fornecem esclarecimentos adicionais quanto à definição dos beneficiários do regime em causa.

118    No que respeita, em especial, à Lei de 24 de dezembro de 2002, ao prever, no seu artigo 20.o, o requisito relativo a uma situação ou a uma operação específica que ainda não produziu efeitos no plano fiscal, a mesma não prevê disposições destinadas à definição dos beneficiários do alegado regime. No que se refere à circular de 4 de julho de 2006 e às respostas do ministro das Finanças de 13 de abril de 2005, de 11 de abril de 2007 e de 6 de janeiro de 2015, o conteúdo destes atos também não fornece precisões sobre os beneficiários do alegado regime. Por outro lado, há que salientar que estes últimos atos foram adotados depois de 2004, ano a partir do qual, segundo a Comissão, o regime em causa foi aplicado.

119    Por conseguinte, não se pode concluir que os beneficiários do alegado regime de auxílios são definidos de forma geral e abstrata pelos atos que constituem a base do regime de auxílios identificado pela Comissão. Essa definição deve portanto, necessariamente, ser efetuada através de outras medidas de execução.

120    Resulta das considerações precedentes que a Comissão concluiu erradamente que o regime de isenção em matéria de lucros excedentários, tal como foi definido na decisão impugnada, não necessitava de outras medidas de execução e que, portanto, constituía um regime de auxílios, na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589.

 Quanto à existência de uma abordagem sistemática

121    A conclusão formulada no n.o 120 supra não pode ser posta em causa pelos argumentos da Comissão relativos à existência de uma abordagem sistemática que a mesma identificou através da apreciação de uma amostra de 22 das 66 decisões antecipadas existentes.

122    Com efeito, importa recordar a jurisprudência, citada no n.o 79 supra, segundo a qual, no âmbito da análise de um regime de auxílios e na falta de identificação de um ato jurídico que institua esse regime de auxílios, a Comissão pode, contudo, basear‑se num conjunto de circunstâncias suscetíveis de evidenciar a existência, de facto, de um regime de auxílios (v., neste sentido, Acórdão de 13 de abril de1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C‑324/90 e C‑342/90, EU:C:1994:129, n.os 14 e 15).

123    Por conseguinte, não se pode excluir que a Comissão possa concluir pela existência de um regime de auxílios quando conseguir demonstrar, de forma juridicamente bastante, uma abordagem sistemática, cujas características satisfaçam as exigências previstas no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589.

124    No entanto, a Comissão não conseguiu demonstrar que a abordagem sistemática que identificou satisfaz as exigências previstas no artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589.

125    Em primeiro lugar, no que respeita aos argumentos invocados pela Comissão, designadamente na audiência, segundo os quais tal abordagem sistemática podia constituir a própria base do regime de auxílios, basta recordar que não se trata do fundamento do regime considerado na decisão impugnada. Com efeito, conforme se salientou no n.o 80 supra, nos considerandos 97 a 99 da decisão impugnada, a Comissão indicou que o artigo 185.o, n.o 2, alínea b), do CIR 92, tal como aplicado pela Administração Fiscal belga, constituía a base do alegado regime de auxílios em causa e que tal aplicação podia deduzir‑se da exposição de motivos da Lei de 21 de junho de 2004, da circular de 4 de julho de 2006 e das respostas do ministro das Finanças às perguntas parlamentares sobre a aplicação do referido artigo.

126    Em segundo lugar, mesmo admitindo que os argumentos da Comissão devem ser entendidos no sentido de que os elementos essenciais do regime de auxílios resultam de uma abordagem sistemática que, por sua vez, resulta da amostra das decisões impugnadas que examinou, é forçoso constatar que, na decisão impugnada, a Comissão não conseguiu demonstrar de forma juridicamente bastante a existência dessa abordagem sistemática.

127    Em primeiro lugar, há que salientar que, nos considerandos 65 e 103 da decisão impugnada, a Comissão reconhece que analisou uma amostra de 22 das 66 decisões antecipadas. Ora, como alegam, com razão, o Reino da Bélgica e a Magnetrol International, a Comissão não precisou, na decisão impugnada, a escolha da amostra nem as razões pelas quais esta tinha sido considerada representativa de todas as decisões antecipadas. Em resposta nomeadamente a uma questão escrita do Tribunal Geral, que foi igualmente objeto de esclarecimentos na audiência, a Comissão referiu que tinha solicitado as decisões antecipadas adotadas em 2005 (não tendo nenhuma decisão sido adotada em 2004), em 2007, em 2010 e em 2013, de modo que o seu exame cobrisse decisões adotadas no início, a meio e no fim do período durante o qual o Serviço das Decisões Fiscais Antecipadas adotou tais decisões.

128    Além disso, a decisão impugnada contém, nos n.os 62 a 64 e na sua nota pé de página n.o 80 desta, referências a 6 das 66 decisões antecipadas em causa, que foram descritas de forma sumária e qualificadas de exemplos que podiam ilustrar o conjunto das decisões antecipadas. Ora, não consta da decisão impugnada nenhuma precisão sobre as razões para esses 6 exemplos terem sido escolhidos, para essas decisões fiscais analisadas constituírem uma base suficientemente representativa de todas as 66 decisões antecipadas e para esses 6 exemplos bastarem para fundamentar a conclusão da Comissão quanto à existência de uma abordagem sistemática da parte das autoridades fiscais belgas.

129    Em seguida, há que recordar as considerações expostas nos n.os 103 a 112 supra, segundo as quais as autoridades fiscais belgas tinham analisado caso a caso cada pedido e gozado de um poder discricionário que ia muito além de uma simples execução técnica das disposições identificadas no considerando 99 da decisão impugnada, quando adotaram cada decisão antecipada na sequência desse exame, o que, por si só, invalida o caráter sistemático da alegada abordagem seguida pelas autoridades fiscais belgas. Além disso, a existência de uma abordagem sistemática é posta em causa pela constatação feita no n.o 98 supra e relativa às outras medidas de execução que seriam necessárias para implementar o sistema relativo aos lucros excedentários contestado no caso vertente.

130    Por último, o Reino da Bélgica e a Magnetrol International alegam que várias decisões antecipadas não incluem os elementos essenciais do alegado regime de auxílios referidos pela Comissão na decisão recorrida, nomeadamente pelo facto de nem todas terem a ver com o papel de empresário principal tal como foi tido em conta pela Comissão, de não se ter verificado uma centralização ou uma recentralização de atividades em todos os casos e de o cálculo dos lucros excedentários ter sido realizado caso a caso e não sempre de acordo com o método de cálculo em duas etapas criticado pela Comissão.

131    A este respeito, há que salientar que as lacunas identificadas nos n.os 127 e 128 supra não podem ser supridas pelas informações adicionais fornecidas pela Comissão em resposta às questões do Tribunal Geral, acima referidas no n.o 49, sobre a amostra de decisões antecipadas que analisou. Com efeito, O Tribunal Geral não pode, sem exceder os limites das fiscalização da legalidade da decisão impugnada, basear‑se em motivos alheios à referida decisão para julgar improcedente um fundamento de anulação que lhe é submetido (v, neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2016, Irlanda e Aughinish Alumina/Comissão, T‑50/06 RENV II e T‑69/06 RENV II, EU:T:2016:227, n.o 145).

132    Em todo o caso, e como alegam com razão o Reino da Bélgica e a Magnetrol International, resulta das informações adicionais fornecidas pela Comissão em resposta às questões do Tribunal Geral, que as decisões antecipadas que fazem parte da amostra examinada pela Comissão refletem respostas individuais dadas pelas autoridades fiscais belgas a situações variadas que lhes foram apresentadas. Com efeito, as informações fornecidas sobre as 22 decisões mostram que estas foram adotadas no âmbito de situações diferentes, tais como a fusão ou a reestruturação de atividades produtivas, a construção de novas instalações, o aumento da capacidade de produção de instalações existentes ou a internalização de atividades de abastecimento. Assim, ao contrário do que resulta do considerando 15 da decisão impugnada e do raciocínio seguido pela Comissão para provar que o alegado regime contestado confere aos beneficiários uma vantagem seletiva (n.o 6.3.2.2 da decisão impugnada), nem todas as decisões antecipadas que fazem parte da amostra examinada dizem respeito a situações em que uma estrutura de «empresário principal» foi instituída pela entidade belga em causa.

133    Além disso, resulta das informações prestadas pela Comissão na sua resposta às questões do Tribunal Geral, identificadas no n.o 49 supra, que a abordagem em duas etapas para o cálculo dos lucros excedentários, identificada pela Comissão como um dos elementos essenciais do alegado regime de auxílio e descrito pela Comissão no considerando 15 da decisão impugnada, que implica, nomeadamente, a utilização dos relatórios em matéria de preços de transferência e o MTMN, não foi sistematicamente adotada.

134    Por conseguinte, além das lacunas identificadas nos n.os 127 e 128 supra, que invalidam os argumentos relativos à existência de uma abordagem sistemática pelas autoridades fiscais belgas, a amostra a que a Comissão faz referência na decisão impugnada não pode necessariamente provar que essa abordagem sistemática tenha efetivamente existido e que tenha sido seguida no conjunto das decisões antecipadas em causa.

 Conclusão quanto à qualificação das medidas contestadas como regime de auxílios

135    Resulta das considerações precedentes que a Comissão considerou erradamente que o sistema belga relativo aos lucros excedentários em causa, tal como apresentado na decisão impugnada, constituía um regime de auxílios.

136    Por conseguinte, há que julgar procedentes os fundamentos invocados pelo Reino da Bélgica e pela Magnetrol International, relativos à violação do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 2015/1589, no que respeita à conclusão formulada na decisão impugnada sobre a existência de um regime de auxílios. Por conseguinte e sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados contra a decisão impugnada, esta deve ser anulada, no seu todo, na medida em que se baseia na consideração errada de que esse regime existe.

 Quanto às despesas

137    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Reino da Bélgica, incluindo as despesas referentes ao processo de medidas provisórias, e pela Magnetrol International, em conformidade com os pedidos destes últimos.

138    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros que intervieram no processo suportam as suas despesas. Por conseguinte, a Irlanda suportará a suas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção alargada)

decide:

1)      Os processos T131/16 e T263/16 são apensados para efeitos do presente acórdão.

2)      A Decisão (UE) 2016/1699 da Comissão, de 11 de janeiro de 2016, relativa ao regime de auxílios estatais de isenção em matéria de lucros excedentários SA.37667 (2015/C) (ex 2015/NN) concedido pela Bélgica, é anulada.

3)      A Comissão Europeia suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pelo Reino da Bélgica, incluindo as despesas referentes ao processo de medidas provisórias, e pela Magnetrol International.

4)      A Irlanda suportará as suas próprias despesas.

Van der Woude

Tomljenović

Bieliūnas

Marcoulli

 

Kornezov

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de fevereiro de 2019.

Assinaturas


Índice



*      Língua do processo: inglês.