Language of document : ECLI:EU:T:2002:43

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

27 de Fevereiro de 2002 (1)

«Marca comunitária - Vocábulo STREAMSERVE - Motivos absolutos de recusa - Artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento (CE) n.° 40/94 - Registos prévios a nível nacional - Princípio da não discriminação»

No processo T-106/00,

Streamserve Inc., com sede em Raleigh, Carolina do Norte (Estados Unidos da América), representada por M. Nedstrand, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por A. di Carlo e G. Humphreys, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um recurso da decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), de 28 de Fevereiro de 2000 (processo R 423/1999-2), relativa ao registo do vocábulo STREAMSERVE como marca comunitária,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: P. Mengozzi, presidente, V. Tiili e R. M. Moura Ramos, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Abril de 2000,

vista a contestação apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 8 de Agosto de 2000,

vista a réplica apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Outubro de 2000,

vista a tréplica apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Janeiro de 2001,

após a audiência de 20 de Junho de 2001,

profere o presente

Acórdão

Antecedentes do litígio

1.
    Em 22 de Agosto de 1997, a Intelligent Document Systems Scandinavia AB apresentou um pedido de marca nominativa comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (a seguir «Instituto»), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), na versão alterada.

2.
    A marca cujo registo foi pedido é o vocábulo STREAMSERVE.

3.
    Os produtos para os quais o registo da marca foi pedido pertencem às classes 9 e 16, nos termos do Acordo de Nice relativo à classificação internacional de produtos e serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, relativamente a cada uma das classes, à seguinte descrição:

«Classe 9:    Aparelhos para o registo, a transmissão ou a reprodução de som e de imagens; equipamento para o tratamento da informação, incluindo computadores, memórias para computadores, ecrãs de visualização, teclados, processadores, impressoras e scanners; programas de computador em cassetes, discos, disquetes e outros suportes legíveis por máquina.

Classe 16:    Programas de computador listados; manuais; jornais e publicações; material de instrução e de ensino.»

4.
    Em 18 de Fevereiro de 1999, a transferência do pedido de marca comunitária em benefício da recorrente foi averbada no processo do pedido nos termos dos artigos 17.° e 24.° do Regulamento n.° 40/94 bem como da regra 31, n.° 8, do Regulamento (CE) n.° 2868/95 da Comissão, de 13 de Dezembro de 1995, relativo à execução do Regulamento n.° 40/94 (JO L 303, p. 1).

5.
    Por decisão de 21 de Maio de 1999, o examinador do Instituto recusou o pedido, ao abrigo do artigo 38.° do Regulamento n.° 40/94, com o fundamento de que o vocábulo STREAMSERVE era descritivo dos produtos em causa e desprovido de carácter distintivo.

6.
    Em 20 de Julho de 1999, a recorrente interpôs recurso parcial no Instituto, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, da decisão do examinador, na medida em que este recusou o pedido de registo relativamente aos produtos não pertencentes às categorias «jornais» e «material de instrução e de ensino».

7.
    Em 1 de Outubro de 1999, o recurso foi submetido ao examinador para revisão prejudicial, de acordo com o disposto no artigo 60.° do Regulamento n.° 40/94.

8.
    Em seguida, o recurso foi remetido à Segunda Câmara de Recurso.

9.
    Por decisão de 28 de Fevereiro de 2000 (a seguir «decisão impugnada»), a Câmara de Recurso negou provimento ao recurso.

10.
    Em substância, a Câmara de Recurso considerou que a forma como o examinador aplicara o artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 40/94, no que se refere aos produtos relativamente aos quais o recurso foi interposto, era justificada.

Pedidos das partes

11.
    Na audiência, a que a recorrente não assistiu, o Instituto salientou que o vocábulo STREAMSERVE é efectivamente utilizado enquanto tal.

12.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    remeter o processo ao examinador;

-    condenar o Instituto nas despesas.

13.
    Na réplica, a recorrente pede, a título subsidiário, que o Tribunal de Primeira Instância se digne anular a decisão impugnada no que se refere aos produtos não pertencentes à categoria «aparelhos para o registo, a transmissão ou a reprodução de som e imagens» e remeter o processo ao examinador.

14.
    O Instituto conclui pedindo que o Tribunal de Primeira Instância se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade do pedido de remessa do processo ao examinador

Argumentos das partes

15.
    O Instituto considera este pedido inadmissível. Refere que, nos termos do artigo 63.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal de Primeira Instância apenas é competente para anular e para reformar as decisões da Câmara de Recurso, competindo ao Instituto, por força do artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94, tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Primeira Instância. Considera que, tendo a decisão impugnada sido proferida por uma Câmara de Recurso, esta tem competência, no Instituto, para executar o acórdão do Tribunal de Primeira Instância. Em consequência, para o Instituto, o Tribunal usurparia as suas prerrogativas caso ordenasse a remessa do processo ao examinador.

16.
    A recorrente não desenvolve qualquer argumentação específica a este respeito.

Apreciação do Tribunal

17.
    Recorde-se, antes de mais, que, nos termos do artigo 63.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal de Primeira Instância é competente tanto para anular como para reformar a decisão impugnada e que, por força do artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94, o Instituto deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do Tribunal de Primeira Instância.

18.
    Como resulta da jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância, decorre do artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94 que não cabe ao Tribunal dirigir intimações ao Instituto [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Mitsubishi HiTec Paper Bielefeld/IHMI (Giroform), T-331/99, Colect., p. II-433, n.° 33]. Ora, ao remeter o processo ao examinador, o Tribunal de Primeira Instância não condena o Instituto a qualquer obrigação de agir ou não agir e, em consequência, não está a dirigir qualquer intimação ao Instituto. Daqui decorre que o pedido de remessa do processo ao examinador não é inadmissível à luz do artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94.

19.
    Além disso, a remessa do processo ao examinador pode ser ordenada pela Câmara de Recurso, nos termos do artigo 62.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, constando assim entre as medidas susceptíveis de serem adoptadas pelo Tribunal de Primeira Instância no uso da sua competência de reforma consagrada no artigo 63.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

20.
    Resulta do que precede que o pedido de remessa do processo ao examinador é admissível.

Quanto ao mérito

21.
    A recorrente invoca três fundamentos baseados na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), e do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, bem como na violação do princípio da não discriminação.

Quanto ao fundamento baseado na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

22.
    A recorrente sustenta que a recusa, com base no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, de registo de um sinal enquanto marca comunitária só se justifica quando o conteúdo descritivo do sinal é imediata, clara e indubitavelmente evidente para os produtos ou serviços a que se refere o pedido. Com efeito, para a recorrente, a experiência demonstra que os consumidores não se apercebem dos significados de natureza descritiva contidos numa marca. A recorrente afirma que, em consequência, não deve ser recusado o registo de sinais verbais cujos significados descritivos apenas se revelam após um processo de dedução intelectual.

23.
    Para a recorrente, no caso vertente, as duas palavras «stream» e «serve» não se revelam susceptíveis de veicular, de forma imediata e directa, os significados abstractos no domínio da informática a que alude a Câmara de Recurso.

24.
    A recorrente refere, designadamente, que a Câmara de Recurso não demonstrou que a palavra «serve» seja uma abreviatura do termo técnico «server» (servidor).Recordando a decisão da Terceira Câmara de Recurso no processo R 26/1998-3, NETMEETING, a recorrente sustenta dever atender-se, em determinada medida, aos significados mais gerais da palavra «serve», tais como «be a servant to somebody» (servir alguém), «work for somebody» (trabalhar para alguém), «supply with goods and services» (fornecer produtos e serviços), «be satisfactory for a need or purpose» (satisfazer uma necessidade ou um objectivo). Adoptando-se esta visão, verifica-se, segundo a recorrente, que a palavra «serve» não tem um significado unívoco ou especificamente relacionado com os produtos em causa e que, em consequência, o sinal STREAMSERVE não apresenta com eles uma relação imediata.

25.
    A recorrente afirma que, em qualquer caso, o significado do sinal STREAMSERVE, interpretado no seu conjunto, é diferente do das duas palavras que o compõem.

26.
    No máximo, de acordo com a recorrente, o sinal STREAMSERVE pode ser considerado sugestivo, mas não descritivo.

27.
    A recorrente acrescenta que o registo do sinal STREAMSERVE não teria por consequência criar um obstáculo aos seus concorrentes, dispondo estes da possibilidade de utilizarem, enquanto marca, um grande número de outros sinais compostos compreendendo quer a palavra «stream» quer a palavra «serve».

28.
    Além disso, a recorrente sustenta que, em caso de dúvida, os registos do mesmo sinal efectuados nos Estados-Membros têm valor de presunção no processo de registo no Instituto.

29.
    No caso vertente, a recorrente alega que o sinal STREAMSERVE foi registado, antes da adopção da decisão impugnada, na Suécia e na Noruega, tendo o direito das marcas destes Estados sido harmonizado com a Primeira Directiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas (JO 1989, L 40, p. 1). Para a recorrente, o registo efectuado na Suécia abrange os mesmos produtos que estão em causa no presente processo. Além disso, a recorrente sustenta que o Instituto de patentes sueco examina os sinais verbais com origem na língua inglesa da mesma forma que os provenientes do sueco.

30.
    De igual modo, a recorrente refere ter apresentado, em 28 de Março de 2000, no Patent Office (Instituto de Patentes e Registos de Marcas do Reino Unido) um pedido de registo do sinal STREAMSERVE para produtos da classe 9, englobando os produtos designados «equipamento para o tratamento da informação, incluindo computadores, memórias para computadores, ecrãs de visualização, teclados, processadores, impressoras e scanners; programas de computador em cassetes, discos, disquetes e outros suportes legíveis por máquina», bem como para determinados serviços no domínio da informática pertencentes à classe 21. Segundoa recorrente, este pedido foi publicado para oposição sem que o Patent Office tenha suscitado objecções com base em motivos absolutos de recusa.

31.
    A recorrente observa que, para efeitos do registo de marcas, o Instituto de Patentes sueco e o Patent Office aplicam critérios mais severos do que o Instituto, na medida em que procedem também oficiosamente a um exame dos motivos relativos de recusa.

32.
    Além disso, a recorrente sustenta ter apresentado, em 30 de Março de 2000, no Deutsches Patent- und Markenamt (Instituto de Patentes e Marcas Alemão), um pedido de registo do sinal STREAMSERVE para os mesmos produtos e serviços objecto do processo de registo instaurado no Reino Unido e que esse pedido foi publicado para oposição, em 31 de Agosto de 2000, sem que o Deutsches Patent- und Markenamt tenha suscitado objecções com base em motivos absolutos de recusa. Ora, segundo a recorrente, o Deutsches Patent- und Markenamt aplica, para efeitos do registo de marcas, critérios idênticos ou comparáveis aos do Instituto. A recorrente acrescenta que os sinais verbais provenientes do inglês são examinados da mesma forma que os provenientes do alemão.

33.
    Por último, a recorrente afirma que registos do sinal STREAMSERVE para os mesmos produtos e serviços objecto do pedido apresentado no Reino Unido foram efectuados nos países do Benelux, em 29 de Março de 2000, e em França, em 20 de Abril de 2000. Além disso, segundo a recorrente, outros pedidos de registo foram publicados para oposição (em Espanha, em 2 de Julho de 2000, e nos Estados Unidos, em 31 de Outubro de 2000) ou apresentados (na Dinamarca, em 28 de Março de 2000, e em Itália, em 4 de Abril de 2000).

34.
    Por seu lado, o Instituto refuta a argumentação da recorrente, considerando que a decisão impugnada não padece de qualquer erro de direito. Precisa que esta apreciação é igualmente válida para todos os produtos abrangidos pelo pedido. No que se refere, mais especificamente, às categorias de produtos designados «manuais» e «publicações», o Instituto sustenta que o sinal STREAMSERVE é igualmente descritivo desses produtos, visto que a tecnologia de gestão e automatização dos fluxos contínuos de dados é susceptível de ser utilizada para a transmissão de textos.

Apreciação do Tribunal

35.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo «de marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de fabrico do produto ou da prestação do serviço, ou outras características destes». Por outro lado, o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 dispõe que o «n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade».

36.
    O artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 obsta a que os sinais ou indicações aí contemplados sejam reservados a uma única empresa com base no seu registo como marca. Esta disposição prossegue assim um fim de interesse geral, que exige que esses sinais ou indicações possam ser livremente utilizados por todos (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee, C-108/97 e C-109/97, Colect., p. I-2779, n.° 25).

37.
    No que se refere à apreciação do carácter descritivo de um sinal, saliente-se, antes de mais, que tal apreciação apenas pode ser feita relativamente à compreensão de determinado público-alvo.

38.
    No caso vertente, o Instituto declarou com razão, na audiência, que o público-alvo pertinente é constituído pelos consumidores médios anglófonos, utilizadores da Internet e interessados nos aspectos audiovisuais desta. Além disso, presume-se que esse público esteja normalmente informado e seja razoavelmente atento e avisado [v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C-342/97, Colect., p. I-3819, n.° 26; v. também, neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 2001, DKV/IHMI (EuroHealth), T-359/99, Colect., p. II-1645, n.° 27].

39.
    Quanto ao argumento da recorrente de que os terceiros, e mais especificamente os seus concorrentes, não necessitam de utilizar o sinal em causa para designar os produtos objecto do pedido, saliente-se que, no n.° 35 do acórdão Windsurfing Chiemsee, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que a aplicação do artigo 3.°, n.° 1, alínea c), da Directiva 89/104, que corresponde ao artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, não depende da existência de um imperativo de disponibilidade concreto, actual e sério.

40.
    Assim, como o Instituto salientou acertadamente, cabe apenas examinar, para efeitos da aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, com base no significado pertinente do sinal verbal em causa, se existe, do ponto de vista do público-alvo, um nexo suficientemente directo e concreto entre o sinal e os produtos para os quais é pedido o registo.

41.
    A este respeito, saliente-se, a título liminar, que o vocábulo STREAMSERVE é composto de um verbo de base (serve) e de um substantivo (stream). Ora, para os consumidores interessados, o vocábulo assim composto não é inabitual.

42.
    No que se refere ao significado do vocábulo STREAMSERVE, decorre dos n.os 12 e 13 da decisão impugnada, bem como das explicações dadas pelo Instituto na audiência que esse vocábulo se refere a uma técnica de transmissão, a partir de um servidor, de dados numéricos, permitindo o seu tratamento em fluxo regular e contínuo. A este respeito, são irrelevantes os argumentos retirados pela recorrente dos diferentes significados possíveis do elemento «serve». Com efeito, tendo em consideração os produtos para que foi pedido o registo, o significado das palavras «stream» e «serve» acolhido pelo Instituto revela-se correcto. Ora, recorde-se que,para cair sob a alçada do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, basta que um sinal verbal designe, em pelo menos um dos seus significados potenciais, uma característica dos produtos ou serviços em causa.

43.
    Quanto à natureza da relação existente entre o vocábulo STREAMSERVE e os produtos em causa, a Câmara de Recurso verificou, no n.° 12 da decisão impugnada, que o referido vocábulo designa directamente o respectivo destino.

44.
    No que se refere aos produtos das categorias «aparelhos para o registo, a transmissão ou a reprodução do som e de imagens», «equipamento para o tratamento da informação, incluindo computadores, memórias para computadores, ecrãs de visualização, teclados, processadores, impressoras e scanners», «programas de computador em cassetes, discos, disquetes e outros suportes legíveis por máquina» e «programas de computador listados», o Instituto salientou de forma pertinente, na contestação e na tréplica, bem como nas explicações dadas na audiência, que a técnica de transmissão, a partir de um servidor, de dados numéricos, que permite o tratamento destes em fluxo regular e contínuo, implica, ou melhor, exige, a utilização de tais produtos. Com efeito, a referida técnica constitui não apenas um domínio de aplicação desses produtos mas também uma das suas funcionalidades específicas. Assim, existe para o público-alvo uma relação suficientemente directa e concreta entre o vocábulo STREAMSERVE e tais produtos.

45.
    No que se refere mais especificamente aos ecrãs de visualização, aos teclados, aos processadores, às impressoras e aos scanners, saliente-se que estes últimos produtos não constam, enquanto tais, do pedido de registo, mas apenas, a título de exemplo, da categoria de produtos designada «equipamento para o tratamento da informação». Assim, os referidos produtos não devem ser tomados em consideração quando da apreciação da natureza descritiva do vocábulo em causa. Assim, mesmo que se admita não existir uma relação suficientemente directa e concreta entre o vocábulo STREAMSERVE e tais produtos, a apreciação acima feita não é alterada.

46.
    Além disso, ainda que se admita que o vocábulo STREAMSERVE não é descritivo em relação a todos os produtos incluídos na categoria denominada «equipamento para o tratamento da informação», saliente-se que a recorrente pediu o registo do sinal em causa para o conjunto de produtos pertencentes a essa categoria, sem fazer distinção entre eles. Assim sendo, cabe confirmar a apreciação da Câmara de Recurso na medida em que se refere ao conjunto desses produtos (v., neste sentido, acórdão EuroHealth, já referido, n.° 33).

47.
    No que se refere às decisões nacionais invocadas pela recorrente, recorde-se que, como resulta da jurisprudência, o regime comunitário das marcas é um sistema autónomo, constituído por um conjunto de regras e prosseguindo objectivos que lhe são específicos, sendo a sua aplicação independente de qualquer sistema nacional[acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2000, Messe München/IHMI (electronica), T-32/00, Colect., p. II-3829, n.° 47]. Em consequência, a possibilidade de registo de um sinal enquanto marca comunitária deve ser apreciada unicamente com base na regulamentação comunitária pertinente. Assim sendo, o Instituto e, sendo caso disso, o juiz comunitário não estão vinculados pela decisão adoptada a nível de um Estado-Membro, ou mesmo de um país terceiro, que admita a possibilidade de registo desse mesmo sinal enquanto marca nacional. Tal sucede mesmo que a decisão seja tomada em aplicação de uma legislação nacional harmonizada com a Directiva 89/104 ou ainda num país pertencente à zona linguística em que tem origem o sinal verbal em causa.

48.
    Daqui decorre que o argumento da recorrente baseado na mera existência de decisões nacionais que admitem a possibilidade de registo do vocábulo STREAMSERVE enquanto marca nacional, designadamente a verificada no Reino Unido, é inoperante. Além disso, a recorrente não apresentou argumentos substantivos susceptíveis de serem deduzidos dessas decisões.

49.
    Resulta de tudo o que precede que o vocábulo STREAMSERVE pode servir, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, para designar uma característica dos produtos referidos no n.° 44.

50.
    No que se refere aos produtos abrangidos pelas categorias «manuais» e «publicações», o Instituto não demonstrou de forma juridicamente suficiente que o vocábulo STREAMSERVE designe o destino ou outra característica de tais produtos. De facto, a técnica de transmissão, a partir de um servidor, de dados numéricos, que permite o tratamento destes em fluxo regular e contínuo, não exige, nem sequer implica, a utilização desses produtos. Também não se pode alegar, como fez o Instituto na tréplica, que o vocábulo em causa seja descritivo de tais produtos por a técnica a que se refere poder também ser utilizada para a transmissão de textos por via electrónica. Com efeito, a transmissão de textos por via electrónica constitui, no máximo, um domínio de aplicação de tal técnica e não uma funcionalidade técnica dos produtos em causa. Por outro lado, também não se afigura que o vocábulo STREAMSERVE designe outra característica dos referidos produtos. Assim, não existe, para o público-alvo, uma relação suficientemente directa e concreta entre o vocábulo STREAMSERVE e tais produtos.

51.
    Decorre do que precede que o fundamento baseado na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 deve ser acolhido no que se refere aos produtos das categorias «manuais» e «publicações», devendo ser rejeitado relativamente a todos os demais produtos.

Quanto ao fundamento baseado na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

52.
    A recorrente sustenta que a marca é suficientemente inventiva para ter o carácter distintivo mínimo requerido para ser registada.

53.
    O Instituto considera que os sinais descritivos da espécie, da qualidade, da quantidade ou de outras características dos produtos ou serviços em causa caem frequentemente sob a alçada do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. O Instituto entende, assim, que os argumentos que desenvolveu quanto à natureza descritiva da marca solicitada são pertinentes também quanto à inexistência de natureza distintiva.

54.
    No que se refere ao argumento da recorrente de que o sinal STREAMSERVE tem natureza inventiva, o Instituto entende que a utilização, relativamente aos produtos reivindicados, da conjugação das duas palavras «stream» e «serve» não é inabitual nem inventiva. Segundo o Instituto, o vocábulo STREAMSERVE não carreia qualquer mensagem suplementar ao significado dessas duas palavras juntas. Em consequência, o Instituto afirma que o vocábulo STREAMSERVE é desprovido do carácter distintivo mínimo exigido.

Apreciação do Tribunal

55.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, é recusado o registo «de marcas desprovidas de carácter distintivo». Por outro lado, o artigo 7.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 estabelece que o «n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade».

56.
    Por outro lado, o carácter distintivo de um sinal só pode ser apreciado em relação aos produtos e serviços para os quais é pedido o registo.

57.
    No caso vertente, na medida em que a decisão impugnada diz respeito aos produtos relativamente aos quais foi acima julgado que o vocábulo STREAMSERVE é descritivo, recorde-se que, segundo jurisprudência bem estabelecida, basta que um dos motivos absolutos de recusa se aplique para que o sinal não possa ser registado como marca comunitária [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Outubro de 2000, Harbinger/IHMI (TRUSTEDLINK), T-345/99, Colect., p. II-3525, n.° 31; Community Concepts/IHMI (Investorworld), T-360/99, Colect., p. II-3545, n.° 26, e de 31 de Janeiro de 2001, Sunrider/IHMI (VITALITE), T-24/00, Colect., p. II-449, n.° 28]. Nesta medida, este fundamento é, pois, inoperante.

58.
    Cabe, pelo contrário, examinar o fundamento quanto ao mérito, na medida em que a decisão impugnada diz respeito aos produtos das categorias «manuais» e «publicações».

59.
    Como decorre do n.° 15 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso entendeu que o vocábulo em causa é «directamente descritivo dos produtos abrangidos nopedido» e, em consequência, não é distintivo. A Câmara de Recurso deduziu assim, no essencial, da sua natureza descritiva a inexistência de carácter distintivo do vocábulo em causa. Ora, foi acima julgado que, relativamente aos produtos em causa, o registo do vocábulo STREAMSERVE não podia ser recusado com base no artigo 7, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94. Em consequência, a fundamentação da Câmara de Recurso à luz do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 deve ser afastada, na medida em que se baseia no erro acima verificado.

60.
    Além disso, há que reconhecer que nem a decisão impugnada nem os articulados do Instituto, nem tão-pouco as explicações por este fornecidas na audiência contêm elementos susceptíveis de provar a inexistência de carácter distintivo do vocábulo STREAMSERVE relativamente aos produtos das categorias «manuais» e «publicações».

61.
    Daqui decorre que o fundamento baseado na violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 deve também ser acolhido no que se refere aos produtos das categorias «manuais» e «publicações» e rejeitado relativamente a todos os demais produtos.

Quanto ao fundamento baseado na violação do princípio da não discriminação

Argumentos das partes

62.
    A recorrente sustenta que a Câmara de Recurso violou o princípio da não discriminação ao negar provimento ao recurso por ela interposto, quando, no processo R 55/1999-1, a Primeira Câmara de Recurso admitiu o registo do sinal IMAGESTREAM para os mesmos produtos, com excepção dos «aparelhos para o registo, a transmissão ou a reprodução do som e de imagens». Para a recorrente, os dois processos são suficientemente comparáveis para merecerem tratamento idêntico. A este respeito, a recorrente observa, designadamente, que a lista dos produtos reivindicados é idêntica em ambos os processos, tendo em conta a exclusão, formulada no pedido subsidiário apresentado na réplica, dos «aparelhos para o registo, a transmissão ou a reprodução do som e de imagens». Ora, para a recorrente, no processo R 55/1999-1, a Primeira Câmara de Recurso considerou o sinal IMAGESTREAM meramente sugestivo. Portanto, a palavra «serve» não é, no mínimo, mais descritiva dos produtos em causa do que a palavra «image».

63.
    O Instituto, aceitando embora o princípio de que deve evitar tratar de forma discriminatória processos idênticos ou comparáveis, responde que a possibilidade de registo, como marca comunitária, de cada sinal deve ser apreciada quanto ao mérito, segundo as qualidades específicas desse sinal.

64.
    O Instituto afirma que os sinais IMAGESTREAM e STREAMSERVE são diferentes e que não foi feita qualquer prova quanto ao uso quotidiano das palavras «image» e «stream» para descrever os produtos em causa nem quantoà alegação da recorrente de que a palavra «image» não é menos descritiva do que a palavra «serve».

65.
    Além disso, segundo o Instituto, uma eventual alteração da lista dos produtos reivindicados não tem qualquer relevância para a legalidade da decisão impugnada.

Apreciação do Tribunal

66.
    Saliente-se, antes de mais, que as decisões relativas ao registo de um sinal enquanto marca comunitária, que as Câmaras de Recurso são chamadas a tomar por força do Regulamento n.° 40/94, resultam de uma competência vinculada e não de um poder discricionário. Assim, a legalidade das decisões das Câmaras de Recurso deve ser apreciada unicamente com base nesse regulamento, tal como interpretado pelo juiz comunitário, e não com base na prática decisória anterior das Câmaras de Recurso.

67.
    Existem, assim, duas hipóteses. Se, ao admitir, num processo anterior, a possibilidade de registo de um sinal enquanto marca comunitária, a Câmara de Recurso tiver aplicado correctamente as disposições pertinentes do Regulamento n.° 40/94 e se, num processo posterior, comparável ao primeiro, a Câmara de Recurso tiver adoptado uma decisão contrária, o juiz comunitário será conduzido a anular esta última decisão, por violação das disposições pertinentes do Regulamento n.° 40/94. Nesta primeira hipótese, o fundamento baseado na violação do princípio da não discriminação é, assim, inoperante. Pelo contrário, se, ao admitir, num processo anterior, a possibilidade de registo de um sinal enquanto marca comunitária, a Câmara de Recurso tiver cometido um erro de direito e se, num processo posterior, comparável ao primeiro, a Câmara de Recurso tiver adoptado uma decisão contrária, a primeira decisão não pode ser utilmente invocada em apoio de um pedido de anulação desta última decisão. Com efeito, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o respeito pelo princípio da igualdade de tratamento deve ser conciliado com o respeito do princípio da legalidade, segundo o qual não pode ser invocada, em benefício próprio, uma ilegalidade cometida em benefício de outrem (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1985, Williams/Tribunal de Contas, 134/84, Recueil, p. 2225, n.° 14, e de 9 de Outubro de 1984, Witte/Parlamento, 188/83, Recueil, p. 3465, n.° 15). Assim, nesta segunda hipótese, o fundamento baseado na violação do princípio da não discriminação é igualmente inoperante.

68.
    Daqui decorre que o fundamento baseado na violação do princípio da não discriminação deve ser julgado inoperante.

69.
    Como simples fundamentação adicional, observe-se que, se se admitir que fundamentos de facto ou de direito constantes de uma decisão anterior podem constituir argumentos em apoio de um fundamento baseado na violação de uma disposição do Regulamento n.° 40/94, há que reconhecer que, no caso vertente, arecorrente não invocou a existência, na decisão relativa à marca IMAGESTREAM, de fundamentos susceptíveis de pôr em causa a apreciação acima feita, relativa aos fundamentos baseados na violação do artigo 7.°, n.° 1, alíneas c) e b), do Regulamento n.° 40/94. Observe-se, além disso, que, no requerimento inicial, a própria recorrente refere, quanto à análise semântica da palavra «stream», que constitui um elemento comum dos sinais em causa, que as Câmaras de Recurso acolheram o mesmo significado em ambos os processos.

70.
    Resulta do que precede que deve ser dado provimento ao recurso no que se refere aos produtos das categorias «manuais» e «publicações» e que deve ser-lhe negado provimento quanto ao mais.

Quanto ao pedido subsidiário da recorrente e ao pedido de remessa do processo ao examinador

71.
    No que se refere ao pedido subsidiário da recorrente, de anulação da decisão impugnada e de remessa do processo ao examinador relativamente aos produtos não pertencentes à categoria «aparelhos para o registo, a transmissão ou a reprodução do som e de imagens», cabe declarar que este pedido subsidiário consta do pedido principal e que, em consequência, deve ser rejeitado na mesma medida que este último pedido.

72.
    Por força do artigo 63.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o Tribunal de Primeira Instância é, como referido no n.° 17, supra, competente tanto para anular como para reformar a decisão impugnada. Ora, na medida em que cabe dar provimento ao presente recurso, deve entender-se que os interesses da recorrente ficam suficientemente salvaguardados pela anulação da decisão impugnada, sem que seja necessário remeter o processo ao examinador.

Quanto às despesas

73.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 3, do Regulamento de Processo, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes. No caso vertente, tendo sido dado provimento ao pedido da recorrente apenas para um número limitado de categorias de produtos, há que condená-la nas suas próprias despesas e em dois terços das despesas do recorrido.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1.
    A decisão da Segunda Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos), de 28 de Fevereiro de2000 (processo R 423/1999-2), é anulada no que se refere aos produtos das categorias «manuais» e «publicações».

2.
    É negado provimento ao recurso quanto ao mais.

3.
    A recorrente suportará as suas próprias despesas e dois terços das despesas do recorrido. Este último suportará um terço das suas despesas.

Mengozzi
Tiili
Moura Ramos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Mengozzi


1: Língua do processo: inglês.