Language of document : ECLI:EU:T:2002:49

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

28 de Fevereiro de 2002 (1)

«Concorrência - Conferências marítimas - Regulamento (CEE) n.° 4056/86 - Âmbito de aplicação - Isenção por categoria - Regulamento (CEE) n.° 1017/68 - Isenção individual»

No processo T-395/94,

Atlantic Container Line AB, com sede em Gotemburgo (Suécia),

Cho Yang Shipping Co. Ltd, com sede em Seul (Coreia do Sul),

DSR-Senator Lines GmbH, com sede em Bremen (Alemanha),

Hapag Lloyd AG, com sede em Hamburgo (Alemanha),

Mediterranean Shipping Company SA, com sede em Genebra (Suíça),

A. P. Møller-Mærsk Line, com sede em Copenhaga (Dinamarca),

Nedlloyd Lijnen BV, com sede em Roterdão (Países Baixos),

Neptune Orient Lines Ltd, com sede em Singapura (Singapura),

Nippon Yusen Kaisha (NYK Line), com sede em Tóquio (Japão),

Orient Overseas Container Line (UK) Ltd, com sede em Levington (Reino Unido),

P & O Containers Ltd, com sede em Londres (Reino Unido),

Polish Ocean Lines (POL), com sede em Gdynia (Polónia),

Sea-Land Service Inc., com sede em Jersey City, New Jersey (Estados Unidos da América),

Tecomar SA de CV, com sede no México (México),

Transportación Marítima Mexicana SA de CV, com sede no México,

representadas por J. Pheasant, N. Bromfield e, inicialmente, por S. Kim, em seguida por M. Levitt, solicitors, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

apoiadas por

The European Community Shipowners' Associations ASBL, com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por D. Waelbroeck, advogado,

e

The Japanese Shipowners' Association, com sede em Tóquio (Japão), representada inicialmente por N. Forwood, QC, e P. Rutley, solicitor, em seguida por F. Murphy, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por B. Langeheine e R. Lyal, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

The Freight Transport Association Ltd, com sede em Tunbridge Wells (Reino Unido), de que faz parte The British Shipping Council,

Association des utilisateurs de transport de fret, com sede em Paris (França), de que faz parte o Conseil des chargeurs français,

e por

The European Council of Transport Users ASBL, com sede em Bruxelas, de que faz parte The European Shippers Council,

representados por M. Clough, solicitor-advocate QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 94/980/CE da Comissão, de 19 de Outubro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.446 - Acordo Transatlântico) (JO L 376, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: Y. Mottard, referendário,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Junho de 2000,

profere o presente

Acórdão (2)

Enquadramento jurídico

1.
    O Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro Regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204; EE 08 F1 p. 22), aplicava-se, na origem, a todas as actividades abrangidas peloTratado CEE. Contudo, considerando que, no âmbito da política comum dos transportes e tendo em conta os aspectos específicos deste sector, se revelava necessário adoptar uma regulamentação da concorrência diferente da adoptada para os outros sectores económicos, o Conselho adoptou o Regulamento n.° 141, de 26 de Novembro de 1962, relativo à não aplicação do Regulamento n.° 17 do Conselho ao sector dos transportes (JO 1962, 124, p. 2751; EE 07 F1 p. 57).

2.
    As modalidades de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE e 82.° CE) ao sector dos transportes são fixadas no Regulamento (CEE) n.° 1017/68 do Conselho, de 19 de Julho de 1968, relativo à aplicação de regras de concorrência nos sectores dos transportes ferroviários, rodoviários e por via navegável (JO L 175, p. 1; EE 08 F1 p. 106).

3.
    Em 22 de Dezembro de 1986, o Conselho adoptou o Regulamento (CEE) n.° 4056/86, que determina as regras de aplicação aos transportes marítimos dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO L 378, p. 4).

4.
    No artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4056/86, esclarece-se que o mesmo «visa apenas os transportes marítimos internacionais com partida ou destino de um ou vários portos da Comunidade, à excepção dos serviços de tramp [isto é, o transporte de mercadorias a granel por meio de navios fretados para o efeito]».

5.
    Por conferência marítima, deve entender-se, nos termos do artigo 1.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 4056/86, «um grupo de, pelo menos, dois transportadores-exploradores de navios que assegure serviços internacionais regulares para o transporte de mercadorias numa linha ou linhas particulares dentro de determinados limites geográficos e que tenha celebrado um acordo ou convénio, seja de que natureza for, no âmbito do qual esses transportadores operem aplicando fretes uniformes ou comuns e quaisquer outras condições de transportes concertadas para o fornecimento de serviços regulares».

6.
    O oitavo considerando do Regulamento n.° 4056/86 tem a seguinte redacção:

«considerando que é oportuno prever uma isenção por categoria em benefício das conferências marítimas; que essas conferências exercem um papel estabilizador capaz de garantir serviços fiáveis aos carregadores; que elas contribuem geralmente para assegurar uma oferta de serviços regulares de transporte marítimo suficientes e eficazes tendo em consideração os interesses dos utilizadores numa justa medida; que estes resultados não podem ser obtidos sem a cooperação exercida pelas companhias marítimas no seio das referidas conferências em matéria de tarifas e eventualmente de oferta de capacidade ou de repartição da tonelagem a transportar ou de receitas; que a maioria das vezes as conferências permanecem sujeitas a uma concorrência efectiva tanto por parte dos serviços regulares extra-conferência como dos serviços à colheita e, em alguns casos, de outras formas de transporte; que a mobilidade das frotas, que caracteriza a estrutura da oferta no sector dos serviços de transportes marítimos, exerce uma pressão concorrencialpermanente sobre as conferências, que normalmente não têm possibilidade de eliminar a concorrência numa parte substancial dos serviços de transporte marítimo em causa».

7.
    O artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 estabelece uma isenção por categoria a favor dos «acordos, decisões e práticas concertadas de todos ou parte dos membros de uma ou mais conferências marítimas que tenham por objectivo a fixação de preços e de condições de transporte e, conforme os casos, um ou mais dos objectivos seguintes:

a)    coordenação dos horários dos navios ou das suas datas de viagem ou de escala;

b)    determinação da frequência das viagens ou escalas;

c)    coordenação ou repartição das viagens ou escalas entre membros da conferência;

d)    regulação da capacidade de transporte oferecida por cada um dos membros;

e)    repartição entre estes membros da tonelagem transportada ou da receita».

8.
    A fim de evitar práticas incompatíveis com as disposições do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado por parte das conferências, nomeadamente, restrições da concorrência não indispensáveis para atingir os objectivos que justificam a concessão da isenção, o Regulamento n.° 4056/86 fez a isenção por categoria ser acompanhada de certas condições e encargos. Por um lado, o artigo 4.° do referido regulamento dispõe que, sob pena de nulidade do acordo, ou da parte do mesmo que estiver em causa, a isenção está sujeita à condição imperativa de o acordo não poder prejudicar certos portos, utilizadores ou transportadores, devido à aplicação de condições diferentes. Por outro lado, o artigo 5.° do Regulamento n.° 4056/86 sujeita a isenção ao respeito de certas condições relativas, nomeadamente, aos acordos de fidelidade e aos serviços não abrangidos pelo frete.

9.
    Além disso, diz-se no décimo terceiro considerando que «uma isenção só tem efeito se estiverem reunidas as condições referidas no n.° 3 do artigo 85.° [do Tratado]; que a Comissão deve portanto ter a faculdade de tomar as medidas adequadas no caso de um acordo ou associação com isenção revelar, devido a circunstâncias especiais, certos efeitos incompatíveis» com esse mesmo artigo.

10.
    Para esse efeito, o artigo 7.° do Regulamento n.° 4056/86 prevê um mecanismo de controlo dos acordos isentos. Quando os interessados não cumpram uma obrigação prevista no artigo 5.° do referido regulamento ou quando, por força de circunstâncias especiais, os acordos que beneficiem de uma isenção produzam efeitos incompatíveis com as condições previstas no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado,a Comissão pode tomar certas medidas. Entre essas circunstâncias especiais surge expressamente a resultante de «qualquer acto de uma conferência ou qualquer alteração das condições de mercado num determinado tráfego que provoque a ausência ou eliminação de uma concorrência efectiva ou potencial». O artigo 7.° do Regulamento n.° 4056/86 dispõe que, nesse caso, a Comissão retirará o benefício da isenção de grupo.

11.
    Para efeitos de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado e nos termos do artigo 12.° do Regulamento n.° 4056/86, as empresas que desejem usufruir das disposições do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado em benefício de acordos, decisões e práticas concertadas referidas no n.° 1 do artigo 85.° em que participam dirigem um pedido à Comissão. Se esta não comunicar às referidas empresas, no prazo de noventa dias a contar do dia da publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, que existem sérias dúvidas quanto à aplicabilidade do n.° 3 do artigo 85.°, o acordo, a decisão ou a prática concertada, tais como descritos no pedido, são considerados isentos da proibição durante seis anos no máximo, a contar do dia dessa publicação (artigo 12.°, n.° 3, primeiro parágrafo, do Regulamento n.° 4056/86). Se a Comissão verificar, após o termo do prazo de noventa dias mas antes do termo do prazo de seis anos, que não estão reunidas as condições de aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado, toma uma decisão que declara aplicável a proibição prevista no n.° 1 do artigo 85.° do Tratado (artigo 12.°, n.° 3, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4056/86). Por último, se a Comissão verificar que estão preenchidas as condições dos n.os 1 e 3 do artigo 85.°, toma uma decisão de aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado (artigo 12.°, n.° 4, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 4056/86).

Factos na origem do litígio

12.
    O presente recurso de anulação é interposto da Decisão 94/980/CE da Comissão de 19 de Outubro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.446 - Acordo Transatlântico) (JO L 376, p. 1, a seguir «decisão AT» ou «decisão recorrida»). Por esta decisão, a Comissão considerou que determinadas disposições do Trans Atlantic Agreement (Acordo Transatlântico, a seguir «AT»), um acordo, no qual participavam as quinze companhias marítimas recorrentes, relativo ao transporte regular (a seguir «transporte de linha») em contentor no Atlântico, entre a Europa do Norte e os Estados Unidos, bem como aos serviços de pré e pós-encaminhamento terrestre de contentores, constituíam infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. A Comissão recusou a essas disposições o reconhecimento de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. A Comissão não aplicou coimas pelas infracções apuradas.

13.
    Os factos não impugnados, tal como resultam da decisão AT e dos articulados das partes, podem ser resumidos da seguinte forma.

14.
    O tráfego transatlântico é o terceiro do mundo, depois do tráfego transpacífico e do tráfego Europa-Extremo Oriente. Em 1984, as nove conferências marítimas atéentão existentes na rota transatlântica deram lugar a duas conferências: a North Europe-USA Rate Agreement (Neusara), para o tráfego com destino aos Estados Unidos, e a USA-North Europe Rate Agreement (Usanera), para o tráfego com destino à Europa. Em 1992, as sete companhias marítimas que pertenciam a cada uma destas conferências (Atlantic Container Line, Compagnie générale maritime, Hapag Lloyd, Maersk, Nedlloyd, P & O e Sea-Land) detinham em conjunto 52,9%, no sentido leste-oeste (Westbound), e 55,7%, no sentido oeste-leste (Eastbound), do mercado dos serviços de transporte de linha de contentores. Os seus principais concorrentes eram, nessa época, a Orient Overseas Container Line (a seguir «OOCL»), a Cho Yang, a DSR/Senator Lines, a Mediterranean Shipping Company (a seguir «MSC»), a Polish Ocean Line (POL), a Atlantic Cargo Shipping, a Evergreeen, a Independent Container, a Lykes e a Star Shipping. Todas as outras companhias independentes das conferências marítimas detinham quotas de mercado inferiores a 1%.

15.
    As conferências Neusara e Usanera obedeciam a princípios de funcionamento idênticos. Os preços dos serviços de transporte oferecidos eram fixados com base numa tarifa publicada, válida para cada um dos membros da conferência. Por uma dada viagem, o preço do transporte previsto na tarifa variava em função da natureza da mercadoria transportada. Assim, pelo mesmo trajecto, os preços de transporte podiam variar de um para cinco, consoante a mercadoria transportada. Os carregadores podiam fazer transportar a sua mercadoria por qualquer dos membros da conferência pelo preço indicado na tarifa desta.

16.
    Para beneficiar de uma redução do preço em relação à tarifa da conferência, os carregadores tinham duas possibilidades. Por um lado, podiam obter uma redução tarifária de um dos membros da conferência por meio de uma «acção tarifária independente». Esta expressão refere-se ao mecanismo previsto em determinadas disposições da legislação aplicável dos Estados Unidos, o US Shipping Act 1984, destinado a garantir a todos os membros de uma conferência que serve os portos desse país a possibilidade de conceder unilateralmente uma redução de preço relativamente à tarifa da conferência. Nas conferências Usanera e Neusara, uma companhia marítima que decidisse recorrer a uma acção tarifária independente era obrigada a informar desse facto os outros membros.

17.
    Por outro lado, os carregadores dispunham da faculdade de celebrar um «contrato de serviço» com a conferência. No âmbito desse contrato, o carregador obrigava-se a fazer transportar, pela conferência, uma quantidade mínima de mercadorias num dado período. Em contrapartida dessa obrigação, a conferência aplicava ao carregador um abatimento em relação à sua tarifa. Nenhuma conferência autorizava os seus membros a celebrar contratos de serviço a título individual.

18.
    Os mercados dos serviços de transporte marítimo de linha de contentores estão, geralmente, sujeitos a condições económicas que diferem consoante o sentido do tráfego. Assim, na rota transatlântica, existe um significativo desequilíbrio entre aprocura de serviços com destino à Europa e a de serviços com destino aos Estados Unidos. Em 1987 e 1988, o volume do tráfego com destino aos Estados Unidos ultrapassava largamente o tráfego com destino à Europa. Contudo, a partir de 1991, a situação inverteu-se, tendo o volume do tráfego com destino à Europa ultrapassado ligeiramente o de destino aos Estados Unidos. As taxas de utilização dos navios - a relação entre o volume da procura e a capacidade de transporte disponível - eram calculadas, em 1992, em 72,4% para o tráfego com destino à Europa, e em 62,6% para o tráfego em direcção aos Estados Unidos. Por último, ao longo de 1993, o tráfego com destino aos Estados Unidos aumentou de forma nítida, ao passo que o tráfego em direcção à Europa sofreu um abrandamento significativo.

19.
    Os preços dos serviços de transporte marítimo, ou «taxas de frete», na rota transatlântica baixaram substancialmente entre 1980 e 1992. Foi assim que, entre 1988 e 1992, a diminuição do volume do tráfego para os Estados Unidos foi seguida de uma descida contínua das taxas de frete. De 1988 a 1991, as taxas praticadas no sentido leste-oeste caíram mais de 23%, ao passo que, com destino à Europa, aumentavam de 10% a 13%.

20.
    Neste contexto económico, os armadores sofreram significativas perdas financeiras.

21.
    A partir de 1985, confrontados com a deterioração das condições do mercado, os membros das conferências e determinadas companhias independentes (a Evergreen, a POL, a MSC, a OOCL e a Lykes) celebraram acordos, ditos «de discussão», que lhes permitiam discutir, nomeadamente, os seus preços, as suas tarifas e condições de transporte. Esses acordos, denominados Eurocorde e Gulfway, careciam de mecanismos decisórios vinculativos. A partir de 1990, alguns armadores, considerando que os acordos Eurocorde e Gulfway não permitiam impor aumentos das taxas de frete que pudessem satisfazer ao mesmo tempo os membros das conferências e os independentes, manifestaram o desejo de adoptar um novo quadro de cooperação que fosse além dos acordos de discussão e das estruturas tradicionais das conferências marítimas.

22.
    Iniciaram-se negociações entre os armadores com vista a concluir um acordo de um tipo ainda desconhecido no âmbito do tráfego transatlântico, a fim de combater a queda das taxas de frete. Para atingir este objectivo, os armadores consideravam imperativo dotarem-se de um quadro de cooperação que regesse simultaneamente a fixação das taxas de frete e a limitação das capacidades de transporte oferecidas.

23.
    De acordo com os esclarecimentos prestados pelas recorrentes, tal acordo só podia travar a instabilidade do mercado se reunisse um número suficiente de companhias marítimas. Para reconduzir as taxas de frete a um nível que assegurasse uma rentabilidade suficiente, os armadores consideravam que era necessário agrupar, na mesma estrutura, simultaneamente os membros das conferências Usanera e Neusara e das companhias independentes. No entanto, a concretização de tal objectivo deparava com um obstáculo essencial. Os armadores independentesrecusavam aderir a conferências que, como a Usanera e a Neusara, funcionavam com base numa tarifa única, porque não podiam impor aos seus clientes taxas de frete tão altas como as praticadas por estas conferências.

24.
    Em 6 de Maio de 1992, as companhias membros das conferências Usanera e Neusara, por um lado, e cinco companhias marítimas independentes (a DSR-Senator Lines, a Cho Yang, a OOCL, a POL e a MSC), por outro, celebraram o AT.

25.
    Depois da sua celebração, outras quatro companhias marítimas independentes aderiram ao AT, a Nyppon Yusen Kaisha (NYK), a Neptune Orient Lines (NOL), a Transportación Marítima Mexicana e a Tecomar. Depois de ter posto termo às suas actividades na rota transatlântica, a Compagnie générale maritime retirou-se do AT, pelo que o número de participantes ficou reduzido a quinze.

26.
    O AT regulava vários aspectos do transporte de linha de contentores, entre os quais o «afretamento de slots ou de espaço» e as trocas de equipamento, a fixação dos preços dos serviços de transporte e de manutenção portuária, bem como a gestão comum das capacidades de transporte marítimo. Para efeitos de apreciação do presente recurso, as disposições do AT em causa são as relativas à fixação dos preços dos serviços de transporte e ao programa de gestão das capacidades de transporte.

27.
    Quanto aos preços, o AT previa a fixação em comum das tarifas aplicáveis ao transporte marítimo e ao transporte combinado. Este último, também chamado pelas partes «multimodal» ou «porta a porta», inclui, além do transporte marítimo, o encaminhamento terrestre de contentores marítimos, a partir da ou para a costa, com destino ou origem num ponto do interior. O preço de um serviço de transporte combinado compõe-se de dois elementos, um relativo ao serviço marítimo, o outro ao serviço terrestre. Assim, o AT instituiu, além de uma tarifa marítima, uma tarifa para os serviços de transporte terrestre efectuados no território da Comunidade no âmbito de uma operação de transporte combinado.

28.
    As cláusulas do AT relativas aos acordos de preços dos serviços de transporte marítimo e terrestre são referidas nos considerandos 11 a 15 da decisão AT nos seguintes termos:

«(11) Os membros do AT estabelecem tarifas para o segmento marítimo e para o segmento terrestre e publicam em conjunto estes dois tipos de tarifas. Qualquer acção independente de um dos membros (oferta de preços [de frete] inferiores às tarifas [...]) deve ser assinalada com 10 dias de antecedência ao Secretariado do AT, que informará do facto os outros membros (artigo 13.° do AT, alterado).

(12) Um 'comité de taxas' permanente vela pela aplicação dos objectivos do acordo no que diz respeito às tarifas (artigo 13.° do AT). O comité é constituídopor antigos membros das conferências marítimas existentes no tráfego entre a Europa do Norte e a costa Leste dos Estados Unidos da América (nomeadamente [Atlantic Container Line], Hapag Lloyd, P & O, Nedlloyd, Sea-Land, Maersk) e ainda a OOCL e a NYK. A aplicação destes acordos de conferências foi suspensa na sequência da entrada em vigor do AT (ver considerandos 117 e seguintes).

[...] Contratos de serviço

(13) Os contratos de serviço celebrados pelos membros do AT estão sujeitos a certas regras, sendo as principais as seguintes:

-    o período de vigência dos contratos não deve ser superior a um ano; todos os contratos devem ter por limite 31 de Dezembro do ano em curso,

-    nenhum contrato pode ser assinado relativamente a volumes anuais inferiores a 250 contentores EVP ou TEU (equivalentes de vinte pés ou Twenty Foot Equivalent Units). Em 16 de Setembro de 1993, a Comissão foi informada pelas partes de que estas tinham apresentado à Federal Maritime Comission [autoridade administrativa independente encarregue, nomeadamente, da aplicação do US Shipping Act 1984] uma alteração do acordo com o objectivo de reduzir este limite para 200 TEU a partir de 1 de Janeiro de 1994.

(14) O 'comité dos contratos' permanente, composto pelos mesmos membros que o comité dos preços, isto é, principalmente pelos antigos membros das conferências, vela pela aplicação da política do AT no que diz respeito aos contratos de serviço (artigo 14.° do acordo).

(15) Os membros do comité dos contratos podem negociar e celebrar conjuntamente contratos de serviço colectivos, não estando, contudo, autorizados a celebrar contratos de serviço individuais. Os armadores não membros deste comité podem negociar e celebrar contratos a título individual e/ou conjuntamente entre si sem notificação prévia. Os armadores não membros apenas podem participar em contratos de serviço de membros do comité dos contratos numa base pontual e sujeitos a um acordo mútuo.»

29.
    Quanto à gestão das capacidades de transporte, o artigo 18.° do AT definia um programa de gestão dessas capacidades (Capacity Management Program, a seguir «PGC»). De acordo com essa disposição, o objectivo do AT não podia ser atingido sem que as partes alargassem a sua cooperação à gestão da sua capacidade de transporte. Para o fazer, os armadores comprometiam-se a não utilizar uma parte substancial (até 25%) das suas capacidades de transporte disponíveis. Os membros do AT tinham estabelecido para um período de dois anos e por períodos de três meses, por um lado, as capacidades realmente disponíveis relativamente a cada um deles e, por outro, as quantidades de carga que cada membro estava autorizado a transportar. O armador que ultrapassasse a sua quota de carregamento autorizada,ao longo de um período de três meses determinado, obrigava-se a pagar uma coima de 500 USD (dólares dos Estados Unidos) por contentor de vinte pés. Podia, no entanto, alugar espaços de carregamento junto de outros membros do AT se estes ainda não tivessem atingido as suas próprias quotas. Os volumes definidos pelo programa eram revisíveis. Todas as partes no AT participavam no PGC. À data da decisão AT, o PGC só estava a ser aplicado no âmbito do tráfego com destino aos Estados Unidos.

30.
    Em 28 de Agosto de 1992, o AT foi notificado à Comissão. Os seus signatários pediram, com base no artigo 12.°, n.° 1, do Regulamento n.° 4056/86, uma decisão da aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

31.
    Por carta de 24 de Setembro de 1992, a Comissão informou as companhias marítimas membros do AT de que analisaria o acordo também à luz do Regulamento n.° 1017/68.

32.
    Em 13 de Outubro de 1992 e em 19 de Julho de 1993, a Comissão recebeu numerosas denúncias relativas à aplicação do AT. Essas denúncias provinham de exportadores e associações de exportadores estabelecidos em diversos Estados-Membros da Comunidade e que operavam em direcção aos Estados Unidos, de administrações de vários portos europeus, bem como de transitários e associações de transitários. Nessas denúncias eram formuladas várias acusações de violação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado relativas ao carácter não equitativo das condições contratuais impostas pelos membros do AT e à limitação artificial da oferta de transporte.

33.
    Por carta de 10 de Dezembro de 1993, a Comissão notificou uma comunicação de acusações às recorrentes. As empresas destinatárias apresentaram observações escritas, tendo ainda sido ouvidas em 28 e 29 de Abril de 1994.

34.
    Na sequência de discussões que decorreram ao longo do processo pré-contencioso, as recorrentes, em 5 de Julho de 1994, notificaram a Comissão de um novo acordo, o Trans Atlantic Conference Agreement (a seguir «TACA»), apresentado como uma versão alterada do AT. Depois de várias alterações, este novo acordo entrou em vigor em 24 de Outubro de 1994, substituindo o AT.

35.
    Nestas circunstâncias, após obtenção do parecer do comité consultivo em matéria de acordos, decisões e práticas concertadas e de posições dominantes nos domínios dos transportes terrestres e marítimos, a Comissão adoptou, em 19 de Outubro de 1994, a decisão AT. A decisão recorrida divide-se em quatro partes. Numa primeira parte, a Comissão expõe as principais disposições do AT. A segunda parte é dedicada à análise do mercado e do contexto económico dos serviços de transporte na rota transatlântica. Na terceira parte, relativa ao papel do AT, a Comissão analisa, sucessivamente, a origem do acordo, o poder económico da estrutura por ele instituída, o seu impacto no mercado e as denúncias de que foi objecto. Aquarta e última parte contém a análise jurídica das disposições do AT relativas ao PGC e à fixação dos preços dos serviços marítimos e terrestres.

36.
    No final da análise, a Comissão deliberou o seguinte:

«Artigo 1.°

As disposições do acordo AT relativas aos acordos de fixação de preços e de capacidade constituem infracções ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado.

Artigo 2.°

É recusada a aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado e do artigo 5.° do Regulamento (CEE) n.° 1017/68 às disposições do acordo AT referidas no artigo 1.° da presente decisão.

Artigo 3.°

As empresas destinatárias da presente decisão ficam obrigadas a pôr imediatamente termo às infracções referidas no artigo 1.°

Artigo 4.°

As empresas destinatárias da presente decisão ficam obrigadas a abster-se, no futuro, de qualquer acordo ou prática concertada que possa ter um objectivo ou um efeito idêntico ou semelhante aos dos acordos e práticas referidas no artigo 1.°

Artigo 5.°

As empresas destinatárias da presente decisão ficam obrigadas a, no prazo de dois meses a contar da data da notificação da presente decisão, informar os clientes com quem tenham celebrado contratos de serviço ou estabelecido outras relações comerciais no âmbito do AT de que podem, se assim o desejarem, renegociar as condições de tais contratos ou resolvê-los.»

37.
    Em 21 de Dezembro de 1994, a Comissão adoptou a Decisão 94/985/CE relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/33.218 - Far Eastern Freight Conference) (JO L 378, p. 17, a seguir «decisão FEFC»). Em 16 de Março de 1995, companhias destinatárias desta decisão apresentaram na Secretaria do Tribunal, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), uma petição de recurso de anulação da decisão FEFC (processo T-86/95).

38.
    Em 27 de Janeiro de 1997, os participantes no acordo TACA apresentaram na Secretaria, nos termos do artigo 173.° do Tratado, uma petição de recurso de anulação da Decisão C(96) 3414 final da Comissão, de 26 de Novembro de 1996,relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (processo IV/35.134 - Trans-Atlantic Conference Agreement), que retirava a imunidade relativa às coimas que pudessem resultar, sendo caso disso, da notificação do TACA (processo T-18/97).

39.
    Em 16 de Setembro de 1998, a Comissão adoptou a Decisão 1999/243/CE relativa a um processo de aplicação dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (IV/35.134 - Acordo de Conferência Transatlântica) (JO 1999, L 95, p. 1, a seguir «decisão TACA»). Por petições apresentadas em 7, 29 e 30 de Dezembro de 1998, os participantes no acordo TACA interpuseram recursos de anulação da decisão TACA, registados sob os números T-191/98, T-212/98, T-213/98 e T-214/98.

Tramitação processual

40.
    Em 23 de Dezembro de 1994, as recorrentes apresentaram na Secretaria do Tribunal, nos termos do artigo 173.° do Tratado, uma petição de recurso de anulação da decisão AT. Por requerimento separado, pediram também, nos termos dos artigos 185.° e 186.° do Tratado CE (actuais artigos 242.° CE e 243.° CE), a suspensão da execução da decisão AT.

41.
    Por despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1995, Atlantic Container Line e o./Comissão (T-395/94 R, Colect., p. II-595), a execução dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão AT foi suspensa até à prolação do acórdão do Tribunal que pusesse termo à instância no processo principal, na medida em que aqueles artigos proibiam às requerentes o exercício conjunto do poder de fixarem as taxas aplicáveis aos segmentos terrestres, no território da Comunidade, no quadro dos serviços de transporte combinado. Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça proferido em 19 de Julho de 1995, Comissão/Atlantic Container Line e o. [C-149/95 P(R), Colect., p. I-2165], foi negado provimento ao recurso interposto desse despacho pela Comissão.

42.
    Por despacho de 8 de Junho de 1995, o presidente da Quarta Secção Alargada do Tribunal de Primeira Instância admitiu as intervenções da The Japanese Shipowners' Association (a seguir «JSA») e da The European Community Shipowners' Associations ASBL (a seguir «ECSA»), em apoio dos pedidos das recorrentes, bem como da The Freight Transport Association Limited (a seguir «FTA»), de que faz parte The British Shipping Council, da Association des utilisateurs de transport de fret (a seguir «AUTF»), de que faz parte o Conseil des chargeurs français, e do The European Council of Transport Users ASBL (a seguir «ECTU»), de que faz parte The European Shippers Council, em apoio dos pedidos da Comissão.

43.
    Por requerimento que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 3 de Outubro de 1995, as recorrentes formularam um segundo pedido de medidas provisórias, ao abrigo do artigo 186.° do Tratado, com vista a obter umadecisão do presidente do Tribunal no sentido de ordenar que «a Comissão só (possa), se for caso disso, tornar efectiva uma decisão destinada a retirar às requerentes o benefício da isenção de coimas, no que respeita ao exercício do poder de fixar as taxas dos serviços de transporte combinado na Europa, após o Tribunal [...] ter decidido definitivamente o recurso destinado à anulação dessa decisão, baseado nos artigos 173.° e 174.° do Tratado CE, que as requerentes interporão com carácter de urgência» (ponto 1.26 do requerimento de medidas provisórias). Por despacho de 22 de Novembro de 1995, Atlantic Container e o./Comissão (T-395/94 R II, Colect., p. II-2893) o presidente do Tribunal de Primeira Instância julgou esse pedido inadmissível.

44.
    Em 30 de Outubro de 1995, a High Court of Justice (England & Wales) submeteu ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), diversas questões prejudiciais relativas, nomeadamente, à aplicação do artigo 85.° do Tratado e à interpretação dos Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 1017/68 em matéria de transporte marítimo de linha (processo C-339/95, Compagnia di Navigazione Marittima e o., JO 1995, C 351, p. 4). Por despacho de 26 de Junho de 1996, o Tribunal de Primeira Instância ordenou a suspensão da instância no processo T-395/94 até prolação de acórdão no processo C-339/95, nos termos do artigo 47.°, terceiro parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e dos artigos 77.°, alínea a), e 78.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Imediatamente antes da data prevista para a apresentação das conclusões do advogado-geral no processo C-339/95, o Tribunal de Justiça foi informado de que as partes no litígio tinham chegado a acordo e que o processo tinha sido cancelado no registo do órgão jurisdicional nacional, o qual depois informou o Tribunal de Justiça de que retirava o seu pedido de decisão prejudicial. Em consequência, por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, o processo C-339/95 foi cancelado e o processo T-395/94 prosseguiu sem que pudesse ter sido dada uma resposta pelo Tribunal de Justiça às questões prejudiciais colocadas.

45.
    Em face do carácter particularmente volumoso das petições apresentadas nestes quatro recursos da decisão TACA e da conexão entre as questões de mérito aí suscitadas com o presente processo, bem como com o processo T-86/95 e com o processo T-18/97, realizou-se em 18 de Janeiro de 1999 uma reunião informal com as partes, a fim de analisar as medidas possíveis para assegurar um tratamento eficaz dos processos. Contudo, não se revelou possível apensar os processos relativos às decisões AT e TACA nem obter das recorrentes um resumo dos articulados nos processos relativos à decisão TACA.

46.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Terceira Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo, o Tribunal convidou as partes a apresentarem determinados documentos e a responderem a determinadas questões escritas. As partes deram cumprimento a estes pedidos nos prazos fixados.

47.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais na audiência de 8 de Junho de 2000.

Pedidos das partes

48.
    As recorrentes, apoiadas pela JSA e pela ECSA, intervenientes, concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão AT;

-    subsidiariamente,

    -    anular os artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão AT, na parte em que têm por efeito proibir-lhes a fixação dos preços aplicáveis ao transporte terrestre, na medida em que este faz parte do transporte combinado, no âmbito de qualquer acordo de cooperação relativo à prestação do serviço de transporte marítimo de linha;

    -    anular o artigo 5.° da decisão AT;

    -    anular os artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão AT, na parte em que têm por efeito proibir-lhes a celebração em comum de contratos de serviço, de acordos por força dos quais se abstenham, por um lado, de celebrar individualmente contratos de serviço e, por outro, de exercer uma acção independente relativa a contratos de serviço celebrados em comum;

    -    condenar a Comissão nas despesas.

49.
    A Comissão, apoiada pela FTA, pela AUTF e pelo ECTU, intervenientes, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto à utilidade da lide

50.
    As intervenientes, FTA, AUTF e ECTU, colocam a questão da subsistência da utilidade da lide na medida em que a decisão AT assenta num acordo que já não está em vigor.

51.
    De acordo com o artigo 113.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode, a todo o tempo e oficiosamente, verificar se estão preenchidos os pressupostos processuais ou declarar que não conhecerá do mérito da causa. Não há queconhecer do mérito de um recurso interposto de uma decisão que não teve e já não pode ter efeitos prejudiciais para os recorrentes e que, assim, ficou sem objecto (acórdão de 10 de Fevereiro de 1982, Flender e o./Comissão, 74/81, Recueil, p. 395, n.° 9).

52.
    O Tribunal observa que a decisão recorrida produz efeitos jurídicos em relação às recorrentes. Antes de mais, a Comissão considerou que as disposições do AT relativas à fixação dos preços dos serviços de transporte e à gestão comum das capacidades de transporte marítimo constituíam infracções ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, em seguida intimou as recorrentes a pôr termo a essas infracções e a absterem-se, no futuro, de qualquer acordo ou prática concertada que pudesse ter um objectivo ou efeito semelhante ou idêntico a essas disposições e, por último, exigiu que informassem os clientes com os quais tivessem celebrado contratos de serviço ou outros contratos no âmbito do AT de que podiam, querendo, renegociar as cláusulas desses contratos ou resolvê-los de imediato.

53.
    Estes efeitos não desapareceram necessariamente por força da revogação do AT, a qual, aliás, ocorreu devido à apreciação negativa do AT feita pela Comissão relativamente às regras de concorrência do Tratado. Além disso, a anulação da decisão recorrida poderá opor-se à posterior declaração, pela Comissão, da ilicitude de disposições semelhantes ou idênticas às condenadas na decisão AT.

54.
    Daí resulta que, não obstante a revogação do AT, a decisão recorrida continua a ser prejudicial às recorrentes e produz efeitos jurídicos obrigatórios que podem afectar os seus interesses, de forma que estas mantêm interesse em pedir a sua anulação. Não estão, pois, preenchidas no caso presente as circunstâncias que podem justificar a extinção da instância sem conhecimento de mérito.

Quanto ao mérito

55.
    Em suporte do pedido principal de anulação da decisão recorrida, as recorrentes, no essencial, invocam, a título principal, três fundamentos. O primeiro assenta em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. O segundo assenta na violação do artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 devido à não aplicação da isenção por categoria ao AT. O terceiro é relativo à recusa de concessão de uma isenção individual. As intervenientes em apoio das recorrentes alegam uma violação do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (a seguir «acordo EEE»). A título subsidiário, as recorrentes apresentam três pedidos de anulação parcial da decisão recorrida. Em primeiro lugar, pedem a anulação dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da referida decisão, na medida em que proíbem a fixação dos preços do transporte combinado. Em segundo lugar, pedem a anulação do artigo 5.° da decisão recorrida. Em terceiro lugar, pedem a anulação dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da referida decisão, na medida em que proíbem os contratos de serviço comuns.

Quanto ao pedido principal de anulação da decisão recorrida

I - Quanto ao primeiro fundamento, assente em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

A - Argumentos das partes

[56 a 68]

B - Apreciação do Tribunal

69.
    O AT, na medida em que incluía acordos de fixação directa dos preços do transporte, quer marítimo, quer terrestre, e acordos de não utilização da capacidade de transporte marítimo, constituía, tal como exposto na decisão recorrida, respectivamente, nos considerandos 286, 298 e 306, um acordo que, manifestamente, restringia a concorrência. Trata-se de restrições da concorrência expressamente referidas no artigo 85.°, n.° 1, alíneas a) e b), do Tratado.

70.
    Aliás, as concorrentes não contestam o carácter restritivo da concorrência das disposições do AT postas em causa, mas alegam que a Comissão não demonstrou, apesar de, no caso presente, ter essa obrigação mais em particular, uma vez que se trata de um acordo relativo ao comércio internacional, que existiu uma restrição considerável da concorrência no mercado comum nem que o comércio entre Estados-Membros foi sensivelmente afectado.

71.
    A título preliminar, há que referir que essa argumentação não é admissível, tendo em conta a redacção do Regulamento n.° 4056/86. Com efeito, os transportes marítimos internacionais e nomeadamente os transportes com países terceiros são os primeiros referidos nesse regulamento. Na realidade, de acordo com o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4056/86, este «visa apenas os transportes marítimos internacionais com partida ou destino de um ou vários portos da Comunidade» e, no sexto considerando, esclarece-se que «existe a probabilidade de o comércio entre Estados-Membros ser afectado quando esses acordos ou práticas abusivas se relacionam com transportes marítimos internacionais, incluindo intracomunitários, com proveniência de ou com destino a portos da Comunidade». Do mesmo modo, o décimo quinto considerando do Regulamento n.° 4056/86 refere que «é necessário ter em conta que a aplicação do presente regulamento a certos acordos ou práticas pode originar conflitos com as legislações e regulamentações de certos países terceiros». Por último e sobretudo, não teria sentido prever uma isenção por categoria a favor das conferências marítimas, a quase totalidade das quais apenas diz respeito a linhas com países terceiros, se as referidas conferências não pudessem ser abrangidas pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

72.
    Em primeiro lugar, quanto às críticas gerais relativas à falta de prova, por parte da Comissão, da existência de restrições da concorrência no interior do mercado comum, há que destacar que o AT era relativo a serviços de transporte, marítimo e terrestre, entre a Europa e os Estados Unidos. Tal como o Tribunal de PrimeiraInstância já declarou, os mercados em causa directamente afectados eram os mercados dos serviços de transportes e não o da exportação de mercadorias com destino aos Estados Unidos (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Outubro de 1996, Compagnie maritime belge de transports e o./Comissão, T-24/93 a T-26/93 e T-28/93, Colect., p. II-1201, n.° 205). Os processos que deram origem ao acórdão Bulk Oil e à decisão Junghans, já referidos, são, portanto, irrelevantes para o caso dos autos, uma vez que eram relativos a restrições à exportação de mercadorias para o exterior da Comunidade e não à prestação de serviços no interior da mesma. No caso presente, as restrições da concorrência verificavam-se efectivamente no interior do mercado comum, uma vez que era aí que as companhias marítimas membros do AT, várias das quais estabelecidas na Comunidade, entravam em concorrência para prestar os seus serviços aos clientes, isto é, aos carregadores, instalados na Comunidade. Além disso, o facto de certas companhias membros do AT não estarem estabelecidas na Comunidade não é susceptível de pôr esta conclusão em causa. A esse respeito, o Tribunal de Justiça considerou que, quando produtores estabelecidos fora da Comunidade efectuam vendas directamente a compradores nela estabelecidos e quando concorrem entre si em matéria de preços para obterem encomendas desses clientes, há concorrência no mercado comum, de forma que uma concertação sobre os preços que proporcionarão aos seus clientes estabelecidos na Comunidade tem por objectivo e por efeito restringir a concorrência no mercado comum na acepção do artigo 85.° do Tratado (acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Setembro de 1988, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, dito «pasta de papel», 89/85, 104/85, 114/85, 116/85, 117/85 e 125/85 a 129/85, Colect., p. 5193, n.os 12 e 13).

73.
    A decisão recorrida está suficientemente fundamentada a esse respeito, uma vez que, nomeadamente, no considerando 289 esclarece que «o AT engloba companhias marítimas regulares activas em vários Estados-Membros e restringe a concorrência entre estas linhas no que diz respeito aos serviços e aos preços oferecidos por cada uma delas [...] A eliminação ou diminuição da concorrência nos serviços ou os preços dessas companhias é susceptível de reduzir de maneira significativa as vantagens que os armadores mais eficazes poderiam retirar na matéria. Por seu turno, isto pode afectar o jogo normal de ganhos e perdas de partes de mercado que teria lugar na ausência do AT». A Comissão referiu também, no considerando 67 da decisão recorrida, que o mercado geográfico no interior do qual eram comercializados os serviços de transporte marítimo do AT, isto é, os serviços de transporte marítimo regular por contentor entre a Europa do Norte e os Estados Unidos, pelas rotas marítimas entre os portos da Europa do Norte e os dos Estados Unidos e do Canadá, era constituído pelas zonas de atracção destes portos da Europa do Norte. No considerando 68 da decisão AT, a Comissão esclareceu que «[a]s zonas de atracção em questão dependem simultaneamente das distâncias aos portos e dos custos do encaminhamento terrestre. Neste caso pode considerar-se que as zonas de atracção dos portos da Europa do Norte abrangem principalmente a Irlanda, o Reino Unido, a Dinamarca, os Países Baixos, a Bélgica, o Luxemburgo, a maior parte da Alemanha e o Norte e o Centro da França». Encontra-se, pois, suficientemente exposto, nadecisão recorrida, que o AT continha restrições da concorrência no que respeita aos preços e às capacidades dos serviços de transporte que as companhias membros do AT comercializavam no interior da Comunidade.

74.
    Além disso, a Comissão referiu na decisão recorrida que o AT gerava, sob outros aspectos, restrições da concorrência no interior do mercado comum. Tal como referido nos considerandos 290 a 293, 301 e 305 da referida decisão, os acordos relativos aos preços e às capacidades de transporte exerciam também influência sobre a concorrência entre os portos de diferentes Estados-Membros ao alargar ou reduzir artificialmente a respectiva zona de atracção. A esse respeito, há que dizer que, no sexto considerando do Regulamento n.° 4056/86, se assinala que os «acordos ou práticas abusivas são susceptíveis de influenciar a concorrência, por um lado, entre os portos dos diversos Estados-Membros, modificando as respectivas zonas de atracção, e, por outro, entre as actividades situadas nestas zonas de atracção, e de perturbar as correntes comerciais no interior do mercado comum».

75.
    Há que verificar, em seguida, que o carácter sensível dessas restrições foi suficientemente demonstrado na decisão recorrida. Por um lado, a Comissão sublinhou a gravidade das restrições da concorrência em causa e pôs em evidência, nos considerandos 183 a 263 da referida decisão, o impacto do AT sobre a estrutura e sobre o nível de preços, bem como o seu efeito no mercado. Por outro lado, a Comissão salientou, sem oposição, a considerável importância económica dos serviços a que se referia o AT. Com efeito, a recorrida referiu, nos considerandos 83, 84 e 438, que o tráfego transatlântico constitui o terceiro tráfego mundial, que uma parte substancial das trocas comerciais entre a Europa e os Estados Unidos, que se elevam a cerca de 80 mil milhões de euros em cada sentido, é assegurada por transporte marítimo regular e que os membros do AT dispunham de uma quota de mercado da ordem dos 75% em 1991 e 1992 ou, pelo menos, de 50%, segundo a sua própria concepção do mercado.

76.
    De qualquer forma, na medida em que as críticas das recorrentes possam ser interpretadas no sentido de que exigem a demonstração de efeitos anticoncorrenciais reais, mesmo quando estiver manifestamente demonstrado o objecto anticoncorrencial das disposições condenadas, não podem ter acolhimento. Com efeito, resulta de jurisprudência assente que, para efeitos da aplicação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a tomada em consideração dos efeitos concretos de um acordo é supérflua, desde que seja evidente que tem por objecto restringir, impedir ou falsear a concorrência no interior do mercado comum (acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1966, Consten e Grundig/Comissão, 56/64 e 58/64, Colect. 1965-1968, p. 423, em particular, p. 434; v., igualmente, neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C-219/95 P, Colect., p. I-4411, n.os 14 e 15, e de 8 de Julho de 1999, Montecatini/Comissão, C-235/92 P, Colect., p. I-4359, n.° 122).

77.
    Por último, na medida em que a argumentação das recorrentes tenha em vista contestar o carácter restritivo da concorrência do PGC, basta observar que este tinha claramente por objecto e por efeito limitar a oferta dos membros do AT considerada sob o aspecto da capacidade de transporte, a fim de aumentar ou, pelo menos, manter as taxas de frete. Além disso, a afirmação das recorrentes segundo a qual a oferta sempre excedeu a procura na rota transatlântica, apenas é válida para a oferta global no mercado e não para a oferta, expressa em termos de capacidade de transporte, de cada companhia membro do AT, que o PGC, aliás, tinha precisamente por objecto limitar. Não se pode, pois, contestar que o PGC constituía uma restrição da concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, alínea b), do Tratado. Por outro lado, esta restrição da concorrência era sensível e afectava o comércio entre Estados-Membros pelas mesmas razões que as disposições do AT de fixação dos preços dos serviços de transporte marítimo.

78.
    Daí resulta que a Comissão, na decisão recorrida, fez prova suficiente de que o AT restringia a concorrência no interior do mercado comum na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

79.
    Em segundo lugar, quanto a afectar o comércio entre Estados-Membros, há que lembrar, desde logo, que, segundo jurisprudência assente, um acordo entre empresas, para ser susceptível de afectar o comércio entre os Estados-Membros, deve, com base numa série de elementos objectivos de direito ou de facto, permitir encarar, com um grau de probabilidade suficiente, que possa exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre as correntes de trocas comerciais entre os Estados-Membros, num sentido susceptível de prejudicar a realização dos objectivos de um mercado único entre os Estados (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1993, Ahlström Osakeyhtiö e o./Comissão, dito «pasta de papel II», C-89/85, C-104/85, C-114/85, C-116/85, C-117/85 e C-125/85 a C-129/85, Colect., p. I-1307, n.° 143). Em especial, não é necessário que o comportamento recriminado tenha, de facto, afectado o comércio entre Estados-Membros de modo sensível, bastando demonstrar que o mesmo é susceptível de produzir esse efeito (v., quanto ao artigo 85.° do Tratado, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Fevereiro de 1995, SPO e o./Comissão, T-29/92, Colect., p. II-289, n.° 235, e, quanto ao artigo 86.° do Tratado, acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C-241/91 P e C-242/91 P, Colect., p. I-743, n.° 69).

80.
    Verifica-se inevitavelmente, de seguida, que o AT era um acordo, celebrado entre companhias marítimas, algumas das quais estão estabelecidas na Comunidade, relativo às condições de prestação de serviços de transporte, marítimo e terrestre, a carregadores estabelecidos em diversos Estados-Membros da Comunidade. Tal acordo era susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Uma vez que a condição de afectar o comércio entre Estados-Membros tem, aliás, o objectivo de determinar o domínio do direito comunitário relativamente ao direito dos Estados-Membros (acórdãos Consten e Grundig/Comissão, já referido, e SPO e o./Comissão, já referido, n.° 227), não sepode contestar que o AT, que impunha condições de prestação dos serviços de transporte a uma grande parte dos carregadores da Comunidade, é abrangido pelo direito comunitário da concorrência.

81.
    Além disso, o AT era susceptível de alterar os fluxos de mercadorias que transitavam pelos portos servidos pelas companhias marítimas membros do AT. Por esse facto, há que considerar que o comércio entre Estados-Membros era afectado pelo AT em mais do que apenas no comércio constituído pelos serviços de transporte marítimo, sendo igualmente afectados os serviços portuários e auxiliares ligados ao transporte de mercadorias.

82.
    Por último, ainda que de forma mais indirecta, o AT produzia ou, pelo menos, era susceptível de produzir um efeito sobre o comércio de mercadorias entre Estados-Membros, na medida em que os preços de transporte fixados pelo AT representavam uma parte do preço de venda final das mercadorias transportadas. A intensidade da concorrência no sector dos transportes marítimos parece, aliás, indicar que o preço destes é um elemento do custo das mercadorias desse modo transportadas susceptível de influir na sua venda.

83.
    Em terceiro lugar, quanto às críticas das recorrentes a respeito da análise da Comissão dos serviços de transporte terrestre, há que lembrar, desde logo, que, no âmbito da aplicação do artigo 85.° do Tratado, é para determinar se o acordo em causa é susceptível de afectar o comércio entre Estados-Membros e se tem por objecto ou efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no mercado comum que é necessário definir o mercado em causa. É por isso que, no âmbito de aplicação do artigo 85.° do Tratado, as alegações formuladas pelas recorrentes contra a definição do mercado feita pela Comissão não podem ter uma dimensão autónoma relativamente às que dizem respeito à afectação do comércio entre Estados-Membros e à ofensa à concorrência (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância SPO e o./Comissão, já referido, n.os 74 e 75, e de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T-25/95, T-26/95, T-30/95 a T-32/95, T-34/95 a T-39/95, T-42/95 a T-46/95, T-48/95, T-50/95 a T-65/95, T-68/95 a T-71/95, T-87/95, T-88/95, T-103/95 e T-104/95, Colect., p. II-491, n.° 1093).

84.
    Em seguida, há que referir que, nos considerandos 71 e 72 da decisão recorrida, a Comissão identificou claramente os serviços de transporte terrestre em causa. Considerou acertadamente que os serviços de transporte em causa eram os de pré e pós-encaminhamento de contentores oferecidos aos carregadores, entre portos do Norte da Europa e pontos interiores na Europa, no âmbito de um transporte multimodal transatlântico (v. acórdão Compagnie générale maritime e o./Comissão, T-86/95, ainda não publicado na Colectânea, n.os 117 a 130, proferido pelo Tribunal de Primeira Instância nesta mesma data).

85.
    As alegações das recorrentes, assentes em falta ou erro na definição do mercado relevante, devem, assim, ser julgadas improcedentes.

86.
    De resto, a tese das recorrentes segundo a qual o mercado relevante deve incluir todos os transportes terrestres de tipo análogo ou que substitua os transportes de contentores efectuados no âmbito do AT é desprovida de qualquer fundamento. Com efeito, tal como, aliás, as próprias recorrentes sublinharam no âmbito de outro fundamento: «O problema que aqui se coloca diz respeito não ao transporte terrestre em si mesmo, mas sim ao transporte terrestre enquanto elemento do serviço de transporte combinado [...] A tarifa terrestre fixada no âmbito do AT destina-se a ser utilizada exclusivamente no âmbito dos serviços transatlânticos de transporte marítimo combinado e não tem influência em qualquer outro mercado (por exemplo, o mercado do transporte puramente terrestre).» (V., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1991, Hilti/Comissão, T-30/89, Colect., p. II-1439, confirmado pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Março de 1994, Hilti/Comissão, C-53/92 P, Colect., p. I-667). O transporte terrestre em causa apenas respeitava ao transporte de pré e pós-encaminhamento terrestre de contentores em conexão com os serviços de transporte marítimo transatlântico.

87.
    No que respeita à alegação de que a Comissão não teria demonstrado que os acordos de fixação dos preços do transporte terrestre constituíam uma restrição da concorrência no interior do mercado comum e afectavam o comércio entre Estados-Membros, basta lembrar que já acima se referiu que as companhias marítimas membros do AT concorriam entre si na prestação dos seus serviços de transporte no interior do mercado comum. Isto era válido também para os serviços de transporte terrestre de pré ou pós-encaminhamento prestados com outros serviços, entre os quais o transporte marítimo propriamente dito de contentores no âmbito de uma operação de transporte multimodal. Os preços desses serviços de transporte terrestre representavam um elemento importante do preço do transporte multimodal prestado pelos membros do AT. Assim, os acordos de fixação dos preços dos serviços de transporte terrestre reduziam sensivelmente a concorrência entre essas companhias e afectavam o comércio entre Estados-Membros, da mesma forma que os relativos ao transporte marítimo. Quanto aos serviços de transporte terrestre, a afectação do comércio interestatal e a localização no interior do mercado comum da restrição da concorrência ainda podem ser menos contestadas porquanto uma parte desses serviços de transporte é efectuada precisamente no território dos diversos Estados-Membros. A afirmação, contida no considerando 306 da decisão recorrida, segundo a qual os acordos de fixação dos preços e das condições dos serviços de transporte terrestre, no âmbito do transporte multimodal, constituíam uma restrição da concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não pode, pois, ser validamente contestada.

88.
    Além disso, tal como exposto no considerando 309 da decisão recorrida, os acordos de fixação dos preços dos serviços de transporte terrestre influenciavam as relações entre armadores e transportadores terrestres, o que era susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros no sector dos serviços de transporte terrestre. Com efeito, a fixação dos preços dos serviços de transporte terrestrepodia, nomeadamente, ter influência na decisão dos carregadores de confiarem o encaminhamento terrestre dos seus contentores aos membros do AT ou a um transportador terrestre, assim falseando a concorrência existente no segmento terrestre entre as companhias marítimas membros do AT e os transportadores terrestres presentes nos diversos Estados-Membros.

89.
    Do mesmo modo, no considerando 310 da decisão recorrida, a Comissão apurou ainda, com razão, que a fixação em comum dos preços dos serviços de transporte terrestre alterava as zonas de atracção natural dos portos situados nos diversos Estados. Com efeito, a fixação dos referidos preços em função de um transporte fictício entre um ponto do interior e o mais próximo dos portos servidos por qualquer um dos membros do AT, e, portanto, quaisquer que fossem os portos efectivamente servidos pelas diversas companhias membros do AT, neutralizava a vantagem económica que uma distância mais curta em relação a um determinado porto podia constituir. As recorrentes não contestaram, aliás, a existência de tal desvio de frete resultante da aplicação da tarifa relativa aos serviços de transporte terrestre, tendo-se limitado a relativizar a sua importância. O facto, aliás não demonstrado, de, mesmo na ausência do AT, as companhias marítimas assumirem os custos suplementares que implica o encaminhamento das mercadorias para um porto mais distante, não elimina o facto de o objecto, ou pelo menos o efeito, da prática dita de «porto equalização» ser o de canalizar mercadorias para portos que, de outro modo, não teriam sido destinatários e de essa alteração dos fluxos de mercadorias ser consequência dos acordos de fixação do preço dos serviços de transporte terrestre.

90.
    De qualquer forma, basta lembrar que é jurisprudência assente que a condição relativa aos efeitos sobre o comércio entre Estados-Membros se encontra satisfeita quando, com base num conjunto de elementos de direito ou de facto, se pode concluir com um grau de probabilidade suficiente que o acordo existente pode exercer uma influência directa ou indirecta, actual ou potencial, sobre os fluxos comerciais entre Estados-Membros (v., neste sentido, nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Lancôme/Etos, 99/79, Recueil, p. 2511, n.° 23; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 1999, Kesko/Comissão, T-22/97, Colect., p. II-3775, n.° 103). Assim, a Comissão não tem obrigação de provar a existência real desses efeitos (acórdão Ferriere Nord/Comissão, já referido, n.os 19 e 20), prova essa que, na maior parte dos casos, só muito dificilmente poderá ser feita, mas requer que seja provado que esses acordos são susceptíveis de produzir esse efeito (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 1978, Miller/Comissão, 19/77, Colect., p. 45, n.° 15, e Ferriere Nord/Comissão, já referido, n.° 19). Assim, há que rejeitar as alegações das recorrentes na medida em que puderem ser interpretadas no sentido de que exigem que a Comissão faça prova da existência actual da afectação do comércio entre Estados-Membros em cada um dos mercados ou submercados que consideram relevantes.

91.
    Por último, quanto ao carácter sensível das restrições da concorrência resultantes do acordo de fixação dos preços dos serviços de transporte terrestre, há que lembrar, por um lado, que, segundo o considerando 146 da decisão recorrida, que não foi impugnado pelas recorrentes, os membros do AT, em 1992, transportaram mais de 1,5 milhões de contentores de 20 pés dos 2 milhões, ou quase, transportados no âmbito do tráfego transatlântico e, por outro, que, de acordo com as respostas das recorrentes às questões escritas do Tribunal, entre 40% e 50% dos contentores transportados pelos membros do AT foram encaminhados para portos ou para pontos do interior no âmbito de contratos de transporte multimodal. Por conseguinte, os acordos de fixação dos preços dos serviços de transporte terrestre eram relativos a, pelo menos, 600 000 contentores, isto é, 30% dos contentores transportados entre a Europa e os Estados Unidos.

92.
    Resulta do exposto, por um lado, que, pelo seu objecto anticoncorrencial e tendo em conta o poder económico dos seus membros, o AT era susceptível de afectar sensivelmente o comércio entre Estados-Membros e alterava de forma considerável as condições da concorrência no território de vários Estados-Membros e, por outro, que a decisão recorrida contém uma fundamentação adequada dessa apreciação.

93.
    O primeiro fundamento, assente em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, deve, pois, ser julgado improcedente.

II - Quanto ao segundo fundamento, relativo à não aplicação ao AT da isenção por categoria prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86

94.
    A Comissão decidiu que o AT não era abrangido pela isenção por categoria concedida às conferências marítimas pelo artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 porque, em primeiro lugar, não constituía uma conferência marítima na acepção do referido regulamento, na medida em que estabelecia, pelo menos, dois níveis de tarifas, e, em segundo lugar, porque, mesmo que o AT fosse considerado uma conferência marítima, o PGC não era uma acção abrangida pela isenção do referido artigo 3.° A Comissão também considerou na decisão AT que, qualquer que fosse a interpretação do conceito de conferência marítima, o Regulamento n.° 4056/86 era, de qualquer forma, inaplicável aos acordos de fixação de preços dos serviços de transporte terrestre, no âmbito do transporte combinado.

A - Argumentos das recorrentes

[95]

1. Quanto à errada apreciação das características económicas do transporte marítimo de linha

a) Quanto à inadmissibilidade parcial da contestação da Comissão

[96]

b) Características económicas do mercado dos serviços regulares de transporte marítimo

[97 a 105]

c) Efeitos estabilizadores do AT na rota transatlântica

[106 a 109]

d) Reconhecimento pelo direito comunitário da instabilidade intrínseca do mercado dos serviços regulares de transporte marítimo

[110 a 121]

2. Quanto à definição da conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86 e quanto à estrutura tarifária dualista do AT

[122 a 127]

B - Argumentos da ECSA e da JSA

[128 e 129]

C - Argumentos da Comissão

[130]

D - Argumentos da FTA, da AUTF e do ECTU

[131 a 133]

E - Apreciação do Tribunal

134.
    As recorrentes alegam, no essencial, que, devido a uma concepção extremamente restritiva do conceito de estabilidade, a Comissão considerou erradamente, na decisão recorrida, que o AT não era abrangido pela isenção por categoria prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86, uma vez que tal decisão se baseava no facto de, em primeiro lugar, o AT não ser uma conferência marítima porque os seus membros não aplicavam taxas de frete uniformes ou comuns, em segundo, o PGC não estar previsto na isenção por categoria e, em terceiro, os acordos de fixação de preços do transporte terrestre, no âmbito dos serviços de transportes multimodais, não estarem abrangidos pelo Regulamento n.° 4056/86.

135.
    Segundo o considerando 319 da decisão recorrida:

«O AT não é um acordo de conferência isento pelo artigo 3.° do Regulamento [...] n.° 4056/86, principalmente porque:

-    por um lado, estabelece pelo menos dois níveis de tarifas,

-    por outro, prevê uma substancial não utilização das capacidades.»

136.
    Há que observar que, segundo a decisão recorrida, a estrutura tarifária dualista impede o AT de ser considerado uma conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86, enquanto o PGC é considerado uma acção que não pode ser isenta pelo artigo 3.° do referido regulamento. Com efeito, segundo o considerando 359 da decisão recorrida, «ainda que o AT fosse um acordo de conferência, na acepção do artigo 1.° do Regulamento [...] n.° 4056/86, o programa de gestão das capacidades criado pelos membros do AT não seria isento pelo artigo 3.° desse regulamento».

137.
    Resulta igualmente dos considerandos 320 a 358 da decisão recorrida, o que é, aliás, confirmado pela Comissão na contestação e na tréplica, bem como na audiência, que a consideração de que o AT não estava abrangido pela isenção de grupo prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 assenta, em primeiro lugar, no fundamento de o AT não ser uma conferência marítima na acepção do artigo 1.° do Regulamento n.° 4056/86, uma vez que não previa taxas de frete uniformes ou comuns.

138.
    Segundo o artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86, estão isentos da proibição imposta pelo n.° 1 do artigo 85.° do Tratado «os acordos, decisões e práticas concertadas de todos ou parte dos membros de uma ou mais conferências marítimas que tenham por objectivo a fixação de preços e de condições de transporte».

139.
    A isenção por categoria, prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86, tem, assim, em vista os acordos de fixação de preços celebrados no âmbito de conferências marítimas. Tal como resulta do oitavo considerando do Regulamento n.° 4056/86, prevê-se essa isenção por categoria em benefício das conferências marítimas pelo facto de exercerem um papel estabilizador capaz de garantir serviços fiáveis aos carregadores e de contribuírem geralmente para assegurar uma oferta de serviços regulares de transporte marítimo, suficientes e eficazes, tendo em consideração os interesses dos utilizadores numa justa medida. No oitavo considerando, esclarece-se ainda que esses resultados «não podem ser obtidos sem a cooperação exercida pelas companhias marítimas no seio das referidas conferências em matéria de tarifas».

140.
    Daí resulta que um acordo só pode beneficiar da isenção prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 se for um acordo de conferência marítima.

141.
    Assim, desde logo, há que definir o conceito de conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86 e, em seguida, verificar se o AT podia ou não ser considerado uma conferência marítima.

1. Quanto à definição de conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86

142.
    De acordo com o artigo 1.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 4056/86, constitui uma conferência marítima «um grupo de, pelo menos, dois transportadores-exploradores de navios que assegure serviços internacionais regulares para o transporte de mercadorias numa linha ou linhas particulares dentro de determinados limites geográficos e que tenha celebrado um acordo ou convénio, seja de que natureza for, no âmbito do qual esses transportadores operem aplicando fretes uniformes ou comuns e quaisquer outras condições de transportes concertadas para o fornecimento de serviços regulares».

143.
    A existência de uma conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86 exige, pois, a aplicação de «fretes uniformes ou comuns» pelos seus membros.

144.
    As recorrentes alegam, no essencial, que foi erradamente que a Comissão considerou na decisão AT que a expressão taxas de «fretes uniformes ou comuns» significa que as referidas taxas devem ser idênticas para todos os membros da conferência relativamente ao mesmo produto. Segundo as recorrentes, um agrupamento de companhias marítimas pode constituir uma conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86 e, por isso, beneficiar da isenção por categoria, uma vez que as taxas de frete são fixadas em comum pelos membros do agrupamento, mesmo que variem de um membro para outro. O termo «uniforme» tem em vista apenas uma uniformidade das taxas em relação aos carregadores, mas não entre armadores.

145.
    A fim de determinar o sentido da expressão «fretes uniformes ou comuns», há que ter em conta não só os termos utilizados, mas também o mecanismo da isenção por categoria, em cujo contexto se insere o Regulamento n.° 4056/86, e os objectivos que prossegue.

146.
    Em primeiro lugar, há que lembrar que, segundo jurisprudência assente, tendo em consideração o princípio geral de proibição dos acordos anticoncorrenciais estabelecido no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, as medidas de derrogação da proibição constantes de um regulamento de isenção por categoria devem, por natureza, ser objecto de interpretação estrita (acórdão Compagnie maritime belge de transports e o./Comissão, já referido, n.° 48; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Abril de 1993, Peugeot/Comissão, T-9/92, Colect., p. II-493, n.° 37). Por maioria de razão, esta conclusão impõe-se quanto às disposições do Regulamento n.° 4056/86, devido à sua duração ilimitada e ao carácter excepcional das restrições da concorrência autorizadas (acordo horizontal que tem a fixação depreços por objecto). Daí resulta que a isenção por categoria prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 não pode ser objecto de interpretação extensiva e evolutiva de forma a abranger todos os acordos considerados úteis pelas companhias marítimas, ou mesmo necessários, para se adaptarem às condições do mercado. A isenção apenas pode referir-se aos tipos de acordo que o Conselho, na adopção do Regulamento n.° 4056/86, considerou, face à experiência adquirida, que preenchiam as condições do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado. Além da faculdade de que o Conselho dispõe, se necessário, de alterar o Regulamento n.° 4056/86, as empresas em causa têm, por outro lado, sempre a possibilidade de requerer a isenção individual para atenuar os eventuais inconvenientes das limitações inerentes à isenção por categoria.

147.
    Em segundo lugar, está assente que a definição de «conferência marítima» constante do artigo 1.°, n.° 3, alínea b), do Regulamento n.° 4056/86 foi literalmente retomada da Convenção das Nações Unidas relativa a um Código de Conduta das Conferências Marítimas, adoptada em 6 de Abril de 1974 e que entrou em vigor em 6 de Outubro de 1983. A ligação entre o Regulamento n.° 4056/86 e o código de conduta resulta igualmente do terceiro considerando do referido regulamento, segundo o qual o «regulamento de aplicação das regras de concorrência aos transportes marítimos, prevista no último considerando do Regulamento (CEE) n.° 954/79, deve ter em conta a adopção [do código de conduta]; [e] que, nomeadamente em relação às conferências abrangidas pelo código de conduta, o regulamento deve eventualmente completá-lo ou conferir-lhe maior precisão». O código de conduta constitui, assim, um importante elemento de referência para a interpretação do conceito de conferência marítima constante do Regulamento n.° 4056/86.

148.
    Ora, tal como resulta, nomeadamente, das numerosas referências doutrinais citadas nos considerandos 321 e 322 da decisão recorrida, o código de conduta faz referência às conferências marítimas tradicionais cuja característica essencial é a de todos os membros convencionarem aplicar a mesma taxa de frete para o transporte marítimo do mesmo produto no âmbito de um serviço regular. Não se pode, aliás, deixar de observar que as recorrentes não invocaram qualquer publicação ou deram a referência de qualquer citação que pudesse pôr em causa essa afirmação. Quando muito, no anexo 6 da petição esclareceram, acertadamente, mas sem que isso tenha o menor efeito, o alcance exacto de uma citação a que se faz referência no considerando 324 da decisão AT. Além disso, as recorrentes não alegaram sequer que o funcionamento das conferências marítimas tradicionais não se baseia na aplicação de taxas de frete uniformes, tendo-se limitado a assinalar vagamente, numa parte da petição diversa daquela que contém a exposição do segundo fundamento, que «a história das conferências marítimas revela que três tipos de acordo sobre os preços caracterizaram a cooperação entre as companhias marítimas».

149.
    O requisito da uniformidade dos preços para todos os membros de uma conferência marítima tradicional, previsto no código de conduta, resulta tambémdo artigo 13.°, n.° 2, do referido código, que, na versão francesa, bem como na maior parte das outras versões linguísticas com excepção da versão inglesa, dispõe que as tabelas de conferências devem especificar uma taxa de frete para cada produto.

150.
    Por outro lado, embora a interpretação de uma disposição do direito comunitário deva ser feita à luz desse direito e não possa, obviamente, depender do direito de um Estado terceiro, pode, não obstante, na medida em que o Regulamento n.° 4056/86 faz referência às conferências marítimas previstas no código de conduta, tal como referido no considerando 346 da decisão AT, dizer-se que a análise do Department of Justice dos Estados Unidos confirma também que as conferências marítimas assentam em taxas de frete uniformes para todos os membros da conferência e que, por isso, se distinguem de um acordo do tipo do AT, conhecido como «rate agreement», que prevê preços diferenciados consoante os membros. Com efeito, de acordo com o Department of Justice: «O facto de as conferências aderirem a estes acordos de fixação de preços permite-lhes chegar a acordo com todas as grandes companhias 'independentes' a fim de fixarem as taxas. Assim, o poder de monopólio das conferências pode-se estender, através de acordos sobre as taxas, à maior parte das companhias que não participam nas conferências. [...] Não é necessário que tal acordo preveja taxas uniformes: as partes podem chegar a acordo sobre taxas diferentes consoante os transportadores, assim reflectindo diferenças no serviço prestado bem como noutros factores. [...] Os acordos sobre as taxas prevêem habitualmente a faculdade de os membros tomarem medidas independentes. Quando as conferências são partes num acordo sobre as taxas, as companhias convencionam, em geral, a previsão de taxas diferentes para as conferências e para as companhias que não participam em conferências, em vez de preverem taxas uniformes como é o caso das conferências.» («The regulated ocean shipping industry», a report of the US Department of Justice, Janeiro, 1977, pp. 69, 70 e 142).

151.
    Em terceiro lugar, resulta igualmente dos documentos preparatórios da adopção do código de conduta, referidos no considerando 327 da decisão recorrida, como o relatório preparatório do código de conduta elaborado pelo Secretariado da Conferência das Nações Unidas sobre o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD), de 1970, e intitulado «O sistema de conferências marítimas (1970)» («The liner conference system»), que a fixação de uma taxa uniforme para o mesmo produto e para todos os membros de uma conferência é uma característica essencial das conferências marítimas. Assim, no ponto 156 desse relatório, afirma-se que, «em qualquer conferência, o acordo fundamental entre os membros incide sobre a aplicação dos fretes uniformes» (sublinhado nosso). De igual modo, as conferências são descritas como «grupos de companhias marítimas que operam em certas ligações e que celebraram acordos de base para a aplicação de taxas uniformes» (ponto 8). Afirma-se que «a concorrência entre os membros da conferência é controlada por todos os membros que aceitam praticar as taxas uniformes» (ponto 14). Entre as vantagens proporcionadas pelas conferências, norelatório assinala-se que as mesmas «fazem com que todas as companhias que participam na conferência pratiquem taxas uniformes sem discriminação entre os carregadores em razão do seu poder económico ou do volume da sua carga. Um carregador que recorra a uma conferência tem a certeza de que os seus concorrentes não poderão obter uma taxa mais vantajosa noutro lado.» (ponto 27); «as conferências afirmam ainda que propõem taxas fixas razoavelmente estáveis» (ponto 28). No capítulo VI, relativo à estabilidade dos preços, diz-se: «Uma das reivindicações importantes das conferências é a de que garantem aos importadores e exportadores uma estabilidade dos preços de frete que de acordo com ela lhes permitirá fazer planos a longo prazo quanto às operações comerciais futuras» (ponto 225) e que «dar resposta a esse desejo generalizado dos carregadores é uma das razões principais pelas quais as companhias que transportam cargas se juntam em conferência e chegam a acordo para aplicarem taxas e condições idênticas a todos os carregadores para carregamentos semelhantes» (ponto 226); «assim, a estabilidade das tarifas só é possível se as companhias chegarem a um acordo ou a um entendimento com vista à prática de taxas uniformes» (ponto 227). Do mesmo modo, no n.° 6 do relatório preparatório do Secretariado da UNCTAD, de 1972, intitulado «Regulamento das conferências marítimas (código de conduta das conferências marítimas)», assinala-se que as conferências marítimas são «grupos de companhias marítimas que operam em certas ligações e que celebraram acordos de base para a aplicação de taxas uniformes».

152.
    Resulta do exposto que, ao contrário do que alegam as recorrentes, o historial da redacção do código de conduta revela que as conferências marítimas têm por característica essencial a fixação de taxas de frete uniformes, aplicáveis por todos os membros da conferência ao transporte de um produto determinado.

153.
    Assim, é irrelevante o facto, invocado pelas recorrentes, de, antes de adoptar a expressão «taxas de frete uniformes ou comuns», terem sido sucessivamente propostas fórmulas que apenas incluíam o termo «uniformes» ou apenas a expressão «fixadas em comum», ou os termos «uniformes ou fixadas em comum». Essas sucessivas propostas mais não fazem do que pôr em evidência a dificuldade semântica, nas discussões internacionais, em traduzir um conceito comum designado por expressões múltiplas nos diversos Estados ou nas diversas línguas.

154.
    Aliás, a alegada diferença de significado entre os termos «uniformes» e «comuns» não tem qualquer alcance, uma vez que os dois termos surgem como sinónimos. Com efeito, quando as companhias marítimas aplicam taxas de frete qualificadas de uniformes ou comuns, o cliente paga o mesmo preço, qualquer que seja a companhia que assegura o transporte da mercadoria.

155.
    Por último, há que observar que a utilização conjugada dos termos «uniformes» e «comuns» se explica pela necessidade de assegurar que a definição do código de conduta abrange também a prática das taxas de frete promocionais (referidas no artigo 15.° do código de conduta) e a dos preços especiais resultantes de acordos de fidelidade (referidos no artigo 7.° do código de conduta). Nestes dois casos, astaxas de frete são, efectivamente, «comuns», na medida em que são idênticas para todos os membros e relativamente a todos os carregadores, mas não são «uniformes», na medida em que ao transporte de uma mesma mercadoria será aplicado um preço diferente consoante pertença à tarifa geral ou, pelo contrário, à tarifa aplicável às acções promocionais ou aos acordos de fidelidade.

156.
    Em quarto lugar, o Tribunal de Primeira Instância considerou que uma conferência marítima, «como decorre do artigo 1.° do Regulamento n.° 4056/86, [...] tem, por natureza, como objectivo definir e aplicar tarifas de frete uniformes e outras condições comuns de transporte» (acórdão Compagnie maritime belge de transports e o./Comissão, já referido n.° 65).

157.
    De igual modo, o Tribunal de Justiça confirmou que, «pela sua natureza e tendo em conta os seus objectivos, uma conferência marítima, conforme definida pelo Conselho como beneficiária da isenção por categoria prevista pelo Regulamento n.° 4056/86, pode ser qualificada de entidade colectiva que se apresenta como tal no mercado, tanto em relação aos utilizadores como aos concorrentes» (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2000, Compagnie maritime belge de transports e o./Comissão, C-395/96 P e C-396/96 P, Colect., p. I-1365, n.° 48). A conferência apresenta-se como uma entidade no mercado, na medida em que fixa taxas de frete uniformes para todos os seus membros, no sentido de que será aplicável o mesmo preço pelo transporte de uma mesma mercadoria do ponto A para o ponto B, independentemente do armador membro da conferência que tiver a seu cargo o transporte.

158.
    Em quinto lugar, tal como resulta nomeadamente do oitavo considerando do Regulamento n.° 4056/86, as conferências marítimas beneficiam de uma isenção por categoria devido ao papel estabilizador que exercem. Ora, essa estabilidade está mais assegurada se todos os membros da conferência adoptarem taxas de frete uniformes, em vez de existirem preços diversos, em função dos membros em causa. Por outro lado, um nível uniforme de taxas de frete no interior da conferência permite aos utilizadores, cujos interesses, ao serem tomados em conta, condicionam também a isenção, terem a certeza de conseguir obter o serviço de transporte ao mesmo preço, seja qual for o transportador membro da conferência a que se dirige. Este interesse dos carregadores em disporem de um preço de referência para determinada mercadoria é sensivelmente reduzido se os membros da conferência, em vez de um, aplicarem dois preços, ou mais, para o mesmo produto.

159.
    Ao contrário do que alegam as recorrentes, esta interpretação do conceito de conferência marítima não é posta em causa pela possibilidade, admitida pela Comissão, de um membro da conferência exercer uma acção independente. Essa acção distingue-se fundamentalmente do sistema de preços diferenciados. Com efeito, o exercício de uma acção independente, que permite a um membro de uma conferência oferecer, para determinado produto, mediante pré-aviso com uma antecedência, em geral, de dez dias, uma taxa de frete mais baixa do que a queconsta da tabela da conferência, não cria outro nível de preços com vocação de aplicação geral, uma vez que a referida acção apenas diz respeito a uma transacção pontual e particular. O efeito estabilizador resultante da existência de taxas de frete uniformes ou comuns para todos os membros da conferência subsiste, assim, em caso de exercício de uma acção independente, ao passo que o mesmo é prejudicado quando a tabela da conferência, que menciona o conjunto das taxas de frete aplicáveis, é substituída por um sistema de preços diferenciados consoante os membros. Além disso, uma acção independente é, por definição, decidida e exercida por um transportador em conformidade com o princípio do direito da concorrência, segundo o qual cada operador determina, com total independência, a política que tenciona seguir no mercado, ao passo que, em contrapartida, um sistema de preços diferenciados implica um acordo restritivo da concorrência suplementar ao representado pela conferência marítima, na medida em que esse sistema se assemelha, na realidade, a um acordo entre uma conferência e companhias independentes.

160.
    Do mesmo modo, a interpretação, seguida na decisão recorrida, da expressão «taxas de frete uniformes ou comuns» no sentido de que significa que as referidas taxas devem ser idênticas para todos os membros da conferência não se pode considerar em contradição com o facto de os acordos de fidelidade, tal como definidos no artigo 5.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4056/86, estarem isentos pelo artigo 6.° do referido regulamento. Com efeito, os acordos de fidelidade, com base nos quais são concedidas reduções das taxas de frete previstas na tabela aos carregadores que se comprometam a manter a sua fidelidade à conferência, não prejudicam o efeito estabilizador da conferência, na medida em que essas reduções são concedidas, seja qual for o membro da conferência que efectue o transporte, e aplicadas uniformemente a todos os carregadores participantes nos referidos acordos que procedam à expedição das mesmas mercadorias.

161.
    Em sexto lugar, de acordo com o artigo 85.°, n.° 3, alínea b), do Tratado, não se pode conceder uma isenção a um acordo que elimine a concorrência. Há que lembrar, a este respeito, que o Tribunal de Justiça considerou que, «ao prever a instituição de um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado comum, o artigo [3.°, alínea g)], exige, por maioria de razão, que a concorrência não seja eliminada; [que] esta exigência é tão essencial que, sem ela, numerosas disposições do Tratado não teriam objecto» (acórdão do Tribunal de Justiça de 21 de Fevereiro de 1973, Europemballage e Continental Can/Comissão, 6/72, Colect., p. 109, n.° 24). Do mesmo modo, resulta da jurisprudência que a concorrência de preços é de tal forma importante que nunca poderá ser eliminada (acórdão de 25 de Outubro de 1977, Metro/Comissão, 26/76, Colect., p. 659, n.° 21).

162.
    No Regulamento n.° 4056/86, o Conselho não quis, nem, aliás, teria podido, derrogar essa disposição do Tratado. Bem pelo contrário, o Conselho lembra várias vezes, nomeadamente no décimo terceiro considerando e no artigo 7.° do Regulamento n.° 4056/86, a necessidade de assegurar que a isenção por categorianão abranja práticas incompatíveis com o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Quanto à isenção de um acordo horizontal de fixação de preços que tenha por objecto e por efeito eliminar, pelo menos em grande parte, a concorrência interna entre os membros da conferência, a existência de uma concorrência externa, exercida pelas companhias independentes, isto é, as que exercem a sua actividade fora da conferência, constitui a principal garantia da manutenção de uma concorrência efectiva na presença de uma isenção por categoria. Ora, a instauração, ou a prática, de preços diferenciados permite atrair para um agrupamento as companhias marítimas independentes que, de outro modo, continuariam a concorrer com os membros da conferência. É certo que qualquer acordo de fixação de dois, ou mais, níveis de preços, entre transportadores marítimos, não implica automaticamente a eliminação da concorrência externa. Com efeito, um acordo de fixação de vários níveis de preços, do género do que faz parte do AT, pode agrupar apenas transportadores que, colectivamente, representem uma quota do mercado bastante pequena e portanto não implicar a eliminação da concorrência externa. Inversamente, uma conferência cujos membros aplicassem taxas de frete uniformes poderia representar a quase totalidade do mercado e eliminar a concorrência externa. Contudo, estas situações são amplamente teóricas e, de forma geral, não se pode contestar que a possibilidade de fixar diferentes níveis de preços permite atrair para o agrupamento companhias que, sem essa flexibilidade, continuariam independentes e que essa situação pode conduzir à eliminação da concorrência externa, enquanto a obrigação de fixação de taxas de frete uniformes para todos os membros da conferência não é susceptível de favorecer o agrupamento de todos os operadores na conferência, o que garante a existência de uma concorrência externa.

163.
    Não se pode, aliás, deixar de observar que esta análise é corroborada pelo caso presente. Com efeito, diz-se no considerando 341 da decisão recorrida que «[o] verdadeiro objectivo da criação de taxas [de frete] diferenciadas num caso como o AT consiste em integrar no acordo [transportadores] independentes que, sem esta possibilidade de [reduzir os preços] que lhes é reconhecida relativamente aos antigos membros das conferências, continuariam a ser [independentes] e a entrar em concorrência com a conferência, nomeadamente em matéria de preços». A acta de uma reunião que juntou os futuros membros do AT, realizada em Genebra (Suíça) em 13 de Janeiro de 1992, permite concluir pela justeza desta afirmação. Nesse documento, esclarece-se: «Todas as companhias independentes anunciaram que não se tornariam membros se isso se limitasse a criar uma nova conferência Usanera/Neusara sob outro nome. Depois de longas discussões, todas as companhias estiveram de acordo quanto ao facto de o novo acordo lhes dar suficiente liberdade comercial para manter as suas próprias filosofias de fixação de preços e de comercialização.» As próprias recorrentes referiram, no ponto 2.14 da petição, o seguinte: «O AT só podia ter sucesso onde os acordos anteriores falharam se juntasse um número suficiente de companhias a operar neste sector, com vista a inverter a tendência de concorrência destruidora [...] As diferenças apresentadas pelas taxas [de frete] aplicadas pelas companhias aderentes ao ATreflectiam essa realidade do mercado e, sem isso, não teria sido possível obter esse efeito estabilizador do AT.» Assim, o caso do AT ilustra precisamente o facto de a prática de preços diferenciados permitir atrair, para uma conferência, companhias que, sem essa flexibilidade tarifária, continuariam independentes. Não se pode, pois, considerar que esse tipo de acordo, que é susceptível de levar à eliminação da concorrência externa, preenche, a priori, as condições do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. Daí resulta que o artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86, segundo o qual ficam isentos da proibição imposta pelo n.° 1 do artigo 85.° do Tratado os acordos dos membros das conferências marítimas que tenham por objecto a fixação das taxas de frete e das condições de transporte, não é, portanto, aplicável aos acordos celebrados entre armadores em que se prevejam dois, ou mais, níveis de preços, e menos ainda quando a existência da concorrência externa constitui a condição essencial para a concessão da isenção por categoria prevista a favor dos acordos celebrados pelos membros das conferências marítimas, na medida em que garante a subsistência de uma concorrência efectiva.

164.
    Em sétimo lugar, o facto de se considerar, como propõem as recorrentes, que a expressão «taxas de fretes uniformes ou comuns» apenas significa que as referidas taxas devem ser «fixadas em comum» implicaria que qualquer acordo sobre os preços celebrado entre transportadores marítimos que asseguram serviços regulares estaria abrangido pela isenção prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86. Tal como a Comissão acertadamente refere no considerando 349 da decisão recorrida, uma tal interpretação tornaria o artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 incompatível com o n.° 3 do artigo 85.° do Tratado, na medida em que, com base no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86, seria automaticamente concedida a qualquer acordo horizontal sobre os preços celebrado entre armadores que asseguram serviços regulares de transporte marítimo, acordo esse que constitui precisamente uma das restrições da concorrência, quiçá a mais grave, uma derrogação da proibição constante do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado, sem garantia de resultados benéficos.

165.
    Em oitavo lugar, quanto à análise económica referida pelas recorrentes, há que lembrar, desde logo, que o objecto anticoncorrencial que caracteriza um acordo de fixação de preços não pode ser afastado com fundamento no contexto económico em que o acordo se insere (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido, n.° 1088). Uma análise económica também não permite, só por si, determinar o âmbito de aplicação de um regulamento que prevê uma isenção por categoria. Com efeito, sendo este de interpretação restritiva, apenas cabe verificar se um acordo referido no artigo 85.°, n.° 1, do Tratado beneficia, ao abrigo das disposições do regulamento em causa, da isenção nele prevista. A este respeito, a posição defendida pelas recorrentes durante o processo administrativo, segundo a qual «nestas circunstâncias, segundo os membros do AT, a avaliação deve concentrar-se no facto de a organização das operações respeitar os objectivos políticos do Conselho, tal como compreendidos pelos membros do AT, e não no respeito do acordo formal em conformidade com o Regulamento n.° 4056/86» (n.° 252 dacomunicação de acusações, referindo-se à resposta do AT à comunicação de acusações de 24 de Maio de 1993, p. 68, 2-26), não pode ter acolhimento.

166.
    Há que referir, em seguida, que as recorrentes não esclareceram, e, por maioria de razão, não demonstraram, de que modo a análise económica que apresentam, supondo-a correcta, poderia ser susceptível de ter influência na definição de conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86. Aliás, os únicos argumentos que as recorrentes parecem querer retirar desta análise e invocar em apoio do seu segundo fundamento foram acima apreciados e rejeitados. Assim, mesmo supondo que o conceito de estabilidade deve ser entendido de forma mais ampla do que a Comissão fez e que um acordo entre companhias marítimas pode ter um efeito estabilizador devido à aplicação de taxas de frete que não são idênticas para todas as companhias, não é por isso que daí resulta que o referido acordo cabe no âmbito de aplicação da isenção por categoria. Ora, tal como acima exposto, a isenção por categoria não se pode aplicar a todos os acordos que, na opinião dos respectivos participantes, tenham um qualquer efeito estabilizador, mas apenas aos que, na medida em que correspondam ao tipo de acordo a que se referem as disposições do regulamento que estabelecem a isenção, se considera que produzem os efeitos positivos referidos no oitavo considerando do Regulamento n.° 4056/86 e que preenchem todas as condições impostas pelo artigo 85.°, n.° 3, para que possam beneficiar de uma isenção.

167.
    Resulta de cada um dos oito fundamentos acima expostos, e, de qualquer forma, da sua conjugação, que a isenção por categoria prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 só se pode aplicar a favor das conferências marítimas cujos membros operem aplicando taxas de frete uniformes ou comuns, isto é, aplicando uma tabela que preveja taxas de frete idênticas para todos os membros da conferência para um mesmo produto. Em contrapartida, não pode ser considerado uma conferência marítima prevista no Regulamento n.° 4056/86 um acordo entre transportadores marítimos que preveja um regime tarifário diferenciado consoante os membros.

168.
    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo considerando 354 da decisão recorrida segundo o qual esta «não visa determinar as condições em que outros acordos entre armadores relativos a níveis duplos de preços poderiam ser isentos nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86». Sem que seja necessário colocar a questão do significado exacto desta passagem da decisão, basta observar que se trata apenas de um obiter dictum e que, de qualquer forma, só o ponto de vista da Comissão não garante a interpretação exacta de uma disposição de um regulamento do Conselho.

169.
    Não se pode, aliás, deixar de observar que uma das próprias recorrentes considerou que um acordo do género do AT, que fixava um regime tarifário diferenciado consoante os membros, era um acordo de um género novo que não podia ser considerado uma conferência marítima.

170.
    Com efeito, há que lembrar que Karl-Heinz Sager, presidente da DSR-Senator Lines, uma companhia independente que se tornou membro do AT, defendeu constantemente a necessidade de uma nova estrutura no sector do transporte marítimo de linha, na qual os armadores das conferências e as companhias independentes se pudessem reunir (v., nomeadamente, os discursos feitos em 11 de Abril de 1990 numa conferência Eurofreight em Bruxelas e em 12 de Novembro de 1991 no RAI International Exhibition Centre, nota de pé de página 69, considerando 129 da decisão recorrida). Do mesmo modo, num discurso proferido no «Propeller Club» em Tóquio, Karl-Heinz Sager declarou que «as conferências devem ser substituídas por simples acordos de linhas comerciais. Contrariamente ao que se passa nas conferências, os membros deveriam deixar de tentar aplicar tabelas e preços iguais devendo, sim, organizar-se de forma a poderem encontrar-se, debater e tomar decisões sobre questões como o desenvolvimento geral dos mercados, as necessidades de capacidade, a sua gestão, a utilização óptima dos equipamentos e, eventualmente, a introdução de preços mínimos (custos directos) unicamente para o transporte de contentores porta a porta. [...] Os transportadores puseram agora em prática uma estrutura completamente nova, o [AT]».

171.
    Esta percepção da verdadeira natureza do AT é também partilhada pelos observadores do sector do transporte marítimo. Assim, no relatório Drewry de 1992, «Container Market Profitability to 1997», assinala-se que o AT constituía uma «abordagem radicalmente nova dos acordos entre armadores» e que esse acordo era «chamado a ser um modelo para as companhias a operar no âmbito de outros tráfegos marítimos, as quais o poderiam retomar como novo sistema de cooperação entre transportadores».

2. Quanto à qualificação do AT

172.
    Há que analisar, em seguida, se foi com razão que a Comissão considerou que o AT não era uma conferência marítima porque os seus membros não aplicavam taxas de frete uniformes ou comuns.

173.
    A este respeito, há que lembrar que, tanto no procedimento administrativo como na petição, as recorrentes sempre contestaram a necessidade da aplicação de taxas de frete uniformes para poderem beneficiar de uma isenção ao abrigo do artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86. As recorrentes apenas defenderam que a estrutura tarifária dualista do AT não as devia privar do benefício da isenção. Em contrapartida, nunca contestaram o facto de o AT instituir efectivamente uma estrutura tarifária dualista e de não aplicarem taxas de frete uniformes. Daí resulta que a tese apresentada na réplica pelas recorrentes, na medida em que se destina a alegar que os membros do AT aplicavam taxas de frete uniformes, das quais se podiam afastar exercendo uma acção independente, constitui um fundamento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Na falta de indicações de que este fundamento se baseia emelementos de direito ou de facto revelados durante o presente processo, é inadmissível.

174.
    De qualquer forma, há que referir que foi acertadamente que a Comissão considerou que o AT não previa qualquer tabela que incluísse taxas de frete uniformes a ser aplicadas por todos os seus membros.

175.
    A este respeito, há que lembrar que a decisão AT expõe que foi concedida uma maior liberdade às antigas companhias independentes do que aos antigos membros das conferências, no que respeita às taxas de frete, às tarifas e aos contratos de serviço (considerando 135). De acordo com documentos relativos ao AT, todos os antigos membros das conferências eram designados como «membros estruturados», ao passo que todas as antigas companhias independentes eram consideradas como «membros não estruturados». Os membros estruturados eram os que participavam no «comité de taxas» e no «comité dos contratos» (considerando 136 da decisão recorrida). Na decisão recorrida, a Comissão baseou-se nos seguintes elementos de prova para concluir que o AT previa dois tipos de membros e diferentes níveis de preços. Em primeiro lugar, os documentos do AT revelavam que: a) os membros não estruturados foram directamente autorizados a subcotar os membros estruturados em 100 USD por contentor (comité de taxas, 1 de Outubro de 1992); b) todos os membros do AT concordaram que os membros não estruturados utilizassem, se necessário, as acções independentes para restabelecer diferenciais de taxas (considerando 140 da decisão recorrida). Este último ponto resulta, aliás, de um fax de 1 de Dezembro de 1992, relativo aos «pontos importantes da reunião dos dirigentes do AT em Londres, em 23 de Novembro de 1992», no qual se precisa: «[...] foi tomada em consideração a acusação da DG IV segundo a qual a prática, por parte das companhias marítimas que não participam no comité de taxas (os membros não estruturados), de taxas inferiores à tabela constituiria uma violação das regras comunitárias da concorrência. Em seguida, as companhias acordaram com o conselho jurídico a apresentação de taxas uniformes e comuns a todos os membros, podendo as companhias que não participam no comité de taxas, se necessário, fixar taxas diferenciais por meio de acções independentes». Em segundo lugar, os membros estruturados não podiam celebrar contratos de serviços individuais, enquanto os membros não estruturados estavam autorizados a fazê-lo. Em terceiro lugar, os membros não estruturados podiam em certas circunstâncias tomar parte em contratos de serviços negociados pelo comité dos contratos, enquanto os membros estruturados não podiam tomar parte nos contratos de serviços negociados pelos membros não estruturados. Em quarto lugar, os preços de transporte eram por vezes diferentes para as duas categorias no âmbito de um mesmo contrato de serviço.

176.
    Não se pode deixar de observar que as recorrentes não contestaram qualquer destes elementos de facto, que, aliás, resultam directamente do próprio texto do AT, e que, em face deste, foi com razão que a Comissão considerou que o AT não era uma conferência marítima na acepção do artigo 1.°, n.° 3, alínea b), doRegulamento n.° 4056/86 devido ao facto de esse acordo prever um regime tarifário diferente para as duas categorias de membros e não taxas de frete uniformes ou comuns aplicáveis por todos os membros.

3. Conclusões quanto à isenção por categoria

177.
    Resulta do exposto, por um lado, que a isenção por categoria prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 só se pode aplicar às conferências marítimas referidas no artigo 1.°, n.° 3, alínea b), do referido regulamento e, por outro lado, que o AT não pode ser considerado uma conferência marítima na acepção do referido regulamento.

178.
    Daí resulta que o presente fundamento, assente em violação do artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86, deve ser julgado improcedente sem necessidade de se analisar se foi com razão que a Comissão considerou, além disso, que os PGC e os acordos de fixação de preços do transporte terrestre, no âmbito do transporte multimodal, não podiam beneficiar da isenção por categoria. Além disso, resulta, respectivamente, dos considerandos 359 e 372 da decisão recorrida que o PGC e os acordos acima referidos apenas foram analisados face ao artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 para a hipótese de o AT ser considerado uma conferência marítima na acepção do artigo 1.° do referido regulamento.

III - Quanto ao terceiro fundamento, relativo à recusa da concessão de uma isenção individual

A - Decisão AT

179.
    A Comissão analisou sucessivamente os acordos relativos ao transporte marítimo e depois os que tinham por objecto a fixação de preços do transporte terrestre, contidos no AT, e isto tendo em conta as quatro condições a que sujeitou a isenção prevista no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

1. Quanto aos acordos relativos ao transporte marítimo

a) Primeira condição: melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou promover o progresso técnico ou económico

180.
    A Comissão contestou a alegação formulada pelos membros do AT no procedimento administrativo, segundo a qual a principal vantagem, reconhecida como tal no Regulamento n.° 4056/86, que proporciona esse acordo é relativa ao seu efeito estabilizador. A estabilidade proporcionada pelo AT é diferente da prevista no Regulamento n.° 4056/86, tanto pelos objectivos visados como pelos meios postos em prática.

181.
    Quanto ao objectivo prosseguido pelo AT, a Comissão, com efeito, considerou que se tratava de «uma estabilidade entendida como garantia da manutenção notráfego de todos os membros do AT, mesmo o menos eficaz, e que ultrapassa[va] bastante o que está previsto no oitavo considerando do Regulamento [...] n.° 4056/86».

182.
    Quanto aos meios postos em prática, na decisão AT refere-se que a estabilidade prevista pelo AT «implica[va] uma limitação muito forte da concorrência efectiva e real decorrente da integração da maior parte dos independentes no âmbito do AT e da não utilização de uma parte substancial das capacidades». Tratando-se, mais especialmente do PGC, a Comissão considerou que a análise económica contradizia o objectivo anunciado, que era o de racionalizar o tráfego e regular as sobrecapacidades de transporte ligadas aos desequilíbrios entre os segmentos oeste-leste e leste-oeste, às flutuações sazonais da procura e a um fenómeno de ciclos observado face à oferta e à procura ao longo de vários anos. Em particular, a Comissão observou que o PGC não era indispensável à regulação das sobrecapacidades ligadas às flutuações sazonais da procura ou ao fenómeno de ciclos verificado nesse sector de actividade. Só existia um problema de sobrecapacidade no segmento oeste-leste, ao passo que o PGC apenas tinha em vista um congelamento da capacidade no segmento leste-oeste.

183.
    A Comissão concluiu que a primeira condição prevista no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado não estava preenchida pelo facto de:

-    a estabilidade visada pelo AT permitir aos operadores menos eficazes continuarem presentes no tráfego de maneira artificial, o que implicava que os preços se mantivessem demasiado elevados;

-    o AT não trazer qualquer vantagem relativamente a uma conferência marítima ao nível da eficácia e da adequação dos serviços;

-    a integração de independentes no âmbito do AT ter provocado um excesso de restrição da concorrência no tráfego, sem trazer vantagens suplementares relativamente a uma conferência marítima;

-    o PGC não reduzir os custos nem racionalizar a oferta dos serviços.

184.
    Quanto ao resto, a Comissão referiu que, ao proibir as negociações directas e individuais entre os membros estruturados e os carregadores e ao obrigar os clientes a negociar os preços de transporte com o Secretariado do AT, esse acordo limitava as possibilidades de cooperação directa entre armadores e clientes.

b) Segunda condição: reservar aos utilizadores uma parte equitativa do lucro

185.
    De acordo com a decisão recorrida, o AT não preenchia esta condição. Não reservava aos seus clientes, os carregadores e os transitários, uma parte equitativado lucro, na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado. A Comissão baseou-se nos seguintes elementos:

-    o AT permitiu aos seus membros aumentar substancialmente os preços;

-    esses aumentos eram contrários aos interesses dos carregadores, que, com os transitários, se queixaram dos efeitos do AT;

-    a longo prazo, o AT impedia a utilização de uma parte das capacidades de transporte existentes sem as eliminar e fazia pagar aos clientes o peso das capacidades inutilizadas.

c) Terceira condição: não impor às empresas envolvidas restrições não indispensáveis para se atingir os objectivos pretendidos

186.
    Os membros do AT não demonstraram de que modo um acordo de conferência marítima, na acepção do Regulamento n.° 4056/86, não era suficiente para atingir o objectivo de estabilidade alegadamente pretendido. A Comissão impugnou formalmente o facto de o PGC poder revestir um carácter indispensável. Concluiu que as restrições da concorrência ultrapassavam largamente o que era estritamente necessário e indispensável para se atingir o objectivo de estabilidade alegado.

d) Quarta condição: não dar às empresas em causa a possibilidade de eliminarem a concorrência numa parte substancial dos produtos em causa

187.
    Segundo a decisão AT, esta condição não estava preenchida, uma vez que o AT dava aos seus membros a possibilidade de eliminar a concorrência na rota transatlântica directa, relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa.

188.
    A Comissão analisou sucessivamente:

-    a possibilidade de eliminação da concorrência no âmbito do AT (concorrência interna);

-    se tal possibilidade era relativa a uma parte substancial dos serviços de transporte em causa;

-    se a concorrência externa podia impedir os membros do AT de eliminarem a concorrência relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa.

189.
    Em primeiro lugar, a Comissão considerou que o AT conferia aos seus membros a possibilidade de eliminar a concorrência interna, com base nos seguintes elementos:

-    os membros definiam em comum as capacidades de transporte oferecidas e fixavam as tarifas;

-    qualquer acção independente devia ser assinalada aos outros membros com, pelo menos, dez dias de antecedência, o que permitia quer o acompanhamento de outros membros quer a suspensão da acção independente;

-    os contratos de serviço podiam ser negociados em comum por todos os membros e deviam ser negociados em comum para a maioria dos membros;

-    a flexibilidade tarifária concedida aos membros não estruturados não correspondia ao exercício de uma concorrência efectiva, uma vez que essa flexibilidade era objecto de um acordo entre todos os membros, o seu grau era determinado de comum acordo entre as partes e o AT restringia em grande medida o comportamento concorrencial dos membros não estruturados;

-    a actividade do Secretariado do AT contribuia para a integração comercial dos membros;

-    a concorrência no mercado dos serviços de transporte marítimo em contentor era, essencialmente, exercida nos preços, revelando-se secundária a qualidade dos serviços;

-    o impacto concorrencial da qualidade do serviço era enfraquecido pelo PGC cujo efeito era o de limitar a oferta;

-    no âmbito do AT, as quotas de mercado respectivas dos armadores não tinham variado de forma substancial, apesar de importantes evoluções dos preços e das capacidades de transporte.

190.
    Em segundo lugar, a Comissão verificou que o AT representava, em 1993, entre 65% e 70% do mercado relevante, contra cerca de 75% em 1992. Concluiu que o AT representava, em 1992 e 1993, uma quota substancial do mercado relevante.

191.
    Em terceiro lugar, a Comissão considerou que a concorrência externa não era susceptível de impedir os membros do AT de eliminarem a concorrência. Baseou-se em factos apurados quanto à concorrência exercida, por um lado, pelas companhias marítimas que ficaram fora do AT e, por outro, pela rota marítima que ligava a Europa do Norte e o Canadá. Quanto a essas fontes de concorrência, a Comissão, tendo em conta a sua reduzida importância, afastou a concorrência exercida pela rota mediterrânica e pelos serviços não regulares de transporte marítimo, vulgarmente chamados transportes de tramp. Por último, remetendo para os considerandos da terceira parte da decisão AT, relativos à concorrência potencial, a Comissão lembrou que a influência desta última era limitada, tendo em conta as particularidades do tráfego transatlântico bem como as disposições do AT e daparticipação da maior parte dos potenciais concorrentes em acordos relativos a outras rotas marítimas, também subscritos pelos membros do AT.

2. Quanto aos acordos relativos ao transporte terrestre

192.
    A Comissão analisou os acordos de fixação de preços do transporte terrestre, no âmbito do transporte combinado, à luz das quatro condições do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, tal como referidas no artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68.

a) Primeira condição

193.
    O artigo 5.° do Regulamento n.° 1017/68 impõe, como primeira condição, que o acordo em causa contribua

«-    para melhorar a qualidade dos serviços de transportes; ou

-    para promover uma maior continuidade e estabilidade na satisfação das necessidades de transportes em mercados sujeitos a consideráveis flutuações no tempo da oferta e da procura; ou

-    para aumentar a produtividade das empresas; ou

-    para promover o progresso técnico ou económico».

194.
    Com base nestes critérios, a Comissão concluiu que as disposições do AT relativas à tarifa do transporte terrestre para a Europa, longe de levarem a um progresso económico, eram «de molde a desincentivar a realização de novos investimentos normalmente previstos em situação de concorrência». A primeira condição não estava, pois, preenchida.

b) Segunda condição

195.
    Tendo os carregadores e transitários apresentado uma denúncia, referindo-se precisamente às disposições do AT relativas ao transporte terrestre do AT, a Comissão considerou que essa condição não estava preenchida.

c) Terceira condição

196.
    A Comissão considerou que esta condição não estava preenchida relativamente às vantagens económicas esperadas da prestação ou da melhoria dos serviços de transporte multimodal. Respondendo aos argumentos das recorrentes, que alegavam que os acordos de fixação de preços do transporte terrestre eram indispensáveis para se atingir a estabilidade do tráfego e, portanto, deveriam complementar os acordos relativos ao transporte marítimo a fim de se assegurar a fiabilidade dos serviços regulares de transporte de contentores, a Comissão, na decisão recorrida, referiu o seguinte:

«[N]a medida em que os acordos de preços e de capacidade do AT para o segmento marítimo não preenchem a primeira condição do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado [...], os acordos de preços do AT sobre o segmento terrestre visam objectivos que não satisfazem a primeira condição do n.° 3 do artigo 85.° [do Tratado], não podendo ser considerados indispensáveis na acepção do [referido artigo] ou do artigo 5.° do Regulamento [...] n.° 1017/68».

d) Quarta condição

197.
    Não estando preenchida nenhuma das condições anteriores, a Comissão não considerou necessário analisar a quarta e última condição.

B - Argumentos das recorrentes

[198]

1. Quanto à recusa de concessão da isenção individual aos acordos relativos ao transporte marítimo

a) Primeira condição

[199 e 200]

b) Segunda condição

[201]

c) Terceira condição

[202 a 206]

d) Quarta condição

[207]

i) Mercado relevante

[208 e 209]

Quanto ao mercado dos serviços em causa

[210 e 211]

Quanto ao mercado geográfico relevante

[212 a 216]

ii) Concorrência

[217]

Quanto à concorrência interna

[218 a 224]

Quanto à quota de mercado detida pelos membros do AT e à concorrência que exercem no mercado em causa

[225 a 227]

Quanto à concorrência externa

- Efeitos acumulados das diversas fontes de concorrência externa

[228 a 233]

- Concorrência potencial

[234 a 243]

2. Quanto à recusa de concessão de isenção individual aos acordos relativos ao transporte terrestre

[244 e 245]

C - Argumentos da ECSA

[246 e 247]

D - Argumentos da Comissão

[248]

E - Argumentos da FTA e do ECTU

[249 e 250]

F - Apreciação do Tribunal quanto à isenção individual

1. Admissibilidade de determinados elementos da contestação e dos anexos

251.
    As recorrentes alegam que a contestação é parcialmente inadmissível por conter alegações de facto que não foram referidas no procedimento administrativo nem constam da decisão AT. Essas críticas dirigem-se em particular às passagens da contestação relativas à análise económica do transporte marítimo feita pelos Srs. Levêque e Reitzes, desenvolvidas em dois relatórios anexos a esse articulado. A este respeito, as recorrentes invocam a violação do artigo 190.° do Tratado. Salientam que toda a argumentação da Comissão deve estar contida no acto recorrido e que a Comissão não pode formular novas alegações contra as empresas, quando, num processo jurisdicional, defende o mérito da sua decisão.

252.
    O Tribunal lembra, desde logo, que, no quadro de um recurso de anulação nos termos do artigo 173.° do Tratado, a legalidade de um acto comunitário deve ser apreciada em função dos elementos de facto e de direito existentes na data em que o acto foi adoptado (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1979, França/Comissão, 15/76 e 16/76, Colect., p. 145, n.° 7, e do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Janeiro de 1997, SFEI e o./Comissão, T-77/95, Colect., p. II-1, n.° 74).

253.
    Salvo circunstâncias excepcionais, uma decisão deve incluir, no próprio corpo da decisão, a sua fundamentação e não pode ser fundamentada pela primeira vez e a posteriori perante o juiz (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T-374/94, T-375/94, T-384/94 e T-388/94, Colect., p. II-3141, n.° 95).

254.
    Contudo, no caso presente, os relatórios das peritagens dos Srs. Levêque e Reitzes, posteriores à decisão recorrida, não têm por fim suprir uma insuficiência de fundamentação da decisão recorrida, mas sim esclarecer o Tribunal quanto às críticas formuladas pelas recorrentes, na sua petição, aos fundamentos dessa decisão, relativas às características económicas do sector dos transportes marítimos e aos efeitos do AT na rota transatlântica.

255.
    Daí resulta que a alegação das recorrentes, de inadmissibilidade parcial da contestação, não pode ter acolhimento.

256.
    A Comissão considerou, na decisão AT, por um lado, nos considerandos 383 a 461, que os acordos relativos ao transporte marítimo não preenchiam nenhuma das quatro condições previstas no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado para uma isenção individual e, por outro, nos considerandos 462 a 491, que os acordos de fixação de preços do transporte terrestre também não podiam beneficiar de uma isenção individual, uma vez que não preenchiam nenhuma das três primeiras condições do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado e que, portanto, não era necessário examinar se a quarta condição, relativa à não eliminação da concorrência, era susceptível de estar preenchida.

257.
    Antes da análise dos acordos acima referidos, há que lembrar, a título preliminar, que, de acordo com jurisprudência assente, em sede de recurso de anulação interposto ao abrigo do artigo 173.° do Tratado, a fiscalização que o Tribunal exerce sobre as apreciações económicas complexas feitas pela Comissão no exercício do poder de apreciação que o artigo 85.°, n.° 3, do Tratado lhe confere em relação a cada uma das quatro condições que contém deve limitar-se à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos e da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 62; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Fevereiro de 1994, CB e Europay/Comissão, T-39/92 e T-40/92, Colect., p. II-49, n.° 109; de 15 de Julho de 1994, Matra Hachette/Comissão, T-17/93, Colect., p. II-595, n.° 104; SPO e o./Comissão, já referido, n.° 288, e de 22 de Outubro de 1997, SCK e FNK/Comissão, T-213/95 e T-18/96, Colect., p. II-1739, n.° 190).

258.
    É certo que, no exercício desse poder de apreciação, a Comissão tem o dever de respeitar o Regulamento n.° 4056/86 e de aplicar as regras da concorrência ao sector do transporte marítimo de linha, de forma compatível com as apreciações do Conselho relativas às características do referido sector, tais como mencionadas no referido regulamento.

259.
    Assim, os quinto e sexto considerandos do Regulamento n.° 4056/86 referem a necessidade de «evitar uma regulamentação excessiva do sector» e de «precisar o âmbito de aplicação do disposto nos artigos 85.° e 86.° do Tratado, tendo em conta aspectos especiais dos transportes marítimos».

260.
    Contudo, o Regulamento n.° 4056/86 não pode, obviamente, derrogar os artigos 85.° e 86.° do Tratado, uma vez que o quinto considerando do referido regulamento dispõe que há que estabelecer «regras de aplicação que permitam à Comissão assegurar-se de que a concorrência não é indevidamente falseada no mercado comum». No décimo terceiro considerando do Regulamento n.° 4056/86, salienta-se também que «uma isenção só tem efeito se estiverem reunidas as condições referidas no n.° 3 do artigo 85.° [do Tratado]». O artigo 14.° do Regulamento n.° 4056/86 atribui à Comissão, sem prejuízo da fiscalização do Tribunal de Justiça, competência exclusiva para tomar uma decisão em aplicação do n.° 3 do artigo 85.° do Tratado.

261.
    Mais em particular, quanto ao conceito de estabilidade, o Conselho considerou que «as conferências [marítimas] exercem um papel estabilizador capaz de garantir serviços fiáveis aos carregadores» e estabeleceu, portanto, uma isenção de grupo a seu favor. Contudo, isto não significa que qualquer acordo entre companhias marítimas que possa favorecer uma certa estabilidade do sector do transporte marítimo deva beneficiar de uma isenção, de grupo ou individual. Com efeito, por um lado, o Conselho não afirmou (nem, aliás, o poderia fazer) que o conceito de estabilidade tem maior importância do que a questão da concorrência e, pelocontrário, adoptou disposições, nomeadamente nos artigos 4.°, 5.° e 7.° do Regulamento n.° 4056/86, com vista a, de acordo com a formulação empregue no nono considerando do referido regulamento, «evitar práticas incompatíveis com as disposições do n.° 3 do artigo 85.° [do Tratado]». Por outro lado, o Conselho limitou expressamente a sua apreciação positiva da estabilidade unicamente às conferências marítimas, com exclusão de qualquer acordo de natureza diversa, esclarecendo que os resultados benéficos decorrentes da estabilidade «não podem ser obtidos sem a cooperação exercida pelas companhias marítimas no seio das referidas conferências» (oitavo considerando do Regulamento n.° 4056/86).

262.
    Daí resulta que, embora a estabilidade, na medida em que contribui para garantir serviços fiáveis aos carregadores, possa constituir uma vantagem na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, a Comissão não pode, no entanto, ser obrigada a conceder uma isenção individual a qualquer acordo que, na opinião das partes, seja susceptível de contribuir para essa estabilidade. A Comissão mantém, nos limites previstos no Regulamento n.° 4056/86, o seu poder de apreciação na aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

263.
    A esse respeito, não cabe ao Tribunal substituir a apreciação da Comissão pela sua, nem pronunciar-se sobre fundamentos, alegações ou argumentos que, mesmo no caso de serem justificados, não são, de qualquer forma, susceptíveis de levar à anulação da decisão AT pedida pelas recorrentes.

264.
    Há que lembrar também que o Tribunal de Justiça considerou que, em primeiro lugar, cabe às empresas interessadas apresentar à Comissão os elementos de prova destinados a demonstrar a justificação económica de uma isenção e, no caso de a Comissão ter objecções a opor, apresentar-lhe alternativas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1984, VBVB e VBBB/Comissão, 43/82 e 63/82, Recueil, p. 19, n.° 52, e de 11 de Julho de 1985, Remia/Comissão, 42/84, Recueil, p. 2545, n.° 45). De acordo com a jurisprudência, as quatro condições de concessão de uma isenção ao abrigo do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado são cumulativas (v., nomeadamente, acórdão Consten e Grundig/Comissão, já referido, e acórdão CB e Europay/Comissão, já referido, n.° 110) e basta, deste modo, que uma única dessas condições não esteja preenchida para que a isenção deva ser recusada (acórdão SPO e o./Comissão, já referido, n.° 267, confirmado em recurso por despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C-137/95 P, Colect., p. 1611, n.os 34 a 37).

2. Quanto à recusa de concessão de uma isenção individual aos acordos relativos ao transporte marítimo

265.
    No caso presente, há que analisar com prioridade a quarta condição do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, relativa à não eliminação da concorrência.

266.
    As recorrentes alegam que, ao concluir que o AT dava aos seus membros a possibilidade de eliminar a concorrência nas rotas transatlânticas, relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa, a Comissão cometeu erros de facto e de direito e procedeu a uma análise económica errada, no que respeita, por um lado, à definição do mercado em causa e, por outro, à eliminação da concorrência.

a) Quanto à definição do mercado em causa

267.
    De acordo com o considerando 27 da decisão recorrida, «o mercado dos serviços marítimos em que o AT se insere é o do transporte marítimo de linha [de contentores] entre a Europa do Norte e os Estados Unidos da América, pelas rotas marítimas entre os portos da Europa do Norte e os portos dos Estados Unidos da América e do Canadá».

268.
    As recorrentes apontam duas críticas a esta definição. Por um lado, contestam que os serviços de transporte marítimo de contentores constituam o mercado dos serviços em causa e, por outro lado, alegam que o mercado inclui os portos mediterrânicos da Europa do Sul.

i) Quanto ao mercado dos serviços em causa

269.
    A título preliminar, há que referir que a Comissão procedeu, nos considerandos 25 a 58 da decisão recorrida, a uma análise detalhada e fundamentada da delimitação do mercado dos serviços em causa, abordando sucessivamente os diversos tipos de transporte (aéreo ou marítimo), depois, no transporte marítimo, os serviços regulares ou não regulares de transporte, o transporte convencional ou por contentores, e o transporte especializado.

270.
    Na petição, em contrapartida, as recorrentes limitaram-se, quanto a este ponto, a indicar que «contestam a posição da Comissão, segundo a qual os serviços de transporte de contentores constituem o mercado dos serviços em causa». Na sua resposta à comunicação de acusações, as recorrentes enunciaram um certo número de outras fontes de concorrência do transporte de frete por contentores, isto é, a concorrência exercida pelos operadores que praticam o transporte (de linha ou por encomenda) de mercadorias não colocadas em contentores, os outros tipos de transporte especializado e o transporte aéreo. Acusam igualmente a Comissão de não ter avaliado o efeito cumulativo dessas duas fontes de concorrência.

271.
    Quanto à afirmação das recorrentes relativa à existência de outras fontes de concorrência, há que considerar que não pode conduzir a um reparo à apreciação feita pela Comissão quanto a este ponto na decisão recorrida, na medida em que as recorrentes não apresentaram qualquer elemento que pudesse contradizer as razões precisas e específicas em que assentou a definição do mercado relevante em que a instituição se baseou.

272.
    Há que lembrar que, de acordo com a jurisprudência, o mercado a tomar em consideração inclui o conjunto dos produtos que, em função das suas características, são particularmente aptos à satisfação das necessidades constantes e são pouco substituíveis por outros produtos (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 37). Na decisão recorrida, a Comissão demonstrou que, quanto à grande maioria das categorias de mercadorias e dos clientes das companhias que asseguram um transporte de linha de contentores, as outras formas de transporte marítimo (os serviços irregulares de transporte, os transportes convencionais e especializados) e o transporte aéreo não constituem uma solução de substituição razoável dos serviços de transporte marítimo de contentores.

273.
    O facto de outras formas de transporte, marítimo ou aéreo, poderem, quanto a um número limitado de mercadorias, exercer uma concorrência marginal no mercado dos serviços do transporte de linha de contentores, como salientam as recorrentes e como, aliás, a Comissão admitiu expressamente, nos considerandos 50 a 58 da decisão recorrida, não significa, por isso, que se possa considerar que pertencem ao mesmo mercado. Com efeito, a Comissão demonstrou que esse fenómeno de possibilidade de substituição se refere apenas a uma parte da procura muito pequena, sem que as recorrentes façam prova da inexactidão dessa demonstração.

274.
    Na réplica, as recorrentes referiram dois elementos com vista a demonstrar a existência de uma certa concorrência com o transporte aéreo e com o transporte marítimo convencional de linha. A título preliminar, há que referir que estes elementos, invocados pela primeira vez na fase da réplica, constituem apresentações novas de prova na acepção do artigo 48.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, sem, no entanto, se basearem em elementos de facto ou de direito que se tivessem revelado durante o processo. De qualquer forma, esses elementos não são susceptíveis de fazer a prova do mérito da tese das recorrentes, tal como resulta da análise que segue.

Quanto ao transporte aéreo

275.
    A Comissão referiu que o transporte aéreo entre a Europa do Norte e os Estados Unidos «diz apenas respeito a quantidades limitadas de mercadorias de elevado valor acrescentado ou relativamente às quais o tempo de transporte constitui um factor determinante, na medida em que os custos do transporte são nitidamente mais elevados», e concluiu que o transporte aéreo pertence a um mercado distinto do dos serviços de transporte marítimo regular em contentor.

276.
    Na petição, as recorrentes limitaram-se a alegar que o transporte aéreo constitui uma fonte de concorrência para o transporte de frete em contentores, sem, contudo, fornecer a menor prova, ou sequer contestar, o fundado da posição da Comissão.

277.
    Na réplica, as recorrentes alegaram que um número significativo de produtos são transportados por mar e por ar e, a título de prova, juntaram um documento do US Census Bureau com dados relativos às importações nos Estados Unidos, em 1993, provenientes da Alemanha, da Suécia e do Reino Unido. Relativamente a cada um destes países, o documento contém estatísticas relativas:

-    ao valor e ao peso total das importações;

-    ao valor e à quantidade total das importações, tendo em conta a forma de transporte: marítimo e aéreo;

-    à lista dos 20 produtos mais importados, em termos de peso, por via aérea.

278.
    O argumento das recorrentes, de que, em relação aos 20 produtos acima referidos, o transporte aéreo representa, respectivamente, 16%, 14% e 19% do volume total das exportações, por ar e mar, para os Estados Unidos, provenientes da Alemanha, da Suécia e do Reino Unido, não é relevante, uma vez que esses produtos não são representativos. Com efeito, destes dados resulta igualmente que as exportações totais desses três países para os Estados Unidos por via aérea apenas representam, em peso, respectivamente, 2%, 1,3% e 0,6% das exportações feitas por barco pelos referidos países para os Estados Unidos, enquanto, em valor, representam, respectivamente, 47%, 43% e 100% das exportações feitas por barco. Do mesmo modo, há que referir que, quanto aos três países em questão, esses 20 produtos representam 50% do total, em termos de peso, das exportações por via aérea para os Estados Unidos, ao passo que, em contrapartida, não representam mais de 1% das exportações para os Estados Unidos feitas por barco, provenientes do Reino Unido e, respectivamente, 5,8% quanto à Alemanha e 4,5% quanto à Suécia.

279.
    Longe de demonstrar qualquer erro da Comissão, estas estatísticas confirmam, pelo contrário, que a procura de transporte aéreo diz respeito a quantidades limitadas de mercadorias de elevado valor acrescentado e pouco peso e que o transporte aéreo constitui um mercado distinto do dos serviços de transporte marítimo de linha em contentor.

Quanto ao transporte marítimo em linha convencional (break-bulk)

280.
    Na réplica, as recorrentes alegaram que, relativamente a determinados produtos de grande volume e de baixo valor, os serviços regulares de transporte convencional e em contentor estão em concorrência. Baseiam-se num extracto da sua resposta à comunicação de acusações, na qual referiram que um grande número de mercadorias que, antes do aparecimento da contentorização, eram encaminhadas por transporte convencional podem ainda, nos dias de hoje, ser objecto de tal transporte. Referem certos produtos (líquidos, toros, pasta de papel e cartão) relativamente aos quais os carregadores recorrem a um ou outro destes serviços.

281.
    Verifica-se, assim, que as recorrentes se limitam a retomar, sem apresentar novos elementos, os argumentos expostos durante o procedimento administrativo na sua resposta à comunicação de acusações. Há que verificar que as recorrentes não contestaram realmente os fundamentos pelos quais os seus argumentos foram rejeitados, com razão, pela Comissão, nos considerandos 42 a 46 e 52 da decisão AT. Resulta destes últimos, por um lado, que o transporte em contentor suplantou quase totalmente o transporte convencional na rota transatlântica, tendo em conta a natureza do frete transportado e as vantagens económicas ligadas à utilização dos contentores, em particular a adaptação ao transporte multimodal, e, por outro lado, o facto de, para os operadores, o transporte convencional, na rota transatlântica, só constituir uma solução alternativa razoavelmente atractiva para um número de categorias de mercadorias muito limitado.

282.
    Quanto ao alegado efeito cumulativo das diversas fontes de concorrência, há que observar, tal como fez acertadamente a Comissão nos considerandos 69 e 70 da decisão recorrida, que os transportadores marítimos, que procedem a uma discriminação entre as diversas categorias de mercadorias, ao aplicarem preços fortemente diferenciados (podendo o preço do transporte, consoante as mercadorias, variar de 1 a 5 pelo mesmo serviço de transporte), são capazes de limitar os efeitos de uma concorrência marginal relativamente ao transporte de categorias específicas de mercadorias. Além disso, o argumento das recorrentes, segundo o qual, se tivessem que enfrentar uma fonte de concorrência diferente para cada categoria de mercadorias, estariam expostas à concorrência relativamente a todos os seus serviços, não pode ter sucesso. Não só as recorrentes não demonstraram que fossem confrontadas com a concorrência de outros serviços de transporte, no que respeita a cada categoria de mercadorias e, por isso, a toda a gama dos seus serviços, mas, além disso, tal como acima referido, a Comissão fez prova suficiente de que, quanto à grande maioria das categorias de mercadorias e de utentes, os outros serviços de transporte marítimo não são susceptíveis de substituir os serviços regulares de transporte em contentor. A alegação de que não foi tomado em conta o efeito cumulativo das diversas fontes de concorrência deve também ser julgada improcedente.

283.
    Foi, pois, com razão que a Comissão considerou que os serviços de transporte marítimo de linha em contentor constitui um mercado distinto.

284.
    O excerto do oitavo considerando do Regulamento n.° 4056/86, invocado pelas recorrentes, segundo o qual «a maioria das vezes as conferências permanecem sujeitas a uma concorrência efectiva tanto por parte dos serviços regulares [assegurados fora do âmbito de uma] conferência como dos serviços à colheita e, em alguns casos, de outras formas de transporte», não pode pôr em causa esta conclusão.

285.
    Desde logo, há que observar que não só a apreciação feita pelo Conselho quanto aos diversos modos de transporte susceptíveis de concorrer com as conferênciasmarítimas constitui uma observação muito geral e marcada por reservas, tal como demonstra a utilização da expressão introdutória «a maioria das vezes», mas sobretudo que tem em vista a situação das conferências marítimas e a principal actividade concorrencial identificada é a exercida por companhias não aderentes a uma conferência e que asseguram serviços regulares de transporte marítimo. Ora, precisamente, no âmbito da análise da isenção por categoria, verificou-se que o AT não constituía uma conferência marítima mas sim um acordo que, pela sua flexibilidade tarifária, permitia atrair e associar companhias que, de outro modo, teriam continuado independentes e teriam podido exercer uma pressão de concorrência efectiva.

286.
    Em particular, quanto aos serviços não regulares de transporte (de tramp), há que referir, desde logo, que são considerados pelo Conselho fonte potencial de concorrência apenas «em alguns casos». Em seguida, há que observar que os referidos serviços estão, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 4056/86, excluídos do seu âmbito de aplicação, uma vez que as tarifas desses serviços, de acordo com o quarto considerando do mesmo regulamento, são livremente negociadas, caso a caso, de acordo com as condições da oferta e da procura. No artigo 1.°, n.° 3, alínea a), do Regulamento n.° 4056/86, o Conselho salienta ainda as diferenças relativas às categorias de mercadorias transportadas, à natureza e às condições de execução desses serviços (mercadorias a granel, transporte por encomenda, navio fretado total ou parcialmente por um ou mais carregadores, serviços não regulares ou não anunciados, taxas de frete livremente negociadas).

287.
    Ao contrário do que alegam as recorrentes, as apreciações feitas pelo Conselho no Regulamento n.° 4056/86 também confirmam que os serviços não regulares de transporte pertencem a um mercado distinto do dos serviços do transporte de linha, mesmo se, em certos casos, podem exercer uma certa concorrência, marginal, muito pontual e fortemente limitada.

288.
    Daí resulta que as recorrentes não lograram fazer prova suficiente do carácter errado das apreciações da Comissão, com base nas quais esta excluiu este tipo de transporte da definição do mercado relevante.

289.
    Há que assinalar, ainda, que a análise da Comissão é reforçada por vários excertos de obras económicas dedicadas ao transporte marítimo e juntas ao anexo III da decisão AT.

290.
    Resulta do exposto que improcedem na íntegra as alegações relativas à definição do mercado dos serviços em causa.

ii) Dimensão geográfica do mercado em causa

291.
    As recorrentes criticam a Comissão por ter excluído «a porta mediterrânica» da sua definição do mercado relevante. Consideram que os serviços de transporterelativos à rota transatlântica oferecidos a partir dos portos da Europa do Norte e os oferecidos a partir dos portos mediterrânicos são substituíveis. Lembram ter exposto, na sua resposta à comunicação de acusações, a natureza e o grau de concorrência imputáveis às rotas marítimas entre a Europa do Sul e o Canadá. Na sequência dessas observações, a Comissão modificou a sua definição do mercado para nele incluir a «porta canadiana» excluindo a «porta mediterrânica».

292.
    As recorrentes contestam o entendimento da Comissão quanto a este ponto. No considerando 66 da decisão AT, a Comissão reconheceu que os portos mediterrânicos oferecem uma verdadeira solução alternativa relativamente aos portos da Europa do Norte, pelo menos para certos carregadores. Invocam os elementos apurados pela Comissão quanto ao impacto do AT no mercado para demonstrar que existe um certo grau de possibilidade de substituição entre os serviços de transporte relativos à rota transatlântica oferecidos a partir dos portos da Europa do Norte e os portos mediterrânicos. Referem-se, em particular, ao considerando 219 da decisão AT, segundo o qual «[o]s efeitos do AT também se fizeram sentir no tráfego pelo Mediterrâneo», bem como ao considerando 220 da referida decisão, no qual a Comissão, depois de verificar que o tráfego para os Estados Unidos tinha crescido mais a partir dos portos mediterrânicos do que a partir dos portos da Europa do Norte, entre 1992 e 1993, indica que «determinados carregadores, particularmente os situados no Sul de França, decidiram desviar todos ou parte dos seus carregamentos para os portos mediterrânicos, face aos aumentos introduzidos pelo AT». As recorrentes consideram que a importância dos desvios de tráfego dos portos da Europa do Norte para os do Mediterrâneo demonstra a existência de um alto grau de possibilidade de substituição entre os serviços de transporte em causa.

293.
    Há que assinalar que, através da sua argumentação, as recorrentes contestam a componente geográfica dos serviços de transporte que constituem o mercado relevante. Esta componente remete para a questão da determinação dos pontos de origem e de destino dos serviços de transporte relativos à rota transatlântica.

294.
    É inegável que existe uma certa possibilidade de substituição entre os serviços de transporte marítimo assegurados no âmbito do AT e os serviços regulares de transporte de contentores, na linha transatlântica, oferecidos a partir ou com destino aos portos mediterrânicos. Contudo, não é a total inexistência da possibilidade de substituição que justifica a exclusão destes últimos serviços do mercado relevante, mas sim o facto de essa possibilidade de substituição ser muito limitada.

295.
    Com efeito, na decisão AT, a Comissão considerou que o fenómeno da possibilidade de substituição está essencialmente ligado à distância que separa os portos, a partir dos quais as companhias asseguram a ligação marítima transatlântica, dos pontos de entrega ou de carregamento das mercadorias no interior e ao custo de encaminhamento terrestre das mercadorias gerado por essadistância. Portanto, este fenómeno apenas diz respeito aos operadores estabelecidos em regiões simultaneamente pertencentes às zonas de atracção dos portos servidos pelas companhias membros do AT e às dos portos mediterrânicos. A Comissão localizou esses operadores «no Sul de França» e considerou que estes últimos, que representam uma parte relativamente flexível da procura, apenas exercem uma influência «bastante marginal» na procura global desses serviços, tendo a instituição recorrida esclarecido a esse respeito:

«[A] concorrência exercida pelos serviços mediterrânicos é ainda reduzida devido à menor eficácia dos portos mediterrânicos e às menores frequências desses serviços. Razão pela qual os serviços [oferecidos] pelos portos do Norte atraem por vezes carregadores situados no Sul da Europa (por exemplo o Norte da Itália) mas, inversamente, é raro ver-se um carregador do Norte da Europa utilizar os serviços [de companhias que transitam] via Mediterrâneo.»

296.
    Há que observar que as recorrentes não apresentaram qualquer elemento susceptível de demonstrar que, para os carregadores do Norte da Europa, que constitui a zona de atracção dos serviços assegurados pelos membros do AT, os serviços oferecidos pelos portos mediterrânicos representam uma solução alternativa razoável, nem mesmo que os operadores situados no Sul de França representam uma parte importante, ou pelo menos não negligenciável, dos utentes dos serviços oferecidos pelos membros do AT.

297.
    Por outro lado, a verificação de um aumento do tráfego com destino aos Estados Unidos com partida dos portos mediterrânicos, consecutiva à entrada em vigor do AT, não pode, só por si, pôr em causa a validade das apreciações da Comissão. Com efeito, a despeito das substanciais subidas das taxas de frete praticadas pelos membros do AT, o tráfego pelo Mediterrâneo, segundo o considerando 220 da decisão recorrida, só aumentou 14% entre 1992 e 1993, enquanto, no mesmo período, aumentava 9% a partir dos portos da Europa do Norte. Além do facto de o aumento do tráfego pelo Mediterrâneo não ser necessariamente sinónimo de uma transferência de tráfego, podendo resultar de outros factores, tais como um desenvolvimento das exportações das regiões do Sul da Europa para os Estados Unidos, o aumento moderado do tráfego a partir dos portos mediterrânicos mais não faz do que confirmar o carácter marginal da possibilidade de substituição dos serviços de transporte em causa. Por outro lado, não tendo as recorrentes fornecido outros elementos que permitam contradizer a análise da Comissão, a sua argumentação deve ser rejeitada.

298.
    Resulta do exposto que improcedem na íntegra as críticas e argumentos formulados contra a definição do mercado dos serviços em causa acolhida pela Comissão.

b) Quanto à possibilidade de eliminação da concorrência relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa

299.
    A fim de determinar se os acordos de fixação dos preços do transporte marítimo e o PGC preenchiam a quarta condição de aplicação do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, a Comissão analisou sucessivamente se o AT permitia eliminar a concorrência entre as partes nesse acordo, se as mesmas representavam uma parte substancial do mercado em causa e, por último, se a concorrência externa não era susceptível de as impedir de eliminar a concorrência numa parte substancial dos serviços em causa.

300.
    Previamente à análise das diferentes críticas desenvolvidas pelas recorrentes, seguindo o mesmo esquema de análise, contra a posição da Comissão, há que salientar que a possibilidade de eliminar a concorrência relativamente a uma parte significativa dos serviços em causa deve necessariamente ser objecto de uma apreciação global, em particular, tomando-se em conta as características próprias do mercado relevante, as restrições da concorrência geradas pelo acordo, as quotas de mercado das partes no acordo, a importância e a intensidade da concorrência externa, quer actual quer potencial. Com efeito, no âmbito dessa abordagem global, esses vários elementos estão estreitamente interligados ou podem equilibrar-se. Assim, quanto mais graves forem as restrições da concorrência interna entre as partes, mais é necessário que a concorrência externa seja activa e importante para que o acordo possa beneficiar da isenção. Do mesmo modo, quanto maiores forem as quotas de mercado detidas pelas partes no acordo, mais forte deve ser a concorrência potencial.

i) Quanto à concorrência interna

301.
    As recorrentes parecem considerar, em primeiro lugar, que a Comissão cometeu um erro de direito ao concluir que a quarta condição do artigo 85.°, n.° 3, alínea b), do Tratado não estava preenchida unicamente pelo facto de o AT ter eliminado a concorrência interna.

302.
    Esta alegação deve, manifestamente, ser rejeitada. Tal como acima referido, a apreciação da condição prevista no artigo 85.°, n.° 3, alínea b), do Tratado implica uma abordagem global, tomando-se em consideração, nomeadamente, a concorrência interna e externa. Ora, resulta claramente da decisão recorrida, e nomeadamente do considerando 437, que a verificação de que o AT dava aos seus membros a possibilidade de eliminarem a concorrência entre eles é apenas um dos elementos em que a Comissão baseou a sua conclusão, referida no considerando 461 da decisão recorrida, de que o AT era um acordo que dava aos seus membros a possibilidade de eliminarem a concorrência relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa.

303.
    As recorrentes afirmam, em seguida, que não eliminaram a concorrência entre elas. Alegam, por um lado, que a cooperação prevista no AT em matéria de preços era menos restritiva da concorrência do que a aplicação de taxas de frete uniformes e que tinham a liberdade de exercer uma acção independente e, por outro lado, queconcorriam entre si nas ofertas de serviços. Na réplica, as recorrentes apresentaram, a título de prova, dados apresentados à Comissão no processo administrativo, dos quais resultava, por um lado, que as suas quotas no total dos fretes carregados pelo conjunto dos membros do AT, entre Setembro de 1992 e Março de 1994, sofreram variações de 11% a 81% e, por outro lado, que os carregadores procederam, no âmbito de contratos de serviço, a significativas redistribuições do volume das mercadorias transportadas entre as recorrentes. Por último, na réplica, as recorrentes acusam também a Comissão de não ter fundamentado a sua recusa de conceder uma isenção.

304.
    Em primeiro lugar, quanto à concorrência interna em matéria de preços, há que lembrar que os membros do AT fixavam em comum as tarifas, cuja aplicação era fiscalizada por um «comité de taxas» que funcionava de forma permanente. Estes acordos de fixação dos preços do transporte tinham, manifestamente, por efeito eliminar a concorrência sobre os preços entre as partes, na acepção do artigo 85.°, n.° 3, alínea a), do Tratado.

305.
    A questão de saber se o regime tarifário dualista do AT era ou não menos restritivo da concorrência do que um acordo de conferência marítima que fixasse taxas de frete uniformes ou comuns é irrelevante. Já acima se considerou que o AT não era uma conferência marítima, e a única questão pertinente é, nesta fase do acórdão, a de saber se dava aos seus membros a possibilidade de eliminarem a concorrência entre eles.

306.
    De resto, não se pode contestar que o AT eliminava o funcionamento normal da concorrência entre os seus membros no que respeita aos preços, mesmo apesar de prever um duplo sistema tarifário. Com efeito, a flexibilidade tarifária concedida aos membros não estruturados e a diferença de preços, invariável, que lhes era permitida (menos 100 USD por contentor) eram decididos por todos os membros do AT.

307.
    Do mesmo modo, a faculdade de, em certas condições, não aplicarem a disciplina tarifária resultante dos acordos de fixação de preços do transporte marítimo, por meio de acções independentes, não pode modificar esta apreciação. Desde logo, refira-se que esta faculdade, imposta pela legislação de um Estado terceiro, tem carácter excepcional relativamente ao princípio da fixação dos preços em comum. Em seguida, resulta do artigo 13.° do AT, na versão alterada, que, a despeito da sua denominação, a acção independente era fiscalizada e enquadrada, no sentido de que o Secretariado do AT devia ser informado dez dias antes da sua aplicação, o que dava aos outros membros a possibilidade de se alinharem ou de persuadirem o seu autor a desistir dela. A acção independente não emergia, assim, do normal funcionamento da concorrência, por força do qual qualquer operador deve determinar de forma autónoma a política que tenciona seguir no mercado, o que se opõe rigorosamente a qualquer contacto directo ou indirecto entre operadores económicos que tenha o objectivo ou o efeito de influenciar o comportamento no mercado de um concorrente efectivo ou potencial ou de revelar a tal concorrenteo comportamento que tenham decidido adoptar ou tencionem adoptar no mercado (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 173 e 174).

308.
    De resto, há que observar que resulta dos dados fornecidos pelas próprias recorrentes que o recurso às acções independentes, na prática, se manteve excepcional. Assim, resulta dos referidos dados que apenas foram levadas a efeito 824 acções independentes em 1993, o que se pode considerar insignificante face aos 1 500 000 contentores transportados pelos membros do AT ou ao número de acções independentes exercidas em 1988 pelas partes nos acordos ditos «transpacíficos» que operavam nas costas Oeste e Leste dos Estados Unidos e na Ásia, isto é, 98 573 acções independentes.

309.
    Além disso, está assente que as acções independentes, na prática, não constituíram um obstáculo ao aumento dos preços praticados pelos membros do AT.

310.
    Daí resulta que nem a estrutura tarifária dualista nem a possibilidade de levar a cabo acções independentes demonstram a existência de uma concorrência real nos preços entre as partes do AT.

311.
    Há que lembrar, além disso, que o AT sujeitava também a celebração de contratos de serviço a um conjunto de regras, por força das quais, nomeadamente, deviam ser negociados em comum pela maior parte dos membros e ser relativos apenas a uma quantidade mínima de contentores e com uma duração máxima. A Comissão referiu, ainda, na decisão recorrida, sem que isso fosse impugnado nos presentes autos, que o papel do Secretariado do AT comprovava o grau de integração comercial das companhias no âmbito desse acordo.

312.
    Em segundo lugar, quanto às ofertas de serviços, há que observar, desde logo, que as recorrentes, na petição, se limitaram a afirmar que, nesse ponto, concorriam entre si e que os carregadores admitiam a existência de diferenças de qualidade entre os serviços oferecidos pelos antigos membros das conferências Neusara e Usanera e as antigas companhias independentes susceptíveis de justificar a diferença dos preços praticados. Contudo, não apresentaram qualquer elemento que pudesse sustentar a procedência destas alegações, nem mesmo indicaram em que consistiriam essas alegadas diferenças, para além das relativas à frequência dos serviços e ao tipo de navio utilizado, já tomadas em consideração pela Comissão.

313.
    Em seguida, há que referir que esse argumento apenas se dirige a demonstrar a prática de preços diferenciados ou, pelo menos, a demonstrar que existe uma diferença entre as duas categorias de membros do AT, mas não a demonstrar a existência de uma concorrência entre todos os membros do AT. Assim, é, de qualquer forma, irrelevante.

314.
    De resto, a Comissão pôs em destaque que, no que diz respeito ao mercado dos serviços de transporte de linha de contentores, tais como os oferecidos pelos membros do AT, a qualidade do serviço era um elemento secundário relativamente ao nível dos preços. Uma eventual diferença na qualidade do serviço não pode, pois, compensar o desaparecimento do mecanismo de formação dos preços típico dos mercados concorrenciais a que conduz a celebração de um acordo horizontal de fixação de preços. Este carácter secundário resulta, em primeiro lugar, da homogeneidade e do carácter perfeitamente substituível dos serviços oferecidos pelos membros do AT. A Comissão salientou, no considerando 339 da decisão recorrida, que várias linhas cobertas pelo AT são exploradas conjuntamente por membros que tinham pertencido às conferências Neusara e Usanera e por membros anteriormente independentes. Este elemento, confirmado pelo anexo 4 da petição, no qual as recorrentes forneceram exemplos desses serviços, demonstra o grau de possibilidade de substituição entre os serviços oferecidos por cada um dos membros do AT.

315.
    Em segundo lugar, a Comissão considerou, sem que houvesse impugnação, que o impacto concorrencial da diferenciação da qualidade dos serviços oferecidos pelos membros do AT era largamente diminuído pelo PGC. A Comissão referiu-se, a este respeito, a um excerto de um dos documentos do AT segundo o qual, quando um membro do AT atinge as suas quotas no âmbito do PGC, é bastante mais provável que subcontrate o transporte a outro membro do AT do que exceda a sua quota e pague a coima correspondente.

316.
    Em terceiro lugar, quanto às quotas de mercado dos membros do AT, há que lembrar que a Comissão observou, no considerando 436 da decisão recorrida, que a falta de concorrência entre os membros do AT resultava também da falta de evolução significativa das posições das companhias no âmbito do AT. Não tendo esta consideração sido contestada na petição, a alegação de que as quotas de mercado dos membros do AT flutuaram, feita pela primeira vez na réplica, deve ser considerada um fundamento novo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, sendo esse fundamento inadmissível, uma vez que não se baseia em elementos de facto e de direito que se tenham revelado durante o processo.

317.
    De resto, no que respeita ao primeiro quadro junto à réplica como anexo 21, apresentado pelas recorrentes como demonstrativo das flutuações das quotas de mercado dos membros do AT, os dados aí constantes não são fiáveis nem conclusivos. Com efeito, há que referir, em primeiro lugar, que o índice de base não é significativo, uma vez que é fixado com base em dados correspondentes a um período muito breve (três meses) que não permite tomar em conta as flutuações sazonais. A esse respeito, o exemplo da companhia MSC, a única cuja quota de mercado, segundo os dados desse quadro, aumentou de forma significativa, é particularmente revelador. Com efeito, o essencial desse aumento concretizou-se ao longo dos nove meses seguintes ao período de três meses utilizados no cálculo do índice de base, de forma que, se este último tivesse sido calculado relativamentea um período não de três meses mas sim de um ano inteiro, a quota de mercado da companhia em causa não teria evoluído de forma substancial. Em segundo lugar, o desaparecimento de uma companhia e a adesão de outras três ao AT, durante o período em análise, falseiam os dados numéricos contidos no quadro. Em terceiro lugar, excluindo a companhia MSC, as flutuações das quotas de mercado dos diversos membros são bastante menores. Em quarto lugar, não se verifica claramente que os dados constantes do quadro do anexo 21 da réplica correspondam a quotas de mercado efectivas. Com efeito, na legenda do quadro assinala-se que os referidos dados provêm do PGC, que tem objectivos próprios e, assim, não refere necessariamente a actividade das partes no AT na íntegra. Em quinto lugar, a evolução das quotas de mercado resultante desses dados não é confirmada pelos dados que constam do quadro junto à réplica como anexo 22. Assim, a primeira linha do referido quadro revela que uma parte do frete transportado pela P & O foi recuperada pela Sea-Land e pela OOCL, quando, pelo contrário, segundo o quadro do anexo 21 da réplica, a quota de mercado da P & O aumentou enquanto a das outras companhias diminuiu.

318.
    Do mesmo modo, o quadro junto à réplica como anexo 22, que, segundo as recorrentes, demonstra a transferência de significativos volumes de frete, referentes a contratos de serviço, entre os membros do AT, é totalmente ambíguo. Assim, a Comissão assinala que, embora o referido quadro revele que uma parte do frete transportado pela P & O foi recuperada pela Sea-Land e pela OOCL, esta última companhia não explora navios no Atlântico Norte, tendo celebrado um acordo de partilha de navios com as companhias P & O, Sea-Land e Nedlloyd, e que estas também celebraram um acordo de partilha dos seus navios entre si. Além disso, e principalmente, há que referir que a maior parte dos exemplos citados diz respeito a membros estruturados do AT, que só podiam celebrar contratos de serviços colectivos, isto é, contratos em que não existe concorrência entre eles, uma vez que devem ser negociados em comum.

319.
    Daí resulta que os quadros que constam dos anexos 21 e 22 da réplica não são susceptíveis de demonstrar a existência de concorrência entre as partes no AT. Aliás, estes já tinham sido apresentados à Comissão, no âmbito do procedimento administrativo, a qual, depois de os analisar, concluiu, no considerando 436 da decisão recorrida, pela inexistência de uma evolução substancial das posições das companhias no âmbito do AT.

320.
    Por outro lado, há que lembrar que, no considerando 428 da decisão recorrida, a Comissão referiu, ainda, outra restrição da concorrência entre as partes no AT, isto é, a determinação em comum das capacidades de transporte oferecidas por cada uma delas no mercado.

321.
    Resulta do exposto que as críticas formuladas pelas recorrentes devem ser julgadas improcedentes e que foi acertadamente que a Comissão considerou que o AT conferia aos seus membros a possibilidade de eliminar a concorrência entre si.

ii) Quanto à parte substancial do mercado em causa detida pelos membros do AT

322.
    Nos considerandos 438 a 440 da decisão recorrida, a Comissão afirmou que o AT cobria uma parte substancial do mercado em causa e concluiu, no considerando 441 da referida decisão, que o AT dava aos seus membros a possibilidade de eliminarem a concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

323.
    As recorrentes acusam a Comissão de ter cometido um erro de direito na medida em que a sua análise leva à conclusão de que uma conferência marítima que disponha de uma quota de mercado de 50% elimina a concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

324.
    É certo que, tal como as recorrentes acertadamente referem, uma conferência marítima, por natureza, restringe a concorrência entre os seus membros e só pode atingir o seu objectivo de estabilização do mercado se dispuser de uma quota de mercado não insignificante. O facto de o Regulamento n.° 4056/86 prever uma isenção por categoria a favor das conferências marítimas não permite, portanto, considerar automaticamente que qualquer conferência marítima que detenha uma quota de mercado de 50% não preenche a quarta condição do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

325.
    Contudo, há que lembrar, em primeiro lugar, que o AT não constituía uma conferência marítima. As recorrentes não podem, pois, prevalecer-se da apreciação positiva de que beneficia este tipo de acordos face aos termos do Regulamento n.° 4056/86. A este respeito, cabe acrescentar que, segundo o oitavo considerando do referido regulamento, os efeitos benéficos não podem ser obtidos sem a cooperação exercida pelas companhias marítimas no seio das referidas conferências marítimas.

326.
    Em segundo lugar, o entendimento das recorrentes é errado quanto aos factos, na medida em que se baseia na existência de uma quota de mercado de 50%, que assenta numa definição alargada do mercado relevante acima exposta. Ora, já acima se considerou que as alegações formuladas pelas recorrentes contra a definição do mercado em causa são improcedentes. Por conseguinte, a apreciação da Comissão não assenta na premissa de que os membros do AT dispunham de uma quota de mercado de 50%, mas sim na de que, tal como referido no considerando 439 da decisão AT, essa quota era da ordem dos 75% em 1992, e de 65% a 70% em 1993. Na rota transatlântica directa entre a Europa do Norte e os Estados Unidos, e, portanto, com exclusão dos portos do Canadá, as quotas de mercado detidas pelas partes no AT eram mesmo, de acordo com os dados que constam do considerando 146 da decisão recorrida, confirmados pelas recorrentes, de 81% em 1992, de 71,3% em 1993 e de 69,6% em 1994.

327.
    Em terceiro lugar, está assente que, antes da celebração do AT em 1992, os membros das conferências Neusara e Usanera representavam, respectivamente, 55,7% e 52,9% do tráfego transatlântico. Em seguida, o AT permitiu agrupar namesma estrutura os membros das conferências Neusara e Usanera e certas companhias que até então tinham permanecido independentes. O AT teve, assim, o efeito de aumentar sensivelmente a concentração da oferta controlada por companhias ligadas por acordos de fixação de preços.

328.
    Em quarto lugar, embora uma posição dominante não possa ser, pura e simplesmente, equiparada à eliminação da concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, há que lembrar, a título indicativo, que, de acordo com a jurisprudência, quotas de mercado extremamente importantes constituem por si só, e salvo circunstâncias excepcionais, a prova da existência de uma posição dominante. Esse é o caso de uma quota de mercado de 50% (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C-62/86, Colect., p. I-3359, n.° 60).

329.
    Daí resulta que a crítica relativa ao alegado erro de direito cometido pela Comissão é infundada e deve ser julgada improcedente.

330.
    Nesta fase da apreciação, há que salientar que, para se determinar se um acordo dá aos seus signatários a possibilidade, relativamente a uma parte substancial dos produtos em causa, de eliminar a concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 3, alínea b), do Tratado, a Comissão não pode, em princípio, basear-se unicamente na circunstância de o acordo em causa eliminar a concorrência entre as referidas partes e de estas representarem uma quota substancial do mercado em causa. Por um lado, a não eliminação da concorrência é um conceito mais restritivo do que o de existência ou aquisição de uma posição dominante, de forma que se pode considerar que um acordo não elimina a concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 3, alínea b), do Tratado, podendo assim beneficiar de uma isenção, mesmo que estabeleça uma posição dominante a favor dos seus membros (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 14 de Fevereiro de 1978, United Brands/Comissão, 27/76, Colect., p. 77, n.° 113; de 13 de Fevereiro de 1979, Hoffmann-La Roche/Comissão, 85/76, Colect., p. 217, n.° 39; acórdão Matra Hachette/Comissão, já referido, n.os 153 e 154). Por outro lado, a concorrência potencial deve ser tomada em consideração antes de se concluir que um acordo elimina a concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado (v., neste sentido, acórdão Europemballage Corporation e Continental Can Company/Comissão, já referido, n.° 25).

331.
    Há que acrescentar que tomar em consideração e analisar a concorrência externa, quer actual quer potencial, é tanto mais necessário quando se trata de analisar se um acordo entre companhias marítimas é susceptível de beneficiar de uma isenção individual ao abrigo do artigo 12.° do Regulamento n.° 4056/86. Com efeito, tal como resulta do oitavo considerando do Regulamento n.° 4056/86, a mobilidade das frotas, que caracteriza a estrutura da oferta no sector dos serviços de transportes marítimos, exerce uma pressão concorrencial permanente sobre as conferências, que normalmente não têm possibilidade de eliminar a concorrência numa partesubstancial dos serviços de transporte marítimo em causa. Além disso, o facto de o Conselho ter previsto no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86 uma isenção por categoria para acordos de fixação de preços das conferências marítimas, que em princípio, só podem gerar os efeitos estabilizadores benéficos reconhecidos no Regulamento n.° 4056/86 se dispuserem de quotas de mercado significativas, confirma que a condição da não eliminação da concorrência prevista no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado deve ser analisada com um cuidado muito especial.

332.
    Contudo, há que observar que, mesmo se, no considerando 441 da decisão recorrida, a Comissão concluiu, erradamente, que resultava das considerações relativas à eliminação da concorrência no âmbito do AT e à detenção de uma quota de mercado substancial pelos seus participantes que o AT dava aos seus membros a possibilidade de eliminarem a concorrência relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa na acepção do artigo 85.°, n.° 3, alínea b), do Tratado, analisou, não obstante, nos considerandos 442 a 460 da decisão recorrida, se as possibilidades de concorrência externa não eram susceptíveis de impedir os membros do AT de eliminarem a concorrência relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa.

iii) Quanto à concorrência externa

333.
    Antes de concluir que as possibilidades de concorrência externa não eram susceptíveis de impedir os membros do AT de eliminarem a concorrência relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa, a Comissão analisou sucessivamente a concorrência na rota transatlântica directa e as outras fontes de concorrência (a concorrência potencial).

334.
    Por outro lado, a Comissão analisou também, nos considerandos 451 e 452 da decisão recorrida, a concorrência do tráfego entre a Europa do Norte e os portos canadianos. Contudo, não tendo as recorrentes formulado qualquer crítica a esse ponto, há que dar por assente a conclusão segundo a qual as companhias independentes activas no âmbito desse tráfego apenas exerciam uma concorrência limitada.

Concorrência na rota transatlântica directa

335.
    As recorrentes, sobre este ponto, limitaram-se a alegar que as quotas de mercado das companhias independentes activas na rota transatlântica directa aumentaram, tal como demonstra o facto de a quota de mercado dos membros do AT ter passado de 81,1% em 1992 para 71,3% em 1993, depois para 69,6% em 1994 (a quota de mercado das companhias independentes passou, correlativamente, de 18,9% em 1992 para 28,7% em 1993 e para 30,4% em 1994).

336.
    Refira-se, em primeiro lugar, que este crescimento da quota de mercado das companhias independentes foi tomado em conta pela Comissão. Com efeito, no considerando 448 da decisão recorrida, esta última verificou que os aumentossubstanciais de preços, impostos pelos membros do AT em 1 de Janeiro de 1993, provocaram a perda imediata duma parte do tráfego em proveito de algumas companhias independentes cujas quotas de mercado aumentaram. Assim, no tráfego com destino aos Estados Unidos, a quota de mercado da companhia Evergreen passou de 7,7% em 1992 para 14,1% no primeiro trimestre de 1993, a da Lykes Line de 6,4% para 7,1%, a da ICL de 2,1% para 2,6% e a da Atlantic Cargo de 3,0% para 3,9% (isto é, para as quatro companhias reunidas, uma quota de mercado que passou de 19,2% para 27,7%).

337.
    Em segundo lugar, há que salientar que, de acordo com os dados não impugnados que constam do considerando 203 da decisão recorrida, foram aplicados a um grande número de carregadores «aumentos muito importantes, em geral entre 30% e 100%, indo num dos casos até 175%». Além disso, de acordo com o considerando 204 da decisão recorrida, cujo teor não foi impugnado, essas subidas foram aplicadas em prazos particularmente curtos relativamente aos hábitos da profissão. Aumentos de preços tão significativos e tão súbitos tinham inevitavelmente o efeito de levar uma parte dos clientes do AT a voltar-se para outros transportadores no tráfego transatlântico. Há que esclarecer, a esse respeito, que o argumento assente no facto de essas subidas de preços não terem permitido aos armadores alcançar o nível de rentabilidade atingido em 1989 não é relevante, uma vez que esta circunstância em nada afasta o carácter substancial das subidas impostas aos clientes.

338.
    Em terceiro lugar, há que observar que, depois de terem progredido imediatamente no primeiro trimestre de 1993, na sequência do aumento dos preços aplicado pelos membros do AT, as quotas de mercado das companhias independentes rapidamente estabilizaram e inclusivamente regrediram. Tal como resulta do considerando 449 da decisão recorrida, a quota de mercado da companhia Evergreen era de 13,1%, a da Lykes Line de 5,4%, a da Atlantic Cargo de 3,7% e a da ICL de 2,5%, isto é, uma quota de mercado de 24,7% relativamente à totalidade do ano de 1993 para as quatro companhias, em vez dos 27,7% relativos ao curto período imediatamente seguinte às subidas brutais de preços impostas pelos membros do AT.

339.
    Em quarto lugar, os limites da pressão concorrencial exercida por estas companhias independentes resultam também do facto de, ao longo do ano de 1993, apesar do aumento dos volumes de frete transportados, estas companhias não terem introduzido novas capacidades significativas de transporte no mercado.

340.
    Em quinto lugar, a consideração de que as partes no AT representavam uma quota substancial do mercado em causa, e, assim, de que a concorrência externa era fraca, baseia-se, nomeadamente, na quota de mercado detida pelas companhias independentes em 1993 e, portanto, foi tomado em consideração o aumento das quotas de mercado que estas registaram na sequência da subida das tarifas aplicada pelos membros do AT.

341.
    Em sexto lugar, há que lembrar que, de acordo com a jurisprudência, quanto mais fracos e de reduzida dimensão forem os concorrentes, menos estão em condições de exercer uma pressão de concorrência real sobre a empresa dominante (v., neste sentido, acórdãos United Brands/Comissão, já referido, n.os 111 e 112, e Hoffmann-La Roche/Comissão, já referido, n.os 51 a 58).

342.
    A este respeito, refira-se que uma só companhia independente, a Evergreen, dispunha de uma quota de mercado relativamente significativa (13,1% no ano de 1993). Além disso, tal como resulta dos considerandos 150 a 156, 215 e 443 a 445 da decisão recorrida, vários factores são susceptíveis de reduzir fortemente a concorrência que essa companhia pudesse fazer aos membros do AT. Com efeito, não está presente em todos os sectores do mercado, por exemplo, limita-se a oferecer pouco mais do que determinados equipamentos específicos («open top, flat») na rota transatlântica, o que a priva de acesso a toda uma série de carregadores. Com consequências ainda mais pesadas é o facto de a companhia Evergreen ser parte no acordo Eurocorde, ao qual tinham aderido os membros do AT e no âmbito do qual as taxas de frete e as outras condições de transporte são discutidas. É igualmente significativo o facto de a companhia Evergreen dever participar inicialmente no AT e de, embora tivesse afinal continuado independente, ter mantido contactos regulares com determinados membros do AT e de ter sido amplamente informada da política de preços adoptada por estes, o que lhe permitia alterar a sua grelha tarifária para seguir, com uma ligeira diferença, as evoluções introduzidas pelas partes no AT. Verifica-se, assim, que a Evergreen, a principal, se não a única, companhia independente a dispor de poder suficiente no mercado dos serviços regulares de transporte na rota transatlântica, não estava, na realidade, em condições de exercer uma pressão concorrencial real sobre os membros do AT.

343.
    Tal como exposto no considerando 446 da decisão recorrida, nenhuma das outras companhias independentes dispunha, tendo em conta quotas de mercado e recursos inferiores aos da Evergreen, da capacidade de fornecer serviços em número suficiente para exercer uma pressão concorrencial real sobre os membros do AT. Além disso, a Lykes Line, a mais importante destas companhias, era membro do acordo Eurocorde.

344.
    Resulta destes elementos que foi com razão que a Comissão, no considerando 454 da decisão recorrida, referiu o seguinte: «[A]s companhias independentes, depois de terem aproveitado os rápidos aumentos de preços postos em prática pelo AT para saturar as respectivas capacidades, [deixaram de estar] em situação de dar resposta a nova procura ao longo de 1993. Seja pela concertação com o AT seja por incapacidade devida ao seu fraco peso relativamente à quota de mercado do AT, aquelas companhias não procuraram exercer uma concorrência real em relação ao AT e foram conduzidas a um comportamento passivo.» Foi também com razão que a Comissão concluiu que a concorrência exercida relativamente aos membros do AT pelas outras companhias com actividade na rota transatlânticadirecta não compensou a possibilidade criada pelo AT de eliminar a concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

Outras fontes de concorrência (a concorrência potencial)

345.
    As recorrentes alegam que a Comissão menosprezou a concorrência potencial dos transportadores já presentes na rota transatlântica e capazes de aumentar a sua oferta de serviços de transporte em contentor (substituição do lado da oferta), bem como a dos transportadores de contentores ausentes da rota transatlântica, mas com possibilidade de nela entrarem. Além disso, criticam a Comissão por ter recusado avaliar o efeito cumulativo das diversas fontes de concorrência a que estiveram sujeitas.

346.
    Antes da análise das alegações das recorrentes, há que assinalar, a título preliminar, que a sua argumentação relativa às duas fontes de concorrência potencial acima referidas assenta no essencial, tal como elas próprias, aliás, salientam, na aceitação da teoria do mercado contestável defendida num relatório de peritos (síntese de questões económicas elaborada conjuntamente pelo professor John Davies, pelos doutores Craig Pirrong e William Sjostrom e por George Yarrow, junto à petição como anexo 5).

347.
    A Comissão contestou a relevância deste relatório apresentado pelas recorrentes e também invocou relatórios de peritos, em apoio da sua tese (Relatório do Dr. Reitzes sobre os efeitos económicos do acordo Transatlântico; Relatório do Dr. Levêque «Auto-regulação na indústria do transporte marítimo de linha: lacuna do mercado e do sistema de regulamentação», juntos à contestação como anexos D e E), cuja reputação e conhecimento do mercado em causa não podem ser postos em dúvida. Assim, a experiência do Dr. Reitzes na aplicação das normas da concorrência ao sector do transporte marítimo resulta, nomeadamente, do facto de ser ele o principal autor do estudo «Análise da indústria marítima e dos efeitos do Shipping Act 1984» efectuado pela Federal Trade Commission.

348.
    Da leitura destes diversos relatórios de peritos, apresentados pelas partes, e das referências à doutrina económica aí feitas, verifica-se que, pelo menos, a contestabilidade do mercado do transporte marítimo de linha é, nos dias de hoje, uma questão ainda muito controversa, embora a maior parte dos autores esteja de acordo em que, de qualquer forma, a contestabilidade só pode ser imperfeita. Resulta desses relatórios contraditórios de peritos que o grau de contestabilidade do mercado dos serviços regulares de transporte de contentores na rota transatlântica suscita questões complexas de ordem económica. Portanto, a Comissão dispõe de um largo poder de apreciação nessa matéria, e o Tribunal só pode pôr em causa a sua decisão quanto a este aspecto depois de verificar um erro manifesto de apreciação. Ora, sem necessidade de decidir quanto ao mérito das teorias defendidas por cada uma das partes, não se verifica, à primeira vista, que a posição da Comissão, segundo a qual a concorrência potencial, se não erainexistente, não era, contudo, suficiente para impedir o AT de dar aos seus membros a possibilidade de eliminar a concorrência na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, assenta num erro manifesto de apreciação (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.° 161).

- Substituição do lado da oferta

349.
    As recorrente alegam que, tal como resulta do relatório Dynamar, já apresentado à Comissão no procedimento administrativo, numerosos transportadores presentes na rota transatlântica são capazes de disponibilizar as suas capacidades de transporte, que representam cerca de 20% das capacidades totais dos membros do AT, para o transporte de contentores, em concorrência directa com esses membros. A esse respeito, alegam que os dois fundamentos invocados pela Comissão, na decisão recorrida, para rejeitar as conclusões do relatório Dynamar são errados. Por um lado, as capacidades destes transportadores poderiam ser utilizadas no transporte de frete em contentores, sem que isso exija uma verdadeira transformação física da frota em navios celulares (isto é, navios especializados no transporte de contentores), de forma que a adaptação poderia ser feita com um custo insignificante. Por outro lado, ao invocar o facto de esses transportadores oferecerem um serviço menos completo, a Comissão não tomou em consideração a possibilidade de os carregadores se dirigirem, relativamente a uma parte da sua procura, a um concorrente potencial.

350.
    Em resposta a estes dois argumentos, há que assinalar, por um lado, que, se, de acordo com o considerando 166 da decisão recorrida, o custo da transformação dos serviços oferecidos pelos transportadores surge como um fundamento de rejeição das conclusões do relatório Dynamar, não é devido ao seu carácter supostamente excessivo, mas porque as partes no AT não tinham apresentado qualquer precisão sobre o mesmo.

351.
    Embora, de acordo com o esclarecimento prestado pelas recorrentes durante o processo judicial, o custo de adaptação dos navios seja insignificante, há que observar, contudo, que, para prestar um serviço de transporte de mercadorias em contentor, é ainda necessário, nomeadamente, adquirir e gerir um grande número de contentores. Aliás, as próprias recorrentes precisaram, na petição (ponto 2.4), o seguinte:

«Existem numerosos tipos de contentores com dimensões e especificações diferentes e, para os transportadores marítimos que os possuem, representam um investimento considerável. Uma vez que os contentores estão em permanente movimento, é necessário ter três por 'slot' num navio, de forma que um navio de 3 000 TEU deve dispor de 9 000 contentores.»

352.
    Por último e principalmente, o custo de adaptação dos navios apenas constitui um dos fundamentos, aliás, acessório, nos quais a Comissão baseou a sua apreciação.Com efeito, paralelamente aos custos e prazos necessários a essa adaptação, a Comissão pôs em destaque, a título principal, nos considerandos 166 a 172 da decisão recorrida, o facto de esses serviços, uma vez modificados, não serem economicamente competitivos em relação aos oferecidos pelos membros do AT. Considerou, assim, sem oposição, que o tráfego transatlântico é muito importante em termos de volume de frete transportado, com serviços regulares de transporte que permitem um escoamento contínuo das mercadorias, a ponto de, mesmo os maiores operadores mundiais terem tendência, na maior parte das vezes, a agrupar-se para explorar os referidos serviços em comum e recorrem a barcos modernos, de grande dimensão e em número suficiente. Nestas condições, é muito pouco provável que os operadores, proprietários de navios que a priori não se destinam ao transporte de contentores e que apenas são adaptados para o efeito, estejam em condições de fazer uma concorrência real.

353.
    Por outro lado, há que assinalar que, na petição, as recorrentes em nada contestaram a conclusão da Comissão de que os operadores referidos no relatório Dynamar, ao contrário do que exige um serviço de transporte competitivo, não oferecem um serviço semanal e apenas servem um número limitado de portos da Europa do Norte e dos Estados Unidos. Na réplica, sem pôr em causa a conclusão acima referida, referem, contudo, que, à data da resposta à comunicação de acusações, só uma delas estava em condições de oferecer por si só um serviço semanal. Esta objecção deve, manifestamente, ser rejeitada. Com efeito, resulta claramente dos documentos em que as recorrentes se apoiam que, em relação a todos os itinerários entre os diversos portos da Europa do Norte e dos Estados Unidos, era assegurado um serviço semanal efectivo pelos membros do AT e que esse é efectivamente um elemento essencial, uma vez que as próprias partes no AT salientam ter-se assegurado, no âmbito do esforço de racionalização dos serviços oferecidos, da manutenção dos serviços semanais. O facto de esses serviços semanais serem assegurados conjuntamente por vários membros do AT, em vez de o serem individualmente por cada companhia, não é relevante e mais não faz do que ilustrar o alto grau de integração das companhias no AT, as quais prestam serviços combinados com barcos que, do ponto de vista dos utentes, são substituíveis. Os operadores referidos no relatório Dynamar não estão, a priori, ligados entre si por acordos muito complexos e não podem, assim, ao contrário dos membros do AT, ser tomados globalmente em consideração, uma vez que não oferecem em comum esses serviços semanais. Por outro lado, a possibilidade, salientada pelas recorrentes, de os carregadores se dirigirem a um desses operadores, em relação a uma parte da sua procura, não pode compensar uma frequência de serviço e capacidade de transporte insuficientes.

354.
    Por último, há que dizer que as recorrentes não contestaram a observação, contida nos considerandos 171 e 172 da decisão recorrida, segundo a qual a falta de exercício de uma real pressão de concorrência por parte desses operadores é confirmada pelo facto de não intervirem mesmo na parte mais remuneradora do mercado (o preço do transporte varia consideravelmente consoante as mercadoriastransportadas), tal como demonstra a manutenção do sistema de tarificação diferenciada.

355.
    Resulta do exposto que foi acertadamente que a Comissão considerou que os transportadores já presentes na rota transatlântica, mas que oferecem serviços de transporte de mercadorias não colocadas em contentor, não exercem uma real pressão de concorrência no mercado dos serviços regulares de transporte marítimo de contentores.

- Quanto à concorrência exercida pelos transportadores ausentes da rota transatlântica mas com possibilidades de entrar na mesma

356.
    Tal como resulta do oitavo considerando do Regulamento n.° 4056/86, os transportadores que asseguram serviços regulares no âmbito de outros tráfegos estão, geralmente, em condições de exercer uma concorrência potencial. Contudo, a Comissão considerou, no final de uma análise detalhada exposta nos considerandos 165 a 188 e 458 a 461 da decisão recorrida, que, no caso, essa concorrência potencial é limitada devido, principalmente, às características específicas do tráfego transatlântico e do AT.

357.
    Em primeiro lugar, quanto às características específicas do tráfego transatlântico, há que lembrar, desde logo, que a Comissão considerou, com razão, que, devido à importância do volume de frete transportado e à necessidade de dispor, em número suficiente, de barcos modernos, de grande dimensão e especialmente equipados para o transporte de contentores, só os grandes operadores mundiais estão em condições de prestar serviços competitivos. Aliás, cabe observar que, dos dez serviços regulares assegurados pelas partes no AT, só o prestado pela companhia Maersk é explorado individualmente, uma vez que os outros nove são objecto de acordos de agrupamento de barcos e de partilha de capacidades entre os diversos membros do AT.

358.
    As recorrentes não põem em causa a afirmação, aliás, fundada, da Comissão, segundo a qual, devido a essas características, só alguns grandes armadores mundiais, ou, eventualmente, grandes agrupamentos de armadores, estão em condições de exercer uma pressão real de concorrência. A crítica feita pelas recorrentes na petição apenas é, efectivamente, relativa às consequências que a Comissão atribui ao facto de a maior parte desses grandes armadores mundiais, ausentes do tráfego transatlântico, estarem estreitamente ligados a determinados membros do AT no âmbito de outros tráfegos marítimos. Segundo as recorrentes, a adesão de companhias marítimas a conferências, ou a celebração de outros acordos de cooperação, é habitual e nunca impediu a entrada de uma companhia no tráfego em que actuem transportadores com os quais, aliás, está ligada. As alegadas características do tráfego transatlântico apenas são, na realidade, características comuns a todos os tráfegos marítimos do mundo.

359.
    Esta objecção deve ser rejeitada. Apurou-se que o tráfego transatlântico apresentava características particulares tais que, no caso presente, a chegada de novos operadores não era nada provável e que, de qualquer forma, apenas podia dizer respeito a um número limitado de grandes armadores mundiais, se necessário, por meio de agrupamento. Foi, pois, com razão, que a Comissão considerou que a participação desses mesmos armadores em acordos de estabilização relativos a dois grandes outros tráfegos marítimos, no sentido leste-oeste (Europe Asia Trade Agreement e Trans-Pacific Stabilization Agreement), acordos de um alcance muito alargado, com semelhanças com a estrutura e objectivos do AT, era susceptível de demonstrar, por um lado, a sua propensão para participar em acordos desse tipo e, por outro, a sua falta de interesse em exercer uma concorrência que pudesse desestabilizar esses outros grandes acordos em vigor no mundo inteiro. Assim, é a conjugação da limitação das fontes de concorrência potencial a um pequeno número de operadores particulares com a existência de laços de estreita interdependência entre esses mesmos operadores e os membros do AT que dominam o tráfego transatlântico que torna pouco provável a entrada, por definição desestabilizadora, desses operadores no tráfego transatlântico. Embora seja certo que não se pode excluir o facto de essas características poderem corresponder às dos outros tráfegos de dimensão mundial, não se verifica, em contrapartida, que constituam um elemento comum à maior parte dos diversos mercados de serviços de transporte marítimo. De qualquer forma, a única questão pertinente no caso presente é a de verificar se a concorrência potencial tinha um carácter ou uma intensidade suficientes para impedir a possibilidade de eliminação da concorrência, resultante do AT. Ora, as características específicas do tráfego transatlântico, por um lado, a comunidade de interesse e os riscos de colusão entre os membros do AT e os potenciais concorrentes, decorrentes de uma presença comum quer em vários outros mercados, quer no âmbito de diferentes acordos, por outro, são, efectivamente, susceptíveis de justificar uma resposta negativa.

360.
    Em segundo lugar, quanto às características do AT, há que considerar, desde logo, que não se pode contestar que a manutenção artificial de sobrecapacidades no tráfego transatlântico, por meio do PGC, gerou uma situação susceptível de desencorajar um potencial concorrente de penetrar num mercado, mesmo momentaneamente remunerador. Com efeito, não só a sua entrada no mercado agravaria o fenómeno das sobrecapacidades, assim provocando uma queda dos preços para um nível que deixava de assegurar a rentabilidade, mas, além disso, o recém-chegado ver-se-ia confrontado com a ameaça de colocação no mercado, por parte dos membros do AT, de consideráveis meios até aí mantidos de reserva, por força do PGC. O argumento de que a guerra dos preços ligada a essa intrusão levaria à saída de certos operadores do mercado e a um aumento rápido dos preços, pelo que um concorrente potencial, eficaz e bem apoiado financeiramente, poderia conseguir plenamente a sua integração no mercado, não é credível. Além de não se tomar em conta a existência de barreiras à entrada no mercado, bem como vantagens comparativas que os operadores já instalados detêm, há que assinalar que este argumento se traduz, na realidade, em alegar que qualquermercado é sempre susceptível de ser penetrado por um concorrente que disponha de recursos quase ilimitados e com eficácia superior à de todos os outros operadores. Por outro lado, com este argumento, faz-se abstracção do considerável poder de mercado detido pelos membros do AT e do carácter colectivo da sua defesa contra o potencial concorrente.

361.
    Por outro lado, há que salientar que a Comissão considerou provada, sem oposição, a existência, no caso presente, de barreiras à saída do mercado susceptíveis de reduzir igualmente a tentação de um armador entrar no tráfego. Com efeito, para um grande armador, a retirada de um tráfego principal como o tráfego transatlântico põe em causa a sua reputação comercial e afecta a sua posição concorrencial noutros tráfegos.

362.
    Em seguida, há que lembrar que, entre as características do AT susceptíveis de tornar pouco provável a chegada de concorrentes potenciais ao mercado em causa, na qualidade de independentes, a Comissão referiu também, nos considerandos 183 a 186 da decisão recorrida, o facto de o AT ser um acordo que previa um sistema de fixação de preços suficientemente flexível para poder integrar companhias independentes já presentes no mercado e recém-chegados, de forma que os armadores interessados no tráfego transatlântico eram tentados a entrar no mesmo no âmbito do AT. Aliás, foi esse o caso das duas únicas companhias, a NYK e a NOL, que chegaram à rota transatlântica depois da entrada em vigor do AT, bem como da TMM e da Tecomar que, embora já presentes na referida rota, integraram o AT em 1993 ao celebrarem uma aliança com a Hapag Lloyd. Embora uma entrada desse tipo não fosse, certamente, desprovida de qualquer efeito para os membros do AT, que assim se arriscavam a ver o seu volume de actividades um pouco reduzido, a adesão de novos membros ao AT não impunha, porém, qualquer constrangimento ao comportamento comercial do AT enquanto grupo de armadores.

363.
    Por último, a circunstância, referida no considerando 187 da decisão recorrida, de os membros do AT terem estado em condições de aumentar consideravelmente os seus preços a curto prazo e de, não obstante o profundo descontentamento dos carregadores, não terem entrado novos operadores no mercado é susceptível de confirmar a falta de concorrência real, quer efectiva quer potencial.

364.
    Em face do exposto, há que concluir que foi com razão que a Comissão considerou que, se existe um certo grau de concorrência, é, no entanto, limitada e não está em condições, desde a entrada em vigor do AT, de exercer uma pressão real sobre os membros do acordo em causa, qualquer que seja o modo de encarar as diversas fontes de concorrência potencial, isolada ou globalmente com a consideração de um efeito cumulativo.

365.
    Resulta da análise feita pelo Tribunal que todas as acusações formuladas pelas recorrentes contra a análise feita pela Comissão quanto à eliminação daconcorrência no âmbito do AT, à detenção de uma quota substancial do mercado em causa e à concorrência externa devem ser julgadas improcedentes.

366.
    De qualquer forma, a conclusão da Comissão de que o AT, que agrupava companhias que dispunham de uma quota de mercado da ordem dos 75%, que dava aos seus membros a possibilidade de eliminarem a concorrência entre si e que, quer devido às suas características quer devido às do mercado, apenas estava sujeita a uma pressão muito limitada por parte da concorrência externa, quer efectiva quer potencial, era um acordo que dava aos seus membros a possibilidade de eliminarem a concorrência relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa, na acepção do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, não se pode considerar ferida de erro manifesto de apreciação. Há que esclarecer que esta apreciação tanto diz respeito às disposições do AT relativas aos acordos de fixação de preços do transporte marítimo como às relativas ao PGC.

367.
    Não estando preenchida a quarta condição enunciada no artigo 85.°, n.° 3, do Tratado, há que julgar improcedente o fundamento relativo à recusa de concessão de uma isenção individual aos acordos de preços e de capacidade relativos ao transporte marítimo, sem que seja necessário analisar as alegações formuladas pelas recorrentes e pelas intervenientes contra a análise feita pela Comissão das outras três condições previstas nesse artigo.

Quanto à isenção, a título individual, dos acordos de fixação de preços do transporte terrestre

368.
    O Tribunal observa que as alegações das recorrentes assentam numa leitura errada da decisão recorrida. É erradamente que consideram que a recusa de concessão da isenção individual aos acordos de fixação de preços do transporte terrestre apenas se baseou na razão de os acordos relativos ao transporte marítimo não poderem beneficiar de uma isenção.

369.
    Com efeito, a Comissão expôs detalhadamente, nos considerandos 463 a 489 da decisão recorrida, as razões precisas pelas quais considerou que os acordos de fixação de preços do transporte terrestre não podiam, enquanto tal, ser objecto de uma isenção individual. Resulta com evidência desses considerandos que a conclusão da instituição recorrida não assenta unicamente no facto de os transportes marítimos não poderem beneficiar de uma isenção. Assim, a Comissão considerou, em particular, que os acordos de fixação de preços do transporte terrestre não deram origem a qualquer melhoramento da produtividade nem geraram qualquer vantagem económica susceptível de justificar a isenção desses acordos.

370.
    Uma vez que as recorrentes não contestaram qualquer das razões precisas em que a decisão recorrida se baseia, o fundamento relativo à recusa de concessão de umaisenção individual aos acordos de fixação de preços do transporte terrestre deve ser julgado improcedente.

371.
    Além disso, na medida em que a argumentação das recorrentes assenta na premissa de que a Comissão recusou erradamente conceder uma isenção aos acordos de fixação de preços do transporte marítimo do AT e que já aqui se verificou que foi acertadamente que a Comissão considerou que estes não eram abrangidos nem por uma isenção por categoria, nem por uma isenção individual, o fundamento deve ser igualmente julgado improcedente.

372.
    A título supletivo, o Tribunal considera que, na medida em que o objectivo real dos acordos de fixação de preços do transporte terrestre fosse o de impedir que os preços do transporte marítimo fossem prejudicados por preços do transporte multimodal que não tivessem em conta o custo total do transporte terrestre, as recorrentes não demonstraram que o poder de fixar os preços do transporte terrestre era necessário para se atingir esse objectivo nem que esse resultado não poderia ter sido obtido por um meio menos restritivo, tal como o compromisso de não se facturar o transporte, na parte terrestre, abaixo do preço de custo.

373.
    Daí resulta que o fundamento relativo à recusa de concessão de uma isenção individual deve ser julgado improcedente.

Quanto à violação do artigo 190.° do Tratado

374.
    Quanto às diversas alegações relativas à fundamentação da decisão AT, formuladas no âmbito do pedido principal de anulação, o Tribunal observa que a decisão contém uma argumentação circunstanciada e estruturada em suporte da apreciação feita pela Comissão. A fundamentação permitiu aos interessados conhecer as justificações das medidas tomadas e ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade. Estas alegações devem, assim, ser julgadas improcedentes.

Quanto à violação do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu

I - Argumentos das partes

[375 a 381]

II - Apreciação do Tribunal

382.
    Há que observar que o fundamento assente na violação do acordo EEE não foi invocado pelas recorrentes, devendo, por conseguinte, ser julgado inadmissível. Com efeito, devendo os intervenientes, nos termos do n.° 3 do artigo 116.° do Regulamento de Processo, aceitar o processo no estado em que este se encontra no momento da sua intervenção e não podendo as conclusões do seu pedido de intervenção, segundo o artigo 37.°, quarto parágrafo, do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, ter outro objecto do que sustentar as conclusões de uma das partes, aECSA, na sua qualidade de interveniente, não pode invocar este fundamento (acórdão British Airways e o./Comissão, já referido, n.° 75).

383.
    Além disso, basta referir que as disposições relevantes do acordo EEE não eram aplicáveis ao procedimento administrativo que levou à decisão recorrida. Com efeito, estas disposições entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1994, data em que já tinham tido lugar as etapas processuais que exigem a cooperação entre a Comissão e o órgão de fiscalização AECL, isto é, a audição das empresas e a consulta do comité consultivo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T-305/94, T-306/94, T-307/94, T-313/94, T-314/96, T-315/96, T-316/94, T-318/94, T-325/94, T-328/94, T-329/94 et T-335/94, Colect., p. II-931, n.° 259).

Quanto aos pedidos subsidiários

384.
    A título subsidiário, as recorrentes pedem a anulação, em primeiro lugar, dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão AT, na medida em que proíbem a possibilidade de fixarem os preços do transporte combinado, em segundo, do artigo 5.° desta decisão e, em terceiro, dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão recorrida, na medida em que proíbem a celebração em comum de contratos de serviço.

I - Quanto à anulação dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão AT, na medida em que proíbem a possibilidade de fixarem os preços do transporte combinado

A - Argumentos das partes

[385 a 388]

B - Apreciação do Tribunal

389.
    Em primeiro lugar, há que lembrar que o artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17 dispõe que a Comissão, quando verifique uma infracção ao artigo 85.° ou ao artigo 86.° do Tratado, «pode, através de decisão, obrigar as empresas e associações de empresas em causa a pôr termo a essa infracção».

390.
    De acordo com jurisprudência constante, a aplicação desta disposição pode compreender a proibição de continuar determinadas actividades, práticas ou situações, cuja ilegalidade foi declarada (acórdãos do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1974, Istituto chemioterapico italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, Colect., p. 119, n.° 45, e RTE e ITP/Comissão, já referido, n.° 90), mas também de adoptar um comportamento futuro semelhante (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Tetra Pak/Comissão, T-83/91, Colect., p. II-755, n.° 220, e de 14 de Maio de 1998, Mo och Domsjö/Comissão, T-352/94, Colect., p. II-1989, n.° 241).

391.
    Os artigos 11.°, n.° 1, dos Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 1017/68, aplicáveis ao caso presente, são quase idênticos ao artigo 3.°, n.° 1, do Regulamento n.° 17, de forma que a interpretação deste artigo pode inspirar a das disposições acima referidas.

392.
    Depois de ter considerado, no artigo 1.° da decisão recorrida, que os acordos de fixação de preços dos serviços de transporte e o PGC celebrados no âmbito do AT eram proibidos pelo artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, a Comissão ordenou às empresas destinatárias da referida decisão que pusessem imediatamente fim a essas infracções. No artigo 4.° da decisão recorrida, intimou-as «a abster-se, no futuro, de qualquer acordo ou prática concertada que possa ter um objectivo ou um efeito idêntico ou semelhante aos dos acordos e práticas referidas no artigo 1.° [dessa mesma decisão]».

393.
    Esta intimação tem unicamente em vista impedir as empresas destinatárias da decisão AT de cometerem, de novo, infracções idênticas às consideradas provadas na referida decisão, celebrando um novo acordo ou participando numa prática concertada com um objectivo ou efeito semelhante ou idêntico ao das disposições do AT relativas à fixação dos preços de transporte e ao PGC. Esta intimação é da competência da Comissão, nos termos do artigo 11.°, n.° 1, dos Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 1017/68.

394.
    Quanto ao alcance dessa intimação, há que observar que esta não tem o efeito de proibir, de forma absoluta, qualquer acordo que tenha por objecto a fixação dos preços dos serviços do transporte terrestre no âmbito de uma operação de transporte combinado, mas apenas os acordos que, pelas razões expostas na decisão recorrida, não preenchem as condições do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

395.
    A esse respeito, há que precisar que, ao contrário do que alegam as recorrentes, a conclusão da Comissão relativa à recusa de concessão de uma isenção aos acordos que tinham por objecto a fixação de preços do transporte terrestre não se refere unicamente ao facto de o AT não ser uma conferência marítima ou ao alegado papel dos referidos acordos em complemento daqueles que tinham por objecto a fixação dos preços dos serviços do transporte marítimo, mas sim a todas as razões expostas em detalhe nos considerandos 462 a 491 da decisão recorrida. Aí, a Comissão considerou, em particular, que os acordos de fixação de preços do transporte terrestre não levaram a qualquer melhoria da produtividade nem trouxeram qualquer vantagem económica que pudesse justificar a isenção a esses acordos. A decisão recorrida não impede, pois, as recorrentes de submeter à Comissão outro acordo de cooperação em matéria de transporte terrestre susceptível de fomentar uma maior eficácia dos serviços de transporte multimodal, quanto ao segmento terrestre, e de demonstrar que esse acordo dá resposta às exigências do artigo 85.°, n.° 3, do Tratado.

396.
    Por conseguinte, não se pode acusar a Comissão de ter, por meio da intimação acima referida, inobservado as disposições do artigo 11.°, n.° 1, dos Regulamentosn.° 4056/86 e n.° 1017/68, nem de ter violado a obrigação que lhe incumbe por força do artigo 190.° do Tratado ou violado o direito de defesa.

397.
    Portanto, a argumentação das recorrentes em apoio destes primeiros pedidos subsidiários deve ser julgada improcedente na íntegra e, por conseguinte, também os próprios pedidos.

II - Quanto à anulação do artigo 5.° da decisão AT relativamente aos contratos de serviço

A - Argumentos das partes

398.
    As recorrentes alegam que o artigo 5.° da decisão recorrida, segundo o qual ficam obrigadas a informar «os clientes com quem tenham celebrado contratos de serviço ou estabelecido outras relações comerciais no âmbito do AT de que podem, se assim o desejarem, renegociar as condições de tais contratos ou resolvê-los», deve ser anulado.

399.
    Lembram, a título preliminar, que um contrato de serviço é um acordo pelo qual um carregador se obriga a fazer transportar por via marítima um volume mínimo de mercadorias, expresso em quantidade ou em valor, ao longo do período previsto no contrato. Em contrapartida, o transportador obriga-se a prestar garantias de um serviço específico ao carregador, tal como uma garantia de capacidade, e negoceia um preço inferior ao normalmente aplicável. Esclarecem que cerca de 60% da totalidade das mercadorias são por elas transportadas no âmbito desses contratos.

400.
    Em apoio do seu pedido, as recorrentes alegam, em primeiro lugar, que a decisão AT não contém qualquer fundamentação relativa ao artigo 5.°

401.
    Em segundo lugar, o artigo 5.° da decisão AT não é necessário para repor a legalidade nem para fazer cessar a infracção considerada provada no artigo 1.° da decisão AT. As recorrentes salientam que os Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 1017/68 não conferem à Comissão o poder de dirigir uma intimação cujo teor exceda o necessário à reposição da legalidade ou à cessação das infracções verificadas (acórdão Istituto chemioterapico italiano e Commercial Solvents/Comissão, já referido, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1991, BBC/Comissão, T-70/89, Colect., p. II-535). Ora, segundo as recorrentes, embora a decisão recorrida, nos considerandos 13 a 15 e 286, aborde, de forma superficial, disposições do AT relativas aos contratos de serviço, não aborda a questão dos contratos individuais de serviço efectivamente celebrados com os carregadores. Logo, esses contratos não são visados pela infracção declarada ao artigo 1.° da decisão AT. De acordo com as recorrentes, esses contratos são lícitos.

402.
    Em terceiro lugar, segundo as recorrentes, o artigo 5.° da decisão recorrida viola o princípio da segurança jurídica. As recorrentes salientam, em particular, asincertezas quanto à extensão da obrigação de informarem os seus clientes da possibilidade que lhes é dada de renegociar ou de pôr termo aos contratos de serviço.

403.
    Em quarto lugar, a Comissão não tinha mencionado na comunicação de acusações a possibilidade de dirigir às partes no AT uma intimação formulada nos termos do artigo 5.° da decisão recorrida. Não tendo as recorrentes tido a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista quanto a essa intimação, o artigo viola as disposições do artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julho de 1963, relativo às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.° do Regulamento n.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 08 F1 p. 62) (acórdão pasta de papel II, n.os 152 a 154).

404.
    Em resposta a esta alegações, a Comissão lembra, desde logo, que o AT proibia que as companhias membros propusessem contratos de serviço individuais a determinados clientes e assinala que essa proibição era, na realidade, uma medida de disciplina destinada a evitar os abusos, ao impedir as companhias de oferecer o que poderia ser considerado reduções dos preços do transporte marítimo.

405.
    A Comissão alega, em seguida, que o artigo 5.° da decisão recorrida teve por objectivo impedir as recorrentes de continuarem a beneficiar de vantagens de contratos de longa duração celebrados com base num acordo de fixação de preços considerado ilegal. Mesmo que, só por si, esses contratos não sejam nulos, os clientes devem poder renegociá-los com base em condições normais de concorrência.

406.
    A Comissão considera que uma intimação como a que consta do artigo 5.° da decisão AT é um elemento necessário e inerente à intimação destinada a fazer cessar as infracções, tal como prevista no artigo 11.° dos Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 1017/68, numa situação em que o comportamento que constitui uma infracção assume a forma de relações contratuais duradouras com terceiros. Permitir que os membros de um acordo continuem a aplicar preços fixados ilegalmente, unicamente pelo facto de esses preços estarem incluídos nos contratos de longa duração, privaria de qualquer significado a declaração de ilegalidade. Por conseguinte, o artigo 5.° da decisão recorrida tem por objectivo a reposição do direito ou pôr fim a infracções e é indispensável para esse efeito. O facto de os contratos individuais de serviço não serem, em si mesmo, contrários ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado não tem a ver com a questão em apreço.

407.
    A Comissão entende que, na medida em que uma intimação como a do artigo 5.° da decisão AT é um elemento indispensável da intimação para se pôr fim a uma infracção, não é necessário fornecer justificações particulares nem chamar a atenção dos interessados, na comunicação de acusações. Uma vez que as recorrentes foram informadas de que a Comissão tinha a intenção de as intimar a pôr fim às acções consideradas contrárias ao artigo 85.° do Tratado, não poderiam esperar ser autorizadas a continuar a beneficiar dos efeitos dessas acções.

408.
    A Comissão contesta a existência de uma contradição entre o ponto de vista segundo o qual o artigo 5.° da decisão AT é parte integrante da intimação para fazer cessar as infracções e a exigência de uma fundamentação clara na referida decisão. Refere, a esse respeito, que os contratos de serviço celebrados antes da publicação da decisão recorrida não são nulos face ao direito comercial, uma vez que não eram acordos contrários ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, mas que estão, não obstante «manchados» da ilegalidade do AT, na medida em que não foram livremente negociados, antes reflectiam as disposições de fixação de preços do AT. O artigo 5.° da decisão recorrida é, assim, necessário e válido, uma vez que o seu objectivo é o de assegurar que a concorrência no mercado dos serviços ligados ao transporte marítimo de linha venha a ser, tão cedo quanto possível, aquele que teria prevalecido, a não existir a coordenação ilícita gerada pelo AT. Além disso, impede as recorrentes de continuarem a beneficiar dos frutos do seu acordo ilícito.

409.
    Por último, a Comissão contesta que o artigo 5.° da decisão recorrida tenha falta de clareza e assinala que apenas dispõe que os membros do AT devem dar aos carregadores ainda vinculados por contratos individuais de serviço a possibilidade de renegociarem esses contratos em condições normais de concorrência, mas não impõe qualquer condição quanto ao resultado dessas negociações. A Comissão alega que a intimação constante do artigo 5.° da decisão AT é clara, precisa, necessária e justificada. Quanto um acordo proibido pelo artigo 85.° do Tratado assume a forma de relações duradouras com terceiros, uma intimação como a do artigo 5.° da decisão recorrida é indispensável para pôr termo às infracções verificadas. A Comissão entende, assim, ter actuado dentro dos limites dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 11.°, n.° 1, dos Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 1017/68.

B - Apreciação do Tribunal

410.
    Resulta da jurisprudência que, no âmbito do poder de que dispõe para efeitos de aplicação do artigo 3.° do Regulamento n.° 17 e, portanto, também do artigo 11.°, n.° 1, dos Regulamentos n.° 4056/86 e n.° 1017/68, a Comissão pode precisar o alcance das obrigações que incumbem às empresas em causa a fim de ser posto fim às infracções verificadas. A aplicação desse poder deve ser feita em função da natureza da infracção verificada (v., por exemplo, acórdãos Istituto chemioterapico italiano e Commercial Solvents/Comissão, já referido, n.° 45, RTE e ITP/Comissão, já referido, n.° 90, e acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Outubro de 1998, Langnese-Iglo/Comissão, C-279/95 P, Colect., p. I-5609, n.° 74), e as obrigações impostas não devem ir além dos limites do que é adequado e necessário para atingir a finalidade prosseguida, isto é, a reposição da legalidade em relação às regras que, concretamente, foram infringidas (v. acórdão RTE e ITP/Comissão, já referido, n.° 93).

411.
    O artigo 5.° da decisão AT dispõe que as partes no AT devem informar os clientes com os quais tenham celebrado contratos de serviço ou outros contratos no âmbitodo AT de «que podem, se assim o desejarem, renegociar as condições de tais contratos ou resolvê-los».

412.
    A Comissão reconhece que os contratos de serviço celebrados pelas recorrentes não são, em si mesmos, contrários ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado. Os referidos contratos não fazem, assim, parte das infracções verificadas na decisão AT. A Comissão entende, contudo, que a intimação dirigida às recorrentes, com vista a permitir aos seus clientes renegociar ou resolver esses contratos, era necessária, uma vez que os efeitos das infracções verificadas poderiam subsistir se os destinatários da referida decisão pudessem continuar a beneficiar das vantagens económicas proporcionadas por contratos de execução sucessiva celebrados com base no acordo horizontal de fixação de preços e de limitação da oferta que o AT constituía.

413.
    Há que observar, a esse respeito, que a maior parte dos acordos horizontais de fixação de preços ou de repartição do mercado têm esses efeitos, mais ou menos duradouros, sobre os terceiros, sem que, contudo, a Comissão considere habitualmente necessário acompanhar as suas decisões de verificação de infracções de uma obrigação análoga à contida no artigo 5.° da decisão recorrida. Refira-se que as recorrentes alegaram, sem impugnação, que a Comissão só tinha imposto uma obrigação idêntica à que consta do artigo 5.° da decisão AT na Decisão 93/50/CEE, de 23 de Dezembro de 1992, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/32.745 - Astra) (JO L 20, p. 23), e que tinha tido o cuidado de acompanhar essa obrigação de uma fundamentação detalhada nessa decisão. Além disso, os contratos referidos no caso presente, celebrados pelo período de um ano, não podem ser considerados de duração particularmente longa.

414.
    Por outro lado, para além da sanção de nulidade expressamente prevista no artigo 85.°, n.° 2, do Tratado, é, de acordo com a jurisprudência, ao direito nacional que cabe definir, no plano civil, as consequências ligadas a uma violação do artigo 85.° do Tratado, como a obrigação de reparar um prejuízo causado a um terceiro ou uma eventual obrigação de contratar (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2001, Courage e Crehan, C-453/99, Colect., p. I-6297, n.° 29, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T-24/90, Colect., p. II-2223, n.° 50), na condição, porém, de não se pôr em causa o efeito útil do Tratado.

415.
    Daí resulta que, pelo menos, a medida contida no artigo 5.° da decisão recorrida não se impunha de forma evidente e não corresponde à prática decisória habitual da Comissão. Nestas condições, incumbia à Comissão desenvolver o seu raciocínio de forma explícita (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975, Groupement des fabricants de papiers peints de Belgique e o./Comissão, 73/74, Colect., p. 503, n.° 31). Ora, não só a Comissão não explicou, na decisão recorrida, as razões pelas quais, apesar de os contratos não serem contrários ao artigo 85.°, n.° 1, do Tratado, seria necessário, para pôr termo às infracções declaradas, que as recorrentes oferecessem aos seus clientes apossibilidade de os renegociar, mas, além disso, nenhum ponto da decisão AT aborda a questão do destino desses contratos de serviço celebrados com carregadores.

416.
    Daí resulta que o artigo 5.° da decisão AT deve ser anulado por violação do dever de fundamentação.

417.
    Por outro lado, de acordo com o artigo 23.° do Regulamento n.° 4056/86, antes de tomar uma decisão, prevista no artigo 11.° do referido regulamento, que ordena às empresas que ponham fim à infracção verificada, ou uma decisão, prevista no artigo 19.° do mesmo regulamento, que aplica uma coima, a Comissão deve dar às empresas em causa a oportunidade de darem a conhecer o seu ponto de vista sobre as acusações que lhes são dirigidas. Este direito de as empresas apresentarem as suas observações quanto a todas as acusações que a Comissão se propõe dirigir-lhes é definido pelo Regulamento n.° 4260/88 da Comissão, de 16 de Dezembro de 1988, relativo às comunicações, às denúncias, aos pedidos e às audições previstos pelo Regulamento n.° 4056/86 (JO L 376, p. 1), e, em particular, pelos artigos 6.° a 8.° do mesmo, uma vez que o artigo 8.° do referido regulamento corresponde ao artigo 4.° do Regulamento n.° 99/63. A jurisprudência relativa a esta última disposição e, nomeadamente, aquela segundo a qual a Comissão não pode aplicar uma coima a uma empresa sem a ter informado previamente, na comunicação de acusações, da sua intenção a esse respeito (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 20; acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, já referido, n.° 480), é, deste modo, aplicável por analogia no caso presente. Aliás, o Tribunal de Justiça já declarou que o exercício do direito de uma empresa a ser ouvida antes de ser tomada uma decisão a seu respeito inscreve-se, principalmente, no âmbito dos processos judiciais ou administrativos destinados a fazer cessar uma infracção ou a declarar uma incompatibilidade legal, tais como os processos referidos no Regulamento n.° 99/63 (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Junho de 1980, National Panasonic/Comissão, 136/79, Recueil, p. 2033, n.° 21).

418.
    Daí resulta que, mesmo que, como refere a Comissão, a intimação prevista no artigo 5.° da decisão recorrida se pudesse considerar necessária para restabelecer o respeito do direito e uma vez que cabe nos poderes da Comissão ordenar às empresas em causa, nos termos do artigo 11.° dos Regulamentos n.° 1017/68 e n.° 4056/86, que «[ponham] termo à infracção verificada», de qualquer forma, a comunicação de acusações devia ter incluído uma exposição, mesmo sumária, mas formulada em termos suficientemente claros, das medidas que a Comissão projectava tomar para pôr fim às infracções e fornecer todos os elementos necessários às recorrentes para poderem apresentar utilmente a sua defesa antes de a Comissão adoptar uma decisão definitiva quanto a esse ponto. Esta conclusão impõe-se ainda mais quando os contratos individuais de serviço representavam uma parte significativa do volume de negócios das recorrentes e a obrigação derenegociar com os clientes poderia, assim, ter importantes consequências para as recorrentes ou mesmo constituir uma sanção mais grave do que uma coima.

419.
    Ora, é manifesto que não se pode considerar que o n.° 390 da comunicação de acusações, no qual a Comissão se limitou a indicar que pensava ordenar a cessação das infracções ao artigo 85.° do Tratado, informava suficientemente as recorrentes da intenção da instituição de proceder à intimação constante do artigo 5.° da decisão recorrida. Na medida em que, por meio desse artigo, a Comissão impõe às recorrentes uma obrigação sobre a qual não tiveram a oportunidade de se pronunciar, os argumentos das recorrentes, assentes em violação do direito de defesa, são igualmente procedentes.

420.
    Daí resulta que, sem que seja necessário apreciar se a intimação constante do artigo 5.° da decisão AT excede os limites do apropriado e necessário para assegurar a reposição da legalidade face ao artigo 85.° do Tratado, o artigo 5.° da decisão recorrida deve ser anulado.

III - Quanto à anulação dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão AT, na medida em que proíbem os contratos de serviço celebrados em comum

A - Argumentos das partes

[421 a 423]

B - Apreciação do Tribunal

424.
    De acordo com o artigo 1.° da decisão recorrida, «as disposições do acordo AT relativas aos acordos de fixação de preços e de capacidade constituem infracções ao n.° 1 do artigo 85.° do Tratado». Na parte da decisão AT que contém a apreciação jurídica dos acordos de fixação de preços do transporte marítimo, expõe-se, nos considerandos 285 e 286, o seguinte: «Os acordos de fixação de preços no transporte marítimo celebrados pelas companhias marítimas membros do AT são acordos entre empresas na acepção do n.° 1 do artigo 85.° do Tratado. Estes acordos, descritos nos considerandos 11 a 15, têm por objectivo ou efeito restringir a concorrência no mercado comum.» Daí resulta que os acordos a que se refere o artigo 1.° da decisão AT são os acordos «descritos nos considerandos 11 a 15» desta decisão.

425.
    Embora seja certo que os considerandos 13 a 15 da decisão AT dizem respeito aos contratos de serviço, há que observar que os referidos considerandos se limitam a expor que o AT submetia a celebração de contratos de serviço pelos membros da conferência a uma série de regras e condições quanto à sua duração, às quantidades mínimas a que deviam dizer respeito e às formas de negociação.

426.
    Assim, há que observar que, da remissão feita pelo considerando 286 para essas passagens da decisão AT, não se pode concluir que esta proibia a celebração em comum de contratos de serviço.

427.
    Daí resulta que, como acertadamente alega a Comissão, o pedido das recorrentes, de anulação dos artigos 1.° a 4.° da decisão AT, na medida em que proíbem os contratos de serviço celebrados em comum não tem objecto devendo, portanto, ser julgado improcedente.

Conclusão

428.
    Resulta da globalidade da análise a que o Tribunal procedeu que o artigo 5.° da decisão AT deve ser anulado e que deve ser negado provimento ao recurso quanto ao restante.

Quanto às despesas

429.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do artigo 87.°, n.° 3 do mesmo regulamento, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

430.
    Tendo as recorrentes sido vencidas quanto ao essencial, há que condená-las a suportar as respectivas despesas bem como quatro quintos das despesas, incluídas as relativas aos dois processos de medidas provisórias T-395/94 R e T-395/94 R II, efectuadas pela Comissão e pelos intervenientes ECTU, AUTF e FTA, de acordo com o seu pedido nesse sentido.

431.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, as intervenientes ECSA e JSA suportarão as respectivas despesas, incluindo as relativas aos dois processos de medidas provisórias acima referidos.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)    O artigo 5.° da Decisão 94/980/CE da Comissão, de 19 de Outubro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.446 - Acordo Transatlântico), é anulado.

2)    Nega-se provimento ao recurso quanto ao restante.

3)    As recorrentes suportarão as respectivas despesas e quatro quintos das despesas efectuadas pela Comissão e pelos intervenientes The Freight Transport Association Ltd, Association des utilisateurs de transport de fret e The European Council of Transport Users ASBL, incluindo as relativas aos dois processos de medidas provisórias T-395/94 R e T-395/94 R II.

4)    A Comissão suportará um quinto das respectivas despesas.

5)    Os intervenientes The Freight Transport Association Ltd, Association des utilisateurs de transport de fret e The European Council of Transport Users ASBL suportarão um quinto das respectivas despesas.

6)    As intervenientes The European Community Shipowners' Associations ASBL e The Japanese Shipowners' Association suportarão as respectivas despesas, incluindo as relativas aos dois processos de medidas provisórias T-395/94 R e T-395/94 R II.

Lenaerts
Azizi
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

M. Jaeger

Índice

     Enquadramento jurídico

II - 3

     Factos na origem do litígio

II - 6

     Tramitação processual

II - 13

     Pedidos das partes

II - 14

     Quanto à utilidade da lide

II - 15

     Quanto ao mérito

II - 16

     Quanto ao pedido principal de anulação da decisão recorrida

II - 16

         I - Quanto ao primeiro fundamento, assente em violação do artigo 85.°, n.° 1, do Tratado

II - 16

             A - Argumentos das partes

II - 16

             B - Apreciação do Tribunal

II - 16

         II - Quanto ao segundo fundamento, relativo à não aplicação ao AT da isenção por categoria prevista no artigo 3.° do Regulamento n.° 4056/86

II - 24

             A - Argumentos das recorrentes

II - 24

                 1. Quanto à errada apreciação das características económicas do transporte marítimo de linha

II - 24

                     a) Quanto à inadmissibilidade parcial da contestação da Comissão

II - 24

                     b) Características económicas do mercado dos serviços regulares de transporte marítimo

II - 24

                     c) Efeitos estabilizadores do AT na rota transatlântica

II - 24

                     d) Reconhecimento pelo direito comunitário da instabilidade intrínseca do mercado dos serviços regulares de transporte marítimo

II - 25

                 2. Quanto à definição da conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86 e quanto à estrutura tarifária dualista do AT

II - 25

             B - Argumentos da ECSA e da JSA

II - 25

             C - Argumentos da Comissão

II - 25

             D - Argumentos da FTA, da AUTF e do ECTU

II - 25

             E - Apreciação do Tribunal

II - 25

                 1. Quanto à definição de conferência marítima na acepção do Regulamento n.° 4056/86

II - 26

                 2. Quanto à qualificação do AT

II - 36

                 3. Conclusões quanto à isenção por categoria

II - 37

         III - Quanto ao terceiro fundamento, relativo à recusa da concessão de uma isenção individual

II - 38

             A - Decisão AT

II - 38

                 1. Quanto aos acordos relativos ao transporte marítimo

II - 38

                     a) Primeira condição: melhorar a produção ou a distribuição dos produtos ou promover o progresso técnico ou económico

II - 38

                     b) Segunda condição: reservar aos utilizadores uma parte equitativa do lucro

II - 39

                     c) Terceira condição: não impor às empresas envolvidas restrições não indispensáveis para se atingir os objectivos pretendidos

II - 40

                     d) Quarta condição: não dar às empresas em causa a possibilidade de eliminarem a concorrência numa parte substancial dos produtos em causa

II - 40

                 2. Quanto aos acordos relativos ao transporte terrestre

II - 41

                     a) Primeira condição

II - 41

                     b) Segunda condição

II - 42

                     c) Terceira condição

II - 42

                     d) Quarta condição

II - 42

             B - Argumentos das recorrentes

II - 42

                 1. Quanto à recusa de concessão da isenção individual aos acordos relativos ao transporte marítimo

II - 43

                     a) Primeira condição

II - 43

                     b) Segunda condição

II - 43

                     c) Terceira condição

II - 43

                     d) Quarta condição

II - 43

                     i) Mercado relevante

II - 43

                     Quanto ao mercado dos serviços em causa

II - 43

                     Quanto ao mercado geográfico relevante

II - 43

                     ii) Concorrência

II - 43

                     Quanto à concorrência interna

II - 43

                     Quanto à quota de mercado detida pelos membros do AT e à concorrência que exercem no mercado em causa

II - 43

                     Quanto à concorrência externa

II - 44

                     - Efeitos acumulados das diversas fontes de concorrência externa

II - 44

                     - Concorrência potencial

II - 44

                 2. Quanto à recusa de concessão de isenção individual aos acordos relativos ao transporte terrestre

II - 44

             C - Argumentos da ECSA

II - 44

             D - Argumentos da Comissão

II - 44

             E - Argumentos da FTA e do ECTU

II - 44

             F - Apreciação do Tribunal quanto à isenção individual

II - 44

                 1. Admissibilidade de determinados elementos da contestação e dos anexos

II - 44

                 2. Quanto à recusa de concessão de uma isenção individual aos acordos relativos ao transporte marítimo

II - 47

                     a) Quanto à definição do mercado em causa

II - 47

                     i) Quanto ao mercado dos serviços em causa

II - 48

                 Quanto ao transporte aéreo

II - 49

                 Quanto ao transporte marítimo em linha convencional (break-bulk)

II - 50

                     ii) Dimensão geográfica do mercado em causa

II - 52

                     b) Quanto à possibilidade de eliminação da concorrência relativamente a uma parte substancial dos serviços em causa

II - 54

                     i) Quanto à concorrência interna

II - 55

                     ii) Quanto à parte substancial do mercado em causa detida pelos membros do AT

II - 59

                     iii) Quanto à concorrência externa

II - 62

                     Concorrência na rota transatlântica directa

II - 62

                     Outras fontes de concorrência (a concorrência potencial)

II - 64

                     - Substituição do lado da oferta

II - 65

                     - Quanto à concorrência exercida pelos transportadores ausentes da rota transatlântica mas com possibilidades de entrar na mesma

II - 67

                     Quanto à isenção, a título individual, dos acordos de fixação de preços do transporte terrestre

II - 71

     Quanto à violação do artigo 190.° do Tratado

II - 71

     Quanto à violação do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu

II - 72

         I - Argumentos das partes

II - 72

         II - Apreciação do Tribunal

II - 72

     Quanto aos pedidos subsidiários

II - 72

         I - Quanto à anulação dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão AT, na medida em que proíbem a possibilidade de fixarem os preços do transporte combinado

II - 72

             A - Argumentos das partes

II - 73

             B - Apreciação do Tribunal

II - 73

         II - Quanto à anulação do artigo 5.° da decisão AT relativamente aos contratos de serviço

II - 74

             A - Argumentos das partes

II - 74

             B - Apreciação do Tribunal

II - 77

         III - Quanto à anulação dos artigos 1.°, 2.°, 3.° e 4.° da decisão AT, na medida em que proíbem os contratos de serviço celebrados em comum

II - 79

             A - Argumentos das partes

II - 79

             B - Apreciação do Tribunal

II - 79

     Conclusão

II - 80

     Quanto às despesas

II - 80


1: Língua do processo: inglês.


2:     Apenas se reproduzem os números da fundamentação do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil.