Language of document : ECLI:EU:C:2022:378

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção)

12 de maio de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Aproximação das legislações — Diretiva 90/435/CEE — Regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes — Artigo 4.o e artigo 7.o, n.o 2 — Prevenção da dupla tributação económica dos dividendos»

No processo C‑556/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França), por Decisão de 23 de outubro de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça na mesma data, no processo

Schneider Electric SE,

Axa SA,

BNP Paribas SA,

Engie SA,

Orange SA,

L’Air Liquide, société anonyme pour l’étude et l’exploitation des procédés Georges Claude,

contra

Premier ministre,

Ministre de l’Économie, des Finances et de la Relance,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Segunda Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente da Primeira Secção, exercendo as funções de presidente da Segunda Secção, I. Ziemele (relatora), T. von Danwitz, P. G. Xuereb e A. Kumin, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: C. Di Bella, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 8 de setembro de 2021,

considerando as observações apresentadas:

—        em representação de Schneider Electric SE, Axa SA, Engie SA, Orange SA, por S. Dardour‑Attali, B. Boutemy, S Espasa‑Mattei, C. Smits e C. Vannini, advogados,

—        em representação de L’Air Liquide, société anonyme pour l’étude e l’exploitation des procédés Georges Claude, por A. Madec e G. Blanluet, advogados,

—        em representação do Governo francês, por É. Toutain, E. de Moustier e A.‑L. Desjonquères, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por A. Armenia e V. Uher, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral apresentadas na audiência de 14 de outubro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o e do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (JO 1990, L 225, p. 6).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Schneider Electric SE, a Axa SA, a BNP Paribas SA, a Engie SA, a Orange SA e a L’Air Liquide, société anonyme pour l’étude et l’exploitation des procédés Georges Claude (a seguir «L’Air Liquide»), ao primeiro‑ministro (França) e ao Ministre de l’Économie, des Finances et de la Relance (Ministro da Economia, das Finanças e da Recuperação) (França), a propósito de um recurso de anulação dos comentários administrativos relativos à retenção do imposto do artigo 223.o sexies do code général des impôts (Código Geral dos Impostos), na sua versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «CGI»).

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        O terceiro considerando da Diretiva 90/435 enunciava:

«Considerando que as disposições fiscais que regem atualmente as relações entre sociedades‑mães e afiliadas de Estados‑Membros diferentes variam sensivelmente de uns Estados‑Membros para os outros e são, em geral, menos favoráveis que as aplicáveis às relações entre sociedades‑mães e afiliadas de um mesmo Estado‑Membro; que, por esse facto, a cooperação entre sociedades de Estados‑Membros diferentes é penalizada em comparação com a cooperação entre sociedades de um mesmo Estado‑Membro; que se torna necessário eliminar essa penalização através da instituição de um regime comum e facilitar assim os agrupamentos de sociedades à escala comunitária; […]».

4        O artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva tinha a seguinte redação:

«Os Estados‑Membros aplicarão a presente diretiva:

—        à distribuição dos lucros obtidos por sociedades desse Estado e provenientes das suas afiliadas de outros Estados‑Membros,

—        à distribuição dos lucros efetuada por sociedades desse Estado a sociedades de outros Estados‑Membros, de que aquelas sejam afiliadas.»

5        O artigo 4.o, n.os 1 e 2, da referida diretiva previa:

«1.      Sempre que uma sociedade‑mãe receba, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, lucros distribuídos de outra forma que não seja por ocasião da liquidação desta última, o Estado da sociedade‑mãe:

—        ou se abstém de tributar esses lucros,

—        ou os tributa, autorizando esta sociedade a deduzir do montante do imposto a fração do imposto da afiliada correspondente a tais lucros e, se for caso disso, o montante da retenção na fonte efetuada pelo Estado‑Membro da residência [da] afiliada nos termos das disposições derrogatórias do artigo 5.o, dentro do limite do montante do imposto nacional correspondente.

2.      Todavia, todos os Estados‑Membros conservam a faculdade de prever que os encargos respeitantes à participação e as menos‑valias resultantes da distribuição dos lucros da sociedade afiliada não sejam dedutíveis do lucro tributável da sociedade‑mãe. Se, nesse caso, as despesas de gestão relativas à participação forem fixadas de modo forfetário, o montante forfetário não pode exceder 5 % dos lucros distribuídos pela sociedade afiliada.»

6        O artigo 5.o, n.o 1, da mesma diretiva dispunha:

«Os lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade‑mãe são, pelo menos quando esta detém uma participação mínima de 25 % no capital da afiliada, isentos de retenção na fonte.»

7        O artigo 6.o da Diretiva 90/435 previa:

«O Estado‑Membro de que depende a sociedade‑mãe não pode aplicar uma retenção na fonte sobre os lucros que esta sociedade recebe da sua afiliada.»

8        Nos termos do artigo 7.o desta diretiva:

«1.      A expressão “retenção na fonte”, utilizada na presente diretiva não abrange o pagamento antecipado ou prévio (pagamento por conta) do imposto sobre as sociedades ao Estado‑Membro em que está situada a afiliada, efetuado em ligação com a distribuição de lucros à sociedade‑mãe.

2.      A presente diretiva não afeta a aplicação de disposições nacionais ou convencionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, em especial as relativas ao pagamento de créditos de imposto aos beneficiários de dividendos.»

9        A Diretiva 90/435 foi revogada pela Diretiva 2011/96/UE do Conselho, de 30 de novembro de 2011, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mães e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes (JO 2011, L 345, p. 8), que entrou em vigor em 18 de janeiro de 2012. No entanto, tendo em conta a data dos factos no processo principal, é‑lhes aplicável ratione temporis a Diretiva 90/435.

10      O artigo 4.o, n.os 1 e 3, da Diretiva 2011/96 prevê:

«1.      Sempre que uma sociedade‑mãe ou o seu estabelecimento estável, em virtude da associação da sociedade‑mãe com a sociedade sua afiliada, obtenha lucros distribuídos de outra forma que não seja por ocasião da liquidação desta última, o Estado‑Membro da sociedade‑mãe e o Estado‑Membro do estabelecimento estável da sociedade‑mãe:

a)      Abstêm‑se de tributar esses lucros; ou

b)      Tributam esses lucros autorizando a sociedade‑mãe e o estabelecimento estável a deduzirem do montante do imposto devido a fração do imposto sobre as sociedades paga sobre tais lucros pela sociedade afiliada e por qualquer sociedade subafiliada, na condição de cada sociedade e respetiva sociedade subafiliada estarem abrangidas pelas definições constantes do artigo 2.o e satisfazerem em cada nível os requisitos previstos no artigo 3.o, até ao limite do montante correspondente do imposto devido.

[…]

3.      Cada Estado‑Membro conserva a faculdade de prever que os encargos respeitantes à participação e as menos‑valias resultantes da distribuição dos lucros da sociedade afiliada não sejam dedutíveis do lucro tributável da sociedade‑mãe.

Se, nesse caso, as despesas de gestão relativas à participação forem fixadas de modo forfetário, o montante forfetário não pode exceder 5 % dos lucros distribuídos pela sociedade afiliada.»

 Direito francês

 Disposições relativas ao crédito de imposto e ao imposto retido na fonte

11      O artigo 158.o bis do CGI previa que as pessoas que recebiam dividendos distribuídos por sociedades francesas dispõem, em relação aos mesmos, de um rendimento constituído pelos montantes que recebiam da sociedade e por um crédito de imposto representado por um crédito sobre o Tesouro. Este crédito de imposto era igual a metade dos montantes efetivamente pagos pela sociedade.

12      Nos termos do artigo 223.o sexies, primeiro parágrafo, desse código:

«[…] quando os rendimentos distribuídos por uma sociedade provêm de montantes pelos quais essa sociedade não ficou sujeita a imposto sobre as sociedades à taxa normal […], a referida sociedade está obrigada ao pagamento por conta igual ao montante do crédito previsto no artigo 158.o bis e associado a essas distribuições Este imposto é devido independentemente dos beneficiários das distribuições.»

13      Os artigos 158.o bis e 223.o sexies do CGI foram revogados, respetivamente, relativamente aos rendimentos distribuídos ou recebidos e aos créditos de imposto utilizáveis, a partir de 1 de janeiro de 2005.

 Disposições relativas ao regime das sociedadesmães

14      O artigo 145.o do CGI tinha a seguinte redação:

«1.      O regime fiscal das sociedades‑mães, tal como está definido nos artigos 146.o e 216.o, é aplicável às sociedades e outras entidades sujeitas ao imposto sobre as sociedades à taxa normal que detenham participações que preencham os seguintes requisitos:

[…]

b.      […] os títulos de participação devem representar, pelo menos, 10 % do capital da sociedade emitente; […]»

15      O artigo 146.o, n.o 2, do CGI dispõe:

«Quando as distribuições realizadas por uma sociedade‑mãe dão lugar à aplicação do pagamento por conta previsto no artigo 223 sexies, é deduzido a este imposto, sendo caso disso, o montante dos créditos de imposto associados aos rendimentos das participações […], recebidos no decurso dos exercícios encerrados nos últimos cinco anos, no máximo.»

16      Nos termos do artigo 216.o do CGI:

«Os rendimentos líquidos das participações que confiram direito à aplicação do regime das sociedades‑mães e referidos no artigo 145.o, auferidos no decurso de um exercício por uma sociedade‑mãe, podem ser deduzidos do lucro líquido total desta sociedade‑mãe.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

17      A Schneider Electric, a Axa, a Engie e a Orange (a seguir, em conjunto, «Schneider Electric e o.»), bem como a BNP Paribas e a L’Air Liquide interpuseram no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) um recurso de anulação dos comentários administrativos relativos ao artigo 223.o sexies do CGI, publicados em 1 de novembro de 1995 na documentação de base com as referências 4 J 1321 e 4 J 1322, bem como dos comentários administrativos constantes da Instrução 4 J‑1‑01, de 21 de março de 2001, publicados no bulletin officiel des impôts (Boletim Oficial dos Impostos) n.o 62, em 30 de março de 2001.

18      As recorrentes no processo principal consideram que os comentários impugnados reiteram as disposições que instituem o pagamento por conta previsto no artigo 223.o sexies do CGI, que são elas próprias incompatíveis com as disposições do artigo 4.o da Diretiva 90/435, uma vez que o pagamento por conta relativo a rendimentos de valores mobiliários retido na fonte tem o caráter de uma medida fiscal prevista pelo Estado‑Membro de uma sociedade‑mãe que prevê a cobrança do imposto no momento da distribuição dos dividendos pela sociedade‑mãe e cuja matéria coletável é constituída pelos montantes dos dividendos distribuídos, incluindo os provenientes das filiais não residentes desta sociedade.

19      Resulta do pedido de decisão prejudicial que as disposições do artigo 223.o sexies do CGI, conforme interpretadas pelos comentários impugnados, foram aplicadas à Schneider Electric e o. e à L’Air Liquide a título, consoante os casos, dos exercícios de 2000 a 2004, devido à distribuição de montantes cobrados sobre lucros que lhes tinham sido distribuídos por filiais estabelecidas em França, noutros Estados‑Membros ou em Estados terceiros, e que essas sociedades impugnaram o montante global desses impostos.

20      Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio considerou que a Schneider Electric e o. e a L’Air Liquide demonstraram ter interesse em agir contra os comentários impugnados. Em contrapartida, o BNP Paribas não justificou um interesse pessoal que lhe confira legitimidade processual ativa a este respeito, uma vez que esta sociedade não alegou que as disposições do artigo 223.o sexies do CGI, conforme interpretadas pelos referidos comentários, lhe tenham sido aplicadas, nem ter sido excluída de um benefício que as pessoas visadas por esta interpretação poderiam invocar.

21      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, no que respeita ao tratamento fiscal dos lucros abrangidos pelo âmbito de aplicação da Diretiva 90/435, o legislador francês optou, nos artigos 145.o e 216.o do CGI, pelo sistema de isenção, previsto no artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, desta diretiva, sem prejuízo da tributação de uma quota‑parte das despesas e dos encargos, fixada de modo forfetário em 5 %, que representa as despesas e os encargos suportados pela sociedade‑mãe respeitantes à sua participação na filial que distribuiu esses lucros, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, da referida diretiva. Os referidos lucros estão, portanto, isentos na proporção de 95 %.

22      Esse órgão jurisdicional salienta que só o autor de uma redistribuição está sujeito ao pagamento por conta relativo aos rendimentos de valores mobiliários previsto no artigo 223.o sexies do CGI e que, por conseguinte, à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça, este pagamento por conta não tem a natureza de uma retenção na fonte na aceção dos artigos 5.o e 6.o e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 90/435, no que as partes estão de acordo. Em contrapartida, o referido pagamento por conta relativo aos rendimentos de valores mobiliários é suscetível de entrar no âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435.

23      Todavia, na medida em que o pagamento por conta previsto no artigo 223.o sexies do CGI era um dos elementos constitutivos de um mecanismo de eliminação da dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se quanto a saber se este pagamento por conta não é abrangido pelo artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435. Com efeito, o referido pagamento por conta era devido no caso de distribuição de lucros que davam origem à atribuição de um crédito fiscal, a saber, um crédito de imposto, quando esses lucros não foram sujeitos ao imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral, e destinava‑se a obstar a que o crédito de imposto aplicado a esses rendimentos não tivesse justificação à luz do encargo fiscal suportado pela sociedade distribuidora em razão dos lucros sobre os quais são cobrados e, assim, evitar que a atribuição desse crédito de imposto constituísse um «efeito benéfico inesperado».

24      Uma vez que, em conformidade com o Acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor (C‑310/09, EU:C:2011:581), a sociedade que recebe os dividendos tem direito a um crédito de imposto que permite assegurar o mesmo tratamento fiscal dos dividendos provenientes de sociedades com sede em França e dos que provêm de sociedades com sede noutro Estado‑Membro, imputável no imposto sobre os rendimentos mobiliários retido na fonte previsto no artigo 223.o sexies do CGI, a aplicação deste imposto retido na fonte não parece, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, ter por efeito impedir o objetivo prosseguido pela Diretiva 90/435.

25      Nestas condições, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«[O] artigo 4.o da [Diretiva 90/435], tendo em conta, nomeadamente, o artigo 7.o, n.o 2, da mesma, opõe‑se a uma disposição, como o artigo 223.o sexies do [CGI], que prevê, para a correta aplicação de um dispositivo destinado a suprimir a dupla tributação económica dos dividendos, uma imposição aquando da redistribuição, por uma sociedade‑mãe, de lucros que lhe tenham sido distribuídos por [sociedades afiliadas] estabelecidas noutro Estado‑Membro da União Europeia?»

 Quanto ao pedido de reabertura da fase oral do processo

26      Na sequência da apresentação das conclusões da advogada‑geral, a Schneider Electric e o. e a L’Air Liquide, por requerimentos que deram entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 22 de outubro de 2021, pediram a reabertura da fase oral do processo, nos termos do artigo 83.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

27      Em apoio do seu pedido, a Schneider Electric e o. e a L’Air Liquide alegam, antes de mais, que determinadas considerações relativas ao dispositivo do crédito fiscal e do pagamento por conta, nas quais assentam as conclusões da advogada‑geral, são erradas.

28      Em seguida, a Schneider Electric e o. alegam que alguns dos seus argumentos ficaram sem resposta e contestam igualmente o exemplo quantitativo fornecido no n.o 47 das conclusões da advogada‑geral.

29      Por último, a L’Air Liquide alega que certos argumentos contidos nas conclusões da advogada‑geral são contraditórios, ou mesmo contrários à redação do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435 e aos trabalhos preparatórios desta disposição.

30      A este respeito, importa recordar que, por força do artigo 252.o, segundo parágrafo, TFUE, cabe ao advogado‑geral apresentar publicamente, com toda a imparcialidade e independência, conclusões fundamentadas sobre as causas que, nos termos do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, requeiram a sua intervenção. O Tribunal de Justiça não está vinculado nem por essas conclusões nem pela fundamentação através da qual o advogado‑geral chega às suas conclusões (Acórdão de 16 de dezembro de 2020, Conselho e o./K. Chrysostomides & Co. e o., C‑597/18 P, C‑598/18 P, C‑603/18 P e C‑604/18 P, EU:C:2020:1028, n.o 58 e jurisprudência referida).

31      Além disso, o Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e o Regulamento de Processo não preveem a possibilidade de os interessados referidos no artigo 23.o desse Estatuto apresentarem observações em resposta às conclusões apresentadas pelo advogado‑geral (Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 30 e jurisprudência referida).

32      Por conseguinte, o desacordo de um interessado referido no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia com as conclusões do advogado‑geral, sejam quais forem as questões nelas examinadas, não constitui, em si mesmo, um fundamento justificativo da reabertura da fase oral do processo (v., neste sentido, Acórdão de 16 de novembro de 2021, Prokuratura Rejonowa w Mińsku Mazowieckim e o., C‑748/19 a C‑754/19, EU:C:2021:931, n.o 31 e jurisprudência referida).

33      É verdade que o Tribunal de Justiça pode, a qualquer momento, ouvido o advogado‑geral, ordenar a reabertura da fase oral do processo, em conformidade com o artigo 83.o do seu Regulamento de Processo, designadamente se considerar que não está suficientemente esclarecido, ou quando, após o encerramento dessa fase, uma parte invocar um facto novo que possa ter influência determinante na decisão do Tribunal, ou ainda quando o processo deva ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre as partes ou os interessados referidos no artigo 23.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia.

34      Todavia, no caso em apreço, o Tribunal de Justiça salienta que dispõe de todos os elementos necessários para decidir e que o presente processo não deve ser resolvido com base num argumento que não foi debatido entre os interessados nas fases escrita e oral do processo. Além disso, o pedido de reabertura da fase oral do processo não contém nenhum facto novo suscetível de exercer uma influência determinante na decisão que o Tribunal de Justiça é chamado a proferir neste processo.

35      Nestas condições, o Tribunal de Justiça considera, ouvida a advogada‑geral, que não há que ordenar a reabertura da fase oral do processo.

 Quanto à questão prejudicial

36      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 90/435 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que uma sociedade‑mãe é devedora de um pagamento por conta no caso de redistribuição aos seus acionistas dos lucros distribuídos pelas suas filiais, que dão lugar à atribuição de um crédito fiscal, quando esses lucros não tenham sido sujeitos ao imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral e, se for caso disso, se essa regulamentação está abrangida pelo artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva.

 Quanto à interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 90/435

37      A título preliminar, importa salientar que resulta do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 90/435 que, sempre que uma sociedade‑mãe receba, na qualidade de sócia da sociedade sua afiliada, lucros distribuídos, o Estado‑Membro no qual está sediada a sociedade‑mãe se abstém de tributar esses lucros ou autoriza esta sociedade‑mãe a deduzir do montante do imposto a fração do imposto da afiliada correspondente a tais lucros e, se for caso disso, o montante da retenção na fonte efetuada pelo Estado‑Membro de residência da afiliada, dentro do limite do montante do imposto nacional correspondente.

38      A Diretiva 90/435 deixa assim explicitamente aos Estados‑Membros a escolha entre o regime de isenção e o regime de imputação previstos, respetivamente, no primeiro e segundo travessões do artigo 4.o, n.o 1, desta (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C‑389/18, EU:C:2019:1132, n.o 31).

39      Segundo as indicações que figuram no pedido de decisão prejudicial, como mencionadas no n.o 21 do presente acórdão, o legislador francês optou, nos artigos 145.o e 216.o do CGI, pelo regime de isenção, previsto no artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435. Por conseguinte, é à luz desta disposição que deve ser dada resposta à questão submetida.

40      A este respeito, há que ter em conta não só o teor do primeiro travessão do artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435, mas também os objetivos e a sistemática da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 8 de março de 2017, Wereldhave Belgium e o., C‑448/15, EU:C:2017:180, n.o 24 e jurisprudência referida).

41      Em primeiro lugar, importa salientar que a redação do artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435 é, em substância, idêntica à do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/96, relativamente ao qual o Tribunal de Justiça declarou que, ao prever que o Estado‑Membro da sociedade‑mãe e o Estado‑Membro do seu estabelecimento estável «[se abstêm] de tributar esses lucros», esta disposição proíbe aos Estados‑Membros tributar a sociedade‑mãe ou o seu estabelecimento estável pelos lucros distribuídos pela sociedade afiliada à sua sociedade‑mãe, sem distinguir que a tributação da sociedade‑mãe tem como facto gerador a receção desses lucros ou a sua redistribuição (Acórdão de 17 de maio de 2017, X, C‑68/15, EU:C:2017:379, n.o 79).

42      No que respeita, em segundo lugar, ao contexto em que se insere o artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435, importa salientar que, por força do artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva, todos os Estados‑Membros conservam a faculdade de prever que os encargos respeitantes à participação na sociedade afiliada não sejam dedutíveis do lucro tributável da sociedade‑mãe, sendo especificado que se, nesse caso, as despesas de gestão relativas à referida participação forem fixadas de modo forfetário, o montante forfetário não pode exceder 5 % dos lucros distribuídos pela sociedade afiliada.

43      Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça considerou que a conclusão recordada no n.o 41 do presente acórdão era confirmada pelo objetivo da Diretiva 2011/96 que visa suprimir a dupla tributação dos lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade‑mãe ao nível da sociedade‑mãe. Ora, uma tributação desses lucros por parte do Estado‑Membro da sociedade‑mãe nessa sociedade aquando da redistribuição desses últimos, que tem como efeito submeter os referidos lucros a uma tributação que excede, de facto, o limite de 5 % previsto no artigo 4.o, n.o 3, desta diretiva, conduziria a uma dupla tributação ao nível dessa sociedade, proibida pela referida diretiva (Acórdão de 17 de maio de 2017, X, C‑68/15, EU:C:2017:379, n.o 80).

44      A Diretiva 90/435 prossegue igualmente esse objetivo. Como resulta, nomeadamente, do seu terceiro considerando, esta visa, através da instituição de um regime fiscal comum, eliminar a penalização da cooperação entre sociedades de Estados‑Membros diferentes relativamente à cooperação entre sociedades de um mesmo Estado‑Membro e facilitar assim o agrupamento de sociedades à escala da União. A referida diretiva tem assim como finalidade garantir a neutralidade, no plano fiscal, da distribuição de lucros por uma filial estabelecida num Estado‑Membro à sua sociedade‑mãe estabelecida noutro Estado‑Membro (Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C‑389/18, EU:C:2019:1132, n.o 35 e jurisprudência referida).

45      A fim de alcançar este objetivo da neutralidade, a Diretiva 90/435 pretende evitar, nomeadamente, através da regra prevista no seu artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, a dupla tributação desses lucros, em termos económicos, isto é, evitar que os lucros distribuídos sejam tributados, uma primeira vez, à sociedade afiliada e, uma segunda vez, à sociedade‑mãe (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C‑389/18, EU:C:2019:1132, n.o 36 e jurisprudência referida).

46      Por conseguinte, uma vez que o artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2011/96 tem um alcance, em substância, idêntico ao do artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435, e estas duas diretivas prosseguem os mesmos objetivos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à primeira disposição é igualmente aplicável à segunda [v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 2020, GVC Services (Bulgária), C‑458/18, EU:C:2020:266, n.o 34].

47      Além disso, resulta desde logo, da jurisprudência do Tribunal de Justiça, que a aplicação do artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435 não está subordinada a um imposto em particular e, em seguida, que esta disposição pretende assim evitar que os Estados‑Membros adotem medidas fiscais que conduzam a uma dupla tributação dos lucros distribuídos pela afiliada à sociedade‑mãe na esfera desta última (v., por analogia, Acórdão de 17 de maio de 2017, AFEP e o., C‑365/16, EU:C:2017:378, n.o 33).

48      Por último, é igualmente abrangida pela proibição prevista no artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435 uma regulamentação nacional que, embora não tribute os dividendos recebidos pela sociedade‑mãe enquanto tais, pode ter por efeito sujeitar indiretamente a sociedade‑mãe a imposto sobre esses dividendos (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C‑389/18, EU:C:2019:1132, n.o 37 e jurisprudência referida).

49      Daqui resulta que uma tributação dos lucros distribuídos por uma sociedade afiliada à sua sociedade‑mãe pelo Estado‑Membro da sociedade‑mãe nessa sociedade aquando da redistribuição dos mesmos, que tem como efeito sujeitar os referidos lucros a uma tributação que excede o limite de 5 % previsto no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 90/435, conduziria à dupla tributação ao nível da referida sociedade, contrária a esta diretiva (v., por analogia, Acórdão de 17 de maio de 2017, AFEP e o., C‑365/16, EU:C:2017:378, n.o 32).

50      Como salientado no n.o 23 do presente acórdão, resulta do pedido de decisão prejudicial que o imposto sobre os rendimentos mobiliários retido na fonte, como resultava do artigo 223.o sexies do CGI, era devido no caso de distribuição de lucros que levavam à atribuição de um crédito fiscal, quando esses lucros não tivessem suportado o imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral ao nível da sociedade‑mãe.

51      Ora, o Tribunal de Justiça já declarou que, no que respeita aos dividendos recebidos das filiais estabelecidas num Estado‑Membro diferente daquele em causa, a aplicação do pagamento por conta tinha por efeito diminuir a massa dos dividendos distribuíveis e que a sociedade‑mãe que recebesse esses dividendos era levada ou a distribuir os dividendos amputados do montante do pagamento por conta, cuja massa era menor do que aquando da redistribuição de dividendos recebidos de filiais estabelecidas em França, ou a recorrer às suas reservas para obter o montante equivalente ao montante que devia ser pago a título de pagamento por conta e aumentar assim a massa dos dividendos distribuídos (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor, C‑310/09, EU:C:2011:581, n.os 49 e 50).

52      Como resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe, em conformidade com o artigo 223.o sexies do CGI, este pagamento por conta correspondia ao crédito fiscal que estava associado aos dividendos distribuídos pela sociedade‑mãe aos seus acionistas, o qual era igual, em conformidade com o artigo 158.o bis do CGI, a metade dos montantes efetivamente pagos por esta sociedade.

53      A aplicação do referido pagamento por conta era, portanto, suscetível de ter por efeito sujeitar os lucros recebidos por uma sociedade‑mãe das suas filiais estabelecidas num Estado‑Membro diferente daquele em causa a uma tributação, aquando da sua redistribuição, que excedesse o limite de 5 %, previsto no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 90/435, contrário a esta diretiva.

54      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela circunstância de, como indica o órgão jurisdicional de reenvio, as sociedades que receberam dividendos de uma afiliada estabelecida num Estado‑Membro diferente daquele em causa terem, nos termos dos artigos 49.o e 63.o TFUE, conforme interpretados pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor (C‑310/09, EU:C:2011:581), um direito a um crédito de imposto para beneficiarem do mesmo tratamento fiscal que uma sociedade que recebe dividendos de uma filial estabelecida em França.

55      É certo que a interpretação que o Tribunal de Justiça faz de uma regra do direito da União, no exercício da competência que lhe confere o artigo 267.o TFUE, esclarece e precisa o significado e o alcance dessa regra, como deve ou deveria ter sido entendida e aplicada desde o momento da sua entrada em vigor. Donde se conclui que a regra assim interpretada pode e deve ser aplicada pelo juiz mesmo a relações jurídicas surgidas e constituídas antes de ser proferido o acórdão que decida do pedido de interpretação, se, além disso, estiverem reunidas as condições que permitam submeter aos órgãos jurisdicionais competentes um litígio relativo à aplicação da referida regra [Acórdão de 14 de maio de 2020, B e o. (Consolidação fiscal vertical e horizontal), C‑749/18, EU:C:2020:370, n.o 60 e jurisprudência referida].

56      No Acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor (C‑310/09, EU:C:2011:581), o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou que «os artigos 49.o TFUE e 63.o TFUE [se opõem] a uma legislação de um Estado‑Membro que tem por objeto eliminar a dupla tributação económica dos dividendos, que permite a uma sociedade‑mãe imputar no imposto por retenção na fonte que deve liquidar no momento da redistribuição aos seus acionistas dos dividendos pagos pelas suas filiais o crédito fiscal relativo à distribuição destes dividendos se os mesmos provêm de uma filial estabelecida nesse Estado‑Membro, mas não oferece esta faculdade se os dividendos provierem de uma filial estabelecida noutro Estado‑Membro, uma vez que esta legislação não confere o direito, nesta última hipótese, à concessão de um crédito fiscal relativo à distribuição destes dividendos por esta filial».

57      Embora o órgão jurisdicional de reenvio indique que, na sequência da prolação do Acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor (C‑310/09, EU:C:2011:581), uma sociedade que tenha recebido dividendos de uma filial estabelecida num Estado‑Membro diferente daquele em causa tem direito a um crédito de imposto para beneficiar do mesmo tratamento fiscal que uma sociedade que recebe dividendos de uma filial estabelecida em França, é, no entanto, pacífico que não foi adotada nenhuma medida de natureza legislativa ou regulamentar para precisar as condições de concessão desse crédito de imposto. De resto, o órgão jurisdicional de reenvio não fundamenta as modalidades praticadas para o cálculo do referido crédito de imposto pelos órgãos jurisdicionais nacionais.

58      É jurisprudência constante que o direito de obter o reembolso dos impostos recebidos num Estado‑Membro em violação das regras do direito da União é a consequência e o complemento dos direitos conferidos aos cidadãos pelas disposições do direito da União tal como têm sido interpretadas pelo Tribunal de Justiça (Acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor, C‑310/09, EU:C:2011:581, n.o 71 e jurisprudência referida).

59      No entanto, há que reconhecer que o crédito fiscal destinado a sanar a incompatibilidade da regulamentação nacional com os artigos 49.o e 63.o TFUE, conforme previsto, como alegaram a Schneider Electric e o. na audiência no Tribunal de Justiça, pelos órgãos jurisdicionais nacionais vários anos após a revogação do sistema relativo ao crédito fiscal e ao pagamento por conta, não é suscetível de expurgar os efeitos dessa regulamentação incompatíveis com a Diretiva 90/435.

60      Antes de mais, a possibilidade de beneficiar desse crédito de imposto está sujeita, nomeadamente, à condição de os contribuintes terem instaurado processos administrativos e jurisdicionais a este respeito e de estarem em condições de apresentar as provas necessárias que as autoridades fiscais têm o direito de exigir para apreciar se as condições de um benefício fiscal previsto pela legislação em causa estão reunidas e, consequentemente, se se deve ou não conceder o referido benefício [Acórdão de 4 de outubro de 2018, Comissão/França (Imposto sobre os rendimentos mobiliários retido na fonte), C‑416/17, EU:C:2018:811, n.o 58].

61      Ora, importa recordar que os Estados‑Membros não têm o direito de sujeitar o benefício da vantagem que resulta do artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435 a requisitos que não estejam previstos nesta diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 19 de dezembro de 2019, Brussels Securities, C‑389/18, EU:C:2019:1132, n.os 34 e jurisprudência referida).

62      Em seguida, como salienta a Comissão Europeia, essa tomada em consideração do crédito de imposto leva, em substância, a aplicar aos dividendos recebidos das filiais residentes num Estado‑Membro diferente do Estado‑Membro em causa um método de imputação.

63      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a escolha entre o sistema da isenção e o sistema da imputação não conduz necessariamente ao mesmo resultado para a sociedade beneficiária dos dividendos e que um Estado‑Membro que tenha optado, aquando da transposição de uma diretiva, por um dos sistemas alternativos nela previstos não pode invocar os efeitos ou as limitações que poderiam ter resultado da aplicação do outro sistema (Acórdão de 12 de fevereiro de 2009, Cobelfret, C‑138/07, EU:C:2009:82, n.os 48 e 50).

64      Por último, como o Governo francês admitiu na audiência, mesmo tendo em conta o crédito de imposto, podia subsistir um remanescente do pagamento por conta, nomeadamente quando a taxa de imposto cobrada num Estado‑Membro diferente da França era inferior ao imposto francês.

65      Por conseguinte, o artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que uma sociedade‑mãe é devedora de um imposto por retenção na fonte no caso de redistribuição aos seus acionistas de lucros distribuídos pelas suas filiais, que dão lugar à atribuição de um crédito fiscal, quando esses lucros não tenham sido sujeitos ao imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral, desde que os montantes devidos a título desse imposto excedam o limite de 5 % previsto no artigo 4.o, n.o 2, desta diretiva.

 Quanto à interpretação do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435

66      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, no entanto, quanto a saber se uma regulamentação nacional que prevê que uma sociedade‑mãe é devedora de um pagamento por conta no caso de redistribuição aos seus acionistas dos lucros distribuídos pelas suas filiais, que dão lugar à atribuição de um crédito fiscal, quando esses lucros não foram sujeitos ao imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral, é abrangida pelo artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435.

67      Para responder a esta questão, importa, antes de mais, salientar que resulta da redação do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435 que o âmbito de aplicação desta disposição não está limitado às retenções na fonte, na aceção do artigo 5.o, n.o 1, e do artigo 6.o desta diretiva. Com efeito, ao contrário do artigo 7.o, n.o 1, da referida diretiva, que visa expressamente as retenções na fonte, o seu artigo 7.o, n.o 2, prevê unicamente que esta mesma diretiva não afeta a aplicação de disposições nacionais ou convencionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, especialmente as disposições relativas ao pagamento de créditos de imposto aos beneficiários de dividendos.

68      A este respeito, o Governo francês alega que resulta dos trabalhos preparatórios da Diretiva 90/435 que as disposições do artigo 7.o desta diretiva, as quais não figuravam na proposta inicial de diretiva apresentada pela Comissão, foram acrescentadas a esse projeto de texto, durante a negociação do mesmo entre os Estados‑Membros, por iniciativa do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, com vista a abranger o pagamento antecipado do imposto sobre as sociedades (advance corporation tax) e os dispositivos convencionais conexos. Esta proposta de artigo 7.o foi apoiada pela delegação francesa e a redação deste artigo foi clarificada para referir expressamente o pagamento por conta. Decorre do seguimento dos trabalhos preparatórios que, ao adotar o artigo 7.o da Diretiva 90/435, o legislador da União tinha claramente por intenção excluir do âmbito de aplicação desta, designadamente, os mecanismos franceses do pagamento por conta e o crédito fiscal.

69      Ora, importa recordar, por um lado, que as intenções expressas pelos Estados‑Membros no Conselho da União Europeia são destituídas de valor jurídico se não tiverem expressão nas disposições legais. Estas últimas destinam‑se, com efeito, aos litigantes, que devem poder confiar no seu conteúdo, conforme exige o princípio da segurança jurídica (Acórdão de 1 de outubro de 2009, Gaz de France — Berliner Investissement, C‑247/08, EU:C:2009:600, n.o 39).

70      Por outro lado, é pacífico que o termo «pagamento por conta» não é utilizado no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435, ao passo que o artigo 7.o, n.o 1, desta diretiva indica que a expressão «retenção na fonte», utilizada na presente diretiva não abrange o pagamento antecipado ou prévio (pagamento por conta) do imposto sobre as sociedades ao Estado‑Membro onde está situada a afiliada, efetuado em ligação com a distribuição dos lucros à sociedade‑mãe. Ora, o pagamento por conta em causa no processo principal não implica uma tributação a favor do Estado‑Membro onde está situada a filial, mas consiste num pagamento a favor do Estado‑Membro onde está situada a sociedade‑mãe, a cargo desta última sociedade. Por conseguinte, não resulta da redação do artigo 7.o da Diretiva 90/435 que o pagamento por conta, como o que está em causa no processo principal, esteja excluído do âmbito de aplicação desta diretiva.

71      No que respeita, em seguida, ao contexto em que se insere o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435, não se pode excluir que os casos previstos no artigo 7.o, n.o 1, da mesma devam ser tidos em conta para determinar o alcance da primeira disposição. Todavia, uma limitação do âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva apenas aos impostos cobrados no Estado em que está situada a filial distribuidora também não decorre expressamente do posicionamento deste n.o 2 nesse artigo 7.o em relação ao n.o 1 do referido artigo.

72      A este respeito, é certo que o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que constitui uma derrogação ao princípio geral da proibição das retenções na fonte sobre os lucros distribuídos, enunciado no artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 90/435, o artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva deve ser objeto de interpretação estrita (Acórdão de 24 de junho de 2010, P. Ferrero e C. e General Beverage Europe, C‑338/08 e C‑339/08, EU:C:2010:364, n.o 45).

73      Todavia, na medida em que os processos que deram origem ao Acórdão de 24 de junho de 2010, P. Ferrero e C. e General Beverage Europe (C‑338/08 e C‑339/08, EU:C:2010:364), como o processo que deu origem ao Acórdão de 25 de setembro de 2003, Océ van der Grinten (C‑58/01, EU:C:2003:495), ao qual o primeiro acórdão se refere, eram relativos à aplicação do artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 90/435, não se pode deduzir destes acórdãos que o Tribunal de Justiça tenha tomado posição, nos mesmos, quanto à impossibilidade de invocar o artigo 7.o, n.o 2, dessa diretiva a respeito de outros impostos que não tenham as características de uma retenção na fonte e, nomeadamente, como derrogação às disposições previstas no artigo 4.o da referida diretiva.

74      Por conseguinte, para determinar se uma regulamentação nacional que prevê que uma sociedade‑mãe é devedora de um imposto por retenção na fonte no caso de redistribuição aos seus acionistas de lucros pagos pelas suas filiais, que dão lugar à atribuição de um crédito fiscal, quando esses lucros não forma sujeitos ao imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral, está abrangida pelas «disposições nacionais ou convencionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, em especial as relativas ao pagamento de créditos de imposto aos beneficiários de dividendos», importa, por último, referir o objetivo do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435 e ao desta diretiva, no seu conjunto.

75      A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435 apenas permite preservar a aplicação de regimes nacionais ou convencionais específicos uma vez que estes sejam conformes à finalidade da diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 25 de setembro de 2003, Océ van der Grinten, C‑58/01, EU:C:2003:495, n.o 102) e que visem suprimir ou atenuar unicamente a dupla tributação económica dos dividendos (v., neste sentido, Acórdão de 3 de abril de 2008, Banque Fédérative du Crédit Mutuel, C‑27/07, EU:C:2008:195, n.o 49).

76      Tendo em conta este objetivo, uma imposição fiscal só pode ser considerada abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435 se a aplicação dessa imposição não anular os efeitos das disposições nacionais ou convencionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos dividendos (v., neste sentido, Acórdão de 24 de junho de 2010, P. Ferrero e C. e General Beverage Europe, C‑338/08 e C‑339/08, EU:C:2010:364, n.o 46).

77      Especialmente, a imposição fiscal em causa não deve ser apreciada isoladamente, mas em conjunto com outros elementos do mecanismo que é objeto das disposições nacionais ou convencionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, com os quais esta imposição é instaurada em ligação direta (v., neste sentido, Acórdão de 25 de setembro de 2003, Océ van der Grinten, C‑58/01, EU:C:2003:495, n.os 87 e 88).

78      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que o imposto sobre os rendimentos mobiliários retido na fonte, como resultava do artigo 223.o sexies do CGI, era um dos elementos constitutivos de um mecanismo de eliminação da dupla tributação económica dos rendimentos distribuídos, que se destinava a impedir que, no caso de distribuição de lucros que dê lugar à atribuição de um crédito fiscal, quando esses lucros não tenham sido sujeitos ao imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral, o crédito de imposto associado a esses rendimentos careça de justificação à luz da carga fiscal suportada pela sociedade que os distribui quanto aos lucros com base nos quais aqueles são cobrados e, deste modo, evitar que a atribuição desse crédito de imposto constitua um «efeito benéfico inesperado» para que aufere tais lucros.

79      Com efeito, como resultava do artigo 158.o bis do CGI, uma sociedade‑mãe que recebia dividendos de uma filial residente beneficiava, em razão desses dividendos, de um crédito fiscal que era igual a metade dos montantes pagos a título dos dividendos por essa filial residente. Em contrapartida, esse crédito fiscal não era concedido a título dos dividendos distribuídos por uma filial não residente (Acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor, C‑310/09, EU:C:2011:581, n.o 42).

80      Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, no que respeita aos dividendos recebidos por uma sociedade‑mãe das filiais residentes, quando os mesmos eram distribuídos, o crédito fiscal imputava‑se no imposto por retenção na fonte devido, sem que o referido imposto diminuísse a massa distribuível dos dividendos. Pelo contrário, no que respeita aos dividendos recebidos de filiais não residentes, na medida em que a sociedade‑mãe não beneficiava do crédito fiscal sobre estes dividendos, a aplicação do imposto por retenção na fonte tinha por efeito diminuir a massa dos dividendos distribuíveis (Acórdão de 15 de setembro de 2011, Accor, C‑310/09, EU:C:2011:581, n.o 49).

81      Por conseguinte, não se pode negar que o pagamento por conta previsto no artigo 223.o sexies do CGI era instituído em ligação direta com o crédito fiscal pago aos beneficiários dos dividendos distribuídos pelas sociedades residentes, e que se inseria assim no âmbito das disposições nacionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, quando estes eram pagos por sociedades residentes aos beneficiários residentes.

82      Todavia, embora essas disposições visem prevenir a dupla tributação económica dos dividendos a nível nacional, a aplicação do referido pagamento por conta era suscetível de ter por efeito, como foi recordado no n.o 53 do presente acórdão, sujeitar os lucros recebidos por uma sociedade‑mãe das suas filiais estabelecidas num Estado‑Membro diferente daquele em causa a uma dupla tributação económica aquando da sua redistribuição.

83      Ora, em primeiro lugar, embora, como foi recordado no n.o 76 do presente acórdão, não possa ser abrangida pelo artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 90/435 uma imposição que anule os efeitos das disposições nacionais destinadas a suprimir ou atenuar a dupla tributação económica dos dividendos, por maioria de razão não pode ser abrangida por esta disposição uma imposição cuja aplicação poria em prática essa dupla tributação.

84      Em segundo lugar, como foi recordado nos n.os 44 e 45 do presente acórdão, a Diretiva 90/435 visa eliminar qualquer penalização da cooperação entre sociedades de Estados‑Membros diferentes relativamente à cooperação entre sociedades de um mesmo Estado‑Membro e evitar a dupla tributação dos lucros distribuídos por uma filial à sua sociedade‑mãe na esfera da sociedade‑mãe, em termos económicos, isto é, evitar que os lucros distribuídos sejam tributados, uma primeira vez, à sociedade afiliada e, uma segunda vez, à sociedade‑mãe.

85      Por conseguinte, um mecanismo que tenha por efeito sujeitar os lucros recebidos por uma sociedade‑mãe das suas filiais estabelecidas num Estado‑Membro diferente daquele em causa a uma dupla tributação económica aquando da sua redistribuição também não é conforme com a finalidade da Diretiva 90/435. Ora, como foi recordado no n.o 75 do presente acórdão, o artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva visa preservar a aplicação de regimes nacionais ou convencionais desde que estes sejam conformes à finalidade da referida diretiva.

86      Por último, em terceiro lugar, como foi salientado nos n.os 54 e 57 do presente acórdão, é certo que as sociedades‑mães têm o direito de obter a restituição dos montantes suscetíveis de garantir a aplicação de um mesmo regime fiscal aos dividendos distribuídos pelas suas filiais estabelecidas em França e aos distribuídos pelas suas filiais estabelecidas noutros Estados‑Membros, que dão lugar a redistribuição pelas referidas sociedades‑mães, como é exigido pelos artigos 49.o e 63.o TFUE. Em conformidade com as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, recordadas no n.o 57 do presente acórdão, esta restituição assume a forma de um crédito de imposto concedido por via jurisprudencial.

87      Todavia, a aplicação de uma regulamentação que tem por efeito sujeitar os lucros recebidos por uma sociedade‑mãe das suas filiais estabelecidas noutro Estado‑Membro a uma dupla tributação económica aquando da sua redistribuição não pode ser considerada compatível com o objetivo da Diretiva 90/435 mesmo quando os efeitos dessa dupla tributação possam eventualmente ser atenuados por um pedido posterior de restituição dos montantes indevidamente pagos, com base na incompatibilidade do pagamento desses montantes com os artigos 49.o e 63.o TFUE.

88      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder à questão submetida que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 90/435 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que uma sociedade‑mãe é devedora de um pagamento por conta no caso de redistribuição aos seus acionistas de lucros pagos pelas suas filiais, que dão lugar à atribuição de um crédito fiscal, quando esses lucros não tenham sido sujeitos ao imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral, desde que os montantes devidos a título desse imposto excedam o limite de 5 % previsto no artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva. Tal regulamentação não está abrangida pelo artigo 7.o, n.o 2, da referida diretiva.

 Quanto às despesas

89      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Segunda Secção) declara:

O artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 90/435/CEE do Conselho, de 23 de julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades‑mãe e sociedades afiliadas de Estados‑Membros diferentes, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que prevê que uma sociedademãe é devedora de um pagamento por conta no caso de redistribuição aos seus acionistas de lucros pagos pelas suas filiais, que dão lugar à atribuição de um crédito fiscal, quando esses lucros não tenham sido sujeitos ao imposto sobre as sociedades à taxa do regime geral, desde que os montantes devidos a título desse imposto excedam o limite de 5 % previsto no artigo 4.o, n.o 2, dessa diretiva. Tal regulamentação não está abrangida pelo artigo 7.o, n.o 2, da referida diretiva.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.