ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)
10 de novembro de 2021 (*)
«Concorrência — Abuso de posição dominante — Pesquisa geral e pesquisa especializada de produtos na Internet — Decisão que declara uma infração ao artigo 102.o TFUE e ao artigo 54.o do Acordo EEE — Abuso por efeito de alavanca — Concorrência pelo mérito ou prática anticoncorrencial — Condições de acesso dos concorrentes a um serviço de uma empresa dominante cuja utilização não pode ser efetivamente substituída — Apresentação favorecida pela empresa dominante dos resultados do seu próprio serviço de pesquisa especializada — Efeitos — Necessidade de demonstrar um cenário contrafactual — Falta — Justificações objetivas — Inexistência — Possibilidade de aplicar uma coima em face de certas circunstâncias — Orientações para o cálculo do montante das coimas — Competência de plena jurisdição»
No processo T‑612/17,
Google LLC, anteriormente Google Inc., com sede em Mountain View, Califórnia (Estados Unidos),
Alphabet, Inc., com sede em Mountain View,
representadas por T. Graf, R. Snelders, C. Thomas, K. Fountoukakos‑Kyriakakos, advogados, R. O’Donoghue, M. Pickford, QC, e D. Piccinin, barrister,
recorrentes,
apoiadas por:
Computer & Communications Industry Association, com sede em Washington, DC (Estados Unidos), representada por J. Killick e A. Komninos, advogados,
interveniente,
contra
Comissão Europeia, representada por T. Christoforou, N. Khan, A. Dawes, H. Leupold e C. Urraca Caviedes, na qualidade de agentes,
recorrida,
apoiada por:
República Federal da Alemanha, representada por J. Möller, S. Heimerl e S. Costanzo, na qualidade de agentes,
por
Órgão de Fiscalização da EFTA, representado por C. Zatschler e C. Simpson, na qualidade de agentes,
por
Bureau européen des unions de consommateurs (BEUC), com sede em Bruxelas (Bélgica), representado por A. Fratini, advogada,
por
Infederation Ltd, com sede em Crowthorne (Reino Unido), representada por A. Morfey, S. Gartagani, L. Hannah, A. D’heygere, K. Gwilliam, solicitors, e T. Vinje, advogado,
por
Kelkoo, com sede em Paris (França), representada por J. Koponen e B. Meyring, advogados,
por
Verband Deutscher Zeitschriftenverleger eV, com sede em Berlim (Alemanha), representado por T. Höppner, professor, P. Westerhoff e J. Weber, advogados,
por
Visual Meta GmbH, com sede em Berlim, representada por T. Höppner, professor, e P. Westerhoff, advogado,
por
BDZV — Bundesverband Digitalpublisher und Zeitungsverleger eV, anteriormente Bundesverband Deutscher Zeitungsverleger eV, com sede em Berlim, representado por T. Höppner, professor, e P. Westerhoff, advogado,
e por
Twenga, com sede em Paris, representada por L. Godfroid, S. Hautbourg e S. Pelsy, advogados,
intervenientes,
que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado a obter, a título principal, a anulação da Decisão C(2017) 4444 final da Comissão, de 27 de junho de 2017, relativa a um processo nos termos do artigo 102.o TFUE e do artigo 54.o do Acordo EEE [Processo AT.39740 — Google Search (Shopping)], e, a título subsidiário, a supressão ou a redução do montante da coima aplicada às recorrentes,
O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),
composto por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise (relator), R. da Silva Passos, K. Kowalik‑Bańczyk e C. Mac Eochaidh, juízes,
secretário: E. Artemiou, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 12, 13 e 14 de fevereiro de 2020,
profere o presente
Acórdão
I. Antecedentes do litígio
A. Contexto
1 A Google LLC, anteriormente Google Inc., é uma sociedade americana especializada em produtos e serviços ligados à utilização da Internet. É principalmente conhecida devido ao seu motor de busca, que permite aos internautas (a seguir também, consoante o contexto, «utilizadores» ou «consumidores») encontrar e chegar, com o navegador que utilizam e através de hiperligações, aos sítios Internet que respondem às suas necessidades. Desde 2 de outubro de 2015, a Google LLC é uma filial a 100 % da Alphabet, Inc., sociedade cabeça do grupo (a seguir, conjuntamente, «Google»).
2 O motor de busca da Google, acessível no endereço www.google.com, ou nos endereços semelhantes com uma extensão nacional, permite obter resultados de pesquisa apresentados em páginas que aparecem nos ecrãs dos internautas. Esses resultados são selecionados pelo referido motor segundo critérios gerais e sem que os sítios para os quais remetem remunerem a Google para aparecer (a seguir «resultados de pesquisa geral» ou «resultados genéricos», ou selecionados segundo uma lógica especializada para o tipo particular de pesquisa efetuada (a seguir «resultados de pesquisa especializada»). Os resultados de pesquisa especializada podem, sendo caso disso, aparecer sem qualquer diligência particular do internauta com os resultados de pesquisa geral numa mesma página (a seguir «página[s] geral[/is] de resultados) ou aparecer sós na sequência de um pedido do internauta efetuado a partir de uma página especializada do motor de busca da Google ou após ativação de ligações que figuram em certas zonas das suas páginas gerais de resultados. A Google desenvolveu diferentes serviços de pesquisa especializada, por exemplo, para notícias, para informações e ofertas comerciais de natureza local, para viagens de avião ou para compra de produtos. É esta última categoria que está em causa no presente processo.
3 Os serviços de pesquisa especializada para a compra de produtos (a seguir «serviços de comparação de produtos» ou «comparadores de produtos») não vendem produtos por si próprios, mas comparam e selecionam ofertas de vendedores na Internet que propõem o produto procurado. Esses vendedores podem ser vendedores diretos ou plataformas de venda que reúnem as ofertas de inúmeros vendedores e às quais é possível encomendar imediatamente o produto procurado (eBay, Amazon, PriceMinister ou Fnac estão entre as mais conhecidas).
4 Como os resultados de pesquisa geral, os resultados de pesquisa especializada podem ser resultados, por vezes qualificados de «naturais», independentes de pagamentos dos sítios Internet para os quais remetem, mesmo que sejam sítios comerciais. A ordem de apresentação desses resultados naturais nas páginas de resultados é igualmente independente de pagamentos.
5 Nas páginas de resultados da Google, como nas páginas de outros motores de busca, aparecem também resultados que estão, pelo contrário, ligados a pagamentos dos sítios Internet para os quais remetem. Estes resultados, correntemente designados «anúncios» («ads» abreviadamente em inglês), estão igualmente relacionados com a pesquisa efetuada pelo internauta e distinguem‑se dos resultados naturais de pesquisa geral ou de pesquisa especializada, por exemplo, com as palavras «anúncio» ou «patrocinado». Aparecem em espaços particulares das páginas de resultados ou entre os outros resultados. Podem constituir resultados de pesquisa especializada e, de facto, alguns dos serviços de pesquisa especializada da Google baseiam‑se num sistema de inclusão paga. A sua visualização está ligada a compromissos de pagamento dos anunciantes assumidos no âmbito de leilões. Se for o caso, intervêm critérios complementares de seleção. Os anunciantes remuneram a Google quando um internauta, ao clicar, ativa a hiperligação constante do seu anúncio, que remete para o seu próprio sítio Internet.
6 As páginas gerais de resultados da Google podem comportar ou comportaram todos os tipos de resultados acima referidos nos n.os 2 a 5. Conforme acima exposto igualmente no n.o 2, os resultados de pesquisa especializada, quer sejam naturais quer sejam anúncios, podem também aparecer sós numa página de resultados especializada na sequência de um pedido do internauta efetuado a partir de uma página de pesquisa especializada do motor de busca da Google ou após ativação de ligações que figuram em determinadas zonas das suas páginas gerais de resultados.
7 Outros motores de busca que não o da Google oferecem ou ofereceram serviços de pesquisa geral e serviços de pesquisa especializada, como o Alta Vista, o Yahoo, o Bing ou o Qwant. Existem, por outro lado, motores de busca específicos para a comparação de produtos como o Bestlist, o Nextag, o IdealPrice, o Twenga, o Kelkoo ou o Prix.net.
8 De acordo com as explicações não impugnadas fornecidas pela Google, esta começou a fornecer aos internautas um serviço de comparação de produtos em 2002, após ou paralelamente a outros motores de busca como o Alta Vista, o Yahoo, o AskJeeves ou o America On Line (AOL). Essas iniciativas responderam à constatação de que os procedimentos até então utilizados pelos motores de busca não davam necessariamente os resultados mais pertinentes para responder a pesquisas particulares, como as relativas a notícias ou produtos para compra, tendo, assim, a Google fornecido resultados de comparação de produtos (a seguir «resultados para produtos») a partir do final de 2002 nos Estados Unidos e, depois, cerca de dois anos mais tarde, gradualmente em determinados países na Europa. Estes resultados não eram os dos seus algoritmos habituais de pesquisa geral aplicados às informações presentes nos sítios Internet, extraídas primeiro pelo processo denominado «crawling», que consiste numa atividade de exploração dos conteúdos da Internet realizada pela Google para efeitos de indexação, selecionadas depois para serem postas no «índice web» da Google e, por último, objeto de triagem em função da sua pertinência para aparecerem em resposta ao pedido do internauta, mas sim os resultados de algoritmos específicos aplicados às informações constantes de uma base de dados alimentada pelos próprios vendedores, denominada «índice produtos». Estes resultados foram, inicialmente, fornecidos através de uma página de pesquisa especializada, denominada Froogle, distinta da página de pesquisa geral do motor de busca e, posteriormente, a partir de 2003 nos Estados Unidos e de 2005 em determinados países na Europa, também através da página de pesquisa geral do motor de busca. Neste último caso, os resultados para produtos apareciam agrupados nas páginas gerais de resultados no que era denominado Product OneBox (a seguir «Product OneBox»), abaixo ou ao lado das publicidades que constavam na parte superior ou lateral da página e acima dos resultados de pesquisa geral, como mostra a seguinte ilustração com legenda acrescentada, fornecida pela Google:

9 Com efeito, se o internauta utilizasse a página de pesquisa geral para fazer a sua consulta relativa a um produto, as respostas fornecidas pelo motor de busca incluíam simultaneamente as resultantes da pesquisa especializada e as resultantes da pesquisa geral. Quando o internauta clicasse na ligação de um resultado da Product OneBox, era diretamente reencaminhado para a página adequada do sítio Internet do vendedor do produto procurado, que permitia a respetiva compra. Por outro lado, uma ligação especial que figurava na Product OneBox permitia ser reencaminhado para uma página de resultados do Froogle que apresentava uma seleção alargada de resultados especializados para produtos. A Google expõe que, em contrapartida, os resultados do Froogle nunca figuravam nos resultados de pesquisa geral, ao passo que os resultados de outros motores de busca especializada de comparação de produtos podiam neles figurar.
10 A Google alega que, a partir de 2007, alterou a maneira de elaborar os resultados para produtos.
11 Por ocasião dessas alterações, a Google abandonou o nome de Froogle para o de Product Search para as suas páginas de pesquisa e de resultados especializadas de comparação de produtos.
12 No que respeita aos resultados para produtos visualizados a partir da página de pesquisa geral nas páginas gerais de resultados, por um lado, a Google enriqueceu o conteúdo da Product OneBox acrescentando‑lhe fotografias. A Google fornece, a este respeito, a seguinte ilustração do primeiro tipo de adição de fotografias:

13 A Google diversificou também as saídas possíveis da ação de clicar na ligação de resultado que aparecia: consoante o caso, o internauta era como antes diretamente reencaminhado para a página adequada do sítio Internet do vendedor do produto procurado, que permitia a respetiva compra, ou era reencaminhado para a página de resultados especializada Product Search para descobrir mais ofertas do mesmo produto. A Product Onebox foi gradualmente renomeada, nos diferentes países, de Product Universal (a seguir «Product Universal») (por exemplo, em 2008 no Reino Unido e na Alemanha), ao mesmo tempo que se tornou mais atrativa. A Google fornece a seguinte ilustração, com legendas acrescentadas, das duas variantes da Product Universal:

14 Por outro lado, a Google criou um mecanismo, designado Universal Search, que permitia, em caso de identificação de uma pesquisa para compra de um produto, hierarquizar, na página geral de resultados, os produtos pertencentes à Product Onebox, e depois à Product Universal, em relação aos resultados de pesquisa geral.
15 No que respeita aos resultados para produtos ligados a pagamentos que apareciam nas suas páginas de resultados, a Google introduziu na Europa, a partir de setembro de 2010, um formato enriquecido em relação aos anúncios compostos apenas por texto (text ads em inglês, a seguir «anúncios textuais») que apareciam até então. Por opção do anunciante, ao clicar no texto, o internauta podia ver, num formato ampliado em relação ao anúncio textual inicial, fotografias dos produtos procurados e os respetivos preços, tais como propostos pelo anunciante. A Google fornece uma ilustração, com legenda acrescentada, de um anúncio textual assim desenvolvido:
