Language of document : ECLI:EU:T:2002:232

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

27 de Setembro de 2002 (1)

«Contratos administrativos - Rejeição de uma proposta - Não exercício do poder de pedir esclarecimentos respeitantes às propostas - Recurso de anulação - Tramitação acelerada»

No processo T-211/02,

Tideland Signal Ltd, com sede em Redhill (Reino Unido), representada por C. Thomas e C. Kennedy-Loest, solicitors,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J. Forman, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Comissão de 17 de Junho de 2002 que rejeita a proposta da recorrente no quadro do processo de adjudicação de contratos públicos EuropeAid/112336/C/S/WW - TACIS - (Novo anúncio de concurso),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, N. J. Forwood e H. Legal, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 17 de Setembro de 2002,

profere o presente

Acórdão

1.
    Em 27 de Fevereiro de 2002, a Comissão publicou um anúncio de concurso relativo ao projecto TACIS EuropeAid/112336/C/S/WW (Novo anúncio de concurso) «fornecimento de equipamento de ajuda à navegação para os portos de Aktau (Cazaquistão), Baku (Azerbaijão) e Turkmenbashi (Turquemenistão)». Esse mesmo projecto já tinha sido objecto de um anúncio de concurso em 2001, mas o processo a ele relativo foi seguidamente anulado. A documentação relativa ao novo anúncio de concurso indicava no ponto 8 das Instruções aos Proponentes que estes ficavam vinculados à sua proposta durante um período de 90 dias a contar da data-limite para a apresentação das propostas (que era 29 de Abril de 2002). Esse período terminou em 28 de Julho de 2002.

2.
    Em 25 de Abril de 2002, a recorrente apresentou uma proposta para o lote n.° 1 do projecto. Em conformidade com as Instruções aos Proponentes, a carta da requerente (que integrava o formulário para a apresentação das propostas), datada de 25 de Abril de 2002, indicava (no seu ponto 3) que «[a] presente proposta é válida durante um período de 90 dias a contar da data-limite para a apresentação das propostas, isto é, até 28.07.02». No ponto 4 da carta pertencente ao formulário para apresentação das propostas, era indicado, por outro lado, que «[a] presente proposta é válida na condição de ser aceite no decurso do período de validade previsto no [ponto] 8 das Instruções aos Proponentes».

3.
    Em 7 de Maio de 2002, a Comissão publicou um aviso de alteração do anúncio de concurso em causa, intitulado «Addendum n.° 1 à documentação do processo de concurso» (a seguir «addendum»), pelo qual alterou a descrição de um dos lotes (n.° 4.2.2 do lote n.° 1) e anunciou a sua decisão de conceder um prazo suplementar para a apresentação das propostas, de forma a que as partes interessadas pudessem, se necessário, alterar as suas propostas e voltar a apresentar novas propostas antes de 11 de Junho de 2002. As propostas chegadas antes do termo do prazo inicial, entre as quais a da recorrente, foram devolvidas aos proponentes sem terem sido abertas. A recorrente alega que, como não era necessário alterar a parte em causa do lote n.° 1, ela voltou a apresentar, em 10 de Junho de 2002, exactamente os mesmos documentos que para a sua proposta anterior, incluindo os elementos exigidos pelo formulário para a apresentação das propostas, nomeadamente, a carta de 25 de Abril de 2002 que comporta as frases citadas no número anterior.

4.
    No decurso da sessão de abertura das propostas, em 17 de Junho de 2002, a comissão de avaliação da Comissão rejeitou a proposta da recorrente. Segundo a passagem do relatório de abertura das propostas relativo à proposta da recorrente, o fundamento de rejeição foi:

«Ao verificar se o formulário para a apresentação das propostas, as declarações e a garantia de apresentação tinham sido preenchidos/apresentados em conformidade com as regras, o presidente notou que a validade da proposta não correspondia aos 90 dias exigidos a contar da data de apresentação da proposta.»

5.
    Em 28 de Junho de 2002, a recorrente informou-se por telefone quanto ao resultado do processo de concurso e soube que a sua proposta tinha sido rejeitada. Além disso, no mesmo dia, a Comissão transmitiu à recorrente, por fax, uma cópia do relatório de abertura das propostas.

6.
    Em 1 de Julho de 2002, a recorrente contactou a Comissão por correio electrónico, indicando-lhe que pretendia contestar a rejeição da sua proposta e pedindo-lhe informações sobre o procedimento a seguir para esse efeito. A Comissão respondeu que a proposta da recorrente tinha sido rejeitada pela razão de que era inválida face às exigências da Comissão, porque:

«O ponto 8.1 das Instruções aos Proponentes indica: ‘[o]s proponentes estarão vinculados à sua proposta durante um período de 90 dias a contar da data-limite para a apresentação das propostas’. Dado que a data-limite para a apresentação das propostas foi fixada em 11 de Junho de 2002 e que, no ponto 5.3 do formulário de apresentação das propostas, V. Ex.as [indicaram]: ‘[a] presente proposta é válida durante um período de 90 dias a contar da data-limite para a apresentação das propostas, isto é, até 28.07.02’, a comissão de avaliação foi, infelizmente, obrigada a rejeitar a proposta de V. Ex.as»

7.
    Por carta com data de 5 de Julho de 2002, a recorrente pediu, formalmente, à Comissão que a reintegrasse no processo de concurso e que lhe garantisse a interrupção do processo de concurso enquanto se aguardava uma resolução da sua situação.

8.
    Por carta de 10 de Julho de 2002, a Comissão respondeu à recorrente:

«Agradecemos a V. Ex.as as questões e as observações respeitantes a esse processo de avaliação e tê-las-emos em conta. Como a avaliação ainda não terminou, não podemos responder às vossas observações, mas dirigir-nos-emos a V. Ex.as na altura própria.»

9.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Julho de 2002, a recorrente instaurou o presente processo. Por dois actos distintos apresentados no mesmo dia, a recorrente pediu, em primeiro lugar, a adopção de medidas provisórias imediatas e, subsequentemente, a adopção de um despacho definitivo quanto a este ponto e, em segundo lugar, o seguimento de uma tramitação acelerada no presente caso concreto.

10.
    Em 16 de Julho de 2002, o presidente do Tribunal de Primeira Instância deferiu o pedido de adopção de medidas provisórias imediatas. A parte decisória desse despacho está redigida como se segue:

«1.    A Comissão deverá:

-     quer tomar todas as medidas necessárias para suspender a adjudicação do contrato respeitante ao fornecimento de equipamento de ajuda à navegação para os portos de Aktau (Cazaquistão), Baku (Azerbaijão) e Turkmenbashi (Turquemenistão), sob a referência EuropeAid/112336/C/S/WW - TACIS - (Novo anúncio de concurso), até à data da prolação do despacho que porá termo ao presente processo de medidas provisórias;

-     quer avaliar a proposta apresentada pela Tideland Signal Ltd no processo do contrato de fornecimento supramencionado e permitir à Tideland Signal Ltd participar plenamente nesse processo, da mesma maneira e numa base igual à de todos os outros proponentes, até à data da prolação do despacho que porá termo ao presente processo de medidas provisórias.

2.     Reserva-se para final a decisão quanto às despesas.»

11.
    Após notificação deste despacho, a Comissão comunicou ao Tribunal que uma carta de adjudicação tinha sido já enviada em 9 de Julho de 2002 a um outro proponente, a Pintsch Bamag A+V, no tocante ao lote n.° 1 do projecto. No entanto, a Comissão informou, a seguir, essa empresa de que a suspensão da adjudicação do contrato público devida a esse despacho tornava impossível qualquer outra diligência quanto à assinatura efectiva do contrato em causa.

12.
    Após ter ouvido a Comissão, o Tribunal (Primeira Secção), em 1 de Agosto de 2002, decidiu deferir o pedido de tramitação acelerada no presente caso, em conformidade com o disposto no artigo 76.°-A do seu Regulamento de Processo.

13.
    Com base em relatório do juiz-relator, o Tribunal (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e solicitou à Comissão que apresentasse certos documentos referidos na sua contestação. A Comissão deu seguimento a esse pedido.

14.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal na audiência de 17 de Setembro de 2002. No fim da audiência, houve uma reunião informal no decurso da qual foi pedido à Comissão que indicasse, até ao dia 19 de Setembro de 2002, se era possível encarar a hipótese de uma resolução do caso com base na revogação da sua decisão de rejeitar a proposta da recorrente. Após ter obtido uma resposta no prazo prescrito, o Tribunal solicitou, em 23 de Setembro de 2002, esclarecimentos suplementares respeitantes ao estatuto dessa decisão, os quais lhe foram prestados no mesmo dia.

15.
    Em 24 de Setembro de 2002, o Tribunal pediu a ambas as partes que apresentassem observações sobre a questão de saber se o recurso de anulação se tinha tornado desprovido de objecto. Nas suas observações apresentadas no mesmo dia, a Comissão alega que a petição passara a estar desprovida de objecto, mas a recorrente afirmou que era ainda necessário que o Tribunal se pronunciasse, nomeadamente para resolver a questão de saber se a decisão de rejeição da sua proposta tinha sido legal e para garantir que essa decisão desaparecesse totalmente da ordem jurídica comunitária.

Pedidos das partes

16.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão da Comissão, de 17 de Junho de 2002 que rejeita a proposta apresentada pela Tideland Signal Ltd no processo de concurso EuropeAid/112336/C/S/WW - TACIS - (Novo anúncio de concurso);

-    condenar a Comissão nas despesas.

17.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao mérito

18.
    A recorrente invoca dois fundamentos. Pelo seu primeiro fundamento, alega que a decisão da Comissão de 17 de Junho de 2002 que rejeita a sua proposta é ilegal por se basear na conclusão, errada, de que a proposta só era válida até 28 de Julho de 2002, e não durante um período de 90 dias, a contar de 11 de Junho de 2002, como exige o ponto 8.1 das Instruções aos Proponentes. Pelo seu segundo fundamento, afirma que a acima referida decisão que rejeita a sua proposta é ilegal pela razão de que, ao não pedir esclarecimentos sobre o período de validade da proposta, a Comissão violou o ponto 19.5 das Instruções aos Proponentes, bem como a obrigação de agir com prudência e o princípio da proporcionalidade.

19.
    O Tribunal procederá, primeiro, ao exame do segundo fundamento.

Argumentos das partes

20.
    A recorrente considera que, mesmo na hipótese de o Tribunal não admitir que a sua proposta era claramente destinada a manter-se válida durante um período de 90 dias a contar da nova data-limite, de 11 de Junho de 2002, para a apresentação das propostas, a redacção dos documentos relativos à proposta bem como as circunstâncias do processo deveriam, pelo menos, ter levado a que a comissão de avaliação exercesse o seu poder de pedir esclarecimentos em conformidade com o ponto 19.5 das Instruções aos Proponentes, que estipula:

«No interesse da transparência e da igualdade de tratamento e sem possibilidade de alteração da sua proposta, os proponentes podem, a simples pedido escrito da comissão de avaliação, ser convidados a prestar esclarecimentos dentro de 24 horas. Tal convite a prestar esclarecimentos não deve destinar-se à correcção de erros formais ou de restrições consideráveis que afectem a execução do contrato ou criem uma distorção da concorrência.»

21.
    Além disso, a recorrente afirma que a Comissão está adstrita a uma obrigação de agir com prudência quando organiza processos de adjudicação de contratos públicos, como é o caso noutros domínios tais como o exame das notificações em matéria de auxílios estatais. Segundo a recorrente, a comissão de avaliação da Comissão não fez prova da diligência necessária quando rejeitou a proposta da recorrente sem fazer uso do seu poder de pedir esclarecimentos respeitantes ao período de validade dessa proposta.

22.
    Paralelamente, a recorrente alega que a comissão de avaliação agiu de maneira desproporcionada ao rejeitar a proposta da recorrente em razão do seu ponto de vista sobre o período de validade da proposta, quando, em vez disso, poderia ter exercido o seu poder de pedir esclarecimentos. Segundo a recorrente, isso teria inteiramente evitado o risco de ela ser excluída de maneira injustificada do processo de concurso, sem neste criar um atraso considerável.

23.
    A Comissão reafirma, em primeiro lugar, que não existia qualquer incerteza respeitante ao significado da expressão «até 28.07.02». Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual existia talvez uma certa «dúvida» quanto à exactidão dessa data, a Comissão sublinha, por outro lado, que se mantém em aberto a questão de saber quando surge, num caso particular, uma dúvida de natureza a «constranger» a Comissão a aceitar outra data que não a indicada de maneira não ambígua por um proponente.

24.
    Mais particularmente, no que diz respeito às Instruções aos Proponentes, que fazem parte integrante das condições aplicáveis a todos os proponentes, a interpretação que a recorrente fez do ponto 19.5 é rejeitada pela Comissão. Em primeiro lugar, esta sublinha que, por força dessa disposição, os proponentes podem, «a simples pedido escrito da comissão de avaliação, ser convidados a prestar esclarecimentos» dentro de 24 horas. Além disso, a Comissão alega que, quando exerce o poder de que dispõe a este respeito, a comissão de avaliação deve ter em conta «o interesse da transparência» e «a igualdade de tratamento» entre todas as sociedades que tenham apresentado propostas. O referido ponto dessas instruções declara também expressamente que, embora os proponentes possam ser convidados a prestar esclarecimentos, eles são-no «sem possibilidade de alteração da sua proposta» e que «[u]m tal convite a prestar esclarecimentos não deve visar a correcção de erros formais».

25.
    A Comissão afirma que o ponto que, segundo a recorrente, deveria ter sido objecto de esclarecimentos é justamente do tipo daqueles que são expressamente excluídos do mandato da comissão de avaliação. Com efeito, alega que, segundo os próprios termos da recorrente, a proposta desta comporta um erro formal relativo a uma das condições de base da proposta, insusceptível de ser objecto de correcção.

26.
    Além disso, a Comissão rejeita o argumento segundo o qual ela «não fez prova da diligência necessária» ao rejeitar a proposta da recorrente sem pedir esclarecimentos. A Comissão sublinha que, na realidade, a rejeição da proposta da recorrente foi causada por um erro cuja origem é presentemente assumida pela própria recorrente.

27.
    A Comissão alega que os processos de concurso, entre os quais os abrangidos no programa TACIS, são objecto de condições detalhadas e precisas, que devem ser respeitadas de forma rigorosa e constante sob pena de exclusão do concurso, por analogia, nomeadamente, com a jurisprudência em matéria de concursos com vista ao recrutamento de funcionários comunitários (despacho do Tribunal de Justiça de 30 de Março de 2000, Jouhki/Comissão, C-435/98 P, Colect., p. I-2229, nomeadamente, n.° 35, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Maio de 1992, Almeida Antunes/Parlamento, T-54/91, Colect., p. II-1739, nomeadamente, n.° 40). Salienta que, além disso, os operadores económicos conhecem perfeitamente essas condições quando participam num concurso comunitário. A Comissão sublinha que a proposta apresentada pela recorrente para o mesmo projecto já fora rejeitada em 2001 e que, por essa razão, a recorrente deveria ter sido particularmente vigilante quando apresentou a proposta actual. Em particular, a recorrente, após o aparecimento do addendum e a devolução dos documentos relativos à sua proposta, não deveria ter-se limitado a apresentar de novo os mesmos documentos sem mesmo verificar as datas, mesmo supondo que tudo se tenha efectivamente desenrolado como afirma a recorrente.

28.
    Segundo a Comissão, a data em causa, relativa à extensão da validade da proposta, é de importância fundamental, e isto não somente para a entidade adjudicante, mas para cada um dos proponentes. A entidade adjudicante deve saber com exactidão quando expira cada uma das propostas e certificar-se de que todos os participantes têm igual possibilidade de ter em conta, para um mesmo período, todos os elementos que podem ter pertinência. A Comissão deduz daí que as condições essenciais em matéria de concursos, tais como o período de validade das propostas, devem ser desprovidas de ambiguidade e não estar sujeitas a interpretação.

29.
    Segundo a Comissão, seria inaceitável, nomeadamente por razões de transparência, coerência e igualdade, que proponentes individuais pudessem dialogar com a entidade adjudicante com vista a levá-la a reconsiderar, numa base bilateral, as suas propostas individuais. A Comissão conclui daí, nomeadamente, que não lhe cabe, enquanto entidade adjudicante, contactar um proponente em particular, de maneira a permitir-lhe regularizar a sua proposta, salvo no que respeita a certos pontos específicos em relação aos quais isso é expressamente autorizado. Com efeito, segundo a Comissão, uma abordagem inversa iria contra um sistema que é baseado no princípio fundamental da igualdade de tratamento entre todos os proponentes [acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1993, Comissão/Dinamarca, C-243/89, Colect,, p. I-3353, n.° 37, e de 25 de Abril de 1996, Comissão/Bélgica, C-87/94, Colect., p. 2043, n.° 70, bem como as conclusões da advogada-geral C. Stix-Hackl apresentadas em 11 de Julho de 2002 no processo Makedoniko Metro e Michaniki, C-57/01, Colect., p. I-0000, n.° 66]. A esse propósito, a Comissão assinala igualmente que tais contactos constituiriam, quanto a ela, uma pesada carga de trabalho, dado que, em 2001, só para o programa TACIS, a Direcção A da Direcção-Geral «EuropeAid - Serviço de Cooperação» da Comissão tratou cerca de 240 contratos públicos.

30.
    Neste contexto, a Comissão alega que a conduta da recorrente, isto é, o facto de ter contactado ao mesmo tempo o presidente e o secretário da comissão de avaliação, mereceria eventualmente ser examinada à luz do ponto 19.6 das Instruções aos Proponentes, por força do qual «[q]ualquer tentativa de um proponente de influenciar a comissão de avaliação no decurso do exame, da clarificação, da avaliação e da comparação das propostas, de obter informações relativas à evolução do processo ou de influenciar a entidade adjudicante na sua decisão em matéria de atribuição do contrato público implicará a rejeição imediata da sua proposta».

31.
    A Comissão nota igualmente que, no presente processo de concurso, cinco outros proponentes foram excluídos pela comissão de avaliação no decurso da sessão de abertura das propostas por terem cometido diversos erros e que a aceitação dos argumentos da recorrente poria, pelo menos, em questão a situação dos outros proponentes antes referidos. De maneira mais geral, a Comissão afirma que o precedente que constituiria um acórdão favorável à recorrente no presente processo obrigaria a Comissão a justificar a razão por que seguiu as suas próprias regras de cada vez que uma das decisões que tomasse em conformidade com essas regras fosse contestada por um ou vários dos proponentes excluídos.

32.
    Finalmente, em resposta à afirmação da recorrente segundo a qual ela agiu de maneira desproporcionada, a Comissão repete que a pretensa existência de «dúvidas» quanto à validade da proposta não é pertinente, tendo em conta a clareza com que a data-limite em causa aparecia na proposta e o carácter rigoroso das regras que regem os processos de concurso.

Apreciação do Tribunal

33.
    Deve recordar-se que a Comissão dispõe de um importante poder de apreciação quanto aos elementos a tomar em consideração com vista à tomada de uma decisão adjudicatória de um contrato de direito público na sequência de um concurso. A fiscalização do órgão jurisdicional comunitário deve consequentemente limitar-se à verificação do respeito das regras de processo e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos e da ausência de erro manifesto de apreciação ou de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Fevereiro de 2000, ADT Projekt/Comissão, T-145/98, Colect., p. II-387, n.° 147).

34.
    Por outro lado, é essencial, no interesse da segurança jurídica, que a Comissão possa certificar-se com precisão do conteúdo da proposta e, nomeadamente, da conformidade desta com as condições previstas no anúncio de concurso. Assim, quando uma proposta for ambígua e a Comissão não tiver a possibilidade de determinar, rápida e eficazmente, a que corresponde ela efectivamente, a instituição tem como única alternativa rejeitar essa proposta.

35.
    No entanto, o ponto 19.5 das Instruções aos Proponentes aplicáveis no presente caso conferiu expressamente à comissão de avaliação da Comissão o poder de pedir a prestação, dentro de 24 horas, de esclarecimentos respeitantes às propostas apresentadas, mas isto na condição de «não visarem a correcção de erros formais ou de restrições consideráveis que afectem a execução do contrato ou que criem uma distorção da concorrência». A possibilidade de pedir tais esclarecimentos, como prática geral, é igualmente confirmada pelo ponto 4.3.9.4 do documento intitulado «Guia prático dos processos aplicáveis à celebração dos contratos de ajuda externa da Comunidade Europeia», apresentado pela Comissão na audiência. A questão que deve, portanto, resolver-se é a de saber se a comissão de avaliação agiu, ou não, de forma legal ao decidir não fazer uso dessa possibilidade no que se refere ao período de validade da proposta da recorrente.

36.
    Quanto à afirmação da Comissão de que a proposta da recorrente continha um «erro formal», pela razão de que a sua validade era expressa e inequivocamente limitada a 28 de Julho de 2002 e de que nenhum pedido de esclarecimentos por força do ponto 19.5 das instruções aos proponentes era, portanto, necessário ou autorizado, há que reconhecer que a declaração sobre a qual a Comissão se baseia quanto a esse ponto, citada no n.° 2, supra, era ambígua no que respeita ao período durante o qual a proposta permanecia válida. Daí decorre que a declaração em questão não constituía necessariamente um erro formal, e que, pelo contrário, deu lugar a uma ambiguidade que poderia eventualmente ter revelado a existência de tal erro, em função da maneira como essa ambiguidade fosse suprimida, e em relação à qual a comissão de avaliação podia pedir esclarecimentos. No presente caso concreto, por conseguinte, só se, após obtenção de esclarecimentos, se afigurasse que a validade da proposta era limitada a 28 de Julho de 2002 poderia ter sido reconhecido que a proposta comportava um erro formal.

37.
    Em resposta ao argumento da Comissão segundo o qual a sua comissão de avaliação de forma alguma estava obrigada a pedir esclarecimentos à recorrente, há que considerar que o poder previsto no ponto 19.5 das Instruções aos Proponentes deve, nomeadamente de acordo com o princípio comunitário da boa administração, ter por corolário a obrigação de exercer esse poder em circunstâncias em que é, ao mesmo tempo, com clareza, materialmente possível e necessário obter esclarecimentos respeitantes a uma proposta (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Fevereiro de 2000, Rose/Comissão, T-22/99, ColectFP, pp. I-A-27 e II-115, n.° 56, e de 8 de Maio de 2001, Caravelis/Parlamento, T-182/99, ColectFP, pp. I-A-113 e II-523, n.os 32 a 34; v., igualmente, de maneira mais geral, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 1999, New Europe Consulting e Brown/Comissão, T-231/97, Colect., p. II-2403, n.° 42, e artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, proclamada em Nice em 7 de Dezembro de 2000, JO C 364, p. 1). Mesmo que as comissões de avaliação da Comissão não sejam obrigadas a pedir esclarecimentos cada vez que uma proposta esteja redigida de maneira ambígua, elas têm a obrigação de agir com uma certa prudência quando examinam o conteúdo de cada proposta. Quando a redacção de uma proposta e as circunstâncias do processo de que a Comissão tem conhecimento indicarem que a ambiguidade pode provavelmente explicar-se de maneira simples e que pode ser facilmente suprimida, é, em princípio, contrário ao princípio da boa administração que uma comissão de avaliação rejeite uma proposta sem exercer o seu poder de pedir esclarecimentos. Há o risco de que a decisão de rejeitar uma proposta em tais circunstâncias seja afectada por um erro manifesto de apreciação, por parte da instituição, no exercício desse poder.

38.
    Seria, além disso, contrário ao princípio da igualdade, ao qual o ponto 19.5 das Instruções aos Proponentes faz referência no caso em apreço, reconhecer a uma comissão de avaliação um poder discricionário absoluto no que se refere a pedir, ou não, esclarecimentos respeitantes a uma dada proposta sem ter em conta considerações objectivas e sem sujeição a uma fiscalização jurisdicional (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Julho de 1999, Séché/Comissão, T-112/96 e T-115/96, ColectFP, pp. I-A-115 e II-623, n.° 127). Por outro lado, contrariamente ao argumento avançado pela Comissão, o princípio da igualdade não impedia a comissão de avaliação de permitir a alguns proponentes fazer esclarecimentos que permitissem suprimir ambiguidades existentes nas suas propostas, dado que o ponto 19.5 prevê expressamente a possibilidade de pedir tais esclarecimentos e que a comissão de avaliação estava obrigada a tratar todos os proponentes da mesma maneira ao exercer esse poder.

39.
    No presente contexto, deve igualmente recordar-se que o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do que é adequado e necessário à realização dos objectivos prosseguidos e que, quando exista uma opção entre várias medidas adequadas, se recorra à menos rígida (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, National Farmers' Union e o., C-157/96, Colect., p. I-2211, n.° 60).

40.
    No presente caso concreto, deve reconhecer-se que, efectivamente, a recorrente, como referiu, voltou simplesmente a apresentar, em 10 de Junho de 2002, os documentos originais relativos à sua proposta, sem qualquer modificação, dado que a modificação do n.° 4.2.2. do lote n.° 1 resultante do addendum não necessitava de qualquer alteração da redacção da sua proposta.

41.
    Por outro lado, como a data de «28.07.02» correspondia ao período de 90 dias durante o qual as propostas deviam permanecer válidas por força do anúncio de concurso inicial, de 27 de Fevereiro de 2002, há que considerar que a comissão de avaliação deveria ter compreendido que a recorrente não tinha provavelmente a intenção de sujeitar a sua proposta a um período de validade diferente do exigido no ponto 8.1 das Instruções aos Proponentes, e que ela omitira, provavelmente por inadvertência, alterar essa data quando apresentou de novo a proposta na sequência do addendum. A documentação da recorrente relativa à sua proposta apresentada em 10 de Junho de 2002 não somente indicava em dois outros locais que a proposta da recorrente permanecia válida durante o exigido período de 90 dias, locais que eram a própria carta de 25 de Abril de 2002, na passagem em que refere, directamente acima da assinatura, que «[a] presente proposta é válida na condição de ser aceite no decurso do período de validade previsto no [ponto] 8 das Instruções aos Proponentes», e as condições gerais juntas à proposta, que indicam «[v]alidade da proposta: 90 dias», mas expunha ainda, naquela mesma carta, que a recorrente «aceita[va] sem reserva ou restrição a integralidade do conteúdo da documentação do concurso para o processo já citado».

42.
    Nestas circunstâncias, o princípio da boa administração exigia que a comissão de avaliação suprimisse a ambiguidade em causa pedindo esclarecimentos sobre o período de validade da proposta da recorrente.

43.
    Além disso, no que diz respeito ao princípio da proporcionalidade, deve reconhecer-se que, no presente caso concreto, a comissão de avaliação, confrontada com a proposta ambígua da recorrente, tinha a possibilidade de escolher entre duas maneiras de agir, tanto uma como outra garantindo a segurança jurídica referida no n.° 34, supra, que consistiam na rejeição pura e simples da proposta ou no convite à recorrente para prestar esclarecimentos. Dado que, como foi indicado no n.° 41, supra, era provável que a proposta fosse efectivamente destinada a permanecer válida durante 90 dias a contar de 11 de Junho de 2002, até 9 de Setembro de 2002, como era exigido pelo ponto 8.1 das Instruções aos Proponentes, e que a recorrente teria então sido obrigada a prestar, dentro de 24 horas, todos os esclarecimentos exigidos, de maneira a que o processo de concurso, tomado no seu conjunto, sofresse uma interrupção e um atraso mínimos, há que reconhecer que a decisão da comissão de avaliação de rejeitar a proposta, sem pedir esclarecimentos relativamente ao período de validade que ela era reputada ter, é claramente desproporcionada e que está, portanto, afectada por um erro manifesto de apreciação.

44.
    Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual a anulação da decisão de rejeição da proposta da recorrente fazia correr o risco de a situação dos outros proponentes cuja proposta foi rejeitada ser afectada, esta circunstância não pode, em caso algum, justificar que se negue provimento ao presente recurso. Por força do artigo 233.° CE, é à instituição donde emana o acto anulado que compete adoptar as medidas que a execução do acórdão implica. Essas medidas são relativas, nomeadamente, à supressão dos efeitos das ilegalidades constatadas no acórdão de anulação e é assim que a instituição em causa é obrigada a repor, de forma adequada, a situação da recorrente (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, Colect., p. 69, n.os 59 e 60, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 47). O acórdão de anulação não poderá, no entanto, implicar a anulação de outros actos que não estejam submetidos à censura do juiz comunitário mas contra os quais possa ser invocada uma mesma ilegalidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Setembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o., C-310/97 P, p. I-5363, n.° 54).

45.
    No que respeita à alegação da Comissão segundo a qual a conduta da recorrente, após a rejeição da sua proposta, constituía uma violação do ponto 19.6 das Instruções aos Proponentes, basta reconhecer que, mesmo na hipótese de ser fundada de direito e de facto, essa alegação não pode ter qualquer incidência no presente caso concreto, dado que não é susceptível de afectar a legalidade da decisão cuja anulação é pedida.

46.
    Tendo em conta o que precede, resulta que a comissão de avaliação cometeu um erro manifesto de apreciação ao não exercer o seu poder de solicitar à recorrente a prestação de esclarecimentos em conformidade com o ponto 19.5 das Instruções aos Proponentes.

47.
    Por conseguinte, deve anular-se a decisão da Comissão de 17 de Junho de 2002 que rejeita a proposta apresentada pela Tideland Signal Ltd para o lote n.° 1 no quadro do processo de concurso EuropeAid/112336/C/S/WW - TACIS - (Novo anúncio de concurso), sem que seja necessário examinar o primeiro fundamento invocado pela recorrente.

48.
    Finalmente, há que salientar que a petição de um recurso de anulação pode, a título excepcional, não ficar desprovida de objecto, apesar da revogação do acto cuja anulação é pretendida, quando o recorrente mantenha, apesar disso, um interesse suficiente na obtenção de um acórdão que anule esse acto de maneira formal (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Outubro de 1988, Technointorg/Comissão e Conselho, 294/86 e 77/87, Colect., p. 6077, n.° 11). No presente caso concreto, a recorrente afirma manter tal interesse.

49.
    Deve recordar-se que nenhuma resolução amigável foi conseguida entre as partes na sequência da reunião informal de 17 de Setembro de 2002 e que há que considerar que o efectivo desaparecimento da ordem jurídica comunitária da decisão de rejeitar a proposta da recorrente e a cessação dos seus efeitos jurídicos não resultam claramente das respostas dadas pela Comissão em 19 e 23 de Setembro de 2002 (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Setembro de 1997, Antillean Rice Mills/Comissão, T-26/97, Colect., p. II-1347, n.° 14). Nestas circunstâncias, há que concluir que a recorrente mantém interesse na obtenção de uma decisão jurisdicional e, tendo em conta a urgência do presente processo e as exigências da segurança jurídica, é, por conseguinte, adequado decidir imediatamente a fim de eliminar, de maneira formal e definitiva, a insegurança persistente no tocante à legalidade e ao estatuto actual da decisão que rejeita a proposta da recorrente.

Quanto às despesas

50.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená-la nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

decide:

1.
    A decisão da Comissão de 17 de Junho de 2002 que rejeita a proposta apresentada pela Tideland Signal Ltd para o lote n.° 1 no quadro do processo de concurso EuropeAid/112336/C/S/WW - TACIS - (Novo anúncio de concurso) é anulada.

2.
    A Comissão é condenada nas despesas.

Vesterdorf
Forwood
Legal

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Setembro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

B. Vesterdorf


1: Língua do processo: inglês.