Language of document : ECLI:EU:C:2024:431

Processo C627/22

AB

contra

Finanzamt KölnSüd

(pedido de decisão prejudicial, apresentado pelo Finanzgericht Köln)

 Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção) de 30 de maio de 2024

«Reenvio prejudicial — Acordo entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça sobre a livre circulação de pessoas — Trabalhador de um Estado‑Membro que transferiu o seu domicílio para a Suíça — Vantagens fiscais — Imposto sobre o rendimento — Mecanismo da “tributação voluntária” — Contribuintes beneficiários — Limitação aos trabalhadores assalariados parcialmente sujeitos a imposto com residência num Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo sobre o Espaço Económico Europeu (EEE) — Igualdade de tratamento»

1.        Acordos internacionais — Acordo CESuíça sobre a livre circulação de pessoas — Liberdade de circulação de pessoas — Interpretação do acordo — Trabalhador assalariado — Conceito — Contribuinte nacional de um EstadoMembro que transferiu a sua residência do referido EstadoMembro para a Suíça mantendo o seu local de trabalho no EstadoMembro — Inclusão — Possibilidade de a pessoa em causa invocar o princípio da igualdade de tratamento relativamente ao seu Estado de origem

(Acordo CESuíça sobre a livre circulação de pessoas, artigo 15.° e anexo I, artigos 6.° e 9.°)

(cf. n.os 66‑70, 75)

2.        Acordos internacionais — Acordo CESuíça sobre a livre circulação de pessoas — Igualdade de tratamento — Vantagens fiscais — Legislação de um EstadoMembro que prevê uma vantagem fiscal para os contribuintes nacionais de um EstadoMembro da União ou de um Estado parte do Espaço Económico Europeu com residência no território de um desses Estados — Exclusão desta vantagem fiscal para os nacionais desse EstadoMembro que nele auferem rendimentos tributáveis mas que residem na Suíça — Inadmissibilidade — Justificação — Falta

(Acordo CESuíça sobre a livre circulação de pessoas, artigos 7.° e 15.° e anexo I, artigos 9.°, n.° 2, e 21.°, n.os 2 e 3)

(cf. n.os 83‑87, 102, 104‑106, 108, 118 e disp.)

3.        Acordos internacionais — Acordo CESuíça sobre a livre circulação de pessoas — Regra de standstill do artigo 13.° — Alcance — Direito de os Estados partes no Acordo manterem restrições existentes ao princípio da igualdade de tratamento — Inexistência

(Acordo CESuíça sobre a livre circulação de pessoas, artigo 13.°)

(cf. n.os 111, 113)

Resumo

No âmbito de um litígio relativo ao tratamento fiscal por um Estado‑Membro dos rendimentos provenientes de uma atividade assalariada exercida por um dos seus nacionais numa empresa nacional estabelecida no seu território, quando este nacional transferiu a sua residência para a Suíça, o Tribunal de Justiça declarou que o ALCP (1) se opõe a um regime fiscal que estabelece um tratamento diferenciado dos contribuintes em razão da sua residência.

De 2017 a 2019, AB, cidadão alemão, exerceu uma atividade assalariada para uma sociedade com sede na Alemanha, em regime de teletrabalho a partir do seu domicílio na Suíça e no âmbito de deslocações profissionais à Alemanha.

Uma vez que estava parcialmente sujeito, na Alemanha, ao imposto sobre o rendimento relativamente a esses rendimentos alemães, a totalidade do seu salário era objeto de um imposto sobre o salário retido na fonte pelo seu empregador. Além dos seus rendimentos salariais, AB auferiu rendimentos provenientes do arrendamento de dois bens imóveis situados na Alemanha.

Como suportou despesas profissionais, a saber, despesas relacionadas com a utilização de um veículo pessoal e outras despesas de deslocação relacionadas com a sua atividade tributável na Alemanha, AB apresentou um pedido de tributação do rendimento que permitia a tomada em conta das despesas profissionais e a dedução do imposto alemão sobre o salário, já pago por retenção na fonte, do montante calculado do imposto alemão sobre o rendimento.

A Administração Tributária indeferiu o referido pedido com o fundamento de que estava limitado aos trabalhadores com domicílio ou residência habitual num Estado‑Membro da União ou num Estado parte no Acordo EEE (2).

Após várias reclamações administrativas infrutíferas, AB interpôs recurso no Finanzgericht Köln (Tribunal Tributário de Colónia, Alemanha), o órgão jurisdicional de reenvio. Segundo AB, a limitação da tributação voluntária aos contribuintes residentes num Estado‑Membro ou noutro Estado parte no Acordo EEE é contrária ao ALCP.

Para a resolução deste litígio, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se esse regime fiscal que reserva certas vantagens fiscais aos contribuintes com residência num Estado‑Membro ou num Estado parte no Acordo EEE, excluindo os nacionais de um Estado‑Membro que residam na Suíça e que aufiram os rendimentos de uma atividade assalariada nesse Estado‑Membro, é compatível com os artigos 7.° e 15.° do ALCP, lidos em conjugação com o artigo 9.°, n.° 2, do anexo I do ALCP.

O Tribunal de Justiça responde negativamente a esta questão.

Apreciação do Tribunal de Justiça

Antes de mais, o Tribunal de Justiça considera que AB está abrangido pelo âmbito de aplicação do ALCP (3) enquanto trabalhador fronteiriço assalariado, na aceção do artigo 7.° do anexo I do ALCP, ou, se o requisito relativo ao regresso ao domicílio não estiver preenchido, enquanto trabalhador assalariado, na aceção do artigo 6.° deste mesmo anexo (4).

Com efeito, este artigo não se opõe a que o Estado de origem de um nacional possa ser considerado o «Estado de acolhimento», numa situação como a que está em causa no processo principal, e que esse nacional possa ser aí considerado um «trabalhador assalariado», na aceção do capítulo II do anexo I do ALCP. Esta análise é corroborada pelo direito de residência consagrado pelo ALCP, a saber, o direito de os nacionais de uma Parte Contratante estabelecerem a sua residência no território da outra Parte Contratante, independentemente do exercício de uma atividade económica.

Por conseguinte, um trabalhador assalariado como AB, nacional de uma Parte Contratante que exerceu o seu direito de livre circulação e que ocupa um emprego no seu Estado de origem, pode, em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (5), invocar o artigo 9.° do anexo I do ACLP, que consagra o princípio da igualdade de tratamento, relativamente ao seu Estado de origem, para beneficiar das mesma vantagens fiscais que os trabalhadores assalariados nacionais. Este reconhecimento permite assim a esse trabalhador assalariado beneficiar plenamente do direito de residência previsto no ALCP, mantendo a sua atividade económica no seu país de origem.

Em seguida, o Tribunal de Justiça recorda que, em conformidade com a jurisprudência anterior à assinatura do ALCP, o princípio da igualdade de tratamento proíbe não só as discriminações ostensivas, baseadas na nacionalidade, mas também todas as formas dissimuladas de discriminação que, por aplicação de outros critérios de distinção, como o critério da residência, conduzam de facto ao mesmo resultado e que esta jurisprudência também é válida quanto à aplicação do referido acordo, em conformidade com o seu artigo 16.°, n.° 2. Por conseguinte, uma regulamentação que estabelece, no que respeita à possibilidade de beneficiar de uma vantagem fiscal, uma diferença de tratamento em função da residência do trabalhador assalariado é suscetível de conduzir ao mesmo resultado que uma discriminação baseada na nacionalidade, proibida pelas disposições do artigo 9.°, n.° 2, do anexo I do ALCP.

Embora tal tratamento diferenciado seja permitido em matéria fiscal, ao abrigo do artigo 21.°, n.° 2, do ALCP, em relação aos contribuintes que não se encontrem numa situação comparável, esta disposição não pode servir de fundamento para recusar uma vantagem fiscal a um trabalhador assalariado apenas pelo facto de a sua residência se situar na Suíça e não na Alemanha, uma vez que a regulamentação alemã equipara a situação dos contribuintes residentes à situação de determinados contribuintes não residentes e que nenhum elemento é suscetível de demonstrar que a residência de um contribuinte precisamente na Suíça torna a sua situação objetivamente diferente da situação de um contribuinte residente na Alemanha, para efeitos da tributação dos seus salários auferidos na Alemanha.

Além disso, nem o artigo 21.°, n.° 3, do ALCP (6) nem a invocação de uma razão imperiosa de interesse geral relativa à pretensa necessidade de assegurar a coerência do regime fiscal alemão podem justificar essa diferença de tratamento no caso em apreço. Com efeito, por um lado, a recusa da tributação voluntária não parece adequada para garantir a tributação, o pagamento e a cobrança efetiva dos impostos ou evitar a evasão fiscal e, por outro, não existe nenhuma relação direta entre o benefício da tributação voluntária e a compensação dessa vantagem através de uma determinada tributação.

Por último, o Tribunal de Justiça considera que não resulta dos termos do artigo 13.° do ALCP, que prevê uma cláusula de standstill, nem do contexto em que se inscreve este artigo, nem dos objetivos prosseguidos pelo ALCP, a existência de um eventual direito de os Estados Partes no ALCP manterem restrições existentes, o qual seria contrário aos objetivos do ALCP em matéria de liberdade de circulação de pessoas.


1      Acordo entre a Comunidade Europeia e os seus Estados‑Membros, por um lado, e a Confederação Suíça, por outro, sobre a livre circulação de pessoas, assinado no Luxemburgo, em 21 de junho de 1999 (JO 2002, L 114, p. 6), conforme adaptado pela última vez pelo Protocolo de 4 de março de 2016 relativo à participação da República da Croácia, como Parte Contratante, na sequência da sua adesão à União Europeia (JO 2017, L 31, p. 3, a seguir «ALCP»).


2      Acordo sobre o Espaço Económico Europeu de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3, a seguir «Acordo EEE»).


3      O artigo 7.°, n.° 1, do anexo I do Acordo ALCP define o trabalhador fronteiriço assalariado como um nacional de uma Parte Contratante que tem a sua residência no território de uma Parte Contratante e que exerce uma atividade assalariada no território da outra Parte Contratante, regressando, em princípio, diariamente ao seu domicílio, ou pelo menos uma vez por semana.


4      Ao abrigo do artigo 6.° do referido anexo, é considero trabalhador assalariado um nacional de uma Parte Contratante que ocupar um emprego ao serviço de um empregador do Estado de acolhimento.


5      V. Acórdãos de 28 de fevereiro de 2013, Ettwein (C‑425/11, EU:C:2013:121, n.os 33 e 39), de 19 de novembro de 2015, Bukovansky (C‑241/14, EU:C:2015:766, n.os 36 e 47), de 21 de setembro de 2016, Radgen (C‑478/15, EU:C:2016:705, n.os 39 e 40), e de 26 de fevereiro de 2019, Wächtler (C‑581/17, EU:C:2019:138, n.° 53).


6      O artigo 21.°, n.° 3, do ALCP prevê, nomeadamente, que este acordo não constitui obstáculo à adoção ou à aplicação, pelas Partes Contratantes, de uma medida destinada a garantir a tributação, o pagamento e a cobrança efetiva dos impostos ou a evitar a evasão fiscal, nos termos das disposições da legislação fiscal nacional de uma das Partes Contratantes.