Language of document : ECLI:EU:T:2024:425

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção Alargada)

26 de junho de 2024 (*)

«Função pública — Funcionários — Remuneração — Prestações familiares — Abono escolar — Recusa de concessão — Artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto — Formação profissional — Ensino superior — Delegação de poderes — Avocação de poderes delegados — AIPN competente»

No processo T‑698/21,

Georgios Paraskevaidis, residente em Wezembeek‑Oppem (Bélgica), representado por S. Pappas, D.‑A. Pappa e A. Pappas, advogados,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer e M. Alver, na qualidade de agentes,

e

Comissão Europeia, representada por T. S. Bohr e I. Melo Sampaio, na qualidade de agentes,

recorridos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção Alargada),

composto por: S. Papasavvas, presidente, L. Truchot, H. Kanninen, R. Frendo (relatora) e M. Sampol Pucurull, juízes,

secretário: A. Marghelis, administrador,

vistos os autos, nomeadamente:

–        a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de janeiro de 2022,

–        o Despacho que reserva para final a apreciação da exceção de inadmissibilidade de 15 de julho de 2022,

após a audiência de 4 de outubro de 2023,

profere o presente

Acórdão

1        Com o presente recurso interposto ao abrigo do artigo 270.° TFUE, o recorrente, Georgios Paraskevaidis, pede a anulação, primeiro, da Decisão do Serviço de «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO), de 4 de fevereiro de 2021, reiterada na sua nota de 1 de março de 2021, segundo a qual não lhe era devido o abono escolar pela formação seguida pela sua filha durante o período compreendido entre novembro de 2019 e agosto de 2020, bem como da Decisão que fixa o pagamento em prestações dos montantes indevidamente recebidos, comunicada em 9 de março de 2021 (a seguir, em conjunto, «Decisões do PMO»); e, segundo, da Decisão da Autoridade Investida do Poder de Nomeação (a seguir «AIPN») do Conselho da União Europeia, de 19 de julho de 2021, que indeferiu a reclamação apresentada pelo recorrente contra as referidas decisões (a seguir «decisão relativa à reclamação»).

I.      Antecedentes do litígio

2        O recorrente é funcionário do Conselho.

3        Através da Decisão (UE) 2019/792 do Conselho, de 13 de maio de 2019, que confia à Comissão Europeia — Serviço de Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais (PMO) — o exercício de determinados poderes conferidos à autoridade investida do poder de nomeação e à autoridade competente para a contratação de pessoal (JO 2019, L 129, p. 3; a seguir «Decisão de 13 de maio de 2019»), o Conselho confiou ao PMO, nomeadamente, o exercício dos poderes relativos à concessão e à gestão dos abonos escolares. De acordo com o artigo 1.°, n.° 2, desta decisão, o PMO renuncia ao exercício dos poderes delegados a favor do Conselho se, num caso individual, a AIPN ou a autoridade competente para a contratação de pessoal do Conselho o solicitarem.

4        Entre 25 de novembro de 2019 e 30 de agosto de 2020, a filha do recorrente seguiu um programa de formação em Psicopedagogia (a seguir «programa de formação»). Ao abrigo do artigo 3.° do anexo VII do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), foi pago ao recorrente o abono escolar durante o programa de formação (a seguir «abono escolar»).

5        Em 4 de fevereiro de 2021, o PMO notificou ao recorrente uma decisão que lhe negava o direito ao abono escolar, com o fundamento de que o Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais (ECVET), a que o programa de formação dava direito, não era de nível superior. Consequentemente, os montantes que lhe tinham sido pagos a título de abono escolar deviam ser reembolsados.

6        Em 1 de março de 2021, na sequência de um pedido de reapreciação apresentado pelo recorrente, em 27 de fevereiro de 2021, o PMO reiterou a decisão mencionada no n.° 5, supra, salientando que a filha do recorrente só tinha recebido 21 unidades ECVET, ao passo que a Conclusão Revista n.° 237/05, relativa à atribuição do abono escolar e à interpretação do conceito de frequência regular a tempo inteiro de um estabelecimento de ensino na aceção do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, aprovada pelos Chefes de Administração na 284.ª reunião, realizada em 1 de julho de 2020 (a seguir «Conclusão Revista n.° 237/05»), considerava que a condição de uma frequência regular a tempo inteiro de um estabelecimento de ensino correspondia à concessão de 30 créditos no âmbito do Sistema Europeu de Créditos do Ensino e Formação Profissionais (ECTS).

7        Em 9 de março de 2021, o PMO enviou ao recorrente um plano de reembolso dos montantes indevidamente recebidos a título do abono escolar.

8        Em 31 de março de 2021, o recorrente, através de um formulário em linha enviado pelo sistema de gestão do pessoal do Conselho, apresentou‑lhe uma reclamação, nos termos do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, contra as Decisões do PMO (a seguir «reclamação»), contestando, nomeadamente, a aplicabilidade da Conclusão Revista n.° 237/05. Em 21 de abril de 2021, o recorrente apresentou, em termos idênticos, uma reclamação à Comissão.

9        Por carta de 23 de abril de 2021, nos termos do artigo 1.°, n.° 2, da Decisão de 13 de maio de 2019, o Conselho pediu ao PMO que renunciasse ao exercício dos poderes de AIPN que lhe tinham sido delegados, no que respeitava à reclamação do recorrente. O PMO acedeu a este pedido por carta de 10 de junho de 2021 (a seguir «avocação de poderes delegados»).

10      Em 19 de julho de 2021, o Conselho, informando o recorrente da avocação dos poderes delegados, indeferiu a reclamação. Considerou, em substância, que o recorrente não tinha direito ao abono escolar, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, uma vez que se tratava de um programa de formação de natureza profissional e não conduzia à obtenção de um diploma. O Conselho acrescentou que, nestas circunstâncias, não era necessário pronunciar‑se sobre a aplicabilidade do limite mínimo de 30 créditos ECTS previsto na Conclusão Revista n.° 237/05.

II.    Pedidos das partes

11      O recorrente conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        julgar o recurso admissível na totalidade;

–        anular as Decisões do PMO e a decisão relativa à reclamação;

–        condenar os recorridos nas despesas.

12      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        julgar o recurso inadmissível, na parte em que é interposto contra ela;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

13      O Conselho conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar o recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade

14      O recurso tem por objetivo a anulação de várias decisões de duas instituições diferentes que recusaram ao recorrente a concessão do abono escolar. As Decisões do PMO são da competência da Comissão, ao passo que a decisão sobre a reclamação é da competência da AIPN do Conselho, na sequência da avocação dos poderes delegados durante o procedimento pré‑contencioso.

15      A Comissão suscita a inadmissibilidade do recurso, na parte em que é interposto contra ela, com o fundamento de que não é a AIPN competente pela decisão relativa à reclamação, que é o único ato que causa prejuízo ao recorrente. Considera que, tendo em conta a avocação de poderes delegados pelo Conselho, bem como a alteração dos argumentos jurídicos que fundamentam a decisão relativa à reclamação, esta última substituiu as Decisões do PMO.

16      Na contestação, o Conselho também alegou que, devido à avocação de poderes delegados, o recurso só podia ser interposto contra si.

17      A este respeito, há que recordar que, tendo em conta a sua própria finalidade, que consiste em permitir que a administração reaprecie as suas decisões, o procedimento pré‑contencioso tem caráter evolutivo, pelo que, no sistema de vias de recurso previsto nos artigos 90.° e 91.° do Estatuto, a administração pode, ao mesmo tempo que indefere a reclamação, ser conduzida a alterar os fundamentos em que se baseou para adotar o ato impugnado (v. Acórdão de 26 de março de 2014, CP/Parlamento, F‑8/13, EU:F:2014:44, n.° 21 e jurisprudência referida). Com efeito, o objetivo do processo de reclamação é permitir a reapreciação, pela AIPN, do ato impugnado à luz das acusações formuladas pelo reclamante, alterando, se for caso disso, os fundamentos que apoiam o seu dispositivo (v., neste sentido, Acórdão de 21 de maio de 2014, Mocová/Comissão, T‑347/12 P, EU:T:2014:268, n.os 32 e 33).

18      Assim, complementar a fundamentação na fase da decisão relativa à reclamação é conforme com a finalidade do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, que prevê precisamente uma decisão fundamentada. Ora, esta disposição implica necessariamente que a autoridade que tem de se pronunciar sobre a reclamação não esteja vinculada pela fundamentação da decisão que é objeto da reclamação (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2017, Skareby/SEAE, T‑585/16, EU:T:2017:613, n.° 19 e jurisprudência referida).

19      Nestas circunstâncias, o recurso, ainda que formalmente interposto do indeferimento da reclamação, tem por efeito submeter à apreciação do juiz o ato lesivo contra o qual foi apresentada reclamação, exceto nos casos em que o indeferimento da reclamação tenha um alcance diferente do do ato contra o qual esta reclamação foi apresentada. Uma decisão expressa de indeferimento de uma reclamação pode, tendo em conta o seu conteúdo, não ter caráter puramente confirmativo do ato impugnado pelo recorrente. É o que sucede quando a decisão relativa à reclamação contém uma reapreciação da situação do recorrente em função de novos elementos de direito e de facto ou quando altera ou completa a decisão inicial. Nestes casos, o indeferimento da reclamação constitui um ato sujeito à fiscalização do juiz, que o toma em consideração na apreciação da legalidade do ato impugnado, ou mesmo que o considera um ato lesivo que substitui este último (v. Acórdão de 21 de maio de 2014, Mocová/Comissão, T‑347/12 P, EU:T:2014:268, n.° 34 e jurisprudência referida).

20      No caso em apreço, a decisão relativa à reclamação foi adotada pelo Conselho, após ter pedido ao PMO que renunciasse às suas competências enquanto AIPN, de acordo com o artigo 1.°, n.° 2, da Decisão de 13 de maio de 2019. O Conselho confirma a recusa da concessão do abono escolar. Contudo, a fundamentação da decisão relativa à reclamação difere da que figura nas Decisões do PMO. Assim, enquanto o PMO se baseia na Conclusão Revista n.° 237/05 para considerar que o programa de formação não preenchia o critério quantitativo do limite mínimo de 30 créditos ECTS para ser qualificado de ensino superior, o Conselho afasta completamente o referido critério para se basear num critério qualitativo, que concentra a análise na própria natureza do programa de formação.

21      Por conseguinte, há que constatar que, através da decisão relativa à reclamação, o Conselho alterou completamente os fundamentos que figuram nas Decisões do PMO ao efetuar uma reapreciação da situação do recorrente. Assim, a referida decisão tem um conteúdo autónomo e um alcance diferente das Decisões do PMO e não pode ser considerada puramente confirmativa das mesmas.

22      Daqui resulta que a decisão relativa à reclamação substituiu as Decisões do PMO e constitui, no caso em apreço, o ato lesivo.

23      Consequentemente, o recurso é inadmissível na parte em que é interposto das Decisões do PMO e, por conseguinte, contra a Comissão, da qual emanam.

B.      Quanto ao mérito

24      Em apoio do presente recurso, o recorrente invoca, em substância, três fundamentos relativos:

–        primeiro, à violação do princípio da legalidade, devido, por um lado, à inexistência de base legal ratione temporis e, por outro, à aplicação retroativa ilegal da Conclusão Revista n.° 237/05;

–        segundo, a uma exceção de ilegalidade da Conclusão Revista n.° 237/05, que estabelece uma distinção entre os programas de formação profissional e os programas que conduzem à obtenção de um diploma, bem como à falta de competência dos Chefes de Administração para o estabelecimento da referida distinção;

–        terceiro, à violação do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto.

25      Na fase da réplica, o recorrente invoca um quarto fundamento, relativo à ilegalidade da avocação de poderes delegados, a qual, consequentemente, põe em causa a competência do Conselho para adotar a decisão relativa à reclamação.

26      O Tribunal Geral examinará em primeiro lugar, de forma conjunta, o primeiro e segundo fundamentos, em seguida o quarto fundamento e, por último, o terceiro fundamento.

1.      Quanto ao primeiro e ao segundo fundamentos, relativos à violação do princípio da legalidade da Conclusão Revista n.° 237/05, devido à sua aplicação retroativa e a uma distinção ilegal entre programas educativos

27      Com o primeiro fundamento, o recorrente contesta, em substância, a aplicação retroativa da Conclusão Revista n.° 237/05 e alega, assim, a inexistência de base legal ratione temporis para as Decisões do PMO.

28      Com o segundo fundamento, o recorrente suscita uma exceção de ilegalidade contra a Conclusão Revista n.° 237/05, na parte em que esta estabelece uma distinção entre os programas de formação profissional e os programas que conduzem à obtenção de um diploma. O recorrente suscita também a falta de competência dos Chefes de Administração para estabelecerem a referida distinção.

29      O Conselho contesta a argumentação do recorrente.

30      A este respeito, há que verificar que, como resulta dos n.os 6 e 10, bem como dos n.os 19 e 20, supra, enquanto as Decisões do PMO se basearam na Conclusão Revista n.° 237/05 referida no primeiro e segundo fundamentos, na decisão relativa à reclamação, a AIPN do Conselho alterou completamente os elementos de direito que sustentavam a análise para concluir que o abono escolar não era devido.

31      Especialmente, a decisão relativa à reclamação afastou a Conclusão Revista n.° 237/05, que constituía a base jurídica das Decisões do PMO, salientando que não era necessário pronunciar‑se sobre a aplicabilidade do limite mínimo de 30 créditos ECTS que figurava na referida conclusão revista.

32      Daqui resulta que o primeiro e segundo fundamentos estão apenas associados às Decisões do PMO.

33      Ora, como foi declarado no n.° 23, supra, o recurso é inadmissível, na parte em que visa a anulação das Decisões do PMO e, por conseguinte, o primeiro e o segundo fundamentos a elas associados devem ser julgados inoperantes.

2.      Quanto ao quarto fundamento, relativo à falta de competência do Conselho para revogar a delegação de poderes no PMO e para emitir a decisão relativa à reclamação

a)      Quanto à admissibilidade do quarto fundamento

34      O Conselho contesta a admissibilidade do quarto fundamento alegando que, de acordo com o artigo 84.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, é proibido deduzir um fundamento novo no decurso da instância, que não resulte de elementos de direito ou de facto que se tenham revelado posteriormente à interposição do recurso. Ora, tendo informado o recorrente da avocação dos poderes delegados através da decisão relativa à reclamação, o Conselho considera que o fundamento invocado pelo recorrente na réplica é extemporâneo e, por conseguinte, inadmissível.

35      A este respeito, há que salientar que, se é certo que, em princípio, a dedução de um fundamento novo deve respeitar as exigências previstas no artigo 84.° do Regulamento de Processo, estas exigências não são aplicáveis quando um fundamento, ainda que possa ser qualificado de novo, seja de ordem pública (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de setembro de 2016, La Ferla/Comissão e ECHA, T‑392/13, EU:T:2016:478, n.° 65, e de 24 de setembro de 2019, Yanukovych/Conselho, T‑301/18, não publicado, EU:T:2019:676, n.° 64).

36      Ora, como alega o recorrente, o fundamento baseado na incompetência do autor de um ato lesivo é de ordem pública, pelo que pode ser invocado em qualquer fase do processo (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de dezembro de 2018, Pipiliagkas/Comissão, T‑689/16, não publicado, EU:T:2018:925, n.° 39 e jurisprudência referida, e de 28 de setembro de 2022, Grieger/Comissão, T‑517/21, não publicado, EU:T:2022:588, n.° 89 e jurisprudência referida).

37      Por conseguinte, o quarto fundamento é admissível.

b)      Quanto à procedência do quarto fundamento

38      O recorrente alega que a decisão relativa à reclamação está ferida de ilegalidade devido à falta de competência do seu autor. A este respeito, formula, em substância, duas acusações.

39      Em primeiro lugar, o recorrente alega que o Conselho só podia revogar a delegação de poderes no PMO na sua totalidade e não num caso individual. A este respeito, alega que os artigos 90.°‑C e 91.°‑A do Estatuto impedem qualquer avocação de poderes delegados quando o PMO já tenha exercido os poderes de AIPN, objeto da delegação. Acrescenta, também, que a referida avocação de poderes delegados suscita questões quanto ao princípio da segurança jurídica.

40      Em segundo lugar, o recorrente denuncia uma violação de formalidades essenciais devido à inexistência de publicação da Decisão individual da avocação de competência por parte do Conselho, na sequência da reclamação por si apresentada.

41      O Conselho contesta estes argumentos.

1)      Quanto à primeira acusação, relativa à falta de competência do Conselho para proceder a uma avocação de poderes delegados num caso individual

42      Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, do Estatuto, uma ou mais instituições podem confiar a uma delas ou a um organismo interinstitucional o exercício da totalidade ou de parte dos poderes conferidos à AIPN, que não sejam decisões relacionadas com a nomeação, a promoção ou a mutação de funcionários. No caso em apreço, ao abrigo do artigo 1.°, n.° 1, alínea a), primeiro travessão, da Decisão de 13 de maio de 2019, o Conselho fez uso desta possibilidade ao delegar no PMO, nomeadamente, os seus poderes de AIPN para conceder e gerir os pedidos de abono escolar apresentados pelos seus trabalhadores.

43      Quanto aos domínios relativamente aos quais foi aplicado o artigo 2.°, n.° 2, do Estatuto, o artigo 90.°‑C do Estatuto dispõe que as reclamações serão apresentadas à AIPN em quem foi delegado o exercício dos poderes, ao passo que, nos termos do artigo 91.°‑A do Estatuto, os recursos serão dirigidos contra a instituição de que depende a AIPN em quem foi delegado o exercício dos poderes.

44      Daqui resulta que, no caso em apreço, a AIPN da Comissão era, em princípio, competente para adotar qualquer decisão relativa a uma reclamação apresentada em matéria de abono escolar relativamente aos trabalhadores do Conselho.

45      Além disso, segundo a jurisprudência, uma delegação de competência constitui um ato pelo qual a autoridade delegante perde a competência delegada e tem, por conseguinte, por efeito operar uma transferência de atribuições que, a priori, proíbe a autoridade delegante de avocar a competência transferida, uma vez que tal conduziria a que a sua decisão padecesse do vício da incompetência (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Janssen‑Cases/Comissão, T‑688/16, EU:T:2018:822, n.° 31 e jurisprudência referida).

46      Contudo, importa salientar, por um lado, que o legislador não excluiu expressamente, no Estatuto, a possibilidade de avocação dos poderes delegados pela instituição delegante com base no artigo 2.°, n.° 2, do Estatuto.

47      Por outro lado, a jurisprudência admite que a autoridade delegante possa exercer novamente a competência, embora considere que o princípio da segurança jurídica, subjacente ao caráter formal das operações de delegação de competência, exige que ela adote previamente um ato expresso por força do qual avoque a competência delegada. Assim, da mesma forma que uma delegação de competência carece da adoção de um ato expresso que transfira o poder em causa, a avocação dos poderes delegados também deve ser realizada através da adoção de um ato expresso (v., neste sentido, Acórdão de 22 de novembro de 2018, Janssen‑Cases/Comissão, T‑688/16, EU:T:2018:822, n.° 31 e jurisprudência referida).

48      Além disso, resulta da jurisprudência que o princípio da boa administração pressupõe, nomeadamente, que a repartição de competências em matéria de gestão do pessoal esteja claramente definida e devidamente publicada (v., neste sentido e por analogia, acórdão de 9 de julho de 2008, Kuchta/BCE, F‑89/07, EU:F:2008:97, n.° 62).

49      No caso em apreço, primeiro, o artigo 1.°, n.° 2, da Decisão de 13 de maio de 2019 impunha ao PMO, até 31 de dezembro de 2021, que notificasse o Conselho de todas as reclamações recebidas e dirigidas contra uma decisão relativa a um membro do seu pessoal. A mesma disposição especifica que, «[s]e num caso individual a autoridade investida do poder de nomeação ou a autoridade competente para a contratação de pessoal do Conselho o solicitar, o PMO renuncia ao exercício dos poderes delegados ao abrigo do n.° 1 do presente artigo, sendo, nesse caso, os poderes exercidos pela autoridade investida do poder de nomeação ou pela autoridade competente para a contratação de pessoal do Conselho». Assim, esta disposição autorizava expressamente o Conselho a pedir ao PMO que renunciasse aos poderes de AIPN que lhe tinham sido delegados, a fim de retomar o seu exercício.

50      Daqui resulta que o artigo 1.°, n.° 2, da Decisão de 13 de maio de 2019 autorizava expressamente o Conselho a efetuar uma avocação de poderes delegados, precisamente em casos individuais e na sequência da apresentação de uma reclamação.

51      Segundo, é facto assento que a Decisão de 13 de maio de 2019 foi devidamente publicada no Jornal Oficial.

52      Terceiro, o Conselho só exerceu a sua competência na sequência de um ato expresso e prévio, pelo qual, em 23 de abril de 2021, pediu ao PMO que renunciasse ao exercício dos poderes delegados no caso em apreço, pedido a que este acedeu em 10 de junho de 2021 (v. n.° 9, supra).

53      Resulta das considerações que figuram nos n.os 49 a 52, supra, que a avocação de poderes delegados respeitou as exigências decorrentes do princípio da segurança jurídica, nomeadamente na aceção da jurisprudência referida nos n.os 47 e 48, supra.

54      Nestas circunstâncias, o facto de o artigo 90.°‑C do Estatuto referir que os pedidos e reclamações relativos aos poderes delegados são apresentados à AIPN em quem foi delegado o exercício dos poderes não pode ser equiparado a uma proibição legislativa de uma avocação desses poderes pelo seu titular, quer seja na totalidade ou individualmente. Também não se pode considerar que a referida disposição proíbe que os poderes delegados sejam avocados durante o procedimento pré‑contencioso, como alega o recorrente, tendo em conta, especialmente, o seu caráter evolutivo, como recordado pela jurisprudência referida no n.° 17, supra.

55      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira acusação, relativa à falta de competência do Conselho para proceder à avocação dos poderes delegados num caso individual.

2)      Quanto à segunda acusação, relativa à falta de publicação da Decisão individual da avocação dos poderes delegados

56      O recorrente acusa o Conselho de não ter publicado a Decisão individual de avocação de competência na sequência da reclamação por si apresenta.

57      A este respeito, há que recordar que, por um lado, de acordo com o artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e com o artigo 76.°, alínea d), do Regulamento de Processo, conforme interpretados no âmbito de jurisprudência constante, a petição deve conter os fundamentos e argumentos invocados, expressos de forma suficientemente clara e precisa para permitir ao recorrido preparar a sua defesa e ao juiz decidir, sendo caso disso, sem ter de solicitar outras informações. Caso contrário, a acusação obscura ou vaga é inadmissível (v. Acórdão de 23 de março de 2022, ON/Comissão, T‑730/20, não publicado, EU:T:2022:155, n.° 44 e jurisprudência referida).

58      No caso em apreço, o recorrente alega que, ao não ter publicado a decisão de revogação da delegação de poderes, no que respeita à reclamação, o Conselho violou uma formalidade essencial. Contudo, não menciona a base jurídica que estabelece qualquer obrigação de publicar a decisão individual ou de desenvolver mais, e de forma suficientemente clara e precisa, a sua argumentação em relação a esta acusação.

59      Daqui resulta que a segunda acusação deve ser julgada inadmissível com fundamento no artigo 76.° do Regulamento de Processo.

60      De qualquer modo, ainda que se admita que, com a sua segunda acusação, o recorrente pretende invocar a inexistência de divulgação, a seu respeito, da decisão individual de avocação de poderes delegados relativamente à reclamação, há que salientar que esta ocorreu em 10 de junho de 2021, data em que o PMO comunicou ao Conselho, através do envio de uma carta, o seu acordo em renunciar ao exercício dos poderes que lhe haviam sido delegados. É certo que o recorrente não foi notificado desta carta, e este só teve conhecimento da mesma quando a decisão relativa à reclamação lhe foi notificada, em 19 de julho de 2021, ou seja, cinco semanas e meia mais tarde (v. n.os 9 e 10, supra).

61      Contudo, segundo jurisprudência constante, o atraso na comunicação de uma decisão individual ao seu destinatário não pode implicar a sua anulação, dado que a comunicação é um ato posterior à decisão e, por conseguinte, não exerce nenhuma influência no conteúdo desta (Acórdão de 29 de outubro de 1981, Arning/Comissão, 125/80, EU:C:1981:248, n.° 9, e de 7 de fevereiro de 2007, Caló/Comissão, T‑118/04 e T‑134/04, EU:T:2007:37, n.° 79).

62      Por outro lado, como resulta do n.° 8, supra, o recorrente apresentou a sua reclamação, em primeiro lugar, ao Conselho e, apenas três semanas mais tarde, à Comissão, submetendo‑lhe uma cópia da reclamação apresentada ao Conselho.

63      Além disso, o recorrente não alega, nem, por maioria de razão, demonstra, que a circunstância de a decisão relativa à reclamação ter sido adotada pelo Conselho e não pela Comissão era, em si mesma, suscetível de prejudicar uma das garantias que lhe são conferidas pelo Estatuto ou as regras de uma boa administração em matéria de gestão do pessoal.

64      Consequentemente, há que concluir que nenhuma irregularidade processual vicia a avocação de poderes delegados pelo Conselho, pelo que não procede a alegação do recorrente de que a decisão relativa à reclamação foi adotada por uma autoridade sem competência.

65      O quarto fundamento deve assim ser julgado improcedente.

3.      Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto

66      O terceiro fundamento, que se divide em duas partes, é relativo à violação do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto.

67      No âmbito da primeira parte, o recorrente alega que, na aceção da Conclusão Revista n.° 237/05, a condição de frequência «a tempo inteiro» de um estabelecimento de ensino superior só está preenchida, em substância, quando os estudos seguidos correspondem a 30 créditos ECTS. Assim, a referida conclusão revista impôs uma condição suplementar ilegal, restringindo a aplicação do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto apenas aos programas de formação académica, com exclusão de qualquer formação profissional que dê direito à concessão de unidades ECVET.

68      Ora, como resulta dos n.os 30 a 32, supra, a AIPN do Conselho afastou completamente a Conclusão Revista n.° 237/05 que constituía a base jurídica das Decisões do PMO, pelo que a primeira parte do terceiro fundamento, relacionada com estas últimas, deve ser julgada inoperante.

69      Em apoio da segunda parte do terceiro fundamento, o recorrente alega que a decisão relativa à reclamação violou o artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, dado que introduziu uma distinção entre o ensino superior e o ensino profissional.

70      O Conselho contesta estes argumentos.

71      A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, o abono escolar é devido por cada filho a cargo de pelo menos cinco anos, que frequente regularmente e a tempo inteiro uma escola primária ou secundária que seja paga, ou um estabelecimento de ensino superior.

72      Ora, na decisão relativa à reclamação, o Conselho considerou que o abono escolar não era devido ao recorrente. Por um lado, o programa de formação era de natureza profissional e dava lugar à obtenção de unidades ECVET, e não a créditos ECTS. Por outro lado, este não dava direito à obtenção de um diploma universitário de segundo ou terceiro ciclo e, por conseguinte, não fazia parte do ensino universitário na aceção do sistema educativo grego. O Conselho concluiu que o programa de formação não podia ser considerado «ensino superior» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto.

73      No decurso do presente processo, o Conselho alegou que o artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, que confere o direito à concessão do abono escolar, devia ser interpretado à luz do artigo 2.°, n.° 3, alínea b), do referido anexo, que prevê a atribuição de um abono por filho a cargo que frequente uma formação escolar ou profissional.

74      De acordo com o Conselho, o facto de o conceito de «formação profissional» figurar no artigo 2.°, n.° 3, alínea b), do anexo VII do Estatuto, relativo ao abono por filho a cargo, mas estar ausente do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do referido diploma, relativo ao abono escolar, demonstra que o conceito de «formação profissional» é um conceito autónomo distinto do de «ensino superior», ao qual, nomeadamente, o artigo 3.°, n.° 1, do referido anexo subordina a concessão do abono escolar. Por conseguinte, o ensino superior não pode incluir a formação profissional, pelo que o abono escolar não é devido no caso de o filho em causa frequentar essa formação.

75      A este respeito, o Tribunal Geral salienta que, como resulta do n.° 71, supra, o artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto exige, nomeadamente, três condições para a concessão do abono escolar, a saber, primeiro, a frequência de um estabelecimento de ensino superior; segundo, o caráter regular da referida frequência; e, terceiro, o facto de esta frequência ser a tempo inteiro. Assim, o artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto não refere de modo nenhum a natureza da formação enquanto tal.

76      Ora, contrariamente ao que alega o Conselho, não tendo o legislador invocado a natureza da formação ministrada por um estabelecimento de ensino superior no âmbito do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, ao passo que o fez no âmbito do artigo 2.°, n.° 3, alínea b), do mesmo anexo, não cabe ao Conselho nem ao Tribunal Geral erigi‑la como condição suplementar.

77      Assim, o Tribunal Geral já considerou que é verdade que a distinção entre formação escolar e formação profissional que figura no artigo 2.°, n.° 3, alínea b), do anexo VII do Estatuto permite excluir o pagamento do abono escolar previsto no artigo 3.°, n.° 1, do referido anexo quando o filho a cargo frequenta uma formação profissional sem nenhuma ligação com um estabelecimento de ensino. Em contrapartida, esta distinção não obsta ao pagamento do abono escolar quando um filho a cargo segue uma formação profissional ministrada num estabelecimento de ensino que ele frequenta regularmente e a tempo inteiro (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 29 de janeiro de 1993, Wery/Parlamento, T‑86/91, EU:T:1993:7, n.os 44, 45, 50 e 51).

78      Consequentemente, a natureza profissional da formação não tem incidência na concessão do abono escolar nos termos do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto, desde que seja ministrada por um estabelecimento de ensino.

79      Esta interpretação é corroborada pelo considerando 3 do Regulamento (UE) n.° 317/2013 da Comissão, de 8 de abril de 2013, que altera os anexos dos Regulamento (CE) n.° 1983/2003 (CE) n.° 1738/2005 (CE) n.° 698/2006 (CE) n.° 377/2008 e (UE) n.° 823/2010 no que diz respeito à Classificação Internacional Tipo da Educação (JO 2013, L 99, p. 1), segundo o qual as instituições da União devem utilizar classificações em matéria de educação compatíveis com a revisão da Classificação Internacional Tipo da Educação (CITE 2011). Com efeito, o ponto 2, segundo parágrafo, da Conclusão Revista n.° 237/05 faz referência à CITE para efeitos da definição do conceito de frequência a tempo inteiro de um estabelecimento de ensino superior.

80      Ora, na audiência, o Conselho reconheceu, por um lado, que a CITE define o ensino superior como abrangendo simultaneamente o que é comummente entendido por ensino académico e o que corresponde ao ensino profissional avançado e, por outro, que a Universidade do Egeu (Grécia), na qual o programa de formação foi ministrado, é um estabelecimento de ensino superior.

81      Nestas circunstâncias, há que concluir que o Conselho não podia ter recusado a concessão do abono escolar ao recorrente pelo facto de o programa de formação não poder ser considerado «ensino superior» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, do anexo VII do Estatuto.

82      Resulta de todas as considerações precedentes que há que, por um lado, julgar procedente a segunda parte do terceiro fundamento e, consequentemente, anular a decisão relativa à reclamação e, por outro, negar provimento ao recurso quanto ao restante.

IV.    Quanto às despesas

83      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

84      No entanto, ao abrigo do artigo 135.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, quando a equidade o exigir, o Tribunal Geral pode decidir que uma parte vencida suporte, além das suas próprias despesas, apenas uma fração das despesas da outra parte, ou mesmo que não deve ser condenada a este título.

85      No caso em apreço, o recorrente ficou vencido quanto à admissibilidade do recurso na parte em que é interposto das Decisões do PMO e, por conseguinte, contra a Comissão.

86      Todavia, o Tribunal Geral considera que, no caso em apreço, a disposição transitória que figura no artigo 1.°, n.° 2, da Decisão de 13 de maio de 2019, em conjugação com os artigos 90.°‑C e 91.°‑A do Estatuto (v. n.os 43 e 49, supra), pôde criar uma certa ambiguidade quanto ao ato lesivo no caso em apreço.

87      Nestas circunstâncias, ainda que o recorrente tenha ficado vencido na parte em que interpôs o recurso contra a Comissão, será feita uma justa apreciação de todas as circunstâncias do caso em apreço decidindo que esta última suportará as suas próprias despesas.

88      Tendo o Conselho ficado vencido quanto ao mérito, há que condená‑lo a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pelo recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção Alargada)

decide:

1)      O recurso é inadmissível na parte em que é interposto contra a Comissão Europeia.

2)      É anulada a Decisão do Conselho da União Europeia, de 19 de julho de 2021, que indefere a reclamação de Georgios Paraskevaidis apresentada contra as Decisões do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» da Comissão, de 4 de fevereiro de 2021, de 1 de março de 2021 e de 9 de março de 2021.

3)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

4)      O Conselho suportará, além das suas próprias despesas, as despesas de G. Paraskevaidis.

5)      A Comissão Europeia suportará as suas próprias despesas.

Papasavvas

Truchot

Kanninen

Frendo

 

Sampol Pucurull

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de junho de 2024.

O Secretário

 

O Presidente

V. Di Bucci



*      Língua do processo: inglês.