Language of document : ECLI:EU:C:2011:788

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

VERICA TRSTENJAK

apresentadas em 29 de novembro de 2011 (1)

Processo C‑453/10

Jana Pereničová

Vladislav Perenič

contra

S.O.S. financ, spol. sro

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresný súd Prešov (Eslováquia)]

«Proteção dos consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Artigos 4.°, n.° 1 e 6.°, n.° 1 — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Diretiva 2005/29/CE — Práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores — Contrato de crédito ao consumo que estipula uma taxa de juro usurária — Incidência das práticas comerciais desleais e das cláusulas abusivas na validade global do contrato»






Índice


I –   Introdução

II – Quadro jurídico

A –   Direito da União

1.     Diretiva 93/13/CEE

2.     Diretiva 87/102/CEE

3.     Diretiva 2005/29

B –   Direito nacional

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

V –   Principais argumentos das partes

A –   Quanto à primeira questão prejudicial

B –   Quanto à segunda questão prejudicial

1.     Indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global como prática comercial desleal

2.     Consequências das práticas comerciais desleais sobre a validade do contrato

VI – Apreciação jurídica

A –   Observações preliminares

B –   Quanto à primeira questão prejudicial

1.     Nível mínimo de proteção previsto pelo direito da União

a)     Em princípio, nulidade apenas da cláusula contratual isolada

b)     Excecionalmente, nulidade do contrato no seu todo

2.     Margem de manobra dos Estados‑Membros para aumentar o nível de proteção

C –   Quanto à segunda questão prejudicial

1.     Primeira parte da questão: indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global como prática comercial desleal

a)     Quanto à Diretiva 2005/29

b)     Âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29

i)     Existência de uma prática comercial

ii)   Importância da norma de delimitação prevista no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva

iii) Conclusão intercalar

c)     Existência de uma prática comercial desleal

i)     Necessidade de uma interpretação coerente do direito de proteção dos consumidores

ii)   Análise do caráter desleal da prática comercial

–       Existência de uma ação enganosa, no sentido do artigo 5.°, n.° 4, alínea a), em conjugação com o artigo 6.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2005/29.

–       Declaração, a título subsidiário, do incumprimento das exigências relativas à diligência profissional

d)     Conclusão

2.     Segunda parte da questão: consequências das práticas comerciais desleais sobre a validade do contrato

a)     Relevância da Diretiva 87/102

b)     Relevância da Diretiva 2005/29

c)     Relevância da Diretiva 93/13

i)     Âmbito de aplicação da Diretiva

ii)   Alcance do controlo de conteúdo

iii) Caráter abusivo da cláusula contratual

d)     Conclusão

3.     Síntese das conclusões

VII – Conclusão


I –    Introdução

1.        O presente processo tem a sua origem no pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Okresný súd Prešov (tribunal distrital de Prešov — Eslováquia, a seguir «órgão jurisdicional de reenvio») ao abrigo do artigo 267.° do TFUE, mediante o qual este submeteu ao Tribunal de Justiça uma série de questões sobre a interpretação da Diretiva 93/13, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (2), e da Diretiva 2005/29, relativa às práticas comerciais desleais no mercado interno (3).

2.        O pedido de decisão prejudicial resulta de uma ação intentada pelos cônjuges Perenič (a seguir «demandantes no processo principal») para declaração da nulidade do contrato de crédito ao consumo por eles celebrado com a sociedade SOS, s.r.o. (a seguir «SOS»). O casal alega que o contrato em questão inclui várias cláusulas que lhes são desvantajosas e que os prejudicam na sua qualidade de consumidores. Neste contexto, estas cláusulas deveriam ser consideradas abusivas no sentido da Diretiva 93/13 ou expressão de práticas comerciais desleais no sentido da Diretiva 2005/29. Com base nesta circunstância, os demandantes concluem que o contrato em questão deve ser declarado nulo, não sendo suficiente, no interesse da proteção dos consumidores, a simples declaração de uma nulidade parcial. Pelo contrário, deve prever‑se a nulidade do contrato no seu todo.

3.        O presente processo oferece ao Tribunal de Justiça a oportunidade de desenvolver a sua jurisprudência relativa à proteção dos consumidores e de esclarecer, em particular, no caso da existência de cláusulas abusivas, como deverá ser transposto o caráter não vinculativo dessas cláusulas determinado pelo legislador da União de modo a que as exigências de segurança jurídica e de proteção dos consumidores possam ser tidas devidamente em conta. Neste contexto, há que analisar se esta circunstância depende de um eventual interesse do consumidor em não continuar vinculado por um contrato, ou se, pelo contrário — no interesse da estabilidade das relações jurídicas e da autonomia contratual — se pode exigir ao consumidor a sujeição a um contrato parcialmente nulo. Ao mesmo tempo, importa examinar quais os efeitos da proteção concedida ao consumidor por ambas as Diretivas numa situação como a do processo principal e se da existência de uma prática comercial desleal na aceção da Diretiva 2005/29 é eventualmente possível retirar conclusões para a apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual segundo o disposto na Diretiva 93/13.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

1.      Diretiva 93/13/CEE

4.        De acordo com o seu artigo 1.°, n.° 1, a Diretiva 93/13 tem por objetivo a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas às cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores.

5.        O artigo 3.° da Diretiva prevê:

«1.      Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato.

[…]

3.      O anexo contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser consideradas abusivas.»

6.        O artigo 4.° da Diretiva dispõe o seguinte:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.°, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível.»

7.        O artigo 6.°, n.° 1, da mesma Diretiva determina:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas.»

8.        O artigo 8.° da Diretiva 93/13 prevê:

«Os Estados‑Membros podem adotar ou manter, no domínio regido pela presente Diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor.»

9.        O ponto 1, alínea [g)], do anexo à Diretiva 93/13 qualifica de abusivas todas as «cláusulas que tenham como objetivo ou como efeitos: autorizar o profissional a pôr termo a um contrato de duração indeterminada sem um pré‑aviso razoável, exceto por motivo grave».

2.      Diretiva 87/102/CEE

10.      A Diretiva 87/102 (4) visa aproximar as disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo. A Diretiva 87/102 foi revogada com efeitos a partir de 12 de maio de 2010 pela Diretiva 2008/48 (5), que entrou em vigor em 11 de junho de 2008. Tendo em conta que o contrato de crédito controvertido existente entre as partes do processo principal foi celebrado em 12 de março de 2008, ao presente caso é apenas aplicável a Diretiva 87/102.

11.      O artigo 1.° da Diretiva 87/102 determina o seguinte:

«1.      A presente Diretiva aplica‑se a contratos de crédito.

2.      Para efeitos da presente Diretiva, entende‑se por:

[…]

e)      ‘Taxa anual de encargos efetiva global’, o custo total do crédito para o consumidor, expresso numa percentagem anual do montante do crédito concedido e calculado de acordo com os métodos existentes nos Estados‑Membros.»

12.      O artigo 4.° da Diretiva dispõe o seguinte:

«1.      Os contratos de crédito devem ser feitos por escrito. O consumidor deve receber uma cópia do contrato escrito.

2.      O contrato escrito deve indicar:

a)      A taxa anual de encargos efetiva global;

      b)      As condições em que pode ser alterada a taxa anual de encargos efetiva global.

Nos casos em que não for possível indicar a taxa anual de encargos efetiva global, será prestada ao consumidor uma informação adequada no contrato escrito. Tal informação incluirá pelo menos a informação prevista no n.° 1, segundo travessão, do artigo 6.°»

13.      O artigo 14.° da Diretiva dispõe o seguinte:

«1.      Os Estados‑Membros assegurarão que os contratos de crédito não possam derrogar, em detrimento do consumidor, as disposições da legislação nacional que dão cumprimento ou correspondem à presente Diretiva.

2.      Os Estados‑Membros assegurarão, além disso, que as disposições que adotarem para darem cumprimento à presente Diretiva não possam ser contornadas em resultado da formulação dos contratos, em especial através do artifício de distribuir o montante do crédito por vários contratos separados.»

3.      Diretiva 2005/29

14.      O artigo 3.° da Diretiva 2005/29 define o âmbito de aplicação desta Diretiva do seguinte modo:

«1.      A presente Diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores, tal como estabelecidas no artigo 5.°, antes, durante e após uma transação comercial relacionada com um produto.

2.      A presente Diretiva não prejudica o direito contratual e, em particular, as normas relativas à validade, à formação ou aos efeitos de um contrato.»

B –    Direito nacional

15.      O código civil eslovaco contém as seguintes disposições, que regulam o direito dos contratos celebrados com os consumidores:

«Artigo 52.°

1.      Por ‘contrato celebrado com o consumidor’ deve entender‑se todo o contrato, independentemente da forma jurídica que assuma, celebrado entre um profissional e um consumidor.

2.      As cláusulas dos contratos celebrados com os consumidores e as disposições que regem as relações jurídicas em que os consumidores se encontrem envolvidos devem ser interpretadas em sentido favorável ao consumidor. Eventuais acordos cujo conteúdo ou finalidade vise contornar essas disposições são inválidos.

[…]

4.      Por ‘consumidor’ deve entender‑se qualquer pessoa singular que, ao celebrar um negócio jurídico, age por motivos que não estão relacionados com a sua atividade comercial ou de outra atividade económica.

[…]

Artigo 53.°

1.      Os contratos celebrados com os consumidores não podem conter cláusulas que provoquem, em detrimento do consumidor, um desequilíbrio significativo entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato (a seguir ‘cláusula abusiva’). As cláusulas relativas à prestação principal e à adequação do preço não são consideradas abusivas se formuladas de forma precisa, clara e compreensível, ou se a cláusula abusiva tiver sido objeto de negociação individual.

[…]

4.      São consideradas cláusulas abusivas as disposições constantes de um contrato celebrado com um consumidor que:

k)      imponham ao consumidor inadimplente uma indemnização de montante desproporcionalmente elevado:

[…]

5.      As cláusulas abusivas constantes de um contrato concluído com um consumidor são inválidas.»

16.      A Lei n.° 258/2001 que regula os contratos de crédito ao consumo, na última redação, determina o seguinte:

«Artigo 4.°

Contratos de crédito ao consumo

1.      O contrato de crédito ao consumo deve ser reduzido a escrito, sob pena de invalidade, devendo o consumidor receber um exemplar.

2.      O contrato de crédito ao consumo deve conter, além dos elementos gerais,

[…]

j)      a taxa anual de encargos efetiva global e o total das despesas associadas ao crédito, calculadas com base nos dados disponíveis no momento da celebração do contrato.

[…]

Se contrato de crédito ao consumo não incluir os elementos indicados no n.° 2, da alínea [...] j), o crédito concedido considera‑se isento de juros e de despesas.»

17.      O anexo 2 à Lei n.° 258/2001 estabelece o método de cálculo da taxa anual de encargos efetiva global.

III – Matéria de facto, processo principal e questões prejudiciais

18.      A sociedade SOS, enquanto instituição de crédito não bancária, concede créditos igualmente a consumidores com base em contratos‑tipo de adesão.

19.      Em 12 de março de 2008, a SOS concedeu aos demandantes no processo principal um crédito no montante de 150 000 SKK (4 979 EUR) a ser reembolsado em 32 prestações mensais no montante de 6 000 SKK (199 EUR). A trigésima terceira e última prestação era igual ao próprio montante do crédito, ou seja, 150 000 SKK (4 979 EUR). O casal Perenič devia, pois, pagar 342 000 SKK (11 352 EUR). A sociedade SOS mencionava uma taxa anual de encargos efetiva global de 48,63%. Porém, segundo os cálculos do tribunal, a taxa anual de encargos efetiva global sobre o crédito ascende a 58,76%. A SOS não incluiu no cálculo do custo global do crédito uma quantia adicional para a concessão do crédito de 2 500 SKK (83 EUR).

20.      O contrato contém uma série de cláusulas que, do ponto de vista dos demandantes, lhes são desfavoráveis. O seu conteúdo exato é reproduzido na decisão de reenvio. Para efeitos do presente processo, basta remeter‑se para esse documento.

21.      Decorre da decisão de reenvio que os demandantes no processo principal estavam em mora, o que teve como consequência o facto de a sociedade SOS lhes ter aplicado uma pena contratual no montante de 209 EUR. Em 23 de dezembro de 2009, os demandantes intentaram uma ação no órgão jurisdicional de reenvio para declaração da nulidade do contrato de crédito.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à questão de saber se o contrato controvertido contém uma cláusula abusiva no sentido da Diretiva 93/13 e quais as consequências desta circunstância sobre a validade do contrato. Porém, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em particular, sobre até que ponto deverão ser satisfeitos os interesses de proteção dos consumidores — através, por exemplo, da declaração de nulidade do contrato no seu todo — e se a essa pretensão se opõem eventualmente as disposições da Diretiva 2005/29. O órgão jurisdicional de reenvio considera necessária uma interpretação do direito da União. Por este motivo, o órgão jurisdicional de reenvio suspendeu o processo e submeteu à apreciação do Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O objetivo de proteção do consumidor, na aceção do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, permite concluir que, no caso de serem identificadas cláusulas contratuais abusivas, o contrato não vincula, na totalidade, o consumidor, quando isso seja mais favorável a este último?

2)      Os critérios que configuram uma prática comercial desleal, na aceção da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004, permitem concluir que, quando o operador menciona no contrato uma taxa anual efetiva global (TAEG) inferior à real, se pode considerar que tal comportamento do operador face ao consumidor constitui uma prática comercial desleal? A Diretiva 2005/29/CE permite concluir, caso se apure a existência de uma prática comercial desleal, que isso tem incidência na validade do contrato de crédito e na prossecução dos objetivos dos artigos 4.°, n.° 1, e 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13/CEE, se a nulidade do contrato for mais favorável para o consumidor?»

IV – Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

23.      A decisão de reenvio, com data de 31 de agosto de 2010, deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de setembro de 2010.

24.      Os demandantes no processo principal, os Governos eslovaco, alemão, austríaco e espanhol e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas dentro do prazo previsto no artigo 23.° do Estatuto do Tribunal de Justiça..

25.      Na audiência de 15 de setembro de 2001, compareceram os mandatários judiciais dos demandantes no processo principal, o Governo eslovaco e a Comissão, a fim de apresentarem alegações orais.

V –    Principais argumentos das partes

A –    Quanto à primeira questão prejudicial

26.      Os demandantes no processo principal alegam que o artigo 6.° da Diretiva 93/13, segundo o qual as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor, devia ser interpretado no sentido de que um contrato que contenha essas cláusulas deveria ser declarado nulo na sua totalidade, quando isto seja mais favorável ao consumidor e este invoque a nulidade do contrato.

27.      O Governo alemão é da opinião de que o artigo 6.° da Diretiva 93/13 estabelece um princípio, nos termos do qual um contrato que contenha cláusulas abusivas deve conservar o seu efeito útil. Um contrato apenas pode ser declarado nulo na sua totalidade em casos excecionais, nomeadamente, se não puder subsistir sem as respetivas cláusulas. Não obstante, a Diretiva 93/13 prevê uma harmonização mínima das ordens jurídicas nacionais no domínio das cláusulas abusivas, pelo que os Estados‑Membros são livres de prever a nulidade, na sua totalidade, dos contratos que contenham cláusulas abusivas, na medida em que isso seja vantajoso para o consumidor.

28.      O Governo espanhol salienta que o objetivo prosseguido pela Diretiva 93/13 consiste não tanto em assegurar a autonomia privada das partes contratantes, mas sim em garantir a proteção do consumidor face a um profissional. Tendo em conta o objetivo de proteção do consumidor, o contrato pode ficar privado da sua eficácia global no que respeita ao consumidor caso este contrato conduza, mesmo após a eliminação das cláusulas abusivas, a um desequilíbrio em detrimento do consumidor.

29.      O Governo eslovaco alega, remetendo para a jurisprudência do Tribunal de Justiça, que compete ao órgão jurisdicional nacional analisar se o contrato em questão pode subsistir sem a cláusula abusiva. O órgão jurisdicional nacional está obrigado a extrair do direito nacional todas as consequências decorrentes dessa situação, a fim de assegurar que o consumidor não fique vinculado pela cláusula abusiva.

30.      A Comissão recorda que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, compete aos órgãos jurisdicionais nacionais aplicar os critérios gerais estabelecidos na Diretiva 93/13 para avaliar o caráter abusivo de uma determinada cláusula contratual. Na medida em que não é possível prever quais as cláusulas contratuais a qualificar, em termos concretos, de abusivas, tão‑pouco é possível determinar antecipadamente até que ponto essa apreciação conduzirá a uma declaração da nulidade do contrato de crédito.

31.      Em relação às situações em que o contrato, ao abrigo do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, não é vinculativo para as partes contratantes, a Comissão indica que tal ocorre quando se verifique ser objetivamente impossível manter o contrato sem a cláusula abusiva. A afirmação de uma das partes contratantes, segundo a qual, sem essas cláusulas, o contrato não teria sido celebrado, não constitui, em si mesma, uma razão para declarar o contrato, na sua totalidade, nulo. Todavia, o direito nacional pode prever que o contrato que contenha cláusulas abusivas não vincula, na totalidade, o consumidor, uma vez que a Diretiva 93/13 opera apenas uma harmonização mínima das ordens jurídicas dos Estados‑Membros, autorizando‑os, por conseguinte, a assegurar um nível mais elevado de proteção dos consumidores.

B –    Quanto à segunda questão prejudicial

1.      Indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global como prática comercial desleal

32.      Tanto do Governo alemão, como o espanhol entendem que a indicação de uma taxa anual de encargos efetiva global inferior à real constitui uma prática comercial desleal no sentido da Diretiva 2005/29.

33.      Embora a Diretiva 87/102 imponha a obrigação de indicar a taxa anual de encargos efetiva global, este ato jurídico não determina quais as consequências jurídicas resultantes de uma indicação errada deste tipo. Além disso, a remissão prevista no anexo II da Diretiva 2005/29 para o artigo 3.° da Diretiva 87/102 permite concluir que a indicação da taxa anual de encargos efetiva global constitui uma informação substancial no sentido do artigo 7.° da Diretiva 2005/29. Consequentemente, a ocultação dessa informação representa uma omissão enganosa proibida pelo artigo 7.° da Diretiva 2005/29.

34.      A Comissão e o Governo austríaco salientam que a indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global pode ser qualificada como uma prática comercial desleal, sendo que o Governo austríaco realça tratar‑se de uma prática proibida pelo artigo 6.° da Diretiva 2005/29. No entanto, esta apreciação incumbe ao órgão jurisdicional nacional, que, segundo a Comissão, deve analisar, em particular, até que ponto a prática em causa é suscetível de influenciar o comportamento económico do consumidor médio.

35.      De acordo com o Governo eslovaco, a remissão para a Diretiva 2005/29 é irrelevante para o presente processo. No que respeita à aplicabilidade desta Diretiva, não se depreende do despacho de reenvio que no caso vertente esteja em causa uma estratégia comercial de um profissional com vista à venda de produtos. A indicação de uma taxa anual de encargos efetiva global não é, em qualquer caso, suscetível de ser qualificada como prática comercial.

2.      Consequências das práticas comerciais desleais sobre a validade do contrato

36.      Os demandantes no processo principal consideram que a Diretiva 2005/29, que tem por objetivo a proteção do consumidor perante práticas comerciais desleais, não pode ser aplicada isoladamente do mecanismo de proteção previsto pela Diretiva 93/13. Assim, a Diretiva 2005/29 deve ser interpretada no sentido de que, quando uma prática comercial desleal provoca um prejuízo ao consumidor, esta circunstância deve ser tida igualmente em conta na interpretação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, nomeadamente, como circunstância relevante para a apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual. Por conseguinte, esta circunstância tem igualmente incidência sobre a validade de um contrato.

37.      Ao invés, o Governo alemão defende o entendimento de que, na ausência de remissões recíprocas nas Diretivas em questão, a existência de uma prática comercial desleal não tem uma influência direta sobre a apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual. Esta circunstância não deve ter igualmente incidência na questão da validade de um contrato que contenha uma cláusula abusiva, uma vez que a Diretiva 2005/29 não prejudica as normas relativas à validade de um contrato, como resulta do artigo 3.°, n.° 2, dessa Diretiva. Não obstante, a existência de uma prática comercial desleal pode ser tida em consideração como uma das circunstâncias que rodearam a celebração do contrato no sentido do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13.

38.      Segundo o Governo espanhol, nos termos do artigo 4.°, n.° 1 e do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, a existência de uma prática comercial desleal, como a indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global, tem incidência na validade de um contrato de crédito ao consumo no seu todo, contanto que isto seja mais favorável ao consumidor.

39.      O Governo austríaco alega que a Diretiva 2005/29 exclui que práticas comerciais desleais possam ter consequências sobre a validade de um contrato de crédito ao consumo. À luz do artigo 13.° da referida Diretiva, a consequência jurídica da nulidade do respetivo contrato afigura‑se desproporcionada. Além disso, do seu artigo 3.°, n.° 2, segundo o qual a presente Diretiva não prejudica o direito contratual e, em particular, as normas relativas à validade, à formação ou aos efeitos de um contrato, não é possível inferir que a existência de uma prática comercial desleal tem incidência na validade do contrato.

40.      O Governo eslovaco deduz do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2005/29 que a questão relativa à indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global deve ser analisada à luz das Diretivas 87/102 e 93/13. Invocando o despacho Pohotovosť (6), o Governo eslovaco observa que a indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global pode constituir um elemento suscetível de ser tomado em consideração pelo órgão jurisdicional nacional na apreciação da questão de saber se uma cláusula contratual está redigida de forma clara e compreensível na aceção do artigo 4.° da Diretiva 93/13. Por conseguinte, tal apreciação pode levar a concluir pelo caráter abusivo de uma cláusula, ainda que esta se refira ao objeto principal do contrato.

41.      A Comissão salienta que, de acordo com o seu artigo 3.°, n.° 2, a Diretiva 2005/29 exclui a questão da validade de um contrato, ao mesmo tempo que opera uma harmonização total da legislação relativa às práticas comerciais desleais. Por conseguinte, uma legislação nacional que sancione uma eventual violação desta Diretiva com a nulidade do contrato de crédito ao consumo no seu todo, não é compatível com o direito da União. Porém, uma vez que a Diretiva 87/102 não prevê qualquer sanção específica no caso da indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global e, além disso, apenas opera uma harmonização mínima das legislações nacionais no domínio dos contratos de crédito, os Estados‑Membros são livres de prever as soluções adequadas. Ao exercer esta competência regulamentar, os Estados‑Membros são obrigados a respeitar os princípios da equivalência e da efetividade.

VI – Apreciação jurídica

A –    Observações preliminares

42.      As questões prejudiciais referem‑se a diversos aspetos relacionados com o sistema de proteção criado pelo legislador da União para proteger os consumidores face à utilização de cláusulas abusivas nas relações comerciais com profissionais. De modo a situar estas questões no contexto material apropriado, afigura‑se‑me oportuno, antes da sua análise, expor resumidamente os pontos essenciais deste sistema de proteção, tal como este foi definido inicialmente pelo legislador da União e profundamente marcado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

43.      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na ideia de que o consumidor se encontra numa situação de inferioridade relativamente ao profissional, no que respeita quer ao poder de negociação quer ao nível de informação, situação esta que o leva a aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo respetivo (7). Tendo em atenção esta situação de inferioridade, o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 prevê que as cláusulas abusivas não vinculam o consumidor. Tal como resulta da jurisprudência, trata‑se de uma disposição imperativa que pretende substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e obrigações das partes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre elas (8).

44.      A fim de assegurar a proteção pretendida pela Diretiva 93/13, o Tribunal de Justiça tem repetidamente sublinhado que a situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva, exterior às partes do contrato (9). Foi à luz destes princípios que o Tribunal de Justiça julgou que o juiz nacional deve apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual (10). A faculdade de o juiz apreciar oficiosamente o caráter abusivo de uma cláusula constitui, segundo o Tribunal de Justiça, «um meio adequado para, simultaneamente, atingir o resultado fixado no artigo 6.° da Diretiva 93/13, isto é, impedir que um consumidor individual fique vinculado por uma cláusula abusiva, e contribuir para a realização do objetivo visado no seu artigo 7.°, uma vez que tal apreciação pode ter um efeito dissuasor que contribua para pôr termo à utilização de cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional» (11). Esta faculdade reconhecida ao juiz foi considerada, além disso, necessária para «assegurar ao consumidor uma proteção efetiva, tendo nomeadamente em conta o risco não despiciendo de este ignorar os seus direitos ou de ter dificuldade em exercê‑los» (12).

45.      Embora as questões suscitadas pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu pedido de decisão prejudicial estejam relacionadas com o sistema de proteção aqui no essencial descrito, estas questões têm por objeto aspetos jurídicos distintos. Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, em primeiro lugar, obter esclarecimentos sobre o alcance da proteção concedida ao consumidor pelo artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13. Em última análise, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se esta disposição da Diretiva permite aos Estados‑Membros, no caso de ser identificada uma cláusula abusiva, prever na sua ordem jurídica interna a consequência jurídica da nulidade de todo o contrato, quando esta circunstância seja mais favorável ao consumidor do que a subsistência do contrato sem a cláusula abusiva. A resposta a esta questão exigirá uma análise da problemática da nulidade parcial dos contratos celebrados com os consumidores, bem como das condições para a sua subsistência. Por sua vez, a segunda questão prejudicial diz respeito a uma temática ligeiramente diferente, a saber, a conjugação de todos os instrumentos jurídicos através dos quais o legislador da União pretende assegurar a proteção do consumidor face a determinadas práticas comerciais qualificadas de desleais. Estão aqui em causa, em primeira linha, as Diretivas 93/13 e 2005/29, às quais se refere expressamente o órgão jurisdicional de reenvio. Tendo em conta o facto de que esta questão prejudicial foi colocada no contexto particular da conclusão de um contrato de crédito ao consumo, na análise desta questão dever‑se‑á ter adicionalmente em consideração o disposto na Diretiva 87/102.

46.      Atendendo à diversidade temática das questões, elas serão em seguida tratadas separadamente e pela ordem em que foram colocadas.

B –     Quanto à primeira questão prejudicial

47.      Para poder responder à primeira questão prejudicial deve esclarecer‑se, antes de mais, quais as disposições da Diretiva 93/13 aplicáveis, em termos concretos, tendo em conta a eventual subsistência dos contratos caso sejam identificadas cláusulas abusivas. Para tal, é necessária uma interpretação das suas disposições pertinentes tendo em consideração o objetivo do legislador expresso nos seus considerandos.

1.      Nível mínimo de proteção previsto pelo direito da União

48.      Tendo em conta o facto de a Diretiva 93/13, por um lado, apenas estabelecer normas mínimas e, por outro, admitir a existência, em casos isolados, de regimes derrogatórios a nível dos Estados‑Membros, para determinar o âmbito da proteção prevista pelo direito da União é necessário, em primeiro lugar, clarificar que medidas deverão tomar os Estados‑Membros de acordo com a Diretiva 93/13 com vista à proteção do consumidor. Por conseguinte, nesta interpretação, deve começar‑se por determinar os requisitos jurídicos imperativos que o legislador da Diretiva impôs aos Estados‑Membros e que representam, em última análise, o nível mínimo de proteção previsto pelo direito da União. É necessário distinguir estes requisitos daquelas disposições que conferem aos Estados‑Membros uma margem de manobra na configuração dos seus ordenamentos jurídicos.

a)      Em princípio, nulidade apenas da cláusula contratual isolada

49.      A disposição‑chave prevista no artigo 6.°, n.° 1, primeiro período, da Diretiva 93/13 constitui o ponto de partida da interpretação, uma vez que esta disposição estipula as consequências jurídicas que, de acordo com a intenção do legislador da Diretiva, se devem verificar aquando da utilização de cláusulas abusivas. Segundo esta disposição, os Estados‑Membros deverão estipular imperativamente, nos seus ordenamentos jurídicos, que as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional «não vinculem o consumidor». Do próprio texto desta disposição depreende‑se que a consequência jurídica da nulidade prevista pelo legislador da Diretiva atua apenas em benefício do consumidor, ao passo que a cláusula contratual qualificada de abusiva não perde a sua força obrigatória para o profissional.

50.      Esta disposição é completada por uma outra regra constante do artigo 6.°, n.° 1, segundo período, que contém, de certo modo, uma precisão da primeira. De acordo com esta outra regra, os Estados‑Membros têm o dever de assegurar «que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas». Segundo essa disposição, a consequência normal da existência de uma cláusula abusiva num contrato é a ineficácia daquela cláusula e a subsistência do resto do acordo, o qual, uma vez eliminado o desequilíbrio em detrimento do consumidor, continua a vincular as partes. Esta é também a interpretação defendida pelo advogado‑geral A. Tizzano nas suas conclusões apresentadas no processo Ynos (13). Como A. Tizzano demonstrou de forma conclusiva, esta disposição deve ser entendida à luz da sua finalidade legislativa. Esta destina‑se a reequilibrar a posição contratual do consumidor, impedindo que fique vinculado por uma cláusula abusiva. Em contrapartida, esta disposição não deve proteger o profissional, para quem a supressão de uma ou mais cláusulas poderia, por ventura, revelar‑se menos vantajosa e, por conseguinte, teria todo o interesse em libertar‑se das obrigações do contrato (14). O artigo 6.°, n.° 1 ficaria subvertido, no que respeita à sua função de proteção, se a nulidade de uma ou mais cláusulas implicasse, sempre e independentemente de outros fatores, a nulidade do contrato no seu todo.

51.      Assim, a disposição contida no artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 pode ser entendida no sentido de que, caso seja identificada uma cláusula abusiva, os Estados‑Membros não estão, em princípio, obrigados a prever a nulidade de todo o contrato. Pelo contrário, em relação ao consumidor, a consequência da nulidade pode, em regra, ser limitada à cláusula em causa, ao passo que o contrato, em si mesmo, continuará em vigor (15).

b)      Excecionalmente, nulidade do contrato no seu todo

52.      No entanto, a consequência jurídica da subsistência do contrato, como resulta claramente da oração condicional («se») constante do artigo 6.°, n.° 1, segundo período, da Diretiva, não é aplicável sem exceção. O contrato deve continuar a aplicar‑se a ambas as partes sem a cláusula abusiva, na medida em que isto seja possível. Isto significa, a contrario, que não existe qualquer vínculo ao contrato nos casos em que ele não pode subsistir sem a cláusula abusiva.

53.      Esta conclusão conduz à questão de saber quais os critérios que permitem apreciar se um contrato «pode subsistir» sem a cláusula abusiva ao abrigo desta disposição. O esclarecimento desta questão revela‑se pertinente justamente atendendo ao facto de o órgão jurisdicional de reenvio pretender saber qual a importância atribuída ao interesse real ou presumido do consumidor no desaparecimento do vínculo contratual.

54.       Como esclareceram com pertinência vários dos intervenientes no processo, teoricamente é possível efetuar‑se uma apreciação com base em critérios subjetivos ou com base em critérios objetivos. No caso de uma apreciação com base em critérios subjetivos, em que seria decisivo o interesse real ou efetivo do consumidor na qualidade de parte contratante, competiria ao juiz nacional analisar, caso a caso, se a nulidade total do contrato seria mais favorável ao consumidor. Porém, é igualmente concebível uma apreciação com base em critérios objetivos, em que poderia, por exemplo, ser utilizada como critério decisivo a exequibilidade do contrato apesar da nulidade de cláusulas abusivas determinadas.

55.      Com esta sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio fixa, em princípio, o objeto da análise jurídica a realizar. A este respeito, importa recordar que o objeto da questão prejudicial consiste unicamente na eventual relevância dos critérios subjetivos — nomeadamente, no eventual caráter mais favorável de um contrato para o consumidor — para a apreciação da eventual subsistência de um contrato. Nesta medida, a análise a efetuar pelo Tribunal de Justiça poderia, em princípio, limitar‑se a estes aspetos, sem ser imperativamente necessário alargar o objeto da análise ou abordar a eventual relevância de outros critérios. Por este motivo, em primeiro lugar analisarei a questão de saber se a Diretiva 93/13 obriga os Estados‑Membros a estipular, nas suas legislações nacionais, que para determinar uma eventual subsistência de um contrato parcialmente nulo é necessário ter em conta interesse real ou presumido do consumidor em continuar vinculado por esse contrato.

56.      Em minha opinião, deve claramente responder‑se de forma negativa a esta questão. Existem sérios argumentos contra uma interpretação segundo a qual a apreciação da questão de saber se um contrato pode subsistir sem a cláusula abusiva, nos termos do artigo 6.°, n.° 1, segundo período, deve realizar‑se com base em critérios subjetivos.

57.      Como argumento contra essa interpretação é possível referir, desde logo, a redação do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13.

58.      A Diretiva não dá qualquer indicação literal de que se deva produzir a nulidade de todo o contrato quando isso seja mais favorável ao consumidor. Pelo contrário, o modo como esta disposição está redigida permite concluir que o legislador da Diretiva apenas pretendia impor a nulidade do contrato, no seu todo, em determinados casos excecionais. Isto pode depreender‑se do facto de o legislador da Diretiva apenas aludir a esta consequência jurídica numa oração subordinada e de a circunscrever apenas a casos claramente definíveis. Uma comparação das diferentes versões linguísticas desta disposição da Diretiva sustenta a interpretação aqui defendida, segundo a qual a subsistência do contrato deverá constituir a regra e não pode depender, por exemplo, de uma situação eventualmente mais favorável ao consumidor.

59.      Esta interpretação é confirmada pelo vigésimo segundo considerando da Diretiva 93/13, que, nesta matéria, é formulado de forma ainda mais clara do que a própria disposição. Daqui resulta que, independentemente do caráter não vinculativo das cláusulas abusivas determinadas previsto no n.° 1 do artigo 6.°, «o contrato [continua] a vincular as partes nos mesmos termos, desde que possa subsistir sem as cláusulas abusivas». Esta formulação sugere a possibilidade objetiva da subsistência do contrato em questão. Em todo o caso, a decisão sobre se o contrato pode subsistir não é deixada somente a uma das partes contratantes, estando antes sujeita, como tudo indica, a uma apreciação objetiva a efetuar por uma parte imparcial. O legislador da Diretiva não determina, em parte alguma, que o facto de a extinção do contrato ser mais favorável ao consumidor deva ser um critério decisivo. Se o legislador da Diretiva tivesse atribuído importância a este aspeto, teria incluído na disposição um critério subjetivo como, por exemplo, a razoabilidade para o consumidor em continuar vinculado por um contrato parcialmente nulo. O facto de o não ter feito deve entender‑se como um indício de que tomou uma decisão consciente contra uma regulamentação nesse sentido.

60.      Consequentemente, não é em qualquer caso possível inferir, nem da redação nem da sistemática da Diretiva 93/13, que a apreciação da questão de saber se o contrato pode subsistir sem a cláusula abusiva no sentido do artigo 6.°, n.° 1, deve depender da posição do consumidor e de uma situação eventualmente mais favorável para este mediante uma rescisão do contrato.

61.      Esta conclusão mantém‑se inalterada se nesta interpretação se tiver em conta a letra e o espírito da Diretiva 93/13.

62.      Como já foi explicado na introdução destas conclusões, o sistema de proteção instituído pela Diretiva 93/13 assenta na suposição de que o consumidor, tanto no que concerne à sua posição negocial como ao seu nível de informação, é a parte mais fraca no contrato, o que implica que este adira às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o conteúdo destas. O eventual desequilíbrio resultante desta circunstância entre os direitos e obrigações decorrentes do contrato, no sentido do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva, deve ser contrariado, de acordo com a vontade do legislador da União, declarando não vinculativas para o consumidor as cláusulas consideradas abusivas nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13. O Tribunal de Justiça considerou corretamente esta disposição como uma disposição imperativa, que pretende, em última instância, substituir o equilíbrio formal que o contrato estabelece entre os direitos e obrigações das partes por um equilíbrio real suscetível de restabelecer a igualdade entre estas.

63.      Como se depreende do seu sexto considerando, a Diretiva 93/13 pretende, para este efeito, «eliminar desses contratos as cláusulas abusivas». No entanto, como já foi constatado, esta Diretiva não visa declarar os contratos nulos, na sua totalidade, por constar neles uma cláusula abusiva. O objetivo prosseguido pelo legislador da Diretiva consiste, exclusivamente, no estabelecimento de um equilíbrio e não, na eliminação do contrato no seu todo. A declaração de nulidade de todo o contrato em função do interesse do consumidor não seria suscetível de estabelecer qualquer igualdade entre as partes contratantes. A intervenção corretiva com vista ao restabelecimento do equilíbrio no contrato celebrado por ambas as partes no exercício da sua autonomia contratual deverá, precisamente, sanar esse contrato e não, de modo algum, destruí‑lo.

64.      Além disso, a base da existência de uma atividade comercial sob a própria responsabilidade dos operadores económicos ficaria desfeita. A vítima de um sistema normativo que prescrevesse categoricamente e sem exceção a nulidade total dos contratos, favorecendo apenas uma das partes contratantes, seria a autonomia contratual. O consumidor favorecido unilateralmente ficaria exonerado da responsabilidade de, antes de assumir uma obrigação contratual, ponderar de forma substancial as vantagens e desvantagens respetivas e de, em conformidade, agir de forma razoável. A abordagem adotada pelo legislador da Diretiva tem em devida conta este princípio, que ocupa um lugar importante na ordem jurídica da União (16), na medida em que o legislador da Diretiva se limita ao necessário para estabelecer a igualdade entre as partes contratantes, determinando, quanto ao restante, a vinculação das partes aos compromissos assumidos livremente.

65.      Por conseguinte, a situação jurídica configurar‑se‑ia de forma completamente diferente, se a apreciação da questão de saber se um contrato que inclui uma cláusula abusiva pode subsistir, atendesse exclusivamente à situação mais favorável, em cada caso, para o consumidor. Com efeito, neste caso correr‑se‑ia o risco de criar novamente uma situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional, desta vez, precisamente, apenas a favor do consumidor. Embora se eliminasse o desnível nos direitos e obrigações decorrentes do contrato a favor do profissional, o que seguramente corresponderia aos objetivos das Diretivas, o equilíbrio prosseguido pelo legislador não seria assegurado. O legislador da Diretiva tinha em mente compensar as desvantagens existentes para o consumidor. No entanto, não se pode assumir que o legislador da Diretiva pretendia proporcionar ao consumidor uma posição jurídica que ultrapassa aquela que normalmente duas partes contratantes com o mesmo valor ocupam nas relações comerciais. Em bom rigor, não existe igualmente qualquer razão objetivamente justificável para eximir o consumidor das obrigações que lhe foram impostas por um contrato celebrado com uma parte com o mesmo valor, desde que o consumidor tenha assumido estas obrigações livremente e ciente do seu alcance.

66.      Isto corresponde igualmente ao entendimento do advogado‑geral A. Tizzano expresso nas suas conclusões apresentadas no processo Ynos. Nestas conclusões, o advogado‑geral esclareceu que a regra contida na Diretiva 93/13, segundo o qual um contrato deverá subsistir apesar da existência de uma cláusula abusiva, só pode ser derrogada quando o próprio contrato não puder subsistir objetivamente sem a cláusula abusiva, mas não quando, segundo uma apreciação a posteriori, resultar que uma das partes não teria celebrado o contrato sem a cláusula abusiva (17).

67.      Os argumentos apresentados em articulação com a necessidade de salvaguardar o princípio da autonomia contratual bem como de garantir o equilíbrio das relações contratuais entre profissionais e consumidores devem, por último, ser apreciados à luz de um outro objetivo da Diretiva. Há que recordar que, de acordo com o seu primeiro considerando, a Diretiva 93/13 foi adotada com vista ao estabelecimento progressivo do mercado interno (18). Como se depreende do seu segundo e terceiro considerandos, esta Diretiva visa eliminar as divergências marcantes existentes nas legislações nacionais respeitantes às cláusulas abusivas em contratos celebrados com os consumidores. Para além de uma melhor proteção do consumidor, o legislador da Diretiva pretende, nos termos do seu sétimo considerando, promover a atividade comercial no domínio de aplicação da Diretiva («Considerando que os vendedores de bens e os prestadores de serviços serão, assim, ajudados na sua atividade de venda de bens e de prestação de serviços, tanto no seu próprio país como no mercado interno»). No entanto, essa atividade comercial apenas se pode desenvolver onde seja garantida a segurança jurídica dos operadores económicos. Isto inclui a proteção da confiança legítima dos operadores económicos na manutenção das relações contratuais. Uma regulamentação, segundo a qual a validade de um contrato, no seu todo, depende do interesse somente de uma parte contratante, é suscetível não só de não fomentar esta confiança, como pode mesmo, a longo prazo, abalá‑la. Do mesmo modo que a prontidão dos operadores económicos em celebrar contratos com os consumidores poderia assim diminuir, também o objetivo da criação do mercado interno poderia eventualmente ficar comprometido. A disposição contida no artigo 6.° da Diretiva 93/13 tem também em conta este objetivo ao se limitar a assegurar o equilíbrio nas relações contratuais.

68.      Resulta das considerações precedentes que a visão subjetiva do consumidor em relação ao resto do contrato não qualificado de abusivo não pode ser considerada como critério decisivo para determinar o destino do mesmo. Pelo contrário, em meu entender, outros fatores deveriam ser decisivos, como, por exemplo, a possibilidade efetiva e a apreciar objetivamente, de o contrato se manter em vigor (19). A manutenção do contrato só poderia eventualmente ser negada se do ponto de vista de ambos os contraentes, a nulidade de uma ou mais cláusulas, implicar que a base para a celebração do contrato deixou de existir (20). Excecionalmente, poderia, por exemplo, admitir‑se a nulidade total do contrato, por se considerar que sem a parte nula, segundo a vontade efetiva ou hipotética de ambas as partes, o negócio não se teria realizado, visto que o objetivo ou a natureza jurídica do contrato deixariam de ser os mesmos. Compete ao juiz nacional, encarregado da aplicação da Diretiva 93/13 e da legislação nacional que a transpõe, verificar se estas condições estão preenchidas no caso concreto.

69.      Devido sobretudo ao seu conhecimento do direito nacional, assim como do contexto geral real em que se insere o caso em apreço, ao juiz nacional é atribuída uma grande importância na apreciação da questão de saber se um contrato pode subsistir apesar da existência de uma cláusula abusiva (21). Neste contexto, refira‑se unicamente o acórdão Freiburger Kommunalbauten (22), em que o Tribunal de Justiça sublinhou que, para efeitos da apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual particular, o artigo 4.° da Diretiva [93/13] indica que a resposta deve ser dada «em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante a consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração» (23). Neste acórdão, o Tribunal de Justiça salientou, em especial, a necessidade de considerar a cláusula contratual em questão no contexto geral do direito nacional relevante. O Tribunal de Justiça concluiu, nomeadamente, que na apreciação a efetuar «devem igualmente ser avaliadas as consequências que a referida cláusula pode ter no âmbito do direito aplicável ao contrato, o que implica um exame do sistema jurídico nacional» (24). Cabe, portanto, constatar que ao direito nacional é igualmente, por vezes, atribuída importância para efeitos da questão de saber se um contrato pode subsistir apesar da nulidade parcial (25).

70.      Em resumo, há que concluir que os Estados‑Membros não estão obrigados, por força do direito da União, a estipular, nos respetivos direitos nacionais, que, caso sejam identificadas cláusulas abusivas num contrato celebrado com os consumidores, este não vincula, na totalidade, o consumidor quando isso lhe seja mais favorável. Consequentemente, o nível de proteção não ficará aquém do estabelecido na Diretiva 93/13 se, no direito dos Estados‑Membros, ao apreciar‑se a validade de um contrato, não se atribuir qualquer importância à vontade efetiva ou hipotética do consumidor em não continuar vinculado por esse contrato.

2.      Margem de manobra dos Estados‑Membros para aumentar o nível de proteção

71.      No entanto, importa lembrar que a Diretiva 93/13, como se depreende claramente do seu décimo segundo considerando, apenas procedeu a uma harmonização parcial e mínima das legislações nacionais sobre cláusulas abusivas (26). Um reflexo normativo essencial do objetivo de harmonização mínima subjacente a esta Diretiva é a autorização prevista no artigo 8.°, que prevê expressamente o direito de os Estados‑Membros poderem adotar ou manter, no domínio regido pela presente Diretiva, disposições mais rigorosas, compatíveis com o Tratado, para garantir um nível de proteção mais elevado para o consumidor. Ao mesmo tempo, é possível deduzir a contrario desta disposição que uma diferença para menos, isto é, um nível de proteção do consumidor aquém dos objetivos da Diretiva, não seria compatível com as exigências deste diploma. Como já esclarecei nas minhas conclusões apresentadas no processo Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid, este objetivo de harmonização mínima confere aos Estados‑Membros uma considerável margem de apreciação (27), que apenas é restringida pelos limites gerais do direito da União, em especial o direito primário (28).

72.      Por este motivo, para proteção do consumidor, os Estados‑Membros podem igualmente regular as consequências da nulidade de forma mais estrita do que a prevista no artigo 6.° da Diretiva 93/13. A aprovação de disposições nacionais mais rigorosas baseadas no artigo 8.°, cominando a nulidade total do contrato, caso se verifique a existência de uma ou mais cláusulas abusivas, contanto que esta hipótese se releve mais favorável ao consumidor (29), reflete o exercício legítimo de uma autorização concedida pelo legislador da União para alcançar um nível mais elevado de proteção dos consumidores.

73.      Não subsistem dúvidas quanto à compatibilidade de uma disposição nacional deste tipo, destinada à proteção do consumidor, com o objetivo acima referido de criação de um mercado interno (30), desde que as liberdades fundamentais não sejam afetadas de forma desproporcionada (31). Porém, a apreciação desta questão depende, por último, do conteúdo da respetiva disposição nacional.

74.      Resulta do exposto que os Estados‑Membros têm a liberdade de estipular, nas suas ordens jurídicas nacionais, a sanção jurídica da nulidade de todo o contrato nos casos em que isso seja mais favorável ao consumidor do que a subsistência do contrato. O direito da União não impõe que a sanção jurídica de nulidade seja restrita à cláusula contratual em causa.

C –    Quanto à segunda questão prejudicial

75.      A segunda questão prejudicial é composta por duas partes. Com a primeira parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende obter esclarecimentos sobre se a indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global num contrato de crédito ao consumo constitui uma prática comercial desleal nos termos da Diretiva 2005/29. Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais as consequências dessa qualificação como prática comercial desleal sobre a validade do contrato em questão.

1.      Primeira parte da questão: indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global como prática comercial desleal

a)      Quanto à Diretiva 2005/29

76.      No que diz respeito à primeira questão, importa antes de mais observar que a Diretiva 2005/29 procede a uma harmonização completa das regras sobre as práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores. Daqui resulta que os Estados‑Membros — ao contrário do que sucede na transposição da Diretiva 93/13 — não podem tomar medidas mais restritivas do que as definidas pela referida Diretiva, mesmo que seja com o fim de assegurar um grau mais elevado de proteção dos consumidores (32).

77.      Uma das disposições‑chave da Diretiva 2005/29 é o artigo 5.°, que prevê a proibição das práticas comerciais desleais e, além disso, estabelece os critérios que permitem determinar esse caráter desleal. Assim, em conformidade com o disposto no n.° 2 desse artigo, uma prática comercial é desleal se for contrária às exigências relativas à diligência profissional ou se distorcer ou for suscetível de distorcer de maneira substancial o comportamento económico do consumidor médio em relação a um produto. Por outro lado, o artigo 5.°, n.° 4, da Diretiva define duas categorias precisas de práticas comerciais desleais, a saber, as «práticas enganosas» e as «práticas agressivas», que correspondem aos critérios especificados, respetivamente, nos artigos 6.° e 7.° assim como 8.° e 9.° da Diretiva. Por último, a Diretiva estabelece, no seu anexo I, uma lista taxativa de 31 práticas comerciais que, em conformidade com o disposto no artigo 5.°, n.° 5, desta Diretiva, são consideradas desleais «em quaisquer circunstâncias». Por conseguinte, como o décimo sétimo considerando da referida Diretiva expressamente especifica, trata‑se das únicas práticas comerciais que podem ser consideradas desleais sem serem objeto de uma avaliação caso a caso ao abrigo das disposições dos artigos 5.° a 9.° da Diretiva.

78.      Daqui resulta que, no que diz respeito à aplicação jurídica por parte dos órgãos jurisdicionais e das autoridades administrativas nacionais, se deve começar por atender à lista dos 31 casos de práticas comerciais desleais contidos no anexo I. Uma prática comercial deve ser proibida se estiver abrangida por uma das previsões normativas, não sendo necessário proceder a uma outra análise, por exemplo dos seus efeitos. Se a situação concreta não se incluir na referida lista de proibições, é necessário apreciar se se verifica uma das situações exemplificadas na cláusula geral — práticas comerciais enganosas ou agressivas. Apenas quando tal não acontece, é diretamente aplicável a cláusula geral constante do artigo 5.°, n.° 1, da Diretiva (33).

b)      Âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29

i)      Existência de uma prática comercial

79.      Porém, antes de se proceder a uma análise do caráter desleal de uma prática comercial com base no conjunto das circunstâncias do caso concreto, há que verificar se o âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29 abrange, de todo, o caso vertente. Para tal, a atividade comercial em causa no processo principal, a saber, a conclusão de um contrato de crédito ao consumo, tem de corresponder à definição legal, contida na alínea d) do artigo 2.°, do conceito de «práticas comerciais das empresas face aos consumidores».

80.      A este respeito, há que observar que o artigo 2.°, alínea d), da Diretiva define o conceito de «práticas comerciais», utilizando uma formulação particularmente ampla, como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores» (34). Por conseguinte, esta definição abrange igualmente todas as ações de um profissional destinadas a levar o consumidor à conclusão de um contrato (35). De acordo com esta definição ampla, também a oferta, a título profissional, de operações de crédito aos consumidores em causa no caso vertente pode ser considerada uma ação relacionada com a venda de um produto, nomeadamente, uma prestação de um serviço financeiro. Logo, contrariamente ao defendido pelo Governo eslovaco (36), no processo principal está‑se perante um caso de «práticas comerciais» no sentido do artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 2005/29.

ii)    Importância da norma de delimitação prevista no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva

81.      Uma vez que a atividade em causa no processo principal corresponde à definição de «práticas comerciais» em sentido lato, deve considerar‑se simultaneamente que esta é abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2005/29 nos termos do seu artigo 3.°, n.° 1.

82.      No entanto, coloca‑se, neste contexto, a questão de saber se a Diretiva 2005/29 é, de todo, relevante para resolver a problemática do processo principal. A sua aplicabilidade no que respeita às sanções jurídicas poderá eventualmente excluir‑se. Porém, para tal, deverá determinar‑se antes de mais o objeto do pedido de decisão prejudicial. Após um exame criterioso das questões prejudiciais e das observações do despacho de reenvio, este pedido visa, no essencial, obter uma resposta à questão de saber se o direito da União desaprova o facto de um profissional dar informações falsas aquando da conclusão de um contrato com os consumidores — no caso vertente, a indicação de uma taxa anual de encargos efetiva global inferior à real — e se sanciona esse facto com a ordenação da nulidade da cláusula contratual em causa.

83.      A questão da relevância da Diretiva 2005/29 impõe‑se precisamente pelo facto de este ato jurídico não conter quaisquer disposições, que prevejam como consequência jurídica a nulidade de uma cláusula deste tipo. Em vez disso, o artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2005/29 estipula que a «Diretiva não prejudica o direito contratual e, em particular, as normas relativas à validade, à formação ou aos efeitos de um contrato». Tanto pelos seus termos («não prejudica») como pela sua posição sistemática no artigo 3.°, que determina o âmbito de aplicação da Diretiva bem como a sua relação com os outros atos jurídicos da União, esta disposição deve ser entendida no sentido de uma norma de delimitação, que, de acordo com a vontade expressa do legislador da União, deve permitir o recurso a essas disposições específicas de direito da União, independentemente de uma eventual aplicabilidade da Diretiva 2005/29. Deste modo, a utilização de instrumentos específicos para a proteção do consumidor previstos nos atos jurídicos em causa deve continuar a ser possível. O facto de a Diretiva 2005/29 ser aplicável a um determinado enquadramento factual não pode, de forma alguma, de acordo com o conceito subjacente à disposição prevista no artigo 3.°, n.° 2, diminuir as possibilidades de proteção jurídica — por exemplo, a rescisão do contrato ou a redução da contraprestação — atribuídas ao consumidor por força do direito dos Tratados.

84.      Na legislação que regula o direito dos contratos e, em especial, a sua validade, referida no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2005/29, incluem‑se, indubitavelmente, as normas da Diretiva 93/13. O sistema de proteção acima descrito instituído por esta Diretiva, cujo elemento essencial consiste na disposição prevista pelo artigo 6.°, refere‑se a aspetos do direito dos contratos, tanto mais que este sistema trata da validade jurídica de determinadas cláusulas contratuais utilizadas pelos profissionais nas relações comerciais com os consumidores. Há aqui lugar a uma regulamentação das relações jurídicas nos contratos individuais entre duas categorias distintas de particulares no sentido de que as cláusulas abusivas não devem vincular o consumidor, pelo que os Estados‑Membros devem providenciar pela previsão desta sanção jurídica nos seus regimes de direito civil (37). Numa aplicação consequente da norma de delimitação contida do artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2005/29, as disposições da Diretiva 93/13 não deverão ser consideradas afastadas.

85.      Uma vez que é a Diretiva 93/13, e não a Diretiva 2005/29, que prevê, sob determinadas condições, a sanção jurídica de nulidade de cláusulas contratuais determinadas, esta última Diretiva deve, em última análise, ser considerada irrelevante para a resolução da problemática do processo principal. Nenhuma das suas disposições pode ser utilizada como base jurídica para a declaração da nulidade da cláusula contratual controvertida (38). De resto, também o órgão jurisdicional de reenvio parece partir, implicitamente, deste pressuposto, uma vez que, na segunda parte da questão ainda por analisar, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber quais as consequências jurídicas que uma qualificação como prática comercial desleal nos termos da Diretiva 2005/29 eventualmente teria sobre a aplicação do artigo 6.° da Diretiva 93/13. Questiona‑se, portanto, qual a relação existente entre os artigos 5.° e seguintes da Diretiva 2005/29 e o artigo 6.° da Diretiva 93/13, o que exigirá igualmente uma interpretação desta última disposição.

iii) Conclusão intercalar

86.      Em síntese, cumpre concluir que a Diretiva 2005/29 não é aplicável, em todo o caso no que respeita às sanções jurídicas, ao objeto do processo principal.

c)      Existência de uma prática comercial desleal

i)      Necessidade de uma interpretação coerente do direito de proteção dos consumidores

87.      Deste modo, em princípio, não é necessário aprofundar mais a questão de saber se a atividade controvertida reúne as características do conceito de «práticas comerciais desleais» no sentido dos artigos 5.° e seguintes desta Diretiva.

88.      No entanto, a decisão do legislador da União de excluir a aplicação da Diretiva 2005/29 em casos especificamente definidos no que respeita às sanções jurídicas, não significa forçosamente que as valorações desta Diretiva e as que têm igualmente por base as suas disposições não tenham qualquer incidência na interpretação de outros atos jurídicos que regulam a relação entre profissionais e consumidores. Uma interpretação sistemática global dos atos jurídicos adotados para proteção do consumidor revela a existência de numerosas ligações entre estes diplomas, as quais devem ser tidas igualmente em conta no âmbito dessa interpretação (39). Por conseguinte, os atos jurídicos da União do domínio do direito de proteção dos consumidores devem ser entendidos como complementares, enquanto parte de um sistema normativo global uniforme. A dispersão legal (40) existente até hoje no direito de proteção dos consumidores da União é o resultado de uma evolução histórica, ao longo da qual o legislador da União, tendo em vista a concretização de um verdadeiro mercado único no tocante a negócios entre empresas e consumidores, regulou gradualmente e em consonância com o acervo existente diferentes domínios da vida. A Diretiva 2005/29 renuncia a uma regulamentação do direito dos contratos, quanto mais não seja devido ao facto de estes aspetos já terem sido regulados pelo legislador da União, designadamente, na Diretiva 93/13. Ambas as Diretivas regulam um domínio específico bem definido da vida: a Diretiva 2005/29 impede a utilização de práticas comerciais desleais, que possam influenciar, de forma substancial, o comportamento económico dos consumidores, ao passo que a Diretiva 93/13, por sua vez, proíbe a utilização de cláusulas abusivas nas relações comerciais com os consumidores.

89.      Apesar da existência de atos jurídicos autónomos, a delimitação clara dos respetivos âmbitos de aplicação das Diretivas nem sempre é fácil. Por um lado, esta situação deve‑se ao facto de as ações abrangidas pelas Diretivas, na prática, se confundirem frequentemente. Por outro, deve‑se ao facto de o conceito de «práticas comerciais» ser formulado de forma muito ampla, acabando por abranger uma grande variedade de operações comerciais. Esta circunstância faz, de certo modo, da Diretiva 2005/29 uma regulamentação geral face aos regimes especiais, como, por exemplo, a Diretiva 93/13 (41). A letra e o espírito da norma de delimitação contida no artigo 3.°, n.° 2, da Diretiva 2005/29 consiste em assegurar que entre ambas as Diretivas não se verificam sobreposições indesejadas no plano da regulamentação jurídica.

90.      Contudo, esta delimitação não é um fim em si mesmo, seguindo antes uma estratégia regulamentar específica elaborada pelo legislador da União. Em particular, esta delimitação não pode levar a que uma situação de facto uniforme, à qual ambas as Diretivas seriam, em princípio, aplicáveis, seja juridicamente apreciada de modo diferente. Pelo contrário, é necessária uma interpretação coerente das normas jurídicas pertinentes a fim de evitar resultados contraditórios na sua regulação. Isto é tanto mais necessário quanto ambas as Diretivas apresentam a este respeito uma convergência na sua finalidade de proteção, na medida em que ambas têm por objetivo proteger a capacidade de apreciação e a liberdade de decisão nas relações comerciais (42).

91.      A estreita relação existente entre estas duas Diretivas pode ilustrar‑se com base em algumas situações: assim, a título de exemplo, à luz dos factos que estão na origem do litígio, é concebível que o caráter desleal de uma prática comercial consista, precisamente, na utilização de cláusulas abusivas na aceção da Diretiva 93/13 nos contratos celebrados com os consumidores (43). Se um profissional utilizar cláusulas deste tipo, poderá reconhecer‑se a existência de uma ação enganosa, dado que é transmitida uma informação falsa ou o consumidor permanece numa situação de incerteza relativamente ao verdadeiro alcance dos direitos e obrigações contratuais, sobretudo, no que respeita àqueles direitos e obrigações decorrentes de cláusulas abusivas e que, portanto, são nulas em relação ao consumidor. O mesmo se pode dizer de uma situação em que o profissional redige de forma pouco clara e algo ambígua cláusulas‑chave do contrato, a fim de omitir informações essenciais ao consumidor. Em contrapartida, é concebível que informações falsas e, portanto, enganosas contidas numa cláusula contratual no sentido da Diretiva 2005/29 constituam precisamente o seu caráter abusivo. Esta é igualmente a situação de que justamente parte o órgão jurisdicional de reenvio no processo principal e que deve, em seguida, ser clarificada.

92.      No interesse de uma interpretação coerente do direito de proteção dos consumidores da União, parece, por conseguinte, impor‑se a análise da questão de saber se a indicação de uma taxa anual de encargos efetiva global inferior à real pode ser qualificada como uma «prática comercial desleal» no sentido dos artigos 5.° e seguintes da Diretiva 2005/29. As conclusões a retirar desta avaliação para a interpretação da Diretiva 93/13 devem ser analisadas no âmbito da segunda parte da questão prejudicial.

ii)    Análise do caráter desleal da prática comercial

93.      A existência de uma «prática comercial desleal» deve ser analisada de acordo com o esquema de avaliação descrito no n.° 78 das presentes conclusões.

–       Existência de uma ação enganosa, no sentido do artigo 5.°, n.° 4, alínea a), em conjugação com o artigo 6.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2005/29.

94.      Em primeiro lugar, importa observar que a indicação errada de um montante como a taxa anual de encargos efetiva global num contrato de crédito ao consumo não corresponde a qualquer dos casos de práticas comerciais desleais enunciados no anexo I da Diretiva. Uma vez que tal indicação não se inclui entre as práticas comerciais enumeradas no anexo I, que são consideradas desleais em quaisquer circunstâncias, a sua proibição só é possível se constituir uma prática comercial desleal por ser, por exemplo, enganosa ou agressiva no sentido da Diretiva.

Ação do profissional

95.      Tendo em conta o facto de no caso vertente se poder excluir a priori a existência de uma prática comercial agressiva por falta de eventuais indícios do recurso a meios como o assédio, a coação, a força ou uma outra influência indevida, resta em seguida analisar se as características de uma prática comercial enganosa nos termos do artigo 5.°, n.° 4, alínea a), da Diretiva 2005/29 estão reunidas. A este respeito, cumpre referir que a Diretiva distingue entre ações enganosas (artigo 6.°) e omissões enganosas (artigo 7.°), regulando pormenorizadamente as duas categorias de forma separada. Por conseguinte, a apreciação jurídica do caso vertente depende da qualificação do tipo de conduta em causa.

96.      Na minha opinião, uma prática comercial como a do processo principal, que consiste na indicação num contrato de crédito de uma taxa anual de encargos efetiva global inferior à real pode classificar‑se mais facilmente na primeira categoria, uma vez que a influência exercida sobre a decisão negocial do consumidor resulta em grande medida de uma ação do profissional, nomeadamente, da indicação de informações falsas em relação a um elemento do contrato considerado essencial nos termos do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva. Esse comportamento não pode ser entendido como uma mera omissão resultante da ocultação de informações. Por conseguinte, contrariamente ao defendido pelo Governo alemão (44), está excluída a aplicabilidade da disposição do artigo 7.°, n.° 1, da Diretiva, que regula o caso especial da omissão de informações substanciais.

Influência sobre a decisão negocial do consumidor

97.      Os elementos do contrato considerados essenciais pelo legislador da Diretiva são enumerados no n.° 1 do artigo 6.° Com base numa interpretação ampla e, portanto, favorável aos consumidores das disposições da Diretiva, a taxa anual de encargos efetiva global constante de um contrato de crédito ao consumo pode, em princípio, incluir‑se no conceito de «preço», no sentido do artigo 6.°, n.° 1, alínea d), tanto mais que a taxa anual de encargos efetiva global, de acordo com a definição legal do no artigo 1.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 87/102, deve ser considerada como parte do custo total suportado pelo consumidor para a concessão do crédito. Do ponto de vista jurídico, os juros consistem no preço pago por um empréstimo concedido por um determinado período. Consequentemente, o cálculo errado da taxa anual de encargos efetiva global, como sucedeu no processo principal segundo os dados fornecidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, pode ser igualmente qualificado como o «cálculo do preço» no sentido desta disposição.

98.      Neste contexto, há que sublinhar que a avaliação do cálculo do preço como errado feita por parte do órgão jurisdicional de reenvio vincula o Tribunal de Justiça, em primeiro lugar, porque a taxa anual de encargos efetiva global, ao abrigo do artigo 1.°, n.° 2, alínea e), da Diretiva 87/102, calcula‑se de acordo com os métodos existentes nos Estados‑Membros cuja correta aplicação pode ser igualmente verificada pelo próprio órgão jurisdicional nacional, e, em segundo lugar, porque, no quadro de processos prejudiciais, o órgão jurisdicional nacional tem competência para apurar os factos.

99.      No que concerne às restantes condições do artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 2005/29, há que constatar que a indicação de informações falsas em relação à taxa anual de encargos efetiva global — precisamente quando é mencionado num valor consideravelmente inferior ao real — é igualmente suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que de outro modo não tomaria. Numa observação mais próxima da realidade, deve partir‑se do princípio de que, em regra, o consumidor médio solicitará as propostas de vários mutuantes potenciais e tomará a sua decisão de recorrer ao crédito com base na comparação dessas propostas, incluindo dos custos previsíveis. Por outras palavras, condições de crédito comparativamente mais favoráveis têm normalmente uma influência decisiva sobre a formação da vontade do consumidor.

100. O direito da União tem em conta o interesse do consumidor em estar informado, dado que na Diretiva 87/102, adotada com o duplo objetivo de assegurar, por um lado, a criação de um mercado comum do crédito ao consumo (terceiro a quinto considerandos) e, por outro, a proteção dos consumidores subscritores desses créditos (sexto, sétimo e nono considerandos), exige expressamente que o consumidor receba informações adequadas sobre as condições e o custo do crédito e sobre as suas obrigações. Isto resulta, por uma lado, do oitavo considerando da Diretiva 87/102 e, por outro, do requisito contido no seu artigo 4.°, n.° 2, alínea a), de que todos os contratos escritos devem indicar a taxa anual de encargos efetiva global. Como o Tribunal de Justiça tem declarado repetidamente na sua jurisprudência, é na perspetiva de proteção do consumidor de condições de crédito injustas e para lhe permitir ter um completo conhecimento das condições da execução futura do contrato celebrado que [se] exige que o devedor, no momento da celebração, esteja na posse de todos os elementos suscetíveis de ter influência sobre a sua obrigação (45).

101. As disposições acima referidas da Diretiva 87/102 comprovam que a taxa anual de encargos efetiva global se trata de um dado essencial no âmbito da conclusão dos contratos de crédito (46), sem o qual o consumidor não pode, em regra, tomar qualquer decisão razoável. Por conseguinte, o consumidor depende, numa medida considerável, da exatidão deste dado. Uma indução em erro no que toca a esta informação, quer seja intencional ou por negligência, tem necessariamente repercussões negativas sobre o consumidor. Devido, sobretudo, à importância deste dado para a capacidade do consumidor adotar uma decisão e às consequências graves decorrentes de uma decisão errada, o artigo 3.° da Diretiva 87/102 exige que este dado seja comunicado logo numa fase muito anterior à celebração do contrato, nomeadamente, no quadro da publicidade.

102. O entendimento aqui defendido, segundo o qual a indicação de informações falsas aquando da celebração de contratos de crédito é, em princípio, suscetível de influenciar a decisão negocial de um consumidor no sentido da Diretiva 2005/29, é também sustentado pelo décimo considerando desta Diretiva, que, como esclareceu pertinentemente o Governo eslovaco (47), estabelece de certo modo uma ligação com a regulamentação relevante neste caso, a Diretiva 87/102. Daqui resulta que a Diretiva 2005/29 «assegura a proteção dos consumidores nos casos em que não exista legislação sectorial específica ao nível comunitário e proíbe os profissionais de criarem uma falsa imagem da natureza dos produtos». Ademais, o legislador da União acrescenta que «este aspeto assume particular importância no caso de produtos complexos que comportam riscos elevados para os consumidores, tais como alguns produtos ligados aos serviços financeiros (48)». Estas afirmações comprovam que o legislador da União estava perfeitamente consciente do risco que existe para o consumidor neste sector específico de atividade. No processo principal, este risco concretizou‑se precisamente na celebração do contrato de crédito.

103. Logo, em termos objetivos, verifica‑se a existência de uma ação enganosa no sentido do artigo 5.°, n.° 4, alínea a) em conjugação com o artigo 6.°, n.° 1, alínea d), da Diretiva 2005/29. Por conseguinte, a indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global num contrato de crédito ao consumo constitui, em última análise, uma «prática comercial desleal» no sentido desta Diretiva.

–       Declaração, a título subsidiário, do incumprimento das exigências relativas à diligência profissional

104. Por último, importa ainda analisar brevemente o aspeto relativo ao eventual preenchimento dos elementos constitutivos de um incumprimento da diligência profissional de acordo com o artigo [5.°], n.° 2, alínea a), da Diretiva 2005/29, ao qual se referiram tanto o órgão jurisdicional nacional no seu despacho de reenvio (49) como várias das partes intervenientes no processo nas suas observações escritas.

105. Como resulta da redação do artigo 5.°, n.° 4 («em especial»), da Diretiva 2005/29, as práticas comerciais enganosas e agressivas representam simplesmente formas especiais de práticas comerciais desleais. Esta disposição não inclui igualmente nenhuma referência particular ao conceito de diligência profissional, uma vez que o tratamento enganoso ou mesmo agressivo dos consumidores, por si só, é considerado pelo legislador da Diretiva às exigências relativas à diligência profissional. Por conseguinte, no âmbito de aplicação desta Diretiva, não é necessário averiguar se a prática comercial enganosa ou agressiva respeita a diligência profissional de um operador. Uma apreciação jurídica deste tipo só é necessária quando está em causa a aplicabilidade da cláusula geral do artigo 5.°, n.° 1 (50). O mesmo se aplica, de resto, à condição referida no artigo 5.°, n.° 2, alínea b) relativa à «distorção de maneira substancial do comportamento económico do consumidor médio», que corresponde, no essencial, à exigência estabelecida no artigo 6.°, n.° 1, segundo a qual a prática comercial deve ser suscetível de influenciar a decisão de transação do consumidor.

106. Tendo em conta o facto de que, de acordo com a apreciação jurídica dos factos aqui efetuada, se verifica, desde logo, a existência de uma ação enganosa no sentido do artigo 5.°, n.° 4, alínea a), da Diretiva, afigura‑se‑me desnecessário abordar separadamente os elementos constitutivos de um incumprimento da diligência profissional. Acrescento, unicamente a título suplementar, que a indicação de informações falsas em relação à taxa anual de encargos efetiva global através do seu cálculo errado dificilmente satisfaz as exigências da diligência profissional. É suposto que um profissional exerça a sua atividade comercial em conformidade com a legislação relevante e evidencie um cuidado especial no trato com o consumidor, sobretudo, visto que este está dependente da competência profissional do primeiro. Conforme exposto no âmbito das minhas observações a respeito da finalidade normativa do artigo 6.° da Diretiva 93/13 (51), a necessidade especial de proteção do consumidor deriva do facto de este se encontrar, em regra, numa posição negocial mais fraca face ao profissional e de possuir um nível inferior de informação. Esta circunstância torna‑o particularmente suscetível de ter de aderir às condições redigidas previamente pelo profissional, sem poder influenciar o seu conteúdo. Esta situação apenas pode ser corrigida se se exigir ao profissional o cumprimento rigoroso de determinados deveres de informação.

107. Por conseguinte, também uma análise, a título subsidiário, com base nos critérios da cláusula geral do artigo 5.°, n.° 2, da Diretiva 2005/29 permite concluir pela existência no caso vertente de uma «prática comercial desleal».

d)      Conclusão

108. Face ao exposto, há que responder à primeira parte da questão que a Diretiva 2005/29 deve ser interpretada no sentido de que o comportamento do profissional, ao mencionar no contrato uma taxa anual de encargos efetiva global inferior à real, preenche os critérios para ser qualificado como prática comercial desleal.

2.      Segunda parte da questão: consequências das práticas comerciais desleais sobre a validade do contrato

109. A segunda parte da questão prejudicial diz respeito às eventuais consequências que uma qualificação da prática comercial aqui causa como desleal no sentido da Diretiva 2005/29 pode ter sobre a validade do contrato controvertido no contexto da Diretiva 93/13. A este respeito, devem ser objeto de análise tanto a relevância de cada um dos atos jurídicos aplicáveis, em princípio, ao processo principal, como a forma como interagem.

a)      Relevância da Diretiva 87/102

110. Nesta matéria, importa observar que de uma violação do dever de informação consagrado no artigo 4.°, n.° 2, alínea a), da Diretiva 87/102 não é, em todo o caso, possível retirar quaisquer conclusões diretas sobre uma eventual nulidade parcial ou mesmo total do contrato de crédito, sobretudo porque o artigo 14.°, n.° 1, da Diretiva se limita a estipular que os Estados‑Membros têm de assegurar que os contratos de crédito não possam derrogar, em detrimento do consumidor, as disposições da legislação nacional que dão cumprimento ou correspondem à presente Diretiva. De facto, no caso vertente, face à indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global, verifica‑se, em termos objetivos, uma violação deste dever de informação. Porém, esta Diretiva não contém disposições mais precisas que obriguem, por exemplo, os órgãos jurisdicionais nacionais a ordenar a nulidade do contrato de crédito. Atendendo a que a Diretiva 87/102 não prevê qualquer consequência jurídica neste sentido no caso da violação deste dever de informação, esta Diretiva não é relevante para a resposta à segunda parte da questão.

b)      Relevância da Diretiva 2005/29

111. Ao contrário, as disposições previstas pela Diretiva 2005/29 são inequívocas na medida em que estas disposições, como já foi exposto (52), nos termos do artigo 3.°, n.° 2, não prejudicam o direito contratual e, em particular, as normas relativas à validade, à formação ou aos efeitos de um contrato. De facto, o artigo 13.° impõe aos Estados‑Membros a obrigação de determinar as sanções aplicáveis às violações das disposições nacionais aprovadas em aplicação da presente Diretiva. No entanto, uma interpretação segundo a qual por sanção se pode igualmente entender a nulidade de uma cláusula contratual, estaria em clara contradição com a primeira disposição referida. Uma interpretação neste sentido seria, tendo em conta a decisão expressa do legislador em não regular o direito contratual através da Diretiva 2005/29, desprovida de fundamento. Por conseguinte, esta Diretiva não tem igualmente qualquer relevância direta para a resposta à segunda parte da questão.

c)      Relevância da Diretiva 93/13

112. A falta de relevância da Diretiva 2005/29 não se opõe, porém, de modo algum, à aplicação de outros atos jurídicos da União e dos meios processuais neles previstos para proteção do consumidor (53). Por conseguinte, é possível aplicar a Diretiva 93/13, tanto mais que o seu objeto de regulamentação, como já foi referido, incide sobre o direito contratual e, em particular, sobre a validade dos contratos.

i)      Âmbito de aplicação da Diretiva

113. Para tal, a cláusula contratual controvertida terá antes de mais de ser abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13. Este é definido no artigo 1.° O artigo 1.°, n.° 1, limita o âmbito de aplicação pessoal da Diretiva às cláusulas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores. Daqui resulta que são excluídos do seu âmbito de aplicação os contratos quer entre consumidores quer entre profissionais. Por sua vez, o âmbito de aplicação material é definido nos termos do artigo 1.°, n.° 1, em conjugação com o artigo 2.°, alínea a), e o artigo 3.°, n.° 1, sujeitando ao controlo previsto na Diretiva apenas as «cláusulas nos contratos celebrados com os consumidores que não tenham sido objeto de negociação individual».

114. No caso vertente, é pacífico que o contrato de crédito celebrado pela demandada no processo principal com os seus clientes se trata de um contrato entre um profissional e os consumidores. Da circunstância destacada no despacho de reenvio, de que os créditos são concedidos com base em contratos‑tipo de adesão, pode concluir‑se que o contrato de crédito controvertido não foi negociado individualmente com o consumidor. Daqui decorre que este contrato é abrangido pelo âmbito de aplicação pessoal e material da Diretiva.

ii)    Alcance do controlo de conteúdo

115. Além disso, a cláusula que contém a indicação errada da taxa anual de encargos efetiva global terá de ser objeto de um controlo de conteúdo nos termos do artigo 4,.°, n.° 2, da Diretiva 93/13.

116. Neste contexto, remete‑se para o acórdão Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid, em que o Tribunal de Justiça esclareceu que esta disposição não define o âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, visando antes «estabelecer as modalidades e o alcance do controlo substantivo das cláusulas contratuais que não foram objeto de negociação individual e que definem as prestações essenciais dos contratos celebrados entre um profissional e um consumidor» (54). De acordo com disposição, a avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide «nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível».

117. No que diz respeito à qualificação dos elementos mencionados no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, importa salientar que o legislador da União considera a indicação da taxa anual de encargos efetiva global importante, visto que essa indicação incide, em última análise, sobre a definição de um objeto principal do contrato de crédito. Esta indicação fornece informações nomeadamente sobre o custo que o devedor tem de reembolsar ao mutuante pela concessão do empréstimo. A taxa anual de encargos efetiva global representa, assim, uma das prestações principais do mutuante na estrutura global dos direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato de crédito. Consequentemente, uma cláusula que contenha informações falsas sobre o custo, devido, por exemplo, ao facto de a taxa anual de encargos efetiva global ter sido calculada incorretamente, deve ser igualmente objeto de um controlo do conteúdo nos termos do artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/13, desde que essa cláusula não se encontre redigida de maneira clara e compreensível.

118. Da decisão do Tribunal de Justiça no processo Pohotovosť, que apresenta alguns paralelismos com o caso vertente, podem retirar‑se elementos para uma conclusão análoga. No processo Pohotovosť, o Tribunal de Justiça debruçou‑se, designadamente, sobre a questão de saber se a não indicação da taxa anual de encargos efetiva global num contrato de crédito pode ser um elemento decisivo no quadro da análise, a efetuar por um órgão jurisdicional nacional, da questão de saber se uma cláusula de um contrato de crédito, relativa aos seus custos, e em que não figura essa indicação está redigida de forma clara e compreensível no sentido do artigo 4.° da Diretiva 93/13. O Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente a esta questão (55), atribuindo ao juiz nacional a tarefa de, no âmbito de uma apreciação casuística, analisar se a cláusula em causa preenche as condições de clareza e de compreensibilidade acima referidas.

119. Tem grande relevância no contexto da questão controvertida o facto de, na referida decisão, o Tribunal de Justiça ter afirmado, simultaneamente, de forma implícita nas suas considerações a possibilidade de controlo dessa cláusula (56). O facto de no processo Pohotovosť estar em causa uma omissão de indicação e não, como no caso vertente, uma indicação errada é, em termos de valor, irrelevante para a questão de uma eventual aplicabilidade desta jurisprudência ao presente processo, tanto mais que em ambos os casos se trata de informações pertinentes, que, contrariamente ao disposto expressamente pelo direito da União, não foram integradas no contrato de crédito. Ambas as situações têm o mesmo objeto contratual, pelo que, em princípio, é possível um controlo do conteúdo. Porém, isto depende, em última análise, da questão de saber se as condições de clareza e de compreensibilidade estão preenchidas, o que deve ser apreciado de acordo com a jurisprudência do próprio órgão jurisdicional competente (57).

iii) Caráter abusivo da cláusula contratual

120. Nas competências do órgão jurisdicional nacional inclui‑se, além disso, a avaliação no caso concreto do caráter abusivo da cláusula em questão. Esta avaliação deve ser efetuada com base nos critérios gerais definidos pelo legislador da União nos artigos 3.°, n.° 1 e 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 (58). Como o Tribunal de Justiça constatou no acórdão Pannon GSM (59), o artigo 3.° da Diretiva define de forma abstrata os elementos que conferem um caráter abusivo a uma cláusula contratual que não foi objeto de uma negociação individual, ao passo que o anexo para o qual remete o artigo 3.°, n.° 3, da Diretiva contém uma lista indicativa e não exaustiva de cláusulas que podem ser declaradas abusivas.

121. A questão de saber se a qualificação de uma prática comercial como «desleal» no sentido da Diretiva 2005/29 pode, em última instância, influenciar a qualificação de uma cláusula como «abusiva» no sentido da Diretiva 93/13, como presume o órgão jurisdicional de reenvio no âmbito da segunda parte da sua questão, só pode ser respondida, na minha opinião, através da interpretação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13. Como foi recentemente esclarecido no acórdão Pénzügi Lízing (60), os critérios gerais acima evocados previstos pela Diretiva estão igualmente sujeitos à competência interpretativa do Tribunal de Justiça.

122. Esta disposição prevê, em concreto, que o caráter abusivo de uma cláusula contratual poderá ser avaliado «em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa». Através da formulação ampla desta disposição, o órgão jurisdicional nacional é convidado a ter em consideração não só o conteúdo literal do contrato, mas também uma multiplicidade de outros elementos relevantes (61).

123. Porém, por maioria de razão, devem ter‑se igualmente em consideração os elementos associados a determinadas valorações jurídicas do legislador. Esta interpretação é corroborada pelo facto de, segundo esta disposição, deverem ser tidas em consideração expressamente «todas as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato». Quer o sentido e a finalidade normativa do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, quer a relação existente entre ambas as Diretivas no direito de proteção dos consumidores da União sugerem que essas circunstâncias englobam igualmente aqueles comportamentos que, nos termos da definição de «práticas comerciais» contida no artigo 2.°, alínea d), da Diretiva 2005/29, têm por objetivo atrair a clientela tendo em vista a celebração de contratos com os consumidores. Um indicador forte a favor desta interpretação encontra‑se no décimo quinto considerando da Diretiva 93/13, segundo o qual na apreciação do caráter abusivo das cláusulas «é necessário dar especial atenção à questão de saber se o consumidor foi de alguma forma incentivado» (62).

124. A meu ver, neste ponto, a eventual qualificação de uma prática comercial como «desleal» ao abrigo dos critérios estipulados na Diretiva 2005/29 deve inserir‑se na apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual. A denominação «desleal» no sentido da Diretiva 2005/29 define nada mais do que uma influência desaprovada pelo legislador da União sobre a capacidade de apreciação e liberdade de decisão do consumidor. Além disso, importa salientar que o caráter desleal de uma prática comercial expresso através desse tipo de influência fornece igualmente, em última instância, informações relativamente a um elemento essencial a ter em conta no âmbito da apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual, nomeadamente, se o profissional agiu, eventualmente, em violação da exigência de boa fé consagrada no n.° 1 do artigo 3.° da Diretiva 93/13. Isto resulta expressamente do décimo quinto considerando da Diretiva 93/13. Neste contexto, o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 pode, de certo modo, ser considerado uma porta de entrada para valorações baseadas no direito da concorrência desleal.

125. A convergência na finalidade de proteção de ambas as Diretivas, como já indiquei (63), é visível no facto de uma influência indevida na formação da vontade do consumidor por parte do profissional na sequência de uma prática comercial desleal dar lugar muitas vezes a um desequilíbrio nas relações contratuais em prejuízo do consumidor (64). No entanto, isto não significa, de modo algum, que o caráter desleal de uma prática comercial indique automaticamente o caráter abusivo de uma cláusula contratual. Pelo contrário, a apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual deverá efetuar‑se, em primeira linha, com base nas disposições da Diretiva 93/13, na qualidade de direito diretamente invocável. O facto de a prática comercial, que conduziu à celebração do contrato de crédito, dever ser qualificada de «desleal» pode revestir importância, quando muito, como um elemento, entre vários, no qual o juiz competente poderá apoiar a sua apreciação nos termos do artigo 4.° da Diretiva 93/13 (65). A este respeito, há que concordar com o Governo alemão (66) em que a existência de uma prática comercial desleal apenas pode ter incidência indireta na determinação do caráter abusivo de uma cláusula contratual.

d)      Conclusão

126. Nestas condições, há que responder à segunda parte desta questão que a Diretiva 2005/29 deve ser interpretada no sentido de que a constatação do caráter desleal de uma prática comercial não tem qualquer incidência direta na questão de saber se o contrato de crédito celebrado no quadro dessa prática comercial é válido.

3.      Síntese das conclusões

127. Da análise precedente conclui‑se que o comportamento de um profissional que menciona no contrato uma taxa anual de encargos efetiva global inferior à real, preenche os critérios, tal como estão definidos na Diretiva 2005/29, para uma qualificação como prática comercial desleal (67). Ainda que esta Diretiva não afete, em princípio, a validade de contratos individuais (68), há que constatar que inclui determinadas valorações que foram adotadas pelo legislador da União e que devem ser tidas igualmente em consideração pelo juiz nacional na apreciação do caráter abusivo de uma cláusula contratual. O juiz nacional está a tal obrigado pelo artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13, tanto mais que essa apreciação deve efetuar‑se igualmente «mediante consideração de todas as circunstâncias que rodearam a celebração do contrato». Nas referidas valorações insere‑se igualmente a desaprovação de uma determinada prática comercial, por exemplo, sob a forma de uma influência indevida por parte do profissional sobre a faculdade de julgamento e liberdade de decisão do consumidor. A existência de uma prática comercial desleal pode ser utilizada como um indício do caráter abusivo de uma cláusula contratual, contudo, esta circunstância não exime o juiz nacional do seu dever de proceder a essa apreciação com base em todas as circunstâncias do caso (69).

VII – Conclusão

128. À luz das reflexões expostas, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais apresentadas pelo Okresný súd Prešov declarando que:

«1)      O artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, deve ser interpretado no sentido de que a subsistência de um contrato celebrado com os consumidores que contenha cláusulas abusivas não depende do facto de a manutenção do contrato ser mais favorável ao consumidor. No entanto, esta disposição não impede os Estados‑Membros de preverem nos respetivos direitos nacionais para casos deste tipo a consequência jurídica da nulidade total do contrato.

2)      A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 (‘Diretiva relativa às práticas comerciais desleais’), deve ser interpretada no sentido de que o comportamento de um profissional, que consiste em mencionar no contrato uma taxa anual de encargos efetiva global inferior à real, preenche os critérios para uma qualificação como prática comercial desleal.

A existência desta prática comercial desleal não tem, contudo, qualquer incidência direta na apreciação do caráter abusivo e da validade de uma cláusula ou da totalidade do contrato de crédito, nos termos da Diretiva 93/13. No entanto, a existência desta prática comercial desleal pode ser entendida como uma das circunstâncias que rodearam a celebração do contrato, que o juiz nacional competente terá em consideração na sua apreciação nos termos do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 93/13.»


1 – Língua original: alemão. Língua do processo: eslovaco.


2 – Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO L 95, p. 29).


3 – Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.° 2006/2004 («Diretiva relativa às práticas comerciais desleais») (JO L 149, p. 22).


4 – Diretiva 87/102/CEE do Conselho, de 22 de dezembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao crédito ao consumo (JO L 42, p. 48).


5 – Diretiva 2008/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de abril de 2008, relativa a contratos de crédito aos consumidores e que revoga a Diretiva 87/102/CEE do Conselho (JO L 133, p. 66).


6 – Despacho do Tribunal de Justiça de 16 de novembro de 2010 (C‑76/10, Colet., p. I‑11557).


7 – V. acórdãos de 27 de junho 2000, Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (C‑240/98 a C‑244/98, Colet., p. I‑4941, n.° 25), e de 26 de outubro de 2006, Mostaza Claro (C‑168/05, Colet., p. I‑10421, n.° 25).


8 – V. acórdãos Mostaza Claro (já referido na nota 7, supra, n.° 36) e de 4 de junho de 2009, Pannon GSM (C‑243/08, Colet., p. I‑4713, n.° 25).


9 – V. acórdãos Océano Grupo Editorial e Salvat Editores (já referido na nota 7, supra, n.° 27) e Mostaza Claro (já referido na nota 7, supra, n.° 26) e de 6 de outubro de 2009, Asturcom Telecomunicaciones (C‑40/08, Colet., p. I‑9579, n.° 31).


10 – Acórdão Asturcom Telecomunicaciones (já referido na nota 9, supra, n.° 32).


11 – Acórdãos de 21 de novembro de 2002, Cofidis (C‑473/00, Colet., p. I‑10875, n.° 32), e Mostaza Claro (já referido na nota 7, supra, n.° 27).


12 – Acórdãos Cofidis (já referido na nota 11, supra, n.° 33) e Mostaza Claro (já referido na nota 7, supra, n.° 28).


13 – Conclusões do advogado‑geral A. Tizzano apresentadas em 22 de setembro de 2005 no processo Ynos (C‑302/04, Colet., p. I‑371).


14 – Ibidem (n.° 80).


15 – Neste sentido, Pfeiffer, T., in Das Recht der Europäischen Union (coordenação de E. Grabitz/M. Hilf), vol. IV, A5, artigo 6, n.° 10, p. 3, o qual conclui da redação do artigo 6.°, n.° 1, segundo período, da Diretiva que as consequências jurídicas do caráter abusivo de uma cláusula (consoante os direitos nacionais: inexistência, nulidade absoluta ou relativa ou inoponibilidade da cláusula) devem, em regra, limitar‑se às cláusulas abusivas, o que significa simultaneamente que o resto do contrato continua a ser válido.


16 – Na sua jurisprudência, o Tribunal de Justiça refere frequentemente o princípio da autonomia privada nas suas diversas expressões. V. acórdãos de 9 de março de 2006, Werhof (C‑499/04, Colet., p. I‑2397, n.° 23), de 5 de outubro de 1999, Espanha/Comissão (C‑240/97, Colet., p. I‑6571, n.° 99), de 30 de abril de 1998, Bellone/Yokohama (C‑215/97, Colet., p. I‑2191, n.° 14), e de 10 de julho de 1991, Neu e o. (C‑90/90 e 91/90, Colet., p. I‑3617, n.° 13).


17 – Conclusões apresentadas no processo Ynos (já referidas na nota 13, supra, n.° 79).


18 – Neste contexto, há que ter em consideração que, juntamente com objetivo do mercado comum, o legislador da União pressupôs, simultaneamente, o princípio da autonomia privada, que se manifesta na já mencionada liberdade de celebração de contratos. A autonomia privada, a economia de mercado e a concorrência são interdependentes (v. Riesenhuber, K., Privatrechtsgesellschaft: Entwicklung, Stand und Verfassung des Privatrechts, Tübingen 2007, pp. 13 e segs.). A autonomia privada pressupõe a existência de um mercado e conduz ao estabelecimento da concorrência; a proteção da concorrência contra falseamentos assegura a existência do mercado e, com isto, a liberdade de escolha dos interessados. O princípio da livre configuração das relações jurídicas pelos particulares de acordo com a sua vontade constitui o núcleo comum das liberdades fundamentais, que estendem a possibilidade do comércio autónomo‑privado para além das fronteiras dos Estados‑Membros.


19 – Kapnopoulou, E., Das Recht der missbräuchlichen Klausel in der Europäischen Union, Tübingen 1997, p. 152, não vislumbra, em todo o caso, qualquer possibilidade de manutenção do contrato quando as lacunas que esse contrato apresente após serem identificadas as cláusulas abusivas, se revelem, em última análise, demasiado extensas.


20 – Para a subsistência do contrato é necessário que este possa subsistir — de acordo com a versão alemã — «auf derselben Grundlage» [coma mesma base]. Com esta formulação algo confusa, entende‑se uma subsistência, quanto ao resto, nas mesmas condições. Isto decorre da comparação com outras versões linguísticas, que referem unanimemente as condições contratuais (em francês: «selon les mêmes termes»; em inglês: «upon these terms»; em italiano: «secondi i medesimi termini»; em espanhol: «en los mismos términos».). Esta condição está preenchida quando o contrato, de acordo com o seu objetivo e a sua natureza jurídica, pode igualmente subsistir sem as cláusulas abusivas (v. Pfeiffer, T., op. cit. [nota 16], n.° 11, p. 3).


21 – V. despacho Pohotovosť (já referido na nota 6, supra, n.° 61).


22 – Acórdão de 21 de novembro de 2002, Freiburger Kommunalbauten (C‑237/02, Colet., p. I‑3403).


23 – Ibidem, n.° 21.


24 – Ibidem. As consequências decorrentes da constatação do caráter abusivo de uma cláusula contratual podem variar consoante a ordem jurídica. É sobretudo por esta razão que o artigo 6.°, n.° 1, da Diretiva 93/13 estipula, de modo imparcial, que as cláusulas abusivas não devem «vincular» o consumidor. Esta disposição limita‑se a prescrever um certo resultado cuja realização deve ser garantida pelos Estados‑Membros aquando da transposição da Diretiva, sem determinar, todavia, em concreto, se a cláusula em causa deve ser declarada nula ou ineficaz. Isso compete, pelo contrário, ao direito nacional, que deve indicar quais as consequências jurídicas exactas. A utilização de conceitos neutros pelo legislador da União baseia‑se, em última análise, no conhecimento da diversidade de regimes de direito civil na União (v. quanto à origem do direito civil europeu, Rainer, M., Introduction to Comparative Law, Viena 2010, pp. 27 e segs.).


25 – V. Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 19), p. 151, que salienta que a Diretiva 93/13 não prevê um conceito exclusivo de sanção jurídica. A Diretiva apenas fornece orientações e, no que toca a disposições precisas relativas às diferentes sanções jurídicas, remete para os direitos dos Estados‑Membros. Compete às ordens jurídicas nacionais determinar como se deverá proceder relativamente às lacunas criadas nos contratos. Consoante a configuração de cada caso, poderá considerar‑se o recurso a normas supletivas, a integração do contrato, a sua reinterpretação ou a nulidade total do contrato.


26 – V. acórdão de 3 de junho de 2010, Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (C‑484/08, Colet., p. I‑4785, n.os 28 e 29).


27 – Ibidem (n.os 28 e 29).


28 – No exercício da autorização prevista pelo artigo 8.° da Diretiva, os Estados‑Membros devem respeitar os limites gerais do direito da União. Por estes deve entender‑se o direito primário, incluindo as liberdades fundamentais, bem como o restante direito derivado [v. Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 19), p. 163].


29 – Como esclarece pertinentemente Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 19), p. 162, os Estados‑Membros devem apenas prever disposições que representem um «aumento» face ao nível de proteção concedido pela Diretiva 93/13 e não, por exemplo, uma alternativa ou uma redução.


30 – V. n.° 67 das presentes conclusões.


31 – Em articulação com a atividade específica de concessão de créditos a título profissional deve ter‑se, especialmente, em consideração a livre prestação de serviços e, em menor medida, também a livre circulação de capitais [v. acórdão de 3 de outubro de 2006, Fidium Finanz (C‑452/04, Colet., p. I‑9521, n.° 43); v., quanto à livre prestação de serviços, Weiss, F./Wooldridge, F., Free Movement of Persons within the European Community, 2.ª ed., Alphen aan den Rijn 2007, pp. 123 e segs.). Nos contratos de compra de bens móveis, seria, pelo contrário, relevante a livre circulação de mercadorias.


32 – V. acórdãos de 9 de novembro de 2010, Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag (C‑540/08, Colet., p. I‑10909, n.os 27 e 30), de 14 de janeiro de 2010, Plus Warenhandelsgesellschaft (C‑304/08, Colet., p. I‑217, n.° 41), e de 23 de abril de 2009, VTB‑VAB e Galatea (C‑261/07 e C‑299/07, Colet., p. I‑2949, n.° 52).


33 – V. as minhas conclusões apresentadas em 3 de setembro de 2009 no processo Plus Warenhandelsgesellschaft (acórdão já referido na nota 32, supra , n.° 74)


34 – V. acórdão Mediaprint Zeitungs‑ und Zeitschriftenverlag (já referido na nota 32, supra, n.° 17).


35 – V. Orlando, S., «The Use of Unfair Contractual Terms as an Unfair Commercial Practice», European Review of Contract Law, vol. 7, 2007, n.° 1, p. 40, segundo o qual as práticas comerciais incluem todas as acções de um profissional, que possam influenciar a decisão do [consumidor] a respeito da conclusão de um contrato.


36 – V. n.° 13 das observações escritas do Governo eslovaco.


37 – Neste sentido, Orlando, S., op. cit. (nota 35), p. 35, que refere que o artigo 6.° da Diretiva 93/13 regula o tratamento jurídico a dar às cláusulas abusivas, isto é, regula um aspecto das relações jurídicas em contratos individuais entre profissionais e consumidores. Em termos semelhantes, também Tilmann, I., Die Klauselrichtlinie 93/13/EWG auf der Schnittstelle zwischen Privatrecht und öffentlichem Recht, p. 10, segundo o qual, dentre as Diretivas europeias em matéria de proteção dos consumidores, a Diretiva 93/13 reveste uma importância essencial sob o ângulo da uniformização do direito privado na UE, visto que esta Diretiva diz respeito ao direito dos contratos e, portanto, a uma área‑chave do direito privado. A legislação nacional dos Estados‑Membros aplicável aos contratos sofreu alterações consideráveis com a transposição desta Diretiva. Esta conduz a uma aproximação progressiva dos diferentes regimes de direito dos contratos, abrindo caminho à formação de um direito privado europeu. Em sentido análogo, também Basedow, J., «Grundlagen des europäischen Privatrechts», Juristische Schulung, 2004, p. 94, que considera a transposição da Diretiva 93/13 parte da uniformização do direito privado e salienta que a Diretiva 93/13 foi transposta para o direito nacional de diversas formas, como, por exemplo, em códigos civis nacionais (Alemanha, Itália, Países Baixos), em leis separadas sobre o consumo (Áustria, França, Grécia e, em parte, também Finlândia e Espanha), em leis especiais sobre as práticas comerciais (Bélgica), em contratos celebrados com os consumidores (Suécia) e nas condições gerais dos contratos (Espanha e Portugal), e ainda mediante um instrumento jurídico que reproduz quase literalmente a Diretiva (Reino Unido, Irlanda). No entender de Micklitz, H.‑W., «AGB‑Gesetz und die EG‑Richtlinie über missbräuchliche Vertragsklauseln in Verbraucherverträgen», Zeitschrift für Europäisches Privatrecht, 1993, p. 533, com a Diretiva 93/13, a União intervém, pela primeira vez, no núcleo essencial do direito civil.


38 – Como esclarece acertadamente Abbamonte, G., «The Unfair Commercial Practices Directive and its General Prohibition», The regulation of unfair commercial practices under EC Directive 2005/29 —New rules and new techniques, Norfolk 2007, p. 16, o facto de um consumidor ter celebrado um contrato por ter sido vítima de uma prática comercial desleal deve, do ponto de vista da Diretiva 2005/29, ser considerado irrelevante, uma vez que esta Diretiva não prevê quaisquer meios jurídicos que culminem na nulidade do contrato. Não obstante, a Diretiva 2005/29 não circunscreve as possibilidades de proteção jurídica atribuídas ao consumidor por força do direito dos Tratados. Por conseguinte, o consumidor deverá solicitar tutela jurisdicional perante um tribunal cível, pelo que o facto de o contrato ter sido celebrado graças a práticas comerciais desleais será um aspecto importante que o juiz cível deverá ter em consideração.


39 –      V. Orlando, S., op. cit. (nota 35), p. 38, o qual fala da necessidade de uma «coordenação normativa» entre as Diretivas 2005/29 e 93/13 a fim de minorar potenciais conflitos. O autor salienta acertadamente que a dificuldade de uma coordenação das Diretivas para efeitos interpretativos tem a sua origem na especial complexidade estrutural do direito da União. A articulação de diferentes Diretivas nem sempre se afigura evidente. Por conseguinte, nem sempre é fácil uma interpretação coerente que abarque todos os actos jurídicos.


40 – Deficiências a nível da harmonização mínima e das metodologias de sectores específicos levaram à necessidade de uma maior convergência e análise das disparidades existentes no direito do consumo da União (v. Alpa, G./Conte, G./Carleo, «La costruzione del diritto dei cosumatori», I diritti dei consumatori, coordenação de Guido Alpa, vol. 1, p. 5). A discussão relativa ao desenvolvimento do direito europeu do consumo remonta ao ano de 1999, quando o Conselho Europeu reconheceu, na declaração final de Tampere, a eventual necessidade de uma maior coordenação das legislações dos Estados‑Membros em matéria civil (v., a este respeito, Čikara, E., Gegenwart und Zukunft der Verbraucherkreditverträge in der EU und in Kroatien, Viena 2010, p. 47; v. quanto às iniciativas pontuais com vista à harmonização do direito da concorrência desleal, Wunderle, T., Verbraucherschutz im Europäischen Lauterkeitsrecht, Tübingen 2010, pp. 97 e segs.). A partir desse momento, os esforços da Comissão no sentido da consolidação do direito dos contratos começaram a intensificar‑se. A comunicação da Comissão de 2003 intitulada «Maior coerência no direito europeu dos contratos: Plano de ação» propôs o desenvolvimento de um «Quadro comum de referência» como um instrumento supletivo, que deveria apresentar regras comuns e uma terminologia comum do direito europeu dos contratos. Subsequentemente, o Study Group on a European Civil Code, na qualidade de rede internacional de investigadores, elaborou um estudo sobre o quadro comum de referência. Com base nestes trabalhos preparatórios, a Comissão Europeia designou, em abril de 2010, um grupo de peritos encarregado do quadro comum de referência do direito europeu dos contratos, que apresentou um estudo de viabilidade em 3 de maio de 2011. Este estudo constitui um sistema coerente de normas europeias em matéria de direito dos contratos, que poderia, no futuro, passar a ser utilizado como instrumento opcional de direito europeu dos contratos [v., a este respeito, igualmente o Livro Verde da Comissão sobre as opções estratégicas para avançar no sentido de um direito europeu dos contratos para os consumidores e as empresas COM(2010) 348 final, em especial, Opção 4]. Importa não esquecer, neste contexto, a proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho sobre os direitos dos consumidores cujo objetivo consiste em reduzir a dispersão legal existente no direito do consumo. A Posição do Parlamento Europeu aprovada em primeira leitura em 23 de junho de 2011 tendo em vista a aprovação dessa Diretiva prevê uma alteração da Diretiva 93/13 e da Diretiva 1999/44/CE relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas e uma revogação da Diretiva 85/577/CEE relativa aos contratos negociados fora dos estabelecimentos comerciais e da Diretiva 97/7/CE relativa aos contratos à distância, sendo que as duas últimas Diretivas devem ser substituídas por uma única Diretiva.


41 – Neste sentido, igualmente Orlando, S., op. cit. (nota 35), pp. 38 e 40, que refere a definição ampla do conceito de «práticas comerciais». Na sua opinião, com a Diretiva 2005/29, o legislador da União introduziu «direito geral» na ordem jurídica da União, ao introduzir uma série de normas que contêm princípios, conceitos e critérios gerais.


42 – V. sexto, sétimo e oitavo considerandos da Diretiva 2005/29, bem como o oitavo e o décimo quinto considerando da Diretiva 93/13.


43 – Neste sentido, Orlando, S., op. cit. (nota 35), p. 25, que se debruça sobre a questão de saber se a utilização de cláusulas abusivas no sentido da Diretiva 93/13 constitui, ao mesmo tempo, também uma prática comercial desleal no sentido da Diretiva 2005/29. Esta questão tem, em princípio, uma resposta afirmativa: essa utilização deve ser considerada, sobretudo, uma prática comercial enganosa, uma vez que, em regra, foi transmitida uma informação falsa ou o consumidor permanece numa situação de incerteza em relação aos seus direitos e obrigações decorrentes do contrato, especialmente, no que respeita aos direitos e obrigações resultantes das cláusulas contratuais abusivas (e, portanto, nulas). Além disso, o autor salienta que a formulação pouco clara e algo ambígua de cláusulas contratuais‑chave pode ser igualmente entendida como uma omissão de informações substanciais na acepção do artigo 7.° da Diretiva 2005/29.


44 – V. n.° 43 das observações escritas do Governo alemão.


45 – V. despacho Pohotovosť (já referido na nota 6, supra, n.° 68) e acórdão de 23 de março de 2000, Berliner Kindl Brauerei (C‑208/98, Colet., p. I‑1741, n.° 21).


46 – V. despacho Pohotovosť (já referido na nota 6, supra, n.° 70) e acórdão de 4 de março de 2004, Cofinoga (C‑264/02, Colet., p. I‑2157, n.os 26 e 27).


47 – V. n.° 14 das observações escritas do Governo eslovaco.


48 – Décimo considerando. O sublinhado é nosso.


49 – V. p. 11 do despacho de reenvio.


50 – V. Abbamonte, G., op. cit. (nota 38), p. 28, segundo o qual a apreciação de um incumprimento da diligência profissional está excluída quando, no caso concreto, se verifique a existência de uma prática comercial enganosa ou agressiva. Com efeito, uma prática comercial deste tipo viola automaticamente qualquer diligência profissional. Em termos semelhantes, igualmente Henning‑Bodewig, F., «Die Richtlinie 2005/29/EG über unlautere Geschäftspraktiken», Gewerblicher Rechtsschutz und Urheberrecht —Internationaler Teil, 2005, n.° 8/9, p. 631, que salienta que a cláusula geral do artigo 5.°, n.° 1 (que, por sua vez, é precisada no artigo 5.°, n.° 2) só é aplicável quando a situação de facto concreta não se incluir na «lista negra» das práticas comerciais desleais contida no anexo I da Diretiva e não se verificar nenhuma das situações exemplificadas (práticas comerciais enganosas ou agressivas) reguladas na cláusula geral.


51 – V. n.os 43 e segs. das presentes conclusões.


52 – V. n.os 81 e segs. destas conclusões.


53 – V. Abbamonte, G., op. cit. (nota 38), p. 16.


54 – V. acórdão Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (já referido na nota 26, supra, n.° 34).


55 – V. despacho Pohotovosť (já referido na nota 6, supra, n.° 77).


56 – Ibidem (n.° 73).


57 – V. acórdão Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (já referido na nota 26, n.° 32).


58 – V. acórdãos de 9 de novembro de 2010, Pénzügyi Lízing (C‑137/08, Colet., p. I-10847, n.° 40), Caja de Ahorros y Monte de Piedad de Madrid (já referido na nota, supra, 22, n.° 34), Freiburger Kommunalbauten (já referido na nota 22, supra, n.os 18, 19 e 21) e de 7 de maio de 2002, Comissão/Suécia (C‑478/99, Colet., p. I‑4147, n.os 11 e 17).


59 – Acórdão Pannon GSM (já referido na nota 8, supra, n.os 37 a 39).


60 – Acórdão Pénzügyi Lízing (já referido supra na nota 58, n.° 40).


61 – V. Brandner, H. E., «Maßstab und Schranken der Inhaltskontrolle bei Verbraucherverträgen», Monatsschrift für Deutsches Recht, 4/1997, p. 313.


62 – O sublinhado é nosso. Segundo Pfeiffer, T., op. cit. (nota 15), n.° 13, p. 5, no caso de lesão da liberdade de decisão, podem ser relevantes: situações de monopólio de facto ou de direito de uma parte contratante; dependência vital ou urgente de uma parte em relação à prestação; preparação e experiência comercial; exames prévios exaustivos realizados pelo consumidor, existência de uma agenda profissional volátil; existência de um contrato‑tipo; métodos de persuasão condenáveis (ex.: apelo imoral à boa vontade da família); minimização dos efeitos (ex.: nota «só para o processo») ou existência de um efeito de surpresa.


63 – V. n.° 900 das presentes conclusões.


64 – V. Kapnopoulou, E., op. cit. (nota 19), p. 152, segundo o qual o facto de o consumidor ter sido induzido a aceitar uma cláusula contratual e de ele não se ter oposto a essa «influência» constitui um indício da existência de um desequilíbrio no próprio contrato celebrado com o consumidor.


65 – Abbamonte, G., op. cit. (nota 38), p. 16, não tomou qualquer posição de modo explícito quanto à questão de saber se as valorações constantes da Diretiva 2005/29 se deveriam inserir na interpretação da Diretiva 93/13. Não obstante, o autor esclareceu que, em caso de concessão de tutela jurídica numa ação cível intentada pelo consumidor (para rescisão do contrato ou redução do preço), o juiz nacional tem de ter em consideração factos essenciais como, por exemplo, o uso de práticas comerciais desleais.


66 – V. n.° 51 das observações escritas do Governo alemão.


67 – V. n.° 108 das presentes conclusões.


68 – V. n.os 86 e 111 das presentes conclusões.


69 – V. n.os 120 e segs. das presentes conclusões.