Language of document : ECLI:EU:T:2022:509

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

7 de setembro de 2022 (*)

«Energia — Mercado interno da eletricidade — Regulamento (UE) 2019/942 — Decisão da Câmara de Recurso da ACER — Recurso de anulação — Ato insuscetível de recurso — Inadmissibilidade — Competência da ACER — Artigo 8.o do Regulamento (CE) n.o 713/2009 — Artigo 6.o, n.o 10, do Regulamento 2019/942 — Artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento (UE) 2015/1222 — Direito aplicável — Regulamento (UE) 2019/943»

No processo T‑631/19,

Bundesnetzagentur für Elektrizität, Gas, Telekommunikation, Post und Eisenbahnen (BNetzA), com sede em Bona (Alemanha), representada por H. Haller, N. Gremminger, L. Reiser, V. Vacha e C. Dietz‑Polte, advogados,

recorrente,

contra

Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), representada por P. Martinet e E. Tremmel, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada),

composto por: V. Tomljenović, presidente, V. Kreuschitz, F. Schalin, P. Škvařilová‑Pelzl (relatora) e I. Nõmm, juízes,

secretário: S. Jund, administradora,

vistos os autos, nomeadamente:

—        a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de setembro de 2019,

—        a contestação, a réplica e a tréplica apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral, respetivamente, em 16 de dezembro de 2019, 30 de janeiro de 2020 e 14 de abril de 2020,

—        vista a decisão do Tribunal Geral, sob proposta da Segunda Secção deste, de remeter o processo a uma formação de julgamento alargada, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral,

—        vista a decisão do Tribunal Geral (Segunda Secção alargada), sob proposta da juíza‑relatora, de colocar questões escritas às partes, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, a que estas responderam nos prazos fixados,

—        vista a decisão do presidente do Tribunal Geral, uma vez que um membro da Segunda Secção alargada estava impedido de participar, de designar outro juiz para completar a formação de julgamento,

após a audiência de 17 de novembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, a Bundesnetzagentur für Elektrizität, Gas, Telekommunikation, Post und Eisenbahnen (BNetzA), pede, por um lado, a anulação parcial da Decisão n.o 02/2019 da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), de 21 de fevereiro de 2019, relativa às propostas dos gestores de redes de transporte das regiões para o cálculo da capacidade Core, relativas a uma metodologia regional comum de cálculo da capacidade para o dia seguinte e intradiária (a seguir «decisão inicial») e, por outro, a anulação da Decisão A‑003‑2019 da Câmara de Recurso da ACER, de 11 de julho de 2019, que negou provimento ao seu recurso da decisão inicial (a seguir «decisão da Câmara de Recurso»).

 Antecedentes do litígio

2        O Regulamento (UE) 2015/1222 da Comissão, de 24 de julho de 2015, que estabelece orientações para a atribuição de capacidade e a gestão de congestionamentos (JO 2015, L 197, p. 24), enuncia uma série de requisitos relativos à atribuição de capacidade e à gestão de congestionamentos interzonais nos mercados para o dia seguinte e intradiários no setor da eletricidade. Estes requisitos incluem, nomeadamente, a determinação de uma metodologia comum de cálculo da capacidade coordenada (a seguir «CCM») em cada uma das regiões de cálculo da capacidade (a seguir «CCR»), em conformidade com as disposições da secção 3, intitulada «Metodologias de cálculo da capacidade», do capítulo 1 do título II do Regulamento 2015/1222. Esta secção do referido regulamento contém os artigos 20.o a 26.o, enunciando o artigo 20.o as regras quanto à «[i]ntrodução da metodologia de cálculo da capacidade baseada nos trânsitos».

3        Em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, e o artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1222, os operadores das redes de transporte (a seguir «ORT») de cada CCR são obrigados a adotar uma proposta para uma CCM nas suas respetivas CCR e a submetê‑la às entidades reguladoras nacionais (a seguir «ERN») em causa para validação.

4        Nos termos do artigo 9.o, n.os 10 e 12, do Regulamento 2015/1222, as ERN em causa tentam em seguida chegar a acordo e tomar uma decisão sobre a proposta de CCM dos ORT ou a sua alteração por estas últimas, a pedido das referidas ERN. Nos termos do artigo 9.o, n.os 11 e 12, do Regulamento 2015/1222, quando as ERN em causa não consigam chegar a esse acordo, a ACER adota uma decisão sobre a proposta de CCM dos ORT ou a sua alteração, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 10, do Regulamento (UE) 2019/942 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, que institui a Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2019, L 158, p. 22), anteriormente artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 713/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, que institui a Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (JO 2009, L 211, p. 1).

5        No caso em apreço, em 15 de setembro de 2017, os ORT da CCR Core (que inclui a Bélgica, a República Checa, a Alemanha, a França, a Croácia, o Luxemburgo, a Hungria, os Países Baixos, a Áustria, a Polónia, a Roménia, a Eslovénia e a Eslováquia) apresentaram às ERN da referida CCR, ao abrigo do artigo 9.o, n.o 7, e do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1222, para aprovação, duas propostas relativas, respetivamente, ao projeto regional de CCM para o dia seguinte e ao projeto regional de CCM intradiário, elaboradas em conformidade com esse mesmo regulamento.

6        Em 9 de março de 2018, as ERN da CCR Core solicitaram, nos termos do artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222, duas alterações relativas, respetivamente, a cada uma das duas propostas de CCM para o dia seguinte e intradiárias.

7        Em 4 de junho de 2018, os ORT solicitaram às ERN da CCR Core, nos termos do artigo 9.o, n.o 12, primeiro período, do Regulamento 2015/1222, uma alteração das duas propostas de CCM para o dia seguinte e intradiárias (a seguir, denominadas conjuntamente, «duas propostas alteradas de CCM»). A última das referidas ERN recebeu‑as em 19 de junho de 2018.

8        Por cartas de 20 de julho e 21 de agosto de 2018, a presidência do Fórum Regional dos Reguladores da Energia da CCR Core (a seguir «CERRF») informou a ACER, em substância, em nome de todas as ERN da referida região, de que estas não tinham chegado, nos termos do artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222, a um acordo unânime para validar as duas propostas alteradas de CCM, nem para pedir à ACER uma prorrogação do prazo de dois meses de que dispunham para tomar uma decisão, após a última apresentação das referidas propostas, nem para lhe pedir que adotasse ela própria uma decisão sobre as duas propostas alteradas de CCM.

9        Em 18 de setembro de 2018, as ERN da CCR Core transmitiram à ACER um «[d]ocumento não oficial de todas as [ERN] da [CCR] Core sobre o projeto regional dos ORT da [CCR] Core relativo [às duas propostas alteradas de CCM]» (a seguir «documento de 18 de setembro de 2018»), a fim de informar a ACER, em consonância com a comunicação do presidente do CERRF referida no n.o 8, supra, das suas posições comuns e divergentes respetivas. A este respeito, indicaram, nomeadamente, que as duas propostas alteradas de CCM não tinham em conta a totalidade dos pedidos de alterações das ERN, que as referidas propostas não eram suficientemente detalhadas nem eram perfeitamente coerentes e conformes com o Regulamento 2015/1222 e que não continham definições claras, transparentes e harmonizadas, bem como limiares e valores definidos e justificados. Acrescentaram que, dos 29 pontos distintos contidos nas duas propostas alteradas de CCM, 19 tinham sido aprovados pelas ERN, o que sugeriam que a ACER tivesse em conta, ao passo que 10 não o tinham sido.

10      Por força do artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222, na falta de acordo das ERN da CCR Core sobre as duas propostas alteradas de CCM, a ACER era obrigada, em conformidade com o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009, a decidir sobre as referidas propostas.

11      Na sequência de uma consulta pública lançada sobre as duas propostas alteradas de CCM e após ter cooperado com todas as ERN e ORT em causa, a ACER adotou, ao abrigo das disposições do artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222, a decisão inicial. Através da referida decisão, adotou as CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core, conforme figuravam nos anexos I e II dessa mesma decisão.

12      Em 23 de abril de 2019, a recorrente recorreu, ao abrigo do artigo 19.o do Regulamento n.o 713/2009, para a Câmara de Recurso da ACER (a seguir «Câmara de Recurso») da decisão inicial.

13      Por decisão da Câmara de Recurso, a referida câmara negou provimento ao recurso da decisão inicial.

 Pedidos das partes

14      A recorrente conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

—        a título principal, anular as disposições da decisão inicial, cuja lista se elenca de seguida, bem como a decisão da Câmara de Recurso, adotada no que lhes diz respeito:

—        artigo 5.o, n.os 5 a 9, do anexo I da decisão inicial;

—        artigo 10.o, n.o 4, segunda parte da frase, e artigo 10.o, n.o 5, do anexo I da decisão inicial;

—        artigo 16.o, n.o 2, segunda frase, e artigo 16.o, n.o 3, alínea d), vii), do anexo I da decisão inicial;

—        artigo 5.o, n.os 5 a 9, do anexo II da decisão inicial;

—        artigo 17.o, n.o 3, alínea d), vii), do anexo II da decisão inicial;

—        todas as disposições dos anexos I e II da decisão inicial que se remetem expressamente para as disposições acima referidas;

—        a título subsidiário, anular totalmente a decisão inicial e a decisão da Câmara de Recurso;

—        condenar a ACER nas despesas.

15      A ACER conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        negar provimento ao recurso na íntegra;

—        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

16      A ACER pede que o recurso seja julgado parcialmente inadmissível, na medida em que tem por objeto a decisão inicial.

17      Em primeiro lugar, sustenta, em substância, que, tendo em conta a competência da Câmara de Recurso para examinar decisões, como a decisão inicial, adotadas por ela própria e a regra do esgotamento do processo de recurso interno aplicável aos recorrentes normais, como a recorrente, só a decisão da Câmara de Recurso pode ser objeto de recurso de anulação. Em segundo lugar, em todo o caso, uma vez que o prazo de dois meses para a interposição de um recurso de anulação da decisão inicial, com fundamento no artigo 263.o TFUE, já tinha expirado no momento da interposição do presente recurso, este último é intempestivo e, por conseguinte, manifestamente inadmissível.

18      A recorrente contesta os argumentos da ACER. Em primeiro lugar, alega que a exigência de proteção jurisdicional efetiva implica que tanto a decisão da Câmara de Recurso como a decisão inicial possam ser objeto de fiscalização jurisdicional. Em segundo lugar, contesta que o prazo de interposição do recurso de anulação da decisão inicial tenha expirado, uma vez que estava obrigada a esgotar o processo de recurso interno na Câmara de Recurso antes de poder interpor recurso para os órgãos jurisdicionais da União Europeia.

19      Antes de mais, há que recordar que, como resulta do n.o 14, supra, os pedidos de anulação da recorrente têm por objeto tanto a decisão inicial como a decisão da Câmara de Recurso.

20      Em seguida, em primeiro lugar, há que observar que, na sua qualidade de ERN da República Federal da Alemanha, a recorrente é uma pessoa coletiva, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Ora, no que respeita a recursos interpostos por pessoas coletivas, o artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE especifica que «[o]s atos que criam os órgãos e organismos da União podem prever condições e regras específicas relativas aos recursos interpostos por pessoas singulares ou coletivas contra atos desses órgãos ou organismos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a essas pessoas».

21      Em segundo lugar, segundo jurisprudência constante, as regras processuais são geralmente aplicáveis na data em que entram em vigor (v. Acórdão de 26 de março de 2015, Comissão/Moravia Gas Storage, C‑596/13 P, EU:C:2015:203, n.o 33 e jurisprudência referida).

22      No caso em apreço, tratando‑se do organismo da União competente no setor da energia, há que fazer referência ao Regulamento 2019/942, que substituiu o Regulamento n.o 713/2009 e que entrou em vigor, em conformidade com o seu artigo 47.o, em 4 de julho de 2019, a saber antes da interposição do presente recurso, em 21 de setembro de 2019, e no período que intermediou entre a adoção da decisão inicial, em 21 de fevereiro de 2019, e a adoção da decisão da Câmara de Recurso, em 11 de julho de 2019. Este regulamento fixa, nomeadamente, as regras internas de funcionamento e de procedimento da ACER.

23      Ora, na medida em que o Regulamento 2019/942 não contém nenhuma derrogação à regra de direito transitório referida no n.o 21, supra, há que considerar que, à data da interposição do presente recurso, data em que se deve apreciar a admissibilidade do mesmo (v., neste sentido, Acórdão de 22 de junho de 2016, Whirlpool Europe/Comissão, T‑118/13, EU:T:2016:365, n.o 49, e Despacho de 21 de novembro de 2019, ZW/BEI, T‑727/18, não publicado, EU:T:2019:809, n.o 27 e jurisprudência referida), as regras processuais a ele aplicáveis e que determinam a sua admissibilidade eram as previstas no referido regulamento.

24      Em terceiro lugar, no que respeita às condições de interposição de um recurso de anulação da decisão inicial e da decisão da Câmara de Recurso no Tribunal de Justiça da União Europeia, resulta do artigo 28.o, n.o 1, e do artigo 29.o do Regulamento 2019/942, lidos à luz do considerando 34 deste mesmo regulamento, que as pessoas singulares e coletivas que pretendam contestar uma decisão da ACER de que são destinatárias ou que lhes diga direta e individualmente respeito podem recorrer à Câmara de Recurso e que, quando exista essa possibilidade, só podem recorrer para o Tribunal Geral da decisão da referida câmara.

25      Por último, o artigo 29.o do Regulamento 2019/942 precisa que «[a]s ações de recurso para anulação de uma decisão da ACER, ao abrigo [deste mesmo] regulamento […], podem ser interpostas junto do Tribunal de Justiça [da União Europeia] apenas após esgotado o processo de recurso referido no artigo 28.o [do mesmo regulamento]».

26      O artigo 28.o, n.o 1, e o artigo 29.o do Regulamento 2019/942, lidos à luz do considerando 34 deste mesmo regulamento, fixam as condições e as modalidades específicas relativas aos recursos de anulação, previstas no artigo 263.o, quinto parágrafo, TFUE, conforme adotadas pelo legislador da União no ato legislativo que institui a ACER, a saber o Regulamento 2019/942. Por conseguinte, a própria natureza do esgotamento do processo interno de recurso, previsto no artigo 28.o do Regulamento 2019/942, a que o artigo 29.o do mesmo regulamento se refere de forma explícita, implica que o juiz da União só intervenha, se for caso disso, para verificar o resultado final a que conduz o processo interno de recurso, a saber para examinar a decisão tomada após o esgotamento dessa via de recurso interno e, portanto, a decisão da Câmara de Recurso (v., por analogia, Acórdão de 28 de janeiro de 2016, Heli‑Flight/AESA, C‑61‑15 P, não publicado, EU:C:2016:59, n.os 81 e 82).

27      Assim, o recurso de anulação de uma decisão adotada pela ACER só pode, em caso de recurso interno interposto dessa decisão, ser considerado admissível na medida em que tenha por objeto a decisão da Câmara de Recurso que tenha negado provimento a esse recurso interno (v., por analogia, Acórdão de 28 de janeiro de 2016, Heli‑Flight/AESA, C‑61/15 P, não publicado, EU:C:2016:59, n.o 84) ou, sendo esse o caso, que tenha confirmado a decisão inicial. Isso tem como consequência que os fundamentos e argumentos do presente recurso que se baseiam em vícios específicos da decisão inicial e que não são suscetíveis de ser interpretados como tendo igualmente por objeto a decisão da Câmara de Recurso devem ser julgados inoperantes, uma vez que o juiz da União só se pronuncia sobre a legalidade desta última decisão (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Heli‑Flight/AESA, T‑102/13, EU:T:2014:1064, n.o 32).

28      No caso em apreço, a recorrente indicou, no n.o 84 da petição, que o presente recurso tinha por objeto a decisão inicial, na sua versão após a decisão da Câmara de Recurso. Assim, na medida em que esta última decisão assenta nos fundamentos acolhidos na decisão inicial, ou mesmo confirma os referidos fundamentos, implícita ou explicitamente, todos os fundamentos e argumentos do referido recurso que são dirigidos contra esses mesmos fundamentos devem ser considerados plenamente operantes para efeitos da fiscalização da legalidade da decisão da Câmara de Recurso e, portanto, em apoio do pedido de anulação na parte em que tem por objeto esta última decisão, sendo esse pedido o único admissível. Em contrapartida, na medida em que tem por objeto a decisão inicial, o pedido de anulação deve ser julgado inadmissível.

 Quanto ao mérito

29      A recorrente invoca, em substância, seis fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 9.o, n.os 7 e 12, do Regulamento 2015/1222, na medida em que a ACER excedeu os limites da sua competência. O segundo fundamento é relativo, em substância, a um erro de direito quanto à determinação do direito aplicável, na medida em que a Câmara de Recurso deveria ter aceitado fiscalizar a legalidade da decisão inicial à luz dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento (UE) 2019/943 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de junho de 2019, relativo ao mercado interno da eletricidade (JO 2019, L 158, p. 54). O terceiro fundamento é relativo a várias violações do Regulamento 2019/943. O quarto fundamento é relativo à violação do Regulamento 2015/1222. O quinto fundamento é relativo à violação do princípio da proporcionalidade. O sexto fundamento é relativo à violação do princípio da não discriminação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 9.o, n.os 7 e 12, do Regulamento 2015/1222, na medida em que a ACER excedeu os limites da sua competência

30      A recorrente sustenta que, ao adotar a decisão inicial, a ACER excedeu os limites da sua competência. A este respeito, em primeiro lugar, alega que, segundo o artigo 9.o, n.os 7 e 12, do Regulamento 2015/1222, a competência da ACER constitui uma competência subordinada e subsidiária, uma vez que esta só se tornou competente quando e na medida em que as ERN não chegaram a acordo para tomar uma decisão sobre as duas propostas alteradas de CCM. A recorrente sublinha que outras versões linguísticas do artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222, como a versão inglesa, estão formuladas de forma mais aberta do que a versão alemã, a que a ACER faz referência. Em segundo lugar, de acordo com a recorrente, o objetivo da regulamentação é alcançar CCM comuns, o que não implica que a ACER possa ignorar acordos parciais obtidos e requisitos formulados ao nível das ERN. Assim, a ACER deve ter em conta eventuais acordos parciais entre as ERN e apenas decidir sobre os pontos de desacordo residuais entre estas últimas. Em terceiro lugar, a recorrente explica que, na carta de 20 de julho de 2018, as ERN informaram formalmente a ACER de que não tinham chegado a um acordo completo sobre certos elementos‑chave das duas propostas alteradas de CCM e que lhe comunicariam posteriormente mais precisões sobre as discussões havidas entre elas a respeito desses elementos‑chave e de algumas outras questões, o que fizeram em seguida no documento de 18 de setembro de 2018. Por conseguinte, no momento em que a ACER recebeu a referida carta, já conhecia todas as posições das ERN e só dez pontos, concretamente precisados por estas últimas no documento de 18 de setembro de 2018, é que lhe foram apresentados para que decidisse sobre eles. Por conseguinte, foi erradamente que a ACER também se pronunciou, na decisão inicial, sobre pontos que não lhe foram submetidos para decisão, como resulta do documento de 18 de setembro de 2018. Em quarto lugar, a recorrente sublinha que a decisão inicial viola o princípio da subsidiariedade, segundo o qual, em geral, todas as instituições da União devem agir com contenção no âmbito das competências que lhes são atribuídas e, em especial, a ACER não deve ignorar os acordos parciais obtidos e os requisitos formulados ao nível das ERN.

31      A ACER contesta os argumentos da recorrente e conclui pela improcedência do primeiro fundamento. Em seu entender, foi com razão que, na sua decisão, a Câmara de Recurso declarou que era competente para adotar a decisão inicial e, ao fazê‑lo, agiu dentro dos limites da sua competência.

32      No caso em apreço, em conformidade com a determinação da admissibilidade do recurso e da utilidade dos fundamentos invocados em apoio deste, efetuada no n.o 28, supra, há que verificar se a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao não declarar, na sua decisão, que, ao adotar a decisão inicial, a ACER ultrapassou os limites da sua competência, como a recorrente tinha invocado em apoio do recurso nela interposto.

33      A este respeito, resulta da jurisprudência relativa às regras que regulam a competência das instituições, órgãos e organismos da União que a disposição que constitui a base jurídica de um ato e que habilita uma instituição da União a adotar o ato em causa deve estar em vigor à data da respetiva adoção (v. Acórdãos de 26 de março de 2015, Comissão/Moravia Gas Storage, C‑596/13 P, EU:C:2015:203, n.o 34 e jurisprudência, e de 3 de fevereiro de 2011, Cantiere navale De Poli/Comissão, T‑584/08, EU:T:2011:26, n.o 33 e jurisprudência referida).

34      No momento em que foi adotada a decisão da Câmara de Recurso, que é o único ato cuja legalidade a recorrente pode contestar no âmbito do presente recurso (v. n.o 28, supra), a saber em 11 de julho de 2019, o Regulamento 2019/942 já tinha entrado em vigor, era aplicável e tinha substituído o Regulamento n.o 713/209, anteriormente aplicável (v. n.o 22, supra). Além disso, o Regulamento 2015/1222 também estava em vigor e era aplicável, em conformidade com o seu artigo 84.o, desde 14 de agosto de 2015, a saber o vigésimo dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, em 25 de julho de 2015. Ora, o artigo 6.o, n.o 10, do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e o artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222 habilitavam a ACER, no prazo de seis meses, a decidir ou adotar decisões individuais sobre questões ou problemas de regulamentação com efeitos no comércio transfronteiriço ou na segurança da rede transfronteiriça abrangida pela competência das ERN, como a adoção das CCM para o dia seguinte e intradiárias de cada CCR, se as ERN competentes não tivessem chegado a acordo no prazo que lhes foi fixado para o efeito ou se as ERN competentes lhe tivessem apresentado um pedido conjunto nesse sentido. Na data da adoção da decisão da Câmara de Recurso, só estas disposições eram suscetíveis de oferecer uma base jurídica à referida decisão.

35      Assim, o exame do presente fundamento impõe que se interprete o artigo 6.o, n.o 10, do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e o artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222, a fim de verificar se estas disposições eram suscetíveis de fundamentar a competência da ACER para adotar definitivamente as CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core, conforme figuram nos anexos I e II da decisão da Câmara de Recurso.

36      A este respeito, importa recordar que, em conformidade com jurisprudência constante, para interpretar disposições do direito da União, há que ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte [v. Acórdãos de 11 de julho de 2018, COBRA, C‑192/17, EU:C:2018:554, n.o 29 e jurisprudência referida, e de 28 de janeiro de 2020, Comissão/Itália (Diretiva Luta Contra os Atrasos de Pagamento), C‑122/18, EU:C:2020:41, n.o 39 e jurisprudência referida].

37      No caso em apreço, os ORT da CCR Core, tal como estavam obrigados a fazê‑lo nos termos do artigo 9.o, n.o 1 e n.o 7, alínea a), e do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1222, apresentaram para aprovação a todas as ERN da referida CCR, propostas de CCM para o da seguinte e intradiárias para esta mesma CCR. Segundo o artigo 9.o, n.o 10, do Regulamento 2015/1222, as ERN deviam tomar decisões sobre essas propostas no prazo de seis meses após a sua receção pela última das ERN em causa. Todavia, na medida em que as referidas ERN formularam pedidos de alteração das propostas das CCM em causa, na sequência das quais os ORT lhes apresentaram, para aprovação, as duas propostas alteradas de CCM para o dia seguinte e intradiárias, estas dispunham, por força do artigo 9.o, n.o 12, do referido regulamento, de um prazo suplementar de dois meses para adotarem uma decisão sobre as referidas propostas retificadas, após a sua apresentação. Ora, é pacífico que as ERN da CCR Core não conseguiram, no prazo que lhes foi assim fixado, chegar a acordo sobre essas mesmas propostas retificadas, facto de que a ACER foi informada por cartas da presidência do CERRF de 20 de julho e de 21 de agosto de 2018.

38      Assim, como sustenta com razão a ACER, a competência desta última para decidir ou adotar uma decisão definitiva sobre as duas propostas alteradas de CCM para o dia seguinte e intradiárias assentava, no caso em apreço, na circunstância, referida no artigo 6.o, n.o 10, do Regulamento 2019/942 e no artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222, de as ERN da CCR Core não terem chegado a acordo sobre as referidas propostas no prazo de dois meses que lhes foi fixado para o efeito.

39      Ora, em primeiro lugar, não resulta dos termos do artigo 6.o do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e do artigo 9.o do Regulamento 2015/1222 que, no âmbito do exercício dessa competência e para além da obrigação que lhe incumbia, em aplicação do artigo 6.o, n.o 11, do Regulamento 2019/942, de consultar as ERN e os ORT em causa na fase da preparação da sua decisão, a ACER estivesse vinculada pelas observações apresentadas por estes últimos. Em especial, não resulta das referidas disposições que a competência da ACER se limite apenas aos aspetos sobre os quais as ERN não conseguiram chegar a acordo. Pelo contrário, o artigo 6.o, n.o 10, do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento n.o 713/2009, e o artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222 consideram as «questões de regulamentação» ou o «problema» como sendo inicialmente da competência das ERN, antes de, na falta de acordo entre estas últimas, ser da competência da ACER, como um todo indissociável de que as ERN, e depois a ACER, são globalmente chamadas a decidir sem efetuar tal distinção. Tendo em conta a sua formulação, o artigo 6.o do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e o artigo 9.o do Regulamento 2015/1222 devem portanto ser interpretados no sentido de que, não tendo as ERN competentes chegado a acordo sobre todos os aspetos do problema de regulamentação que lhes é apresentado no prazo que lhes é fixado para o efeito, a ACER está habilitada a decidir ou a adotar ela própria uma decisão sobre esse problema, sem que a sua competência se limite apenas às questões ou aos aspetos particulares sobre os quais o desacordo entre as referidas ERN se tiver cristalizado.

40      Esta conclusão não pode ser posta em causa pelo argumento da recorrente segundo o qual o texto da versão inglesa do artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222, que prevê que a ACER está habilitada a decidir sobre as propostas dos ORT «[w]here the competent regulatory authorities have not been able to reach an agreement» (sempre que as entidades reguladoras competentes não consigam chegar a acordo), poderia legitimar a ideia de que a competência da ACER está limitada apenas aos aspetos do problema de regulamentação em causa sobre os quais as ERN não tivessem chegado a acordo.

41      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, a formulação utilizada numa das versões linguísticas de uma disposição do direito da União não pode servir de base única à interpretação dessa disposição ou ter caráter prioritário em relação às outras versões linguísticas. Com efeito, as disposições do direito da União devem ser interpretadas e aplicadas de maneira uniforme, à luz das versões redigidas em todas as línguas da União (v. Acórdão de 6 de junho de 2018, Tarragó da Silveira, C‑250/17, EU:C:2018:398, n.o 20 e jurisprudência referida). Em caso de disparidade entre as diferentes versões linguísticas de um diploma do direito da União, a disposição em causa deve ser interpretada em função da economia geral e da finalidade da regulamentação de que constitui um elemento (v., neste sentido, Acórdão de 7 de julho de 2016, Ambisig, C‑46/15, EU:C:2016:530, n.o 48 e jurisprudência referida).

42      No caso em apreço, há que constatar que o texto da versão inglesa citada no n.o 40, supra, não formula uma regra substancialmente diferente da que resulta das outras versões linguísticas, como as versões checa, alemã ou francesa, que enunciam que a ACER é competente para decidir, respetivamente, «[p]okud příslušné regulační orgány nedokážou […] dosáhnout dohody», «[f]alls es den Regulierungsbehörden nicht gelingt, […] eine Einigung […] zu erzielen» ou «[l]orsque les autorités de régulation compétentes ne sont pas parvenues à un accord». Ora, a formulação destas outras versões linguísticas confirma a interpretação desta disposição no sentido indicado no n.o 39, supra.

43      Em segundo lugar, esta interpretação literal do artigo 6.o, n.o 10, do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e do artigo 9.o, n.o 12, do Regulamento 2015/1222 é corroborada pelo contexto e pelos objetivos prosseguidos pela regulamentação de que essas disposições fazem parte, conforme esclarecidos pelos trabalhos preparatórios desta última.

44      A este respeito, resulta da exposição de motivos da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria uma Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (COM/2007/530 final), que esteve na origem do Regulamento n.o 713/2009, que as disposições nela contidas se baseavam, nomeadamente, na constatação de que, «[e]mbora o mercado interno da energia se [tivesse] desenvolvido consideravelmente, continua[va] a haver um vazio na regulamentação das questões transfronteiriças» e que «[a] prática […] que exig[ia] a concordância de 27 reguladores e de mais de 30 operadores de redes de transporte para se chegar a acordo, não est[ava] a produzir resultados suficientes» e «não [tinha produzido] verdadeiras decisões sobre as difíceis questões que agora dev[iam] ser resolvidas». Por estes motivos, tinha sido decidido criar «[a] [a]gência [que] complementaria a nível europeu as funções de regulamentação desempenhadas a nível nacional pelas entidades reguladoras», nomeadamente através da atribuição de «[p]oderes de decisão individuais». Os referidos poderes eram atribuídos à ACER «[p]ara o tratamento de questões transfronteiriças específicas», nomeadamente para decidir «sobre o regime regulador aplicável a infraestruturas no território de mais de um Estado‑Membro», como acabou por ficar previsto no artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009.

45      Além disso, resulta da exposição de motivos da proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que institui a Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (COM/2016/863 final), que esteve na origem do Regulamento 2019/942, que as disposições nela contidas deviam, nomeadamente, permitir «adaptar a supervisão regulamentar aos mercados regionais». Em especial, já não parecia adequado às novas realidades destes mercados que «[t]odas as principais decisões regulamentares [fossem] […] adotadas pelos reguladores nacionais, mesmo nos casos em que [fosse] necessária uma solução regional comum» e que «[a] supervisão regulamentar continua[va] fragmentada, conduzindo a um risco de decisões divergentes e atrasos desnecessários». Por estes motivos, considerava‑se que «[o] reforço dos poderes da ACER para as questões transfronteiras que requer[iam] uma decisão regional coordenada contribuir[ia] para um processo de tomada de decisões mais eficaz e mais rápido em questões transfronteiras», observando‑se que «[a]s autoridades reguladoras nacionais, com poder de decisão na ACER sobre estas questões através de votação por maioria, continuariam a ser inteiramente envolvidas no processo». A atribuição à ACER de «competências adicionais limitadas» era considerada conforme com o princípio da subsidiariedade, na medida em que tinha lugar «em domínios em que a tomada de decisões nacionais fragmentadas sobre questões com relevância transfronteiriça conduziria a problemas ou incoerências para o mercado interno». Além disso, era considerada conforme com o princípio da proporcionalidade, na medida em que «[a] ACER dev[ia] assumir tarefas adicionais, especialmente no que respeita à exploração regional do sistema energético, mantendo, ao mesmo tempo, o papel central das [ERN] em matéria de regulamentação energética». É neste quadro que a proposta de regulamento, no seu «capítulo [I] […] defin[ia] um conjunto de novas atribuições para a ACER […] relativas à supervisão dos operadores nomeados do mercado da eletricidade e relacionadas com a aprovação dos métodos e da proposta relativa à adequação da produção e à prevenção de riscos». Estas novas atribuições da ACER foram nomeadamente formalizadas no artigo 6.o, n.o 10, do Regulamento 2019/942.

46      Da exposição de motivos destas propostas de regulamento decorre uma vontade clara do legislador da União de tornar a tomada de decisões sobre questões transfronteiriças, difíceis mas indispensáveis, mais eficaz e mais rápida, através de um reforço dos poderes de decisão individual da ACER que seja conciliável com a manutenção do papel central das ERN em matéria de regulação energética.

47      Isto corresponde igualmente a alguns dos objetivos prosseguidos pelos Regulamentos n.o 713/2009 e 2019/942. Com efeito, como recordado no considerando 10 do Regulamento 2019/942, anteriormente considerando 5 do Regulamento n.o 713/2009, os Estados‑Membros devem cooperar estreitamente entre si, removendo os obstáculos ao comércio transfronteiriço de eletricidade e gás natural, a fim de alcançar os objetivos da política energética da União, e foi instituído um organismo central independente, a saber a ACER, para colmatar a lacuna regulamentar existente a nível da União e contribuir para o funcionamento efetivo dos mercados internos da eletricidade e do gás natural. Assim, como indicado no considerando 11 do Regulamento 2019/942, anteriormente considerando 6 do Regulamento n.o 713/2009, a ACER deve assegurar que as funções de regulação desempenhadas pelas ERN são adequadamente coordenadas e, se necessário, completadas a nível da União. Dispõe assim, como é precisado nos considerandos 33 e 34 do Regulamento 2019/942, anteriormente nos considerandos 18 e 19 do Regulamento n.o 713/2009, de poderes de decisão próprios para desempenhar as suas funções de regulamentação de forma eficiente, transparente, fundamentada e, sobretudo, independente em relação aos produtores de eletricidade e de gás e aos ORT e aos consumidores. Deve exercer esses poderes velando pela conformidade dessas decisões com o direito da União em matéria de energia, sob o controlo da Câmara de Recurso, que faz parte da ACER sendo independente nesta última, e do Tribunal de Justiça da União Europeia.

48      Daqui resulta que a ACER foi nomeadamente dotada de poderes regulamentares e decisórios próprios, que exerce com toda a independência e sob a sua própria responsabilidade, a fim de poder substituir‑se às ERN quando a sua cooperação voluntária não lhes permita tomar decisões individuais sobre questões ou problemas específicos abrangidos pela sua competência regulamentar. Como indicado nos considerandos 11 e 45 do Regulamento 2019/942, anteriormente considerandos 6 e 29 do Regulamento n.o 713/2009, a ACER só se torna competente, para decidir, com toda a independência e sob a sua própria responsabilidade, sobre questões de regulamentação ou problemas importantes para o funcionamento eficaz dos mercados internos da eletricidade e do gás natural, quando e na medida em que, em conformidade com os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade expostos no artigo 5.o TUE, os objetivos prosseguidos pela União não tenham podido ser suficientemente alcançados pelos Estados‑Membros em causa, por falta de acordo global entre as suas ERN sobre questões de regulamentação ou problemas que eram inicialmente da sua competência.

49      Assim, a lógica do sistema subjacente ao artigo 6.o do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e ao artigo 9.o do Regulamento 2015/1222 é a de que, quando as ERN, ao nível dos Estados‑Membros, não conseguiram, no prazo que lhes foi fixado para o efeito, adotar uma decisão individual sobre questões de regulamentação ou sobre um problema da sua competência, que são importantes para o funcionamento eficaz dos mercados internos da eletricidade, como a elaboração das CCM regionais previstas no artigo 9.o, n.o 1 e n.o 7, alínea a), e no artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1222, a competência para a adoção dessa decisão passa a ser da ACER, sem que esteja previsto que uma parte dessa competência pode ser mantida, ao nível nacional, pelas ERN, por exemplo sobre certas questões de regulamentação ou certos aspetos do problema em causa sobre os quais estas tenham chegado a acordo.

50      Por outro lado, na medida em que a ACER exerce a sua competência com total independência e sob a sua própria responsabilidade, é com razão que a Câmara de Recurso indica, no n.o 157 da sua decisão, que esta não pode estar vinculada pela posição tomada pelas ERN competentes sobre algumas das questões de regulamentação ou alguns dos aspetos dos problemas que lhes foram apresentados e sobre os quais elas já tinham chegado a acordo, nomeadamente quando considera que essa posição não é conforme com o direito da União em matéria de energia. De resto, a recorrente também não contesta, no âmbito do presente recurso, essa apreciação da Câmara de Recurso.

51      Além disso, na medida em que foram atribuídos poderes de decisão próprios à ACER para lhe permitir cumprir as suas funções regulamentares de forma eficaz, o artigo 6.o do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e o artigo 9.o do Regulamento 2015/1222 devem ser entendidos no sentido de que autorizam a ACER a alterar as propostas dos ORT a fim de garantir a sua conformidade com o direito da União em matéria de energia, antes da sua aprovação. Este poder é indispensável para que a ACER possa cumprir eficazmente as suas funções regulamentares, uma vez que, como acertadamente sublinhou a Câmara de Recurso no n.o 150 da decisão recorrida, nenhuma disposição do Regulamento 2019/942, anteriormente Regulamento n.o 713/2009, ou do Regulamento 2015/1222, prevê, à semelhança do artigo 9.o, n.o 12, primeiro e segundo períodos, do Regulamento 2015/1222, no que respeita às ERN, que a ACER possa pedir aos ORT que alterem a sua proposta, antes de a aprovar. Com efeito, estas últimas disposições só são aplicáveis no âmbito do procedimento de coordenação e de cooperação entre diferentes ERN, na aceção do artigo 9.o, n.o 10, do Regulamento 2015/1222, a fim de facilitar um acordo entre elas, mas não em nome do poder decisório próprio atribuído à ACER na falta desse acordo, nos termos do artigo 9.o, n.o 12, terceiro período, do mesmo regulamento.

52      Por último, há que salientar que, no Regulamento 2019/942, anteriormente Regulamento n.o 713/2009, os poderes de decisão próprios atribuídos à ACER foram conciliados com a manutenção do papel central reconhecido às ERN em matéria de regulação energética, uma vez que, em conformidade com o artigo 24.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do referido regulamento, anteriormente artigo 17.o, n.o 3, do Regulamento n.o 713/2009, a ACER, na pessoa do seu diretor, só aprova ou adota as suas decisões após obtenção de parecer favorável do conselho de reguladores, no qual todas as ERN estão representadas juntamente com a Comissão Europeia, cabendo um voto a cada membro e decidindo esse mesmo conselho por maioria de dois terços, conforme previsto no artigo 21.o e no artigo 22.o, n.o 1, desse regulamento, anteriormente artigo 14.o do Regulamento n.o 713/2009.

53      Assim, a finalidade do artigo 6.o do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e do artigo 9.o do Regulamento 2015/1222, bem como o contexto em que estas disposições se inscrevem confirmam que, uma vez que as ERN competentes não chegaram a acordo sobre todos os aspetos do problema de regulamentação que lhes é apresentado, no prazo que lhes é fixado para o efeito, a ACER está habilitada a decidir ou adotar ela própria uma decisão sobre esse problema, sem prejuízo da manutenção do papel central reconhecido às ERN através do parecer favorável do conselho de reguladores e sem que a sua competência se limite apenas aos aspetos particulares sobre os quais o desacordo entre as referidas ERN se tiver cristalizado.

54      Em terceiro lugar, esta interpretação do artigo 6.o do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, e do artigo 9.o do Regulamento 2015/1222 não pode ser posta em causa à luz das circunstâncias específicas do caso em apreço.

55      Em primeiro lugar, resulta do artigo 9.o, n.o 1 e n.o 7, alínea a), e do artigo 20.o, n.o 2, do Regulamento 2015/1222 que cada uma das CCM regionais é concebida como um conjunto regulamentar indissociável, devendo dar lugar a uma aprovação única por parte das entidades reguladoras competentes. Foi, portanto, com razão que, no n.o 156 da sua decisão, a Câmara de Recurso sublinhou que «podia não ser possível decidir sobre um determinado aspeto das referidas CCM (objeto de desacordo [entre as ERN]) sem alterar outro aspeto [dessas mesmas CCM] (objeto de acordo [entre as referidas ERN]), atendendo às potenciais interações e aos efeitos cruzados [existentes] entre os diferentes aspetos [em causa]». De resto, a recorrente não contestou, no âmbito do presente recurso, esta apreciação da Câmara de Recurso nem demonstrou, a fortiori, que, no caso em apreço, as questões regulamentares ou os aspetos das CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core sobre os quais as ERN da referida CCR chegaram a acordo, como o atestou o documento de 18 de setembro de 2018, eram destacáveis das outras questões ou dos outros aspetos tratados nessas CCM.

56      Em segundo lugar, e na medida em que a recorrente se refere, a este respeito, ao conteúdo do documento de 18 de setembro de 2018, há que observar que este constitui um documento, emitido pelas ERN, que não é juridicamente vinculativo para a ACER e que não é suscetível de influenciar a determinação do alcance do artigo 6.o do Regulamento 2019/942, anteriormente artigo 8.o do Regulamento n.o 713/2009, ou do artigo 9.o do Regulamento 2015/1222, nem a determinação das competências ou dos deveres da ACER que daí decorrem. Em todo o caso, a alegação da recorrente de que o documento de 18 de setembro de 2018 distinguiu concretamente as questões regulamentares ou os aspetos das CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core sobre os quais as ERN da referida CCR tinham chegado a acordo daqueles sobre os quais não chegaram a tal acordo no prazo fixado e que, enquanto tais, eram da competência da ACER não é atestada pelo conteúdo desse documento.

57      Com efeito, no documento de 18 de setembro de 2018, as ERN da CCR Core constataram, de forma puramente informal, que as propostas dos ORT sobre as CCM para o dia seguinte e intradiárias dessa mesma CCR não respeitavam todos os requisitos do Regulamento 2015/1222, que estavam «longe de serem executórias» e que, portanto, não as podiam aprovar naquelas condições. Além disso, salientaram que as referidas propostas não assentavam em definições claras, transparentes e precisas, bem como em limiares e valores bem definidos e justificados. Estas observações atestam que a não aprovação das propostas dos ORT relativas às CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core pelas ERN competentes resultava menos, no caso em apreço, da existência de desacordos entre estas últimas sobre determinadas questões ou sobre certos aspetos precisos e concretos das referidas CCM do que da identificação de um problema geral sério de conformidade com o Regulamento 2015/1222 das propostas que os ORT lhes tinham submetido.

58      Por outro lado, e em todo o caso, resulta do documento de 18 de setembro de 2018 que, neste, as ERN da CCR Core constataram menos a existência de desacordos entre elas sobre determinadas questões regulamentares ou sobre certos aspetos precisos e concretos das CCM para o dia seguinte e intradiárias da referida CCR do que a impossibilidade de chegar a um acordo integral sobre essas questões ou esses aspetos. Com efeito, determinadas questões eram indicadas, no referido documento, tanto entre os pontos de acordo como de desacordo. Tal era, nomeadamente, o caso da metodologia para a seleção dos elementos críticos da rede e das contingências utilizados no cálculo da capacidade, da integração das capacidades atribuídas a longo prazo ou da metodologia para a validação da capacidade. Assim, mesmo admitindo que determinadas questões regulamentares ou certos aspetos precisos e concretos das CCM para o dia seguinte e intradiárias da referida CCR fossem destacáveis dos outros, não deixa de ser verdade que os pontos de acordo ou de desacordo entre as ERN da região Core a respeito das CCM para o dia seguinte e intradiárias da referida CCR não coincidiam, no caso em apreço, com questões regulamentares ou aspetos das referidas CCM claramente circunscritos.

59      Por último, resulta do conteúdo do documento de 18 de setembro de 2018 que as ERN da CCR Core esperavam da ACER que, no exercício da sua competência, controlasse e garantisse que as CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core contivessem as regras necessárias para evitar discriminação indevida entre o comércio interno e o comércio interzonal entre zonas de ofertas, como era exigido pelo artigo 21.o, n.o 1, alínea b), ii), do Regulamento 2015/1222, questão regulamentar sobre a qual não tinham podido chegar a um acordo integral. Ora, a prossecução desse objetivo podia implicar a revisão e, sendo caso disso, a alteração das regras sobre o cálculo da capacidade, a fim de assegurar a sua coerência com as regras especificamente destinadas a evitar qualquer discriminação entre as trocas internas e as trocas entre zonas de ofertas. De resto, resulta dos elementos dos autos que assim aconteceu no caso em apreço, uma vez que as disposições dos anexos I e II da decisão inicial, contestadas pela recorrente, foram adotadas para garantir o respeito do princípio da não discriminação no comércio interno e entre zonas de ofertas. Isto demonstra, novamente, que os pontos de acordo ou de desacordo entre as ERN da região Core a respeito das CCM para o dia seguinte e intradiárias da referida CCR não coincidiam necessariamente com questões regulamentares ou aspetos das referidas CCM claramente circunscritos.

60      Em terceiro e último lugar, quanto à alegação da recorrente relativa a uma violação do princípio da subsidiariedade, importa referir que esta não desenvolve, em seu apoio, nenhum argumento circunstanciado suscetível de demonstrar essa violação. No caso em apreço, a decisão inicial e a decisão da Câmara de Recurso foram adotadas de acordo com os procedimentos previstos no Regulamento n.o 713/2009 e no Regulamento 2015/1222, que, em conformidade com os princípios da atribuição, da subsidiariedade e da proporcionalidade enunciados no artigo 5.o TUE e como recordado, aliás, no considerando 29 do Regulamento 2019/942, preveem que a ACER só se torna competente para adotar decisões individuais sobre questões ou problemas regulamentares inicialmente abrangidos pela competência das ERN em circunstâncias claramente definidas e sobre questões relacionadas com o objeto para o qual foi instituída (v. n.os 37 e 48, supra). Em especial, estes procedimentos garantem que a ACER só intervenha a título subsidiário em relação às ERN, quando estas não chegaram a um acordo sobre questões de regulamentação ou problemas importantes para o funcionamento eficaz dos mercados internos da eletricidade (v. n.o 48, supra). Em todo o caso, há que salientar que, como já foi precisado nos n.os 52 e 53, supra, no Regulamento 2019/942, anteriormente Regulamento n.o 713/2009, os poderes de decisão próprios atribuídos à ACER foram conciliados com a manutenção do papel central reconhecido às ERN através do parecer favorável do conselho de reguladores. Por conseguinte, há que julgar improcedente a alegação da recorrente relativa à violação do princípio da subsidiariedade.

61      Tendo em conta todas as apreciações precedentes, há que declarar que a Câmara de Recurso não cometeu um erro de direito na medida em que, na sua decisão, não declarou que, ao adotar a decisão inicial, a ACER ultrapassou os limites da sua competência ao decidir sobre pontos das CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core que foram mencionados no documento de 18 de setembro de 2018 como tendo sido objeto de um acordo entre as ERN da referida CCR.

62      Por conseguinte, há que julgar improcedente o primeiro fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro de direito cometido pela Câmara de Recurso quanto à determinação do direito aplicável, na medida em que deveria ter aceitado fiscalizar a legalidade da decisão inicial à luz dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943

63      O segundo fundamento é relativo a um erro de direito cometido pela Câmara de Recurso, na sua decisão, na medida em que, em substância, não controlou a legalidade da decisão inicial à luz dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943, os quais a própria ACER deveria ter tido em conta nesta última decisão.

64      Em primeiro lugar, a recorrente acusa a Câmara de Recurso de não ter, em substância, aplicado os artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943, embora estes estivessem em vigor no momento em que adotou a sua decisão. Recorda que a fiscalização da legalidade de um ato da União se efetua com base na situação de facto e de direito existente no momento da adoção do referido ato. Ora, por um lado, alega que o Regulamento 2019/943 entrou em vigor em 4 de julho de 2019, ou seja após a adoção da decisão inicial, mas antes da adoção da decisão da Câmara de Recurso. Por outro lado, o presente recurso tem por objeto a decisão inicial, conforme confirmada pela decisão da Câmara de Recurso, a saber, em substância, duas decisões que formam uma única e mesma entidade jurídica. Por conseguinte, a Câmara de Recurso estava obrigada a aplicar o Regulamento 2019/943, a fortiori, na medida em que procedeu, na sua decisão, a um novo exame autónomo e completo do processo, o que lhe permitiu ter em conta novos desenvolvimentos jurídicos que entretanto ocorreram, como a entrada em vigor dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943.

65      Em segundo lugar, desde logo, a recorrente acusa a ACER de, na decisão inicial, ter violado o princípio da cooperação leal entre as instituições da União. A este respeito, sustenta que, no momento da adoção da decisão inicial, a ACER já tinha um conhecimento preciso dos requisitos determinantes contidos nos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943. Com efeito, antes de mais, esta última decisão foi adotada numa fase avançada do processo legislativo, em que os artigos acima referidos do referido regulamento foram definidos e adotados por todas as comissões competentes do Conselho da União Europeia e do Parlamento Europeu. Em seguida, a imprensa já tinha publicado relatórios circunstanciados sobre o novo Regulamento 2019/943. Além disso, a recorrente refere que, por correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2019, tinha chamado a atenção da ACER para os requisitos formulados nos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943 e para as suas dúvidas quanto à conformidade das CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core que a ACER tencionava adotar com os referidos requisitos. Por último, a recorrente salienta que, embora várias referências às disposições do novo Regulamento 2019/943 figurassem na decisão inicial, essas referências incidiam sobre aspetos que apoiavam a posição da ACER, o que constitui uma tomada em conta arbitrária e seletiva do futuro direito da União e, portanto, uma violação do princípio da cooperação leal.

66      Em segundo lugar, a recorrente acusa a ACER de, na decisão inicial, ter violado os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima. Alega que, segundo a jurisprudência (Acórdão de 22 de janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho, T‑115/94, EU:T:1997:3), o princípio da segurança jurídica pode impor, dentro de certos limites, que se tenham igualmente em conta atos jurídicos futuros, em especial quando esse ato é previsível, suficientemente determinado e incompatível com a regulamentação que deve ser adotada.

67      Em terceiro lugar, a recorrente afasta, por ser inoperante, a argumentação da ACER baseada numa violação potencial do princípio da não retroatividade. Em seu entender, importa, por um lado, distinguir a aplicação do direito da União futuro de uma obrigação para as instituições da União de integrarem, nas suas decisões, evoluções do direito futuro que são já previsíveis e, por outro, de se absterem de adotar medidas que estejam em contradição com atos jurídicos futuros de grau superior.

68      A ACER contesta os argumentos da recorrente e conclui pela improcedência do segundo fundamento. Em primeiro lugar, sustenta que, ao examinar a decisão inicial, a Câmara de Recurso devia controlar se, nessa decisão, tinha cometido um erro na determinação do direito aplicável. A este respeito, afirma que devia adotar as suas decisões com base na situação de facto e nas disposições jurídicas que existiam no momento da sua adoção. Ora, à data da adoção da decisão inicial, o Regulamento 2019/943 e, em especial, os seus artigos 14.o a 16.o ainda não estavam em vigor e nem sequer tinham sido definitivamente aprovados pelo legislador da União. Por conseguinte, foi com razão que não baseou a decisão inicial no Regulamento 2019/943, em especial nos artigos 14.o a 16.o do referido regulamento, e que, portanto, a Câmara de Recurso não procedeu ao exame da referida decisão à luz desses mesmos artigos, que tinham sido invocados pela recorrente no âmbito do recurso que interpôs. A ACER contesta igualmente os argumentos da recorrente quanto à natureza autónoma da fiscalização exercida pela Câmara de Recurso sobre a decisão inicial. Com efeito, em conformidade com as disposições do artigo 28.o, n.o 5, do Regulamento 2019/942, esta última não tem competência para substituir a decisão inicial pela sua própria decisão nem para decidir ela própria o processo. Quanto ao argumento da recorrente baseado na tomada em consideração pela Câmara de Recurso, na sua decisão, dos novos desenvolvimentos jurídicos ocorridos após a adoção da decisão inicial, isso não significa que a referida câmara esteja obrigada a verificar a compatibilidade da decisão inicial com certas disposições do Regulamento 2019/943 que entraram em vigor após a adoção desta.

69      Em segundo lugar, desde logo, a ACER alega que, no momento da adoção da decisão inicial, o processo legislativo relativo ao Regulamento 2019/943 ainda estava em curso e que este regulamento não fazia parte da ordem jurídica em vigor, pelo que não podia saber se este regulamento seria concretamente aprovado e, a fortiori, qual o seu conteúdo e a data exata da sua aprovação. Segundo a ACER, não era evidente nem previsível que a decisão inicial pudesse ser incompatível com certas disposições do Regulamento 2019/943 adotadas posteriormente. Por conseguinte, a ACER não podia basear a decisão inicial nas referidas disposições. Além disso, a ACER considera irrelevantes, por um lado, a questão de saber se as propostas legislativas eram ou não do seu conhecimento no momento da adoção da decisão inicial e, por outro, o facto de, nesta última decisão, ter feito referência à proposta de novo regulamento.

70      Em segundo lugar, a ACER sustenta que, ao contrário do processo que deu origem ao Acórdão de 22 de janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho (T‑115/94, EU:T:1997:3), no presente processo, no momento da adoção da decisão inicial, o Regulamento 2019/943 não tinha sido aprovado, pelo que não tinha nenhuma certeza quanto ao seu conteúdo exato nem quanto à data em que entraria em vigor. Por conseguinte, foi com razão que, na sua decisão, a Câmara de Recurso considerou que a solução aplicada no Acórdão de 22 de janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho (T‑115/94, EU:T:1997:3), não era transponível para o caso em apreço.

71      Em terceiro lugar, os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima não foram violados no caso em apreço, uma vez que a decisão inicial continha, no momento da sua adoção, disposições claras e cuja aplicação era previsível para os interessados.

72      Em quarto lugar, a ACER sublinha que os princípios da cooperação leal, do equilíbrio institucional, da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica não lhe permitem violar o direito em vigor e adotar uma decisão com base em simples propostas legislativas.

73      No caso em apreço, é pacífico que, no âmbito do recurso interno que interpôs na Câmara de Recurso, a recorrente invocou a existência de divergências ou de incoerências entre as CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core que tinham sido aprovadas pela ACER na decisão inicial e os requisitos que enquadram, por força dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943, a adoção de tais CCM.

74      Na sua decisão, a Câmara de Recurso rejeitou as acusações que lhe foram feitas pela recorrente com o fundamento de que os artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943 não eram pertinentes para fiscalizar a legalidade da decisão inicial, adotada pela ACER, uma vez que este regulamento ainda não era aplicável no momento da adoção da referida decisão.

75      Tendo a recorrente invocado especificamente, em apoio do segundo fundamento, uma violação das disposições pertinentes do Regulamento 2019/943, importa verificar, no âmbito do exame do referido fundamento, se a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito ao não ter controlado, na sua decisão, a legalidade das CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core que tinham sido aprovadas pela ACER na decisão inicial à luz dos requisitos que enquadram, por força dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943, a adoção de tais CCM.

76      A este respeito, importa recordar que, por um lado, o Regulamento 2019/943 procede, de acordo com o seu considerando 1, à reformulação do Regulamento (CE) n.o 714/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de julho de 2009, relativo às condições de acesso à rede para o comércio transfronteiriço de eletricidade e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1228/2003 (JO 2009, L 211, p. 15), em conformidade com o seu artigo 70.o. Por outro lado, o Regulamento 2019/943 tem por objeto, de acordo com o seu considerando 4, estabelecer regras que garantem o funcionamento do mercado interno da eletricidade.

77      Mais precisamente, os artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943 fazem parte da secção 1, intitulada «Atribuição de capacidades», do capítulo III, intitulado «Acesso à rede e gestão de congestionamentos», do referido regulamento. Dizem respeito, respetivamente, ao «[r]eexame das zonas de ofertas» (artigo 14.o), aos «[p]lanos de ação» (artigo 15.o) e aos «[p]rincípios gerais da atribuição de capacidades e gestão dos congestionamentos» (artigo 16.o). Os referidos artigos enquadram, portanto, a atribuição de capacidades nos mercados do comércio transfronteiriço de eletricidade para o dia seguinte e intradiários e determinam, assim, os requisitos que devem ser tidos em conta para efeitos da adoção das CCM para o dia seguinte e intradiárias. Por conseguinte, estes artigos contêm, em princípio, regras de direito material que regulam a adoção dessas CCM.

78      Por outro lado, importa recordar que uma regra de direito nova se aplica a partir da entrada em vigor do ato que a instaura e que, embora não se aplique às situações jurídicas constituídas e definitivamente adquiridas sob a vigência da lei anterior, aplica‑se aos efeitos futuros destas situações, bem como às novas situações jurídicas. Só assim não será, sob reserva do princípio da não retroatividade dos atos jurídicos, se a regra nova for acompanhada de disposições particulares que determinem de forma especial as suas condições de aplicação no tempo (v. Acórdãos de 14 de maio de 2020, Azienda Municipale Ambiente, C‑15/19, EU:C:2020:371, n.os 57 e jurisprudência referida, e de 15 de junho de 2021, Facebook Ireland e o., C‑645/19, EU:C:2021:483, n.o 100 e jurisprudência referida; v. igualmente, neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2015, A2A, C‑89/14, EU:C:2015:537, n.o 37 e jurisprudência referida).

79      Ora, o Regulamento 2019/943 foi adotado em 5 de junho de 2019 e, tendo a sua publicação ocorrido em 14 de junho de 2019, entrou em vigor em 4 de julho de 2019, em conformidade com o seu artigo 71.o, n.o 1, ou seja após a adoção da decisão inicial, que teve lugar em 21 de fevereiro de 2019, e antes da adoção da decisão da Câmara de Recurso, que teve lugar em 11 de julho de 2019. Importa acrescentar que, por força do artigo 71.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento 2019/943, por exceção ao princípio geral da sua aplicação a partir de 1 de janeiro de 2020, decorrente do artigo 71.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do referido regulamento, os seus artigos 14.o e 15.o são aplicáveis a partir da data de entrada em vigor deste mesmo regulamento, a saber a partir de 4 de julho de 2019. O mesmo se diga do artigo 16.o do Regulamento 2019/943, para efeitos da aplicação específica do artigo 14.o, n.o 7, e do artigo 15.o, n.o 2, deste mesmo regulamento. Resulta do que precede que, no momento da adoção da decisão inicial, os artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943 ainda não tinham entrado em vigor nem eram aplicáveis, embora já o fossem, é certo que com determinados limites no que respeita ao artigo 16.o, no momento da adoção da decisão da Câmara de Recurso.

80      No caso em apreço, a situação jurídica em causa corresponde à adoção definitiva pela ACER das CCM para o dia seguinte e intradiárias, cuja legalidade é contestada no âmbito do presente litígio.

81      A este respeito, importa sublinhar que as disposições processuais do artigo 28.o, n.o 5, do Regulamento 2019/942, que eram aplicáveis ao caso em apreço em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 21, supra, conferiam à Câmara de Recurso o poder de confirmar a decisão inicial ou de a remeter para a ACER em caso de desacordo. Estas disposições introduziram uma alteração em relação àquelas, anteriormente em vigor, do artigo 19.o, n.o 5, do Regulamento n.o 713/2009, que habilitavam a Câmara de Recurso a exercer todo e qualquer poder abrangido pela competência da ACER, ou a remeter o processo ao órgão competente desta. Ao abrigo do regime processual resultante do Regulamento 2019/942, a Câmara de Recurso já não pode alterar ela própria, como anteriormente, a decisão inicial que lhe foi submetida. No entanto, isso em nada altera o alcance e a extensão do controlo que exerce sobre a referida decisão.

82      Com efeito, há que considerar que, à semelhança do regime processual anteriormente aplicável, as decisões tomadas pela Câmara de Recurso em obediência aos procedimentos fixados no Regulamento 2019/942 se substituem às decisões inicialmente tomadas pela ACER (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 28 de janeiro de 2016, Heli‑Flight/AESA, C‑61/15 P, não publicado, EU:C:2016:59, n.o 84). Na hipótese de, como no caso em apreço, ser interposto um recurso na Câmara de Recurso de uma decisão da ACER relativa a CCM para o dia seguinte ou intradiárias, é a decisão da Câmara de Recurso a confirmar esta decisão que fixa definitivamente a posição da ACER sobre esta metodologia, na sequência de um exame completo da situação em causa, de facto e de direito, pela referida câmara, à luz do direito aplicável no momento em que decide.

83      Resulta das apreciações precedentes que as CCM cuja legalidade é contestada no âmbito do presente litígio foram definitivamente adotadas pela ACER à data em que a Câmara de Recurso adotou a sua decisão a confirmar a legalidade das CMM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core que tinham sido aprovados pela ACER na decisão inicial, a saber em 11 de julho de 2019.

84      Daqui resulta que, à data da entrada em vigor e de aplicação dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943, a saber em 4 de julho de 2019, as CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core ainda não tinham sido definitivamente adotadas pela ACER. Por conseguinte, nessa data, a situação em causa no caso em apreço, tal como definida no n.o 80, supra, devia ser analisada como uma situação jurídica futura e, portanto, nova ou, pelo menos, uma situação constituída, mas não definitivamente adquirida sob a vigência das regras anteriores, na aceção da jurisprudência acima referida no n.o 78, e as novas regras de direito material previstas por esses artigos e que eram contemporâneas deviam aplicar‑se imediatamente a esta.

85      Por conseguinte, no momento em que a Câmara de Recurso adotou a sua decisão, estava obrigada a verificar se as CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core que tinham sido aprovadas pela ACER na decisão inicial podiam ser legalmente confirmadas à luz das novas regras que enquadram a adoção de tais CCM, resultantes dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943, na medida em que estas já eram aplicáveis (v. n.o 79, supra).

86      Qualquer outra solução seria suscetível de conduzir a uma situação paradoxal na qual a ACER, através, eventualmente, da Câmara de Recurso, poderia introduzir no ordenamento jurídico metodologias que, no momento da sua adoção definitiva, por um lado, se baseassem numa regulamentação que já não seria aplicável e, por outro, não fossem conformes com a nova regulamentação, entretanto, aplicável.

87      Tendo em conta todas as apreciações precedentes, há que declarar que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito, na sua decisão, ao não verificar se as CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core que tinham sido aprovadas pela ACER na decisão inicial estavam em conformidade com os requisitos dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943 que tinham sido especificamente invocadas pela recorrente no seu recurso para a referida câmara, na medida em que estas eram aplicáveis. Só a resposta a esta questão podia permitir à Câmara de Recurso decidir, à luz das novas regras de direito material aplicáveis, resultantes dos artigos 14.o a 16.o do Regulamento 2019/943, remeter a adoção das CCM para o dia seguinte e intradiárias da CCR Core à ACER, para que as pusesse em conformidade com as referidas regras, ou confirmar a legalidade, relativamente a essas mesmas regras, das CCM que tinham sido aprovadas pela ACER, por uma decisão se substituiria então à decisão inicial.

88      Por conseguinte, há que julgar procedente o segundo fundamento, relativo a um erro de direito cometido pela Câmara de Recurso, na sua decisão, quanto à determinação do direito aplicável à situação em causa, o qual pôde ter um impacto sobre o mérito dessa decisão.

89      Assim, e sem que seja sequer necessário examinar os outros fundamentos e alegações invocados pela recorrente, há que anular a decisão da Câmara de Recurso.

 Quanto às despesas

90      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

91      Tendo a ACER sido vencida no essencial dos seus pedidos, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

decide:

1)      A Decisão A0012018 da Câmara de Recurso da Agência da União Europeia de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), de 11 de julho de 2019, é anulada.

2)      O recurso é julgado inadmissível quanto ao restante.

3)      A ACER é condenada nas despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de setembro de 2022.



*      Língua do processo: alemão.