Language of document : ECLI:EU:C:2022:120

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)

24 de fevereiro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social — Diretiva 79/7/CEE — Artigo 4.o, n.o 1 — Proibição de qualquer discriminação em razão do sexo — Trabalhadores do serviço doméstico — Proteção contra o desemprego — Exclusão — Desvantagem específica para os trabalhadores do sexo feminino — Objetivos legítimos de política social — Proporcionalidade»

No processo C‑389/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 2 de Vigo (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 2 de Vigo, Espanha), por Decisão de 29 de julho de 2020, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de agosto de 2020, no processo

CJ

contra

Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),

composto por: A. Prechal, presidente da Segunda Secção, exercendo funções de presidente da Terceira Secção, J. Passer, F. Biltgen, L. S. Rossi (relatora) e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: M. Szpunar,

secretário: L. Carrasco Marco, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 30 de junho de 2021,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de CJ, por J. de Cominges Cáceres, abogado,

—        em representação da Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS), por M. S. Amaya Pilares e E. Ablanedo Reys, letrados,

—        em representação do Governo espanhol, por M. J. Ruiz Sánchez e S. Jiménez García, na qualidade de agentes,

—        em representação da Comissão Europeia, por I. Galindo Martín e A. Szmytkowska, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 30 de setembro de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social (JO 1979, L 6, p. 24), bem como do artigo 5.o, alínea b), e do artigo 9.o, n.o 1, alíneas e) e k), da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (JO 2006, L 204, p. 23).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe CJ à Tesorería General de la Seguridad Social (TGSS) [Tesouraria Geral da Segurança Social (TGSS), Espanha], a respeito de um pedido de CJ para pagar contribuições de proteção contra o risco de desemprego.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 79/7

3        Nos termos do segundo considerando da Diretiva 79/7:

«Considerando que convém realizar o princípio da igualdade de tratamento em matéria de segurança social em primeiro lugar no que se refere aos regimes legais que asseguram uma proteção contra os riscos de doença, de invalidez, de velhice, de acidente de trabalho, de doença profissional e de desemprego bem como nas disposições relativas à assistência social na medida em que se destinem a completar os regimes acima referidos ou a substitui‑los.»

4        O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva aplica‑se:

a)      Aos regimes legais que assegurem uma proteção contra os seguintes riscos:

—        doença,

—        invalidez,

—        velhice,

—        acidente de trabalho e doença profissional,

—        desemprego;

[…]»

5        O artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:

«O princípio da igualdade de tratamento implica a ausência de qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta, quer indiretamente por referência, nomeadamente, ao estado civil ou familiar especialmente no que respeita:

—        ao âmbito dos regimes e às condições de acesso aos regimes,

[…]»

 Diretiva 2006/54

6        O artigo 1.o da Diretiva 2006/54, sob a epígrafe «Objetivo», tem a seguinte redação:

«A presente diretiva visa assegurar a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na atividade profissional.

Para o efeito, contém disposições de aplicação do princípio da igualdade de tratamento em matéria de:

[…]

c)      Regimes profissionais de segurança social.

[…]»

7        O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», enuncia, no seu n.o 1:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

b)      “Discriminação indireta”: sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;

[…]

f)      “Regimes profissionais de segurança social”: os regimes não regulados pela Diretiva [79/7], que tenham por objetivo proporcionar aos trabalhadores, assalariados ou independentes, de uma empresa ou de um grupo de empresas, de um ramo de atividade económica ou de um setor profissional ou interprofissional, prestações destinadas a completar as prestações dos regimes legais de segurança social ou a substituir estas últimas, quer a inscrição nesses regimes seja obrigatória ou facultativa.»

8        O artigo 5.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Proibição da discriminação», dispõe:

«Sem prejuízo do artigo 4.o, não haverá qualquer discriminação direta ou indireta em razão do sexo, no que respeita:

a)      Ao âmbito de tais regimes e às condições de acesso aos regimes,

b)      À obrigação de pagar as quotizações e ao cálculo destas,

[…]»

9        O artigo 9.o da mesma diretiva, sob a epígrafe «Exemplos de discriminação», prevê, no seu n.o 1:

«As disposições contrárias ao princípio da igualdade de tratamento incluem as que, direta ou indiretamente, se baseiam no sexo para:

[…]

e)      Fixar normas diferentes de concessão das prestações ou reservar estas últimas a trabalhadores de um dos sexos;

[…]

k)      Prever normas diferentes ou normas exclusivamente aplicáveis aos trabalhadores de determinado sexo, exceto na medida do previsto nas alíneas h) e j), em relação à garantia ou à manutenção do direito a prestações diferidas quando o trabalhador abandone o regime.»

 Direito espanhol

 LGSS

10      O artigo 251.o da Ley General de la Seguridad Social (Lei Geral da Segurança Social), na sua versão consolidada aprovada pelo Real Decreto Legislativo 8/2015 (Real Decreto Legislativo n.o 8/2015), de 30 de outubro de 2015 (BOE n.o 261, de 31 de outubro de 2015, p. 103291, e retificação BOE n.o 36, de 11 de fevereiro de 2016, p. 10898) (a seguir «LGSS»), sob a epígrafe «Proteção conferida», tem a seguinte redação:

«Os trabalhadores abrangidos pelo regime especial aplicável aos trabalhadores do serviço doméstico têm direito às prestações da segurança social nos termos e condições previstos no presente regime geral da segurança social, com as seguintes especificidades:

[…]

d)      A proteção conferida pelo regime especial aplicável aos trabalhadores do serviço doméstico não abrange a [proteção contra o] desemprego.»

11      O artigo 264.o da LGSS, sob a epígrafe «Pessoas protegidas», enuncia, no seu n.o 1:

«Estão abrangidos pela proteção contra o desemprego, desde que [tenham previsto] contribuições a esse título:

a)      os trabalhadores assalariados abrangidos pelo regime geral da segurança social;

[…]»

 Real Decreto 625/1985

12      O artigo 19.o do Real Decreto 625/1985, por el que se desarrolla la Ley 31/1984, de 2 de agosto, de protección por desempleo (Real Decreto 625/1985, Relativo à Execução da Lei n.o 31/1984, de 2 de agosto de 1984, sobre a Proteção contra o Desemprego), de 2 de abril de 1985 (BOE n.o 109, de 7 de maio de 1985, p. 12699, e retificação BOE n.o 134, de 5 de junho de 1985, p. 16992), sob a epígrafe «Contribuição», enuncia, no seu n.o 1:

«São obrigados a contribuir a título do risco de desemprego todas as empresas e trabalhadores abrangidos pelo regime geral e pelos regimes especiais de segurança social que ofereçam [uma] proteção contra esse risco. […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

13      CJ, empregada doméstica, trabalha para uma entidade patronal, pessoa singular. Desde janeiro de 2011, está inscrita no regime especial de segurança social aplicável aos trabalhadores do serviço doméstico (a seguir «regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico»).

14      Em 8 de novembro de 2019, CJ enviou à TGSS um pedido para pagar contribuições de proteção contra o desemprego, a fim de adquirir o direito às prestações de desemprego. Este requerimento era acompanhado do consentimento escrito da sua entidade patronal para o pagamento da contribuição pedida.

15      Por Decisão de 13 de novembro de 2019, a TGSS indeferiu o referido requerimento com o fundamento de que, estando CJ inscrita no regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico, a possibilidade de contribuir para este regime para obter uma proteção contra o desemprego era expressamente excluída pelo artigo 251.o, alínea d), da LGSS. Esta decisão foi confirmada por uma Decisão da TGSS de 19 de dezembro de 2019, tomada na sequência de um recurso hierárquico interposto por CJ.

16      Em 2 de março de 2020, CJ interpôs recurso da segunda decisão da TGSS para o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 2 de Vigo (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 2 de Vigo, Espanha). Como fundamento do seu recurso, CJ alega, em substância, que o artigo 251.o, alínea d), da LGSS comporta uma discriminação indireta em razão do sexo em matéria de segurança social em relação aos trabalhadores do serviço doméstico do sexo feminino, que constituem a quase totalidade deste grupo de trabalhadores.

17      A este respeito, CJ salienta que, apesar de os trabalhadores do serviço doméstico estarem protegidos contra uma situação de incapacidade temporária, quando esta perdura, acabam por perder o emprego, quer por mútuo acordo, quer pela resolução unilateral da entidade patronal, sem estarem protegidos contra o desemprego, contrariamente aos outros trabalhadores assalariados. Uma vez que a situação dos trabalhadores do serviço doméstico que perderam o emprego não é equiparada à dos trabalhadores inscritos na segurança social, a exclusão da proteção contra o desemprego implica igualmente a impossibilidade, para esses trabalhadores, de acederem a qualquer outra prestação ou subsídio subordinados à extinção do direito às prestações de desemprego. Assim, o artigo 251.o, alínea d), da LGSS coloca os referidos trabalhadores numa situação de desproteção social, que se traduz não só diretamente na impossibilidade de aceder às prestações de desemprego, mas também, indiretamente, na impossibilidade de beneficiar dos outros apoios sociais.

18      O órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto à compatibilidade desta disposição nacional com o direito da União. Sublinha que é facto assente entre as partes no processo principal que o grupo de trabalhadores inscritos no regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico é constituído quase exclusivamente por pessoas de sexo feminino. Aquele órgão jurisdicional considera, por conseguinte, que, na medida em que recusa aos trabalhadores do sexo feminino pertencentes a este grupo a possibilidade de acederem às prestações de desemprego, impedindo‑os de contribuir para cobrir esse risco, a referida disposição nacional constitui uma discriminação indireta em razão do sexo no acesso às prestações de segurança social. Considera que, na falta de qualquer fundamentação explícita a este respeito, esta discriminação não é justificada e pode, portanto, ser proibida pelas Diretivas 79/7 e 2006/54.

19      Nestas condições, o Juzgado de lo Contencioso‑Administrativo n.o 2 de Vigo (Tribunal do Contencioso Administrativo n.o 2 de Vigo) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem o artigo 4.o, n.o 1, da [Diretiva 79/7], sobre igualdade de tratamento[,] que impede qualquer discriminação em razão do sexo, quer direta quer indiretamente, na obrigação de contribuição para a segurança social, e o artigo 5.o, alínea b), da [Diretiva 2006/54], que prevê uma proibição idêntica de discriminação direta ou indireta em razão do sexo, no que respeita ao âmbito dos regimes sociais e às condições de acesso aos regimes, bem como à obrigação de pagar as quotizações e ao cálculo destas, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma norma nacional como o artigo 251.o, alínea d), da [Ley General de la Seguridad Social (Lei Geral da Segurança Social)], [que prevê que] “[a] proteção conferida pelo regime especial aplicável aos trabalhadores do serviço doméstico não abrange a [proteção contra o] desemprego”?

2)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, deve a referida disposição ser considerada um exemplo de discriminação proibida, na aceção do artigo 9.o, n.o 1, alíneas e) e/ou k), da [Diretiva 2006/54], na medida em que as destinatárias da norma em causa, artigo 251.o, alínea d), [da] LGSS, são quase exclusivamente mulheres?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

20      A TGSS e o Governo espanhol invocam a inadmissibilidade tanto do pedido de decisão prejudicial como das questões prejudiciais submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio.

21      No que respeita, em primeiro lugar, à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, alegam, em substância, que o litígio no processo principal tem por objeto, na realidade, não um pretenso direito de contribuir, mas o reconhecimento do direito às prestações de desemprego. Daqui resulta, em sua opinião, por um lado, que este litígio é artificial na medida em que CJ recorreu ao órgão jurisdicional de reenvio com base em motivos falaciosos. Por outro lado, consideram que, na medida em que esse reconhecimento é da competência das jurisdições sociais, o órgão jurisdicional de reenvio não é competente para conhecer deste litígio, enquanto jurisdição administrativa, pelo que não existe nenhum nexo entre a interpretação solicitada do direito da União e a resolução deste litígio.

22      Além disso, a TGSS sustenta que, na hipótese de o referido litígio ter por objeto efetivamente o reconhecimento de um direito de contribuir, a interpretação da Diretiva 79/7 não é necessária para o resolver, uma vez que a questão do alcance da ação protetora do regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico é distinta da questão do financiamento deste regime.

23      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito da cooperação entre este último e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, o juiz nacional a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade da decisão judicial a tomar tem competência exclusiva para apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, desde que as questões submetidas sejam relativas à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 115 e jurisprudência referida).

24      Daqui se conclui que as questões relativas ao direito da União gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional se for manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal não dispuser dos elementos de facto e de direito necessários para dar uma resposta útil às questões que lhe são submetidas (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 116 e jurisprudência referida).

25      Em especial, como resulta dos próprios termos do artigo 267.o TFUE, a decisão prejudicial solicitada deve ser «necessária ao julgamento da causa» pelo órgão jurisdicional de reenvio. Assim, o processo de reenvio prejudicial pressupõe, nomeadamente, que esteja efetivamente pendente um litígio nos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito do qual estes são chamados a proferir uma decisão suscetível de ter em consideração o acórdão prejudicial (Acórdão de 18 de maio de 2021, Asociaţia «Forumul Judecătorilor din România» e o., C‑83/19, C‑127/19, C‑195/19, C‑291/19, C‑355/19 e C‑397/19, EU:C:2021:393, n.o 117 e jurisprudência referida).

26      No caso em apreço, como foi exposto nos n.os 15 e 18 do presente acórdão, em primeiro lugar, o litígio no processo principal tem por objeto o indeferimento, pela TGSS, de um pedido de pagamento de contribuições de proteção contra o risco de desemprego, a fim de adquirir o direito às prestações de desemprego correspondentes. Em seguida, este indeferimento baseia‑se na exclusão dessas prestações do regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico, na aceção do artigo 251.o, alínea d), da LGSS. Por último, esta exclusão, uma vez que se aplica a um grupo de trabalhadores composto quase exclusivamente por mulheres, é suscetível, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, de constituir uma discriminação indireta em razão do sexo, proibida pelas Diretivas 79/7 e 2006/54.

27      Nestas condições, por um lado, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não são de natureza hipotética e, por outro, a interpretação solicitada do direito da União está relacionada com o objeto do litígio no processo principal, na medida em que o mesmo diz respeito, na realidade, ao reconhecimento do direito às prestações de desemprego, e é necessária, na aceção da jurisprudência recordada no n.o 25 do presente acórdão, para permitir ao órgão jurisdicional de reenvio proferir a sua decisão, dando‑lhe a possibilidade de apreciar a compatibilidade da disposição nacional em causa no processo principal com o direito da União. Daqui resulta que o pedido de decisão prejudicial é admissível.

28      Esta conclusão não é posta em causa pelo argumento do Governo espanhol relativo à pretensa incompetência do órgão jurisdicional de reenvio para conhecer do litígio no processo principal assim definido, na medida em que este seria da competência das jurisdições sociais. Com efeito, basta recordar, a este respeito, que, segundo jurisprudência constante, não cabe ao Tribunal de Justiça pôr em causa a apreciação pelo órgão jurisdicional de reenvio da admissibilidade do recurso no processo principal, a qual, no âmbito do processo de reenvio prejudicial, é da competência do juiz nacional, nem verificar se a decisão de reenvio foi adotada em conformidade com as regras nacionais de organização e de processo judiciais. O Tribunal de Justiça deve ater‑se à decisão de reenvio que emana de um órgão jurisdicional de um Estado‑Membro, enquanto tal decisão não tiver sido revogada no quadro das vias processuais previstas eventualmente pelo direito nacional [Acórdão de 16 de julho de 2020, Governo della Repubblica italiana (Estatuto dos juízes de paz italianos), C‑658/18, EU:C:2020:572, n.o 61 e jurisprudência referida].

29      No que respeita, em segundo lugar, à admissibilidade das questões prejudiciais, o Governo espanhol, apoiado neste ponto pela Comissão Europeia, sustenta, por um lado, que a Diretiva 2006/54 não é aplicável ao regime legal de segurança social espanhol regulado pela LGSS. Na medida em que estas questões dizem respeito à Diretiva 2006/54, deveriam, portanto, ser julgadas inadmissíveis.

30      Por outro lado, o Governo espanhol conclui, de modo implícito, que as referidas questões são igualmente inadmissíveis na medida em que dizem respeito à Diretiva 79/7. Com efeito, segundo esse Governo, esta diretiva não exige que os Estados‑Membros estabeleçam uma proteção contra um risco específico, como o desemprego, o que, em sua opinião, implica que um pedido de contribuição relativo a esse risco para adquirir o direito às prestações correspondentes, como o que está em causa no processo principal, não é abrangido pelo âmbito de aplicação da referida diretiva.

31      A este respeito, basta salientar que, em conformidade com jurisprudência constante, se não for manifesto que a interpretação de uma disposição do direito da União não tem nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, a objeção relativa à inaplicabilidade dessa disposição no processo principal não se refere à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial, mas enquadra‑se na apreciação de mérito das questões (Acórdão de 28 de outubro de 2021, Komisia za protivodeystvie na koruptsiyata i za otnemane na nezakonno pridobitoto imushtestvo, C‑319/19, EU:C:2021:883, n.o 25 e jurisprudência referida).

32      Nestas condições, tendo em conta as considerações expostas nos n.os 26 e 27 do presente acórdão, as questões submetidas são admissíveis.

 Quanto ao mérito

33      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 e o artigo 5.o, alínea b), da Diretiva 2006/54 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional que exclui as prestações de desemprego das prestações de segurança social concedidas aos trabalhadores do serviço doméstico por um regime legal de segurança social.

34      A este respeito, há que salientar, a título preliminar, que resulta dos elementos dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça, bem como da redação do artigo 251.o, alínea d), da LGSS, que o regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico está integrado no regime geral de segurança social regulado pela LGSS e que esses trabalhadores têm direito às prestações de segurança social segundo as modalidades e as condições estabelecidas nesse regime geral. No que respeita, mais especificamente, às prestações de desemprego, resulta do artigo 264.o, n.o 1, alínea a), da LGSS que todos os trabalhadores assalariados abrangidos pelo referido regime geral estão, em princípio, cobertos pela proteção contra o desemprego, desde que prevejam contribuir a essa proteção.

35      Assim, uma vez que, como foi salientado no n.o 26 do presente acórdão, o litígio no processo principal diz respeito ao reconhecimento aos trabalhadores do serviço doméstico da proteção contra o desemprego de que estão excluídos por força do artigo 251.o, alínea d), da LGSS, este litígio tem por objeto, em substância, o alcance do âmbito de aplicação pessoal das prestações de desemprego concedidas pelo regime legal de segurança social espanhol.

36      Daqui resulta, por um lado, que as prestações de desemprego em causa no processo principal são abrangidas pelo âmbito de aplicação da Diretiva 79/7 e, por conseguinte, que esta é aplicável a este processo. Com efeito, estas prestações fazem parte de um regime legal de proteção contra um dos riscos enumerados no artigo 3.o, n.o 1, alínea a), desta diretiva, a saber, o risco de desemprego, e estão direta e efetivamente ligadas à proteção contra esse risco [v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2021, INSS (Pensão de viuvez com base numa união de facto), C‑244/20, não publicado, EU:C:2021:854, n.o 43 e jurisprudência referida].

37      Isto implica, por outro lado, que a Diretiva 2006/54 não é aplicável ao processo principal. Com efeito, resulta do artigo 1.o, segundo parágrafo, alínea c), desta diretiva, em conjugação com o artigo 2.o, n.o 1, alínea f), da mesma, que a referida diretiva não se aplica aos regimes legais regulados pela Diretiva 79/7 [Acórdão de 12 de dezembro de 2019, Instituto Nacional de la Seguridad Social (Complemento de pensão para as mães), C‑450/18, EU:C:2019:1075, n.o 34].

38      Por conseguinte, tendo em conta as considerações expostas nos n.os 34 a 37 do presente acórdão, para responder às questões submetidas, há que apreciar, em substância, se uma disposição nacional, como o artigo 251.o, alínea d), da LGSS, é suscetível de comportar uma discriminação em razão do sexo no que respeita ao âmbito de aplicação pessoal do regime legal de segurança social espanhol que assegura uma proteção contra o desemprego, na aceção do artigo 4.o, n.o 1, primeiro travessão, da Diretiva 79/7, em conjugação com o segundo considerando e com o artigo 3.o, n.o 1, alínea a), quinto travessão, da mesma.

39      A este respeito, há que observar, antes de mais, que uma disposição nacional como a que está em causa no processo principal não comporta uma discriminação diretamente em razão do sexo, uma vez que se aplica indistintamente aos trabalhadores masculinos e aos trabalhadores femininos inscritos no regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico.

40      Quanto à questão de saber se a mesma disposição nacional comporta uma discriminação indireta, há que recordar, em primeiro lugar, que este conceito, no contexto da Diretiva 79/7, deve ser entendido da mesma maneira que no contexto da Diretiva 2006/54 (Acórdãos de 8 de maio de 2019, Villar Láiz, C‑161/18, EU:C:2019:382, n.o 37 e jurisprudência referida; e de 21 de janeiro de 2021, INSS, C‑843/19, EU:C:2021:55, n.o 24). Ora, resulta do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), desta última diretiva que constitui uma discriminação indireta em razão do sexo uma situação em que uma disposição, um critério ou uma prática, aparentemente neutro, coloca pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários.

41      A existência de tal desvantagem específica pode ser demonstrada, designadamente, se se provar que a referida disposição, o referido critério ou a referida prática afeta negativamente uma proporção significativamente maior de pessoas de um sexo do que de pessoas do outro sexo. Cabe ao órgão jurisdicional nacional apreciar se é esse o caso no processo principal (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de maio de 2019, Villar Láiz, C‑161/18, EU:C:2019:382, n.o 38; e de 21 de janeiro de 2021, INSS, C‑843/19, EU:C:2021:55, n.o 25).

42      Na hipótese de o juiz nacional dispor de dados estatísticos, o Tribunal de Justiça declarou que este deve, por um lado, tomar em consideração o conjunto dos trabalhadores sujeitos à regulamentação nacional na qual a diferença de tratamento tem origem e, por outro, comparar as proporções respetivas de trabalhadores que são e que não são afetados pela pretensa diferença de tratamento em relação à mão de obra feminina abrangida pelo âmbito de aplicação desta regulamentação e as mesmas proporções na mão de obra masculina abrangida [v., neste sentido, Acórdãos de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 52 e jurisprudência referida, e de 21 de janeiro de 2021, INSS, C‑843/19, EU:C:2021:55, n.o 26].

43      A este respeito, incumbe ao juiz nacional apreciar em que medida os dados estatísticos que lhe foram apresentados são fiáveis e se podem ser tomados em conta, isto é, nomeadamente, se esses dados não são a expressão de fenómenos puramente fortuitos ou conjunturais e se são suficientemente significativos [Acórdãos de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 51 e jurisprudência referida; e de 21 de janeiro de 2021, INSS, C‑843/19, EU:C:2021:55, n.o 27].

44      No caso em apreço, como considerou o advogado‑geral no n.o 58 das suas conclusões, há que ter em conta não apenas os inscritos no regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico, mas também o conjunto dos trabalhadores sujeitos ao regime geral da segurança social espanhol, no qual esses inscritos estão integrados [v., neste sentido, Acórdão de 21 de janeiro de 2021, INSS, C‑843/19, EU:C:2021:55, n.o 28). Com efeito, como já foi salientado no n.o 35 do presente acórdão, a disposição nacional em causa no processo principal contribui para determinar o âmbito de aplicação pessoal das prestações de desemprego concedidas por este regime geral.

45      Ora, há que reconhecer que resulta dos dados estatísticos apresentados nas observações orais da TGSS que, por um lado, em 31 de maio de 2021, o número de trabalhadores por conta de outrem sujeitos ao referido regime geral era de 15 872 720, dos quais 7 770 798 mulheres (48,96 %) e 8 101 899 homens (51,04 %). Por outro lado, na mesma data, o grupo de trabalhadores inscritos no regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico contava 384 175 trabalhadores, dos quais 366 991 mulheres (95,53 % dos inscritos neste regime especial, ou seja, 4,72 % das mulheres trabalhadoras por conta de outrem) e 17 171 homens (4,47 % dos inscritos no referido regime especial, ou seja, 0,21 % dos homens trabalhadores por conta de outrem).

46      Assim, resulta destes dados estatísticos que a proporção dos trabalhadores por conta de outrem do sexo feminino sujeitos ao regime geral de segurança social espanhol que são afetados pela diferença de tratamento que resulta da disposição nacional em causa no processo principal é significativamente mais elevada do que a dos trabalhadores por conta de outrem do sexo masculino.

47      Daqui resulta que, se, após a apreciação que lhe incumbe efetuar, na aceção da jurisprudência recordada nos n.os 42 e 43 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio chegar à conclusão de que os referidos dados estatísticos são fiáveis, representativos e significativos, há que considerar que o artigo 251.o, alínea d), da LGSS coloca especialmente em desvantagem os trabalhadores do sexo feminino em relação aos trabalhadores do sexo masculino.

48      Daí decorreria que esta disposição nacional comportaria uma discriminação indireta em razão do sexo contrária ao artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7, a menos que fosse justificada por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo. É esse o caso se esta disposição responder a um objetivo legítimo de política social, se for adequada para alcançar esse objetivo e se for necessária para esse efeito, entendendo‑se que só pode ser considerada adequada para garantir o objetivo invocado se responder verdadeiramente à intenção de o alcançar e se for aplicada de modo coerente e sistemático (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Brachner, C‑123/10, EU:C:2011:675, n.os 70 e 71 e jurisprudência referida; e de 21 de janeiro de 2021, INSS, C‑843/19, EU:C:2021:55, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).

49      A pretensa não comparabilidade da situação dos trabalhadores do serviço doméstico em relação à situação dos outros trabalhadores por conta de outrem inscritos no regime geral da segurança social espanhol, alegada pelo Governo espanhol para sustentar a inexistência de tal discriminação indireta, não é pertinente a este respeito.

50      Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 47 das suas conclusões, contrariamente ao processo que deu origem ao Acórdão de 26 de junho de 2018, MB (Mudança de sexo e pensão de reforma) (C‑451/16, EU:C:2018:492), evocado por este Governo, a disposição nacional em causa no processo principal não constitui uma discriminação direta em razão do sexo que possa ser posta em causa pela pretensa não comparabilidade da situação dos trabalhadores do serviço doméstico em relação à dos outros trabalhadores por conta de outrem.

51      No que respeita, em segundo lugar, à existência de um fator objetivo de justificação na aceção da jurisprudência recordada no n.o 48 do presente acórdão, há que sublinhar que, embora caiba em última análise ao juiz nacional, que tem competência exclusiva para apreciar a matéria de facto e para interpretar a legislação nacional, determinar se e em que medida a disposição nacional em causa no processo principal se justifica por esse fator objetivo, o Tribunal de Justiça, ao qual se pede que forneça àquele respostas úteis no âmbito de um reenvio prejudicial, é competente para dar indicações, extraídas dos autos do processo principal, bem como das observações escritas e orais que lhe tenham sido submetidas, de modo a permitir ao órgão jurisdicional nacional decidir [Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Brachner, C‑123/10, EU:C:2011:675, n.o 72 e jurisprudência referida; e de 24 de setembro de 2020, YS (Pensões de empresa de pessoal de direção), C‑223/19, EU:C:2020:753, n.o 58 e jurisprudência referida].

52      Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que, embora, ao escolherem as medidas suscetíveis de realizar os objetivos da sua política social e de emprego, os Estados‑Membros disponham de uma ampla margem de apreciação (Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Brachner, C‑123/10, EU:C:2011:675, n.o 73 e jurisprudência referida, e de 21 de janeiro de 2021, INSS, C‑843/19, EU:C:2021:55, n.o 33), incumbe, contudo, ao Estado‑Membro em causa, na sua qualidade de autor da regra pretensamente discriminatória, demonstrar que essa regra preenche os requisitos enunciados no n.o 48 do presente acórdão (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de outubro de 2011, Brachner, C‑123/10, EU:C:2011:675, n.o 74, e de 17 de julho de 2014, Leone, C‑173/13, EU:C:2014:2090, n.o 55).

53      No caso em apreço, o Governo espanhol e a TGSS alegam, nas suas observações escritas e orais, que a decisão de política legislativa de excluir da proteção contra o desemprego os trabalhadores do serviço doméstico está ligada às especificidades deste setor profissional. Com efeito, por um lado, o domínio de trabalho dos trabalhadores do serviço doméstico apresenta elevadas taxas de ocupação, um baixo nível de qualificação e, por conseguinte, de remuneração, e uma percentagem substancial de trabalhadores não inscritos no regime de segurança social. Por outro lado, a relação de trabalho desses trabalhadores caracteriza‑se pela natureza não profissional do seu empregador, que é um chefe de família que não obtém um benefício do trabalho por conta de outrem dos referidos trabalhadores, e pelo facto de essa relação decorrer na residência familiar, o que torna difícil tanto a verificação dos requisitos para beneficiar das prestações de desemprego como os controlos, devido à inviolabilidade do domicílio.

54      Neste contexto, o aumento dos encargos e dos custos salariais resultantes do aumento das contribuições para cobrir o risco de desemprego poderia, segundo o Governo espanhol e a TGSS, traduzir‑se numa diminuição dos níveis de emprego neste domínio laboral, sob a forma de uma redução das novas contratações e das cessações de emprego, bem como em situações de trabalho ilegal e de fraude social, sendo assim suscetível de conduzir a uma redução da proteção dos trabalhadores do serviço doméstico. A disposição nacional em causa no processo principal visa, por conseguinte, salvaguardar os níveis de emprego e lutar contra o trabalho ilegal e a fraude social para efeitos de proteção social dos trabalhadores.

55      O Governo espanhol acrescenta que esta disposição nacional é proporcionada à realização dos objetivos legítimos de política social que prossegue. Com efeito, por um lado, com a única exceção das prestações de desemprego, os trabalhadores do serviço doméstico beneficiam, em princípio, de todas as prestações concedidas pelo regime geral de segurança social espanhol, apesar de uma contribuição inferior para o financiamento deste regime em razão de taxas de quotização reduzidas. Além disso, considera que a exclusão da proteção contra o desemprego diz respeito a um risco que não é generalizado neste grupo de trabalhadores.

56      Por outro lado, a exclusão das prestações de desemprego das prestações concedidas pelo regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico não provoca uma falta total de proteção contra o risco de desemprego, uma vez que foi previsto um subsídio excecional e temporário para esses trabalhadores devido à cessação ou à redução da respetiva atividade no contexto da crise sanitária ligada à pandemia de COVID‑19.

57      A este propósito, no que respeita, em primeiro lugar, aos objetivos prosseguidos pela disposição nacional em causa no processo principal, há que salientar que as finalidades relativas, por um lado, à salvaguarda dos níveis de emprego e à promoção do recrutamento e, por outro, à luta contra o trabalho ilegal e à fraude social para efeitos de proteção social dos trabalhadores constituem objetivos gerais da União, como resulta do artigo 3.o, n.o 3, TUE e do artigo 9.o TFUE.

58      Além disso, como salientou, em substância, o advogado‑geral, no n.o 67 das suas conclusões, estas finalidades foram reconhecidas pelo Tribunal de Justiça como, respetivamente, um objetivo legítimo de política social (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de outubro de 2007, Palacios de la Villa, C‑411/05, EU:C:2007:604, n.os 64 a 66, e de 2 de abril de 2020, Comune di Gesturi, C‑670/18, EU:C:2020:272, n.os 36 e 37 e jurisprudência referida), e uma razão imperiosa de interesse geral suscetível de justificar uma restrição ao exercício das liberdades fundamentais reconhecidas pelo Tratado (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de abril de 2013, Las, C‑202/11, EU:C:2013:239, n.o 28 e jurisprudência referida, e de 13 de novembro de 2018, Čepelnik, C‑33/17, EU:C:2018:896, n.o 44 e jurisprudência referida).

59      Por outro lado, o Tribunal de Justiça já declarou que as referidas finalidades podiam justificar uma diferença de tratamento que afetasse nitidamente mais mulheres do que homens no acesso a um regime legal de seguro de desemprego (v., neste sentido, Acórdão de 14 de dezembro de 1995, Megner e Scheffel, C‑444/93, EU:C:1995:442, n.os 27, 28 e 32).

60      Nestas condições, há que considerar que os objetivos prosseguidos pelo artigo 251.o, alínea d), da LGSS são, em princípio, objetivos legítimos de política social, suscetíveis de justificar a discriminação indireta em razão do sexo que esta disposição nacional comporta.

61      No que respeita, em segundo lugar, à aptidão da referida disposição nacional para realizar esses objetivos e, nomeadamente, à questão de saber se esta é aplicada de modo coerente e sistemático, há que salientar, por um lado, que o facto de proteger os trabalhadores através de regimes de segurança social provocará, por natureza, um aumento dos custos associados a esse fator de produção que pode, em função das circunstâncias que caracterizam o mercado de trabalho, afetar o nível de emprego em qualquer setor desse mercado, e, por outro lado, que a própria existência de tais regimes implica o risco, independentemente do setor em causa, de que a proteção que oferecem possa ser invocada de maneira fraudulenta.

62      Por conseguinte, para que se possa considerar que a disposição nacional em causa no processo principal é aplicada de modo coerente e sistemático à luz dos objetivos evocados no n.o 57 do presente acórdão, deve ser demonstrado que a categoria de trabalhadores que exclui da proteção contra o desemprego se distingue de modo pertinente das outras categorias de trabalhadores que não estão excluídos dessa proteção.

63      A este respeito, decorre das observações da TGSS e do Governo espanhol que as outras categorias de trabalhadores cuja relação de trabalho decorre no domicílio para empregadores não profissionais, ou cujo domínio laboral apresenta as mesmas especificidades em termos de taxas de ocupação, de qualificação e de remuneração que o dos trabalhadores do serviço doméstico, como os jardineiros e os motoristas particulares ou os trabalhadores agrícolas e os trabalhadores contratados por empresas de limpeza, estão todas elas cobertas pela proteção contra o desemprego, e isso apesar de as respetivas taxas de quotização serem, nalguns casos, inferiores às aplicáveis aos trabalhadores do serviço doméstico.

64      Assim, não se afigura que a opção legislativa de excluir os trabalhadores do serviço doméstico das prestações de desemprego concedidas pelo regime geral de segurança social espanhol seja aplicada de modo coerente e sistemático em relação às outras categorias de trabalhadores que beneficiam das mesmas prestações, apresentando ao mesmo tempo características e condições de trabalho análogas às dos trabalhadores do serviço doméstico evocadas no n.o 53 do presente acórdão e, por conseguinte, riscos análogos em termos de redução dos níveis de emprego, de fraude social e de recurso ao trabalho ilegal.

65      Além disso, importa sublinhar a circunstância, assente entre as partes no processo principal, de que a inscrição no regime especial dos trabalhadores do serviço doméstico confere, em princípio, direito a todas as prestações concedidas pelo regime geral de segurança social espanhol, com exclusão das prestações de desemprego. Em especial, resulta das observações do Governo espanhol que este regime cobre, nomeadamente, os riscos relativos aos acidentes de trabalho e às doenças profissionais.

66      Ora, na medida em que se afigura que estas outras prestações apresentam os mesmos riscos de fraude social que as prestações de desemprego, esta circunstância é igualmente suscetível de pôr em causa a coerência interna da disposição nacional que é objeto do processo principal em relação às outras prestações referidas. Neste contexto, caberá ao órgão jurisdicional de reenvio verificar a incidência, sobre a coerência desta disposição nacional, do aumento progressivo das taxas de quotização aplicáveis aos trabalhadores do serviço doméstico, que o Governo espanhol referiu nas suas observações escritas.

67      Nestas condições, como também salientou o advogado‑geral no n.o 99 das suas conclusões, há que considerar que os elementos fornecidos pelo Governo espanhol e pela TGSS não revelam que os meios escolhidos pelo Estado‑Membro em causa sejam adequados para alcançar os objetivos legítimos de política social prosseguidos, o que cabe, contudo, ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar.

68      Por outro lado, há ainda que salientar, em terceiro lugar, que, na hipótese de o órgão jurisdicional de reenvio constatar, não obstante, que a disposição nacional em causa no processo principal responde aos objetivos legítimos de política social e que é adequada à realização desses objetivos, cabe‑lhe ainda verificar se esta disposição não vai além do que é necessário para a realização dos referidos objetivos.

69      Neste contexto, resulta da decisão de reenvio e das observações orais de CJ que a exclusão da proteção contra o desemprego implica a impossibilidade, para os trabalhadores do serviço doméstico, de obterem outras prestações de segurança social a que esses trabalhadores poderiam ter direito, cuja concessão está subordinada à extinção do direito às prestações de desemprego, como os subsídios por incapacidade permanente ou os auxílios sociais para as pessoas sem emprego.

70      Uma vez que esta exclusão implica aparentemente uma maior falta de proteção social dos trabalhadores do serviço doméstico que se traduz numa situação de precariedade social, não se afigura que a disposição nacional em causa no processo principal, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio das consequências alegadas da referida exclusão para a concessão de outras prestações sociais, necessária para atingir os referidos objetivos.

71      Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder às questões submetidas que o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que exclui as prestações de desemprego das prestações de segurança social concedidas aos trabalhadores do serviço doméstico por um regime legal de segurança social, uma vez que esta disposição prejudica particularmente os trabalhadores do sexo feminino em relação aos trabalhadores do sexo masculino e não é justificada por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

 Quanto às despesas

72      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:

O artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 79/7/CEE do Conselho, de 19 de dezembro de 1978, relativa à realização progressiva do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em matéria de segurança social, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma disposição nacional que exclui as prestações de desemprego das prestações de segurança social concedidas aos trabalhadores do serviço doméstico por um regime legal de segurança social, uma vez que esta disposição prejudica particularmente os trabalhadores do sexo feminino em relação aos trabalhadores do sexo masculino e não é justificada por fatores objetivos e alheios a qualquer discriminação em razão do sexo.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.