Language of document : ECLI:EU:T:2013:23

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

17 de janeiro de 2013 (*)

«Privilégios e imunidades — Membro do Parlamento Europeu — Decisão de levantamento da imunidade — Atividade sem relação com as funções de deputado — Procedimento de levantamento da imunidade — Decisão de não defender os privilégios e imunidades — Extinção do interesse em agir — Não conhecimento do mérito da causa»

Nos processos apensos T‑346/11 e T‑347/11,

Bruno Gollnisch, residente em Limonest (França), representado por G. Dubois, advogado,

recorrente,

contra

Parlamento Europeu, representado por R. Passos, D. Moore e K. Zejdová, na qualidade de agentes,

recorrido,

que têm por objeto, por um lado, um pedido de anulação de uma decisão de levantamento da imunidade do recorrente, adotada pelo Parlamento em 10 de maio de 2011, um pedido de indemnização pelo prejuízo então sofrido por este e, por outro, um pedido de anulação de uma decisão de não defender a imunidade do recorrente, adotada pelo Parlamento em 10 de maio de 2011, bem como um pedido de indemnização pelo prejuízo então sofrido por este,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: J. Azizi, presidente, S. Frimodt Nielsen (relator) e M. Kancheva, juízes,

secretário: C. Kristensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de julho de 2012,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

 Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades

1        O artigo 8.° do Protocolo n.° 7 relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 266, a seguir «Protocolo»), prevê:

«Os membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções».

2        O artigo 9.° do Protocolo dispõe:

«Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

a)      No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país,

b)      No território de qualquer outro Estado‑Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros».

 Regimento do Parlamento

3        Nos termos do artigo 3.°, n.° 6, segundo parágrafo, do Regimento do Parlamento Europeu (a seguir «Regimento»), alterado por diversas ocasiões, na versão de março de 2011 (JO L 116, p. 1) aplicável ratione temporis ao litígio:

«Quando as autoridades competentes dos Estados‑Membros iniciarem um processo suscetível de culminar na perda do mandato de um deputado, o Presidente solicitar‑lhes‑á ser regularmente informado do andamento do processo. O Presidente consultará a [comissão competente para a verificação de poderes], sob proposta da qual o Parlamento poderá pronunciar‑se.»

4        O artigo 5.°, n.° 1, do Regimento prevê:

«Os deputados gozam dos privilégios e imunidades previstos no [protocolo]».

5        O artigo 6.° do Regimento dispõe:

«1.      O Parlamento, no exercício dos seus poderes em matéria de privilégios e imunidades, procurará fundamentalmente manter a sua integridade enquanto assembleia legislativa democrática e garantir a independência dos seus membros no exercício das suas funções.

2.      Qualquer pedido dirigido ao Presidente pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro e cujo objeto seja o levantamento da imunidade de um deputado será comunicado ao Parlamento reunido em sessão plenária e enviado à comissão competente.

3.      Qualquer pedido dirigido ao Presidente por um deputado ou antigo deputado relativo à defesa dos privilégios e imunidades será comunicado em sessão plenária e remetido à comissão competente.

[...]

4.      Nos casos com caráter de urgência, quando um deputado for detido ou a sua liberdade de circulação restringida em aparente violação dos seus privilégios e imunidades, o Presidente, após consulta do presidente e do relator da comissão competente, poderá tomar a iniciativa de confirmar os privilégios e imunidades do deputado em causa. O Presidente comunicará a sua iniciativa à comissão e informará o Parlamento.»

6        O artigo 7.° do Regimento dispõe:

«1.      A comissão competente apreciará sem demora e pela ordem da respetiva apresentação todos os pedidos de levantamento da imunidade ou de defesa dos privilégios e imunidades.

2.      A comissão apresentará uma proposta de decisão fundamentada recomendando a aprovação ou a rejeição do pedido de levantamento da imunidade ou de defesa dos privilégios e imunidades.

3.      A comissão poderá solicitar à autoridade competente todas as informações ou esclarecimentos que julgar necessários para dar parecer sobre se o levantamento da imunidade é ou não justificado. O deputado em questão terá a possibilidade de ser ouvido e poderá apresentar todos os documentos ou outros elementos de prova escritos que entender oportunos. Poderá fazer‑se representar por outro deputado.

[…]

6.      No caso de um pedido de defesa de privilégios ou imunidades, a comissão precisará se as circunstâncias descritas constituem uma restrição administrativa ou de qualquer outra natureza à livre circulação dos deputados que se dirijam para os locais de reunião do Parlamento Europeu ou deles regressem, por um lado, ou à emissão de opinião ou voto no exercício das suas funções, por outro lado, ou ainda se as mesmas são assimiláveis aos aspetos do artigo [9.°] do [protocolo] que não são da competência do direito nacional, e convidará a autoridade em questão a tirar as ilações necessárias.

7.      A comissão poderá emitir um parecer fundamentado sobre a competência da autoridade em questão e sobre a admissibilidade do pedido, mas não poderá em caso algum pronunciar‑se sobre a culpabilidade ou não culpabilidade do deputado, nem sobre o facto de se justificar ou não processar penalmente o deputado pelas opiniões ou atos que lhe são atribuídos, ainda que o exame do pedido de levantamento da imunidade lhe proporcione um conhecimento aprofundado do assunto.

8.      O relatório da comissão será inscrito em primeiro lugar na ordem do dia da primeira sessão seguinte à sua entrega. Não são admissíveis alterações à proposta ou propostas de decisão.

O debate cingir‑se‑á às razões invocadas a favor e contra o levantamento da imunidade, ou à defesa de um privilégio ou imunidade.

Sem prejuízo do disposto no artigo 151.°, o deputado cujos privilégios ou imunidades estiverem em causa não poderá intervir no debate.

A proposta ou propostas de decisão constantes do relatório serão postas à votação durante o primeiro período de votação subsequente ao debate.

Após a apreciação do assunto pelo Parlamento, proceder‑se‑á à votação em separado de cada uma das propostas incluídas no relatório. Caso uma das propostas seja rejeitada, considerar‑se‑á aprovada a decisão contrária.

9.      O Presidente comunicará de imediato a decisão do Parlamento ao deputado e às autoridades competentes do Estado‑Membro em causa, solicitando ser informado da evolução dos procedimentos pertinentes e de quaisquer sentenças judiciais proferidas na sua sequência. Logo que receber essa informação comunicá‑la‑á ao Parlamento da forma que considerar mais oportuna, se necessário após consulta da comissão competente.

[…]

11.      A comissão tratará a questão e a documentação recebida com a máxima confidencialidade.

[…]»

7        Segundo o artigo 24.° do Regimento:

«1.      A Conferência dos Presidentes é composta pelo Presidente do Parlamento e pelos presidentes dos grupos políticos. Os presidentes dos grupos políticos podem fazer‑se representar por um membro do seu grupo.

2.      O Presidente do Parlamento convidará um dos deputados não inscritos a participar nas reuniões da Conferência dos Presidentes, sem direito a voto.

[…]»

8        Nos termos do artigo 103.°, n.° 4, do Regimento:

«A apreciação pela comissão competente dos pedidos relativos aos processos de imunidade apresentados nos termos do artigo 7.° será sempre realizada à porta fechada.»

9        Além disso, o artigo 138.° do Regimento dispõe:

«1.      Todas as propostas […] de resolução não legislativ[a] aprovadas em comissão com um número de votos contra inferior a um décimo dos membros que compõem a comissão serão inscritas no projeto de ordem do dia do Parlamento para aprovação sem alterações.

Esse ponto será objeto de uma única votação, a menos que, antes da elaboração do projeto definitivo de ordem do dia, grupos políticos ou deputados a título individual, que representem no seu conjunto um décimo dos membros do Parlamento, solicitem por escrito autorização para apresentar alterações a esse ponto. Nesse caso, o Presidente fixará o prazo para a apresentação de alterações.

2.      Os pontos inscritos no projeto definitivo de ordem do dia para votação sem alterações também não serão objeto de debate, a menos que o Parlamento, ao aprovar a sua ordem do dia no início de um período de sessões, decida em contrário sob proposta da Conferência dos Presidentes, ou a pedido de um grupo político ou de um mínimo de 40 deputados.

3.      Aquando da elaboração do projeto definitivo de ordem do dia de um período de sessões, a Conferência dos Presidentes poderá propor que sejam inscritos outros pontos sem alterações ou sem debate. Ao aprovar a sua ordem do dia, o Parlamento não pode aceitar qualquer proposta neste sentido se um grupo político ou um mínimo de 40 deputados tiverem manifestado por escrito a sua oposição, pelo menos uma hora antes da abertura do período de sessões.

[…]»

10      O artigo 151.°, n.° 1, do Regimento prevê:

«1.      Os deputados que peçam para fazer uma intervenção sobre assuntos de natureza pessoal serão ouvidos no final da discussão do ponto da ordem do dia em apreciação, ou aquando da aprovação da ata da sessão a que se refere o pedido de intervenção.

Os deputados em causa não poderão referir‑se à matéria de fundo do debate e deverão limitar‑se, nas suas intervenções, a refutar observações que os afetem pessoalmente, feitas durante o debate, ou opiniões que lhes tenham sido atribuídas, ou a retificar as suas próprias declarações.»

 Antecedentes do litígio

11      O recorrente, Bruno Gollnisch, é deputado ao Parlamento Europeu e conselheiro regional da Região de Ródano‑Alpes (França). Também é presidente do Grupo Front National [Frente Nacional] no Conselho Regional da Região de Ródano‑Alpes.

12      Em 3 de outubro de 2008, o Grupo Frente Nacional da Região de Ródano‑Alpes emitiu um comunicado de imprensa intitulado «‘Processo das fichas’ na região: os Tartuffe protestam».

13      O comunicado tinha a seguinte redação:

«A Região de Ródano‑Alpes reagiu violentamente à solicitação das Renseignements Généraux [Direção Central das Informações Gerais da Polícia francesa] relativo à existência de eventuais pedidos de alteração dos horários por razões religiosas, formulados por funcionários não cristãos. O diretor‑geral dos serviços qualifica este pedido de ‘contrário a todos os princípios republicanos que regem a organização e o funcionamento da função pública no nosso país’. [Q. (presidente do Conselho Regional da Região de Ródano‑Alpes)] considera chocante o princípio subjacente a este inquérito. É muito cómodo e generoso, mas significa esquecer a atualidade e ter a memória um pouco curta. Esquecer a atualidade, porque não me parece que sejam os cristãos que ‘festejam’ o fim do período de um período de ‘jejum’ (durante o dia, recuperando descontraidamente durante a noite) a destruir, a queimar e a apedrejar. Esquecer a atualidade, porque Roma não foi incendiada por cristãos. Ter a memória curta, porque o sistema de ficheiros da função pública em 1902 foi decidido com um fim ‘republicano’. Ter a memória curta, porque era o ‘Bloc des Gauches’ [Bloco das esquerdas] que estava no poder, com o ‘petit père Combes’ e Waldeck‑Rousseau. Ter a memória curta, porque as lojas maçónicas, que efetuavam o trabalho ignóbil, escreviam descontraidamente e de boa‑fé nas fichas ‘vive maritalmente com uma mulher árabe’. É verdade que a Esquerda pretendia na altura lutar contra as religiões! Ora, o seu objetivo atual é o de apoiar a invasão da nossa Pátria e a destruição da nossa cultura e dos nossos valores por um islamismo em que facilmente reconhecemos a tolerância, o respeito dos direitos do homem e da liberdade nos países onde o islamismo está no poder: Arábia Saudita, Irão, Sudão, Afeganistão [...] os nossos subúrbios e, não tarda nada, todo o nosso país, com a bênção das Lojas e da Esquerda?»

14      Numa conferência de imprensa que teve lugar em Lyon (França), em 10 de outubro de 2008, o recorrente confirmou, nomeadamente, que este comunicado tinha sido redigido por pessoas habilitadas a pronunciar‑se em nome dos representantes eleitos do grupo político presidido pelo recorrente no Conselho Regional.

15      Na sequência de uma denúncia da Liga Internacional contra o Racismo e o Antissemitismo (LICRA), as autoridades francesas deram início, em 22 de janeiro de 2009, a um inquérito contra pessoa não identificada por incitamento ao ódio racial.

16      Por carta de 9 de junho de 2010 enviada ao presidente do Parlamento, o recorrente pediu‑lhe que «levanta[sse] um protesto firme contra as autoridades francesas». Nesta carta, indicava que um juiz de instrução de Lyon pretendera, em 4 de junho de 2010, proceder à sua detenção pela polícia a fim de o obrigar a comparecer no tribunal. Precisava que esta «medida de coação [era] proibida pela Constituição francesa (artigo 26.°), bem como pelo Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades de 1965 (atualmente, artigo 9.° do Protocolo n.° 7 anexo ao Tratado), na medida em que este magistrado [não tinha] pedido o levantamento da [sua] imunidade parlamentar».

17      Em 14 de junho de 2010, o Presidente do Parlamento anunciou, em sessão plenária, que tinha recebido do recorrente um pedido de defesa da sua imunidade e, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, do Regimento, remeteu este pedido à Comissão dos Assuntos Jurídicos.

18      Por ofício de 25 de outubro de 2010, recebida no Parlamento em 3 de novembro de 2010, o Ministro de Estado, Guarda dos Selos, Ministro da Justiça e das Liberdades da República Francesa transmitiu ao Presidente do Parlamento um pedido de levantamento da imunidade parlamentar do recorrente, em virtude de um pedido de 14 de setembro de 2010 do Procurador‑Geral na cour d’appel de Lyon, a fim de prosseguir a instrução da denúncia apresentada contra o recorrente e permitir, caso fosse necessário, a sua comparência nos órgãos jurisdicionais competentes.

19      Em 24 de novembro de 2010, o Presidente do Parlamento anunciou, em sessão plenária, ter recebido um pedido de levantamento da imunidade do recorrente e, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 2, do Regimento, remeteu este pedido à Comissão dos Assuntos Jurídicos.

20      B. Rapkay foi nomeado relator dos dois processos relativos ao recorrente, a saber, por um lado, o levantamento da imunidade deste último e, por outro, a defesa da sua imunidade.

21      Em 26 de janeiro de 2011, o recorrente foi ouvido pela Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento a respeito do pedido de defesa da sua imunidade e do pedido de levantamento da sua imunidade.

22      Em 11 de abril de 2011, a Comissão dos Assuntos Jurídicos aprovou uma proposta de decisão do Parlamento que recomenda o levantamento da imunidade do recorrente e uma proposta de decisão que recomenda que não seja defendida a imunidade deste.

23      Na sessão plenária de 10 de maio de 2011, o Parlamento decidiu levantar a imunidade do recorrente e, simultaneamente, não defender a sua imunidade.

24      A decisão de levantamento da imunidade do recorrente é fundamentada nos seguintes termos:

«A. Considerando que um procurador da República Francesa requereu o levantamento da imunidade parlamentar de Bruno Gollnisch, deputado no Parlamento [...], para dar seguimento a uma denúncia por incitação presumida ao ódio racial e, se for caso disso, fazê[‑lo] comparecer no tribunal de première instance, na cour d’appel e na Cour de cassation da República Francesa,

B. Considerando que o pedido de levantamento da imunidade de Bruno Gollnisch se refere a uma infração presumida de incitação ao ódio racial na sequência da publicação, em 3 de outubro de 2008, de um comunicado de imprensa do Grupo do Front National da Região de Ródano‑Alpes, do qual Bruno Gollnisch era presidente,

C. Considerando que, nos termos do artigo 9.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades da União Europeia, enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam, no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país; considerando que esta disposição não se opõe ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus deputados,

D. Considerando que, nos termos do artigo 26.° da Constituição da República Francesa, ‘[o]s membros do Parlamento não podem ser alvo, em matéria criminal ou correcional, de detenção ou de qualquer outra medida privativa ou restritiva da liberdade, sem autorização da [C]omissão da [A]ssembleia de que fazem parte. Esta autorização não é necessária no caso de crime ou flagrante delito ou no caso de sentença condenatória transitada em julgado’,

E. Considerando que, no caso em apreço, o Parlamento não conseguiu apurar se existia fumus persecutionis, isto é, uma presunção suficientemente séria e precisa de que o processo foi instaurado com a intenção de prejudicar a atividade política do deputado,

F. Considerando que o pedido das autoridades francesas não se refere às atividades políticas de Bruno Gollnisch na sua qualidade de deputado ao Parlamento Europeu [...], mas antes às suas atividades no plano exclusivamente regional e local, na sua qualidade de conselheiro regional da Região de Ródano‑Alpes, mandato de que foi investido por sufrágio direto universal e que é distinto do de deputado ao Parlamento Europeu [...],

G. Considerando que Bruno Gollnisch justificou a publicação, pelo seu grupo político no Conselho Regional de Ródano‑Alpes, do comunicado de imprensa que está na origem do pedido de levantamento da sua imunidade, precisando que tinha sido escrito pela equipa do Front National da região, cujo responsável pela comunicação estava ‘habilitado a pronunciar‑se em nome do grupo dos representantes eleitos do Front National’; considerando que a aplicação da imunidade parlamentar num caso desses constituiria uma extensão injustificada das disposições que têm por objetivo impedir todo o entrave ao funcionamento e à independência do Parlamento,

H. Considerando que não compete ao Parlamento, mas sim às autoridades judiciais competentes, decidir, no respeito de todas as garantias democráticas, em que medida a lei francesa relativa à incitação ao ódio racial foi violada e quais podem ser os processos judiciais daí resultantes,

I. Considerando que importa, por conseguinte, recomendar o levantamento da imunidade parlamentar no presente caso,

1. Decide proceder ao levantamento da imunidade de Bruno Gollnisch [...]»

25      Por outro lado, a decisão de não defender a imunidade do recorrente contém fundamentação idêntica à da decisão de levantar a sua imunidade, com exceção, nomeadamente, do considerando I e do dispositivo da referida decisão que têm a seguinte redação:

«I. […] como, entretanto, as autoridades francesas pediram formalmente o levantamento da sua imunidade para ulteriormente aplicar as referidas medidas, já não há que defender a imunidade de Bruno Gollnisch a esse respeito

[...]

1. Decide, à luz das considerações anteriores, não defender a imunidade e os privilégios de Bruno Gollnisch [...]».

 Tramitação processual e pedidos das partes

26      Por petições iniciais que deram entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 7 de julho de 2011, o recorrente interpôs os presentes recursos, que têm por objeto, respetivamente, obter a anulação das decisões do Parlamento de levantar a sua imunidade (processo T‑346/11) e de não defender a sua imunidade (processo T‑347/11), bem como obter uma indemnização pelos danos morais que alega ter sofrido.

27      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal Geral (Primeira Secção) decidiu iniciar a fase oral e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, convidou as partes a apresentarem certos documentos e colocou‑lhes, por escrito, questões a que estas responderam no prazo fixado.

28      Por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral de 3 de julho de 2012, os processos T‑346/11 e T‑347/11 foram apensos para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão, em conformidade com o artigo 50.° do Regulamento de Processo.

29      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões orais feitas pelo Tribunal Geral, na audiência de 10 de julho de 2012.

30      No processo T‑346/11, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular a decisão do Parlamento de levantamento da sua imunidade parlamentar, tomada em 10 de maio de 2011, e em que é adotado o relatório A7‑0155/2011 de B. Rapkay;

¾        atribuir‑lhe o montante de 8 000 euros a título de reparação pelos danos morais;

¾        atribuir‑lhe o montante de 4 000 euros a título das despesas efetuadas com o seu advogado e com a preparação do seu recurso.

31      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        negar provimento ao recurso;

¾        condenar o recorrente nas despesas.

32      No processo T‑347/11, o recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        anular a decisão do Parlamento de não defender a sua imunidade parlamentar, tomada em 10 de maio de 2011 e em que é adotado o relatório A7‑0154/2011 de B. Rapkay;

¾        atribuir‑lhe o montante de 8 000 euros a título de reparação de danos morais;

¾        atribuir‑lhe o montante de 4 000 euros a título das despesas efetuadas com o seu advogado e com a preparação do seu recurso.

33      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

¾        julgar o recurso inadmissível;

¾        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

¾        condenar o recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Observações preliminares

 Quanto ao regime da imunidade parlamentar estabelecido pelo protocolo

34      Importa recordar que a imunidade parlamentar dos deputados ao Parlamento Europeu, nos termos previstos nos artigos 8.° e 9.° do protocolo, inclui as duas formas de proteção normalmente reconhecidas aos membros dos parlamentos nacionais dos Estados‑Membros, a saber, a imunidade relativamente às opiniões e aos votos emitidos no exercício das funções parlamentares e a inviolabilidade parlamentar, que contêm, em princípio, uma proteção contra os processos judiciais (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de outubro de 2008, Marra, C‑200/07 e C‑201/07, Colet., p. I‑7929, n.° 24, e de 6 de setembro de 2011, Patriciello, C‑163/10, Colet., p. I‑7565, n.° 18).

35      O artigo 8.° do protocolo, que é uma disposição especial aplicável a qualquer processo judicial em que o deputado ao Parlamento Europeu beneficie da imunidade pelas opiniões e votos emitidos no exercício das funções parlamentares, destina‑se a proteger a liberdade de expressão e a independência dos deputados europeus, de forma que obsta a todo e qualquer processo judicial em razão dessas opiniões e desses votos (acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 26).

36      O Tribunal de Justiça recordou que o artigo 8.° do protocolo, tendo em conta o seu objetivo de proteger a liberdade de expressão e a independência dos deputados ao Parlamento Europeu, e a sua redação, que se refere expressamente, para além das opiniões, aos votos emitidos pelos referidos deputados, se destina, essencialmente, a ser aplicado às declarações emitidas por estes últimos no próprio recinto do Parlamento Europeu (acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 29).

37      Contudo, o Tribunal de Justiça precisou que não é de excluir que uma declaração efetuada por esses deputados fora desse recinto possa também constituir uma opinião emitida no exercício das suas funções na aceção do artigo 8.° do protocolo, na medida em que a existência dessa opinião depende não do lugar onde foi efetuada uma declaração, mas sim da sua natureza e do seu conteúdo (acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 30).

38      Com efeito, referindo‑se às opiniões emitidas pelos deputados ao Parlamento Europeu, o artigo 8.° do protocolo está estreitamente ligado à liberdade de expressão. Ora, a liberdade de expressão, enquanto fundamento essencial de uma sociedade democrática e pluralista que reflete os valores em que, em conformidade com o artigo 2.° TUE, assenta a União, constitui um direito fundamental garantido pelo artigo 11.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (JO 2010, C 83, p. 389), que, por força do artigo 6.°, n.° 1, TUE, tem o mesmo valor jurídico que os Tratados. Esta liberdade está também consagrada no artigo 10.° da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 (acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 31).

39      Consequentemente, deve considerar‑se que o conceito de «opinião» na aceção do artigo 8.° do protocolo deve ser entendido em sentido amplo, abrangendo o discurso ou as declarações que, pelo seu conteúdo, correspondem a asserções constitutivas de apreciações subjetivas (acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 32).

40      Decorre também da redação do artigo 8.° do protocolo que, para estar abrangida pela imunidade, uma opinião deve ter sido emitida por um deputado ao Parlamento Europeu «no exercício das suas funções», o que implica a exigência de um nexo entre a opinião expressa e as funções parlamentares (acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 33).

41      Tratando‑se de declarações de um deputado ao Parlamento Europeu alvo de um processo penal no seu Estado‑Membro de origem, há que observar que a imunidade prevista no artigo 8.° do protocolo é suscetível de impedir definitivamente as autoridades judiciárias e os órgãos jurisdicionais nacionais de exercer as suas competências respetivas em matéria de repressão e sanção das infrações penais com o objetivo de assegurar o respeito da ordem pública no seu território e, correlativamente, privar, assim, totalmente os lesados por essas declarações do acesso à justiça, inclusivamente, se for o caso, com o objetivo de obter nos tribunais cíveis a reparação do dano sofrido (v., neste sentido, acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 34).

42      Tendo em conta estas consequências, o nexo existente entre a opinião emitida e as funções parlamentares deve ser direto e impor‑se manifestamente (acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 35).

43      Por outro lado, o artigo 9.° do protocolo prevê que o deputado ao Parlamento Europeu beneficia, no seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país.

44      O alcance da inviolabilidade prevista no artigo 9.° do protocolo é analisado por remissão para as disposições nacionais pertinentes (acórdãos Marra, referido no n.° 34 supra, n.° 25, e Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 25) e é, por conseguinte, suscetível de variar em função do Estado‑Membro de origem do deputado ao Parlamento Europeu.

45      Além disso, a inviolabilidade do deputado pode ser levantada pelo Parlamento, em conformidade com o artigo 9.°, terceiro parágrafo, do protocolo, ao passo que a imunidade prevista no artigo 8.° não pode ser levantada (acórdão Patriciello, referido no n.° 34 supra, n.° 27).

46      Assim, quando um pedido de levantamento da imunidade lhe é transmitido por uma autoridade nacional, compete, em primeiro lugar, ao Parlamento verificar se os factos que estão na origem do pedido de levantamento são suscetíveis de ser abrangidos pelo artigo 8.° do protocolo, caso em que o levantamento da imunidade é impossível.

47      Caso o Parlamento chegue à conclusão de que o artigo 8.° do protocolo não é aplicável, incumbe‑lhe, seguidamente, verificar se o deputado ao Parlamento Europeu beneficia da imunidade prevista no artigo 9.° do protocolo relativamente aos factos que lhe são imputados e, se tal for o caso, decidir se deve ou não ser levantada a imunidade.

 Quanto à distinção que importa estabelecer entre o levantamento da imunidade e a defesa da imunidade na aceção do protocolo

48      Em primeiro lugar, importa observar que, embora o levantamento da imunidade de um deputado ao Parlamento Europeu esteja expressamente previsto no artigo 9.° do protocolo, o mesmo não acontece, todavia, com a defesa da imunidade deste, que apenas decorre do artigo 6.°, n.° 3, do Regimento do Parlamento, que não define este conceito.

49      No que diz respeito ao artigo 8.° do Regimento, o Tribunal de Justiça decidiu que o Regimento é um ato de organização interna que não pode instituir, em benefício do Parlamento, competências que não sejam expressamente reconhecidas num ato normativo, no caso em apreço, no Protocolo e que daqui resulta que, ainda que o Parlamento, após o pedido do deputado ao Parlamento Europeu em causa, aprove, com base no Regimento, uma decisão de defesa da imunidade, esta constitui um parecer que não produz efeitos vinculativos relativamente às autoridades jurisdicionais nacionais (acórdão Marra, referido no n.° 34 supra, n.° 39).

50      Além disso, a circunstância de o direito de um Estado‑Membro prever um procedimento de defesa dos membros do parlamento nacional, permitindo‑lhe intervir quando o órgão jurisdicional nacional não reconhece essa imunidade, não implica o reconhecimento dos mesmos poderes ao Parlamento Europeu relativamente aos deputados ao Parlamento Europeu provenientes desse Estado, uma vez que o artigo 8.° do protocolo não prevê expressamente essa competência do Parlamento e não remete para as normas de direito nacional (acórdão Marra, referido no n.° 34 supra, n.° 40).

51      Resulta desta jurisprudência que se deve estabelecer uma distinção entre o conceito de defesa de imunidade, consoante este conceito tenha por fundamento o artigo 8.° do protocolo, na medida em que este último estabelece uma imunidade absoluta, cujo conteúdo é determinado exclusivamente pelo direito europeu e que não pode ser levantada pelo Parlamento, ou tenha por fundamento o artigo 9.° do protocolo, na medida em que este último artigo remete, em contrapartida, para as normas de direito nacional do Estado‑Membro de origem do deputado ao Parlamento Europeu quanto ao teor e ao alcance da inviolabilidade instaurada em benefício deste, podendo esta inviolabilidade, além disso, sendo caso disso, ser levantada pelo Parlamento.

52      Uma vez que a inviolabilidade prevista no artigo 9.° do protocolo é de direito e que o deputado só pode ser privado desta se o Parlamento a levantar, a defesa da imunidade, no quadro das disposições do artigo 9.° do protocolo, só se concebe na hipótese em que, na falta de pedido de levantamento da imunidade de um deputado, a inviolabilidade, conforme esta resulta das disposições do direito nacional do Estado‑Membro de origem do deputado ao Parlamento Europeu, está comprometida, nomeadamente, pela ação das autoridades policiais ou das autoridades jurisdicionais do Estado‑Membro de origem do referido deputado.

53      Nestas circunstâncias, o deputado ao Parlamento Europeu poderá pedir que o Parlamento defenda a sua imunidade, nos termos previstos no artigo 6.°, n.° 3, do Regimento do Parlamento.

54      Daqui decorre que uma decisão do Parlamento relativa a um pedido de defesa da imunidade de um deputado ao Parlamento Europeu só é concebível caso as autoridades nacionais competentes tenham apresentado ao Parlamento um pedido de levantamento desta imunidade.

55      A defesa da imunidade constitui, assim, uma forma de o Parlamento se interpor, a pedido de um deputado ao Parlamento Europeu, quando as autoridades nacionais violam ou estão em vias de violar a imunidade de um dos seus membros.

56      Em contrapartida, se as autoridades nacionais apresentarem um pedido de levantamento da imunidade, o Parlamento deve tomar a decisão de levantar ou não levantar a imunidade. Nesse caso, a defesa da imunidade já não tem razão de ser, uma vez que ou o Parlamento levanta a imunidade e a defesa desta já não é concebível, ou recusa levantar esta imunidade e a defesa desta é inútil, visto que as autoridades nacionais são informadas de que o seu pedido de levantamento foi rejeitado pelo Parlamento e que a imunidade se opõe, por conseguinte, às medidas que estas últimas poderiam ou pretenderiam tomar.

57      A defesa da imunidade fica, por conseguinte, privada do seu objeto quando é apresentado um pedido de levantamento da imunidade pelas autoridades nacionais. O Parlamento já não é obrigado a agir por iniciativa própria em virtude da falta de um pedido formal por parte das autoridades competentes de um Estado‑Membro, mas deve, pelo contrário, tomar uma decisão e, assim, dar seguimento a esse pedido.

 Quanto ao exercício do direito de recurso e quanto ao alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral nesse quadro

58      Embora os privilégios e imunidades reconhecidos à União pelo protocolo tenham caráter funcional, na medida em que visam evitar que o funcionamento e a independência da União sejam entravados, não deixa de ser verdade que foram expressamente concedidos aos membros do Parlamento e aos funcionários e outros agentes das instituições da União. O facto de os privilégios e imunidades serem previstos no interesse público da União justifica o poder dado às instituições de, se for caso disso, levantarem a imunidade, mas não significa que esses privilégios e imunidades sejam concedidos exclusivamente à União e não igualmente aos seus funcionários, outros agentes e membros do Parlamento. Assim, o protocolo cria um direito subjetivo em benefício das pessoas em causa, cujo respeito é garantido pelo sistema das vias de recurso previsto no Tratado (v. acórdão do Tribunal Geral de 19 de março de 2010, Gollnisch/Parlamento, T‑42/06, Colet., p. II‑1135, n.° 94 e jurisprudência referida).

59      Todavia, há que reconhecer ao Parlamento um amplo poder de apreciação quanto à orientação que entende dar a uma decisão na sequência de um pedido de levantamento da imunidade ou de defesa da imunidade, devido ao caráter político que essa decisão reveste (v., neste sentido, acórdão Gollnisch/Parlamento, referido no n.° 58 supra, n.° 101).

60      O exercício desse poder não está, todavia, subtraído à fiscalização jurisdicional. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que, no âmbito dessa fiscalização, o juiz da União deve verificar o cumprimento das regras processuais, a exatidão material dos factos considerados pela instituição, a inexistência de erro manifesto na apreciação desses factos ou a inexistência de desvio de poder (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de janeiro de 1979, Racke, 98/78, Colet., p. 53, n.° 5, e de 22 de outubro de 1991, Nölle, C‑16/90, Colet., p. I‑5163, n.° 12).

61      Importa recordar que, para efeitos desse exame, se deve considerar que a crítica formulada contra a exposição dos motivos do relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos se dirige contra a fundamentação da decisão relativa ao levantamento da imunidade (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal Geral de 15 de outubro de 2008, Mote/Parlamento, T‑345/05, Colet., p. II‑2849, n.° 59, e Gollnisch/Parlamento, referido no n.° 58 supra, n.° 98).

62      É à luz das considerações anteriores que há que examinar os presentes recursos.

 Quanto ao recurso de anulação no processo T‑346/11, relativo ao levantamento da imunidade do recorrente

63      O recorrente invoca seis fundamentos em apoio do seu recurso de anulação.

64      Em primeiro lugar, alega a violação do artigo 9.° do Protocolo, em segundo lugar, o desrespeito da «jurisprudência assente» da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento, em terceiro lugar, a violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, em quarto lugar, o desrespeito da independência do deputado, em quinto lugar, a violação das disposições do artigo 3.°, n.° 4, segundo parágrafo, do Regimento, relativas ao procedimento suscetível de conduzir à perda do mandato de um deputado, e, em sexto lugar, a violação do princípio do contraditório e dos seus direitos de defesa.

65      Em primeiro lugar, há que examinar, simultaneamente, o primeiro e o quarto fundamentos.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 9.° do Protocolo, e quando ao quarto fundamento, relativo a um desrespeito pela independência do deputado

66      Em apoio do seu primeiro fundamento, o recorrente alega que o Parlamento cometeu um erro de direito ao levantar a sua imunidade com o fundamento de que as observações e as opiniões reproduzidas no comunicado de imprensa controvertido não foram emitidas no quadro da sua atividade de deputado ao Parlamento Europeu. Com efeito, considera que a liberdade de debate político e a liberdade de expressão do deputado devem ser protegidas, quer delas se faça uso no quadro estrito do Parlamento ou não, e que a sua imunidade deveria, por conseguinte, ter sido defendida e não levantada. Na verdade, considera que o artigo 9.° do protocolo tem por objeto todos os atos praticados fora do exercício da atividade parlamentar stricto sensu, que são, por seu lado, abrangidos pela imunidade prevista no artigo 8.° do protocolo. Por conseguinte, o Parlamento violou o artigo 9.° do protocolo.

67      Além disso, o recorrente defende, em apoio do seu quarto fundamento, que o Parlamento não podia levantar a sua imunidade ao decidir que este não tinha feito uso da sua liberdade de expressão no exercício das suas funções de deputado ao Parlamento Europeu. Com efeito, segundo o recorrente, não existe qualquer precedente na prática decisória anterior do Parlamento que preveja a obrigação de o deputado ao Parlamento Europeu fazer menção desse estatuto para poder beneficiar dos privilégios e imunidades que se encontram associados ao seu mandato quando se exprime fora dos locais de trabalho habituais da assembleia.

68      A liberdade de debate político foi, assim, desrespeitada e daqui resulta, segundo o recorrente, a violação do artigo 6.°, n.° 1, do Regimento.

69      O Parlamento contesta estas alegações.

70      Há que salientar que o Parlamento examinou o pedido de levantamento da imunidade do recorrente apenas à luz do artigo 9.° do protocolo, o que resulta tanto da exposição de motivos do relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos como da decisão relativa ao levantamento da sua imunidade.

71      Além disso, o recorrente reconhece, nos seus articulados, que o Parlamento considerou corretamente que o pedido de levantamento da sua imunidade devia ser examinado apenas à luz do artigo 9.° do protocolo.

72      A tal acresce que o recorrente confirmou na audiência que, no seu entender, o artigo 8.° do protocolo não era aplicável no caso em apreço.

73      Assim, é pacífico entre as partes que o pedido de levantamento da imunidade do recorrente deve ser examinado à luz das disposições do artigo 9.° do protocolo.

74      A este respeito, importa precisar que, no caso em apreço, as observações constantes do comunicado de imprensa controvertido, imputáveis ao recorrente, dizem respeito à forma como reagiram o Presidente e o Diretor‑Geral dos Serviços do Conselho Regional da Região de Ródano‑Alpes a uma solicitação das Renseignement Généraux destinada a obter informações relativas a determinados funcionários.

75      Por outro lado, é pacífico que estas observações foram redigidas pelo porta‑voz do Grupo do Front National que tem assento no Conselho Regional da Região de Ródano‑Alpes, grupo político presidido pelo recorrente que é, ele próprio, um membro eleito do referido Conselho.

76      Também é pacífico que, aquando de uma conferência de imprensa que teve lugar em Lyon em 10 de outubro de 2008, o recorrente confirmou que este comunicado tinha sido redigido por pessoas habilitadas a exprimir‑se em nome dos representantes eleitos do grupo político em causa para o Conselho Regional.

77      Por conseguinte, é forçoso observar que estes factos estão diretamente relacionados com as funções exercidas pelo recorrente na sua qualidade de conselheiro regional e de presidente do Grupo da Frente Nacional no Conselho Regional da Região de Ródano‑Alpes. De resto, foi devido a essa qualidade, como resulta dos autos, em particular dos anexos A6, A8 e A10 da petição e do anexo B2 da contestação, que as autoridades francesas instauraram um processo contra o recorrente.

78      Por conseguinte, não há qualquer relação entre as observações controvertidas imputáveis ao recorrente e as funções deste enquanto deputado ao Parlamento Europeu nem, a fortiori, uma relação direta que se imponha com evidência entre as observações controvertidas e a função de deputado ao Parlamento Europeu que possa ter justificado a aplicação do artigo 8.° do protocolo, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça (v. n.° 42 supra).

79      Consequentemente, o Parlamento tinha razão quando considerou que o pedido de levantamento da imunidade do recorrente devia ser examinado apenas à luz do artigo 9.° do protocolo, e não à luz do seu artigo 8.°

80      Em aplicação do artigo 9.° do protocolo, o recorrente beneficia, no território francês, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento deste país, as quais são determinadas pelo artigo 26.° da Constituição francesa.

81      No caso em apreço, o recorrente acusa o Parlamento de ter levantado a sua imunidade, pelo facto de as observações controvertidas cuja responsabilidade lhe é imputada terem sido emitidas fora do quadro da sua atividade de deputado ao Parlamento Europeu, ao passo que, segundo o recorrente, o artigo 9.° do protocolo tem por objeto todos os atos levados a cabo fora do exercício da atividade parlamentar stricto sensu e tem por objeto proteger a liberdade de debate político e a liberdade de expressão do deputado, quer delas se faça uso no quadro estrito do Parlamento Europeu ou não.

82      Importa recordar que o artigo 26.° da Constituição francesa prevê:

«Os membros do Parlamento não podem ser alvo de procedimento criminal, procurados, detidos, presos ou julgados pelas opiniões ou votos que emitirem no exercício das suas funções.

Os membros do Parlamento não podem ser alvo, em matéria criminal ou correcional, de detenção ou de qualquer outra medida privativa ou restritiva da liberdade sem autorização da [c]omissão da [A]ssembleia de que fazem parte. Esta autorização não é necessária no caso de crime ou flagrante delito ou no caso de sentença condenatória transitada em julgado.

A detenção, as medidas privativas ou restritivas da liberdade ou o procedimento criminal movido contra um membro do Parlamento são suspensos enquanto durarem as sessões se a Assembleia de que faz parte o requerer.

[…]».

83      Embora o recorrente não especifique se pretende que lhe seja aplicada a imunidade ou a inviolabilidade previstas nestas disposições, há, no entanto, que considerar que, com a sua argumentação, este reivindica, na realidade, o benefício da imunidade prevista no artigo 26.°, primeiro parágrafo, da Constituição francesa, na medida em que considera, com efeito, que não pode ser perseguido ou julgado pelas opiniões emitidas no exercício das suas funções.

84      Para poder beneficiar das disposições do artigo 26.°, primeiro parágrafo, da Constituição francesa, é necessário, portanto, tal como sucede relativamente ao artigo 8.° do protocolo, que as opiniões do membro do Parlamento tenham sido emitidas no exercício das suas funções de deputado ao Parlamento Europeu, uma vez que é nessa qualidade que beneficia, nos termos do artigo 9.° do protocolo, da imunidade reconhecida pela Constituição francesa.

85      Ora, não se pode deixar de observar que tal não acontece no caso em apreço (v. n.os 74 a 78 supra).

86      Daqui decorre que o Parlamento não cometeu um erro ao considerar que:

«[…] o pedido das autoridades francesas não se refere às atividades políticas [do recorrente] na qualidade de deputado ao Parlamento Europeu [...], mas antes às suas atividades no plano exclusivamente regional e local, na sua qualidade de conselheiro regional da Região de Ródano‑Alpes, mandato de que foi investido por sufrágio direto universal e que é distinto do de deputado ao Parlamento Europeu [...]».

87      Daqui decorre igualmente que é irrelevante que o deputado ao Parlamento Europeu tenha ou não feito menção do seu estatuto quando emitiu as observações controvertidas, uma vez que este elemento não entra em linha de conta para determinar se as referidas observações foram emitidas no exercício das funções do interessado.

88      Por fim, quanto à argumentação apresentada pelo recorrente, que consiste em alegar que não agiu no exercício das suas funções de deputado ao Parlamento Europeu, mas apenas no quadro de atividades políticas que qualquer membro do Parlamento pode ter fora do âmbito das referidas funções, e que, portanto, não é o artigo 26.°, primeiro parágrafo, da Constituição francesa que se aplica no caso concreto, mas sim o seu artigo 26.°, segundo ou terceiro parágrafo, não se pode deixar de observar que, nos termos do artigo 26.°, terceiro parágrafo, da Constituição francesa, são possíveis os procedimentos criminais, a não ser que o Parlamento se lhes oponha, o que significa que não é necessário o levantamento da inviolabilidade de que beneficia o parlamentar.

89      Além disso, e caso seja relevante, importa recordar que o artigo 9.° do protocolo prevê expressamente a possibilidade de o Parlamento levantar a imunidade de que o deputado ao Parlamento Europeu pode beneficiar nos termos desta disposição.

90      Por conseguinte, não se pode censurar o Parlamento por ter considerado oportuno, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço e a pedido do pelo Ministro de Estado, Guarda dos Selos, Ministro da Justiça e das Liberdades da República Francesa, levantar a imunidade do recorrente resultante do protocolo, para permitir a prossecução da instrução por parte das autoridades judiciais francesas.

91      Para terminar, quanto à alegação do recorrente de que o Parlamento podia ter levantado a sua imunidade nesse caso, apesar de não o fazer habitualmente à luz da sua prática decisória anterior, esta argumentação confunde‑se, no essencial, com a apresentada em apoio do segundo e terceiro fundamentos, para cuja apreciação se remete.

92      Por conseguinte, há julgar improcedentes o primeiro e o quarto fundamentos.

 Quanto ao segundo e ao terceiro fundamentos, relativos, por um lado, à violação da «jurisprudência assente» da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento em matéria de liberdade de expressão e de fumus persecutionis e, por outro, à violação dos princípios de segurança jurídica, de proteção da confiança legítima e da igualdade de tratamento

93      Em apoio do seu segundo fundamento, o recorrente defende que o Parlamento tem a faculdade de estabelecer os seus próprios princípios, criando, assim, uma «jurisprudência», nomeadamente em matéria de imunidade parlamentar, que se impõe às restantes instituições.

94      As deliberações do Parlamento relativas aos pedidos de levantamento da imunidade que lhe foram apresentados ao longo dos tempos permitiram‑lhe, com efeito, delinear princípios gerais, consagrados na resolução adotada pelo Parlamento na sua sessão de 10 de março de 1987 (JO C 99, p. 44), com base no relatório Donnez, que põe termo ao procedimento de consulta do Parlamento relativo ao projeto de protocolo que estabelece a revisão do protocolo relativo aos privilégios e imunidades das Comunidades Europeias no que respeita aos membros do Parlamento (A2‑121/86).

95      Deste modo, o Parlamento estabeleceu princípios tendentes a proteger os direitos dos deputados ao Parlamento Europeu, ao recusar, em muito larga medida, levantar a respetiva imunidade, nomeadamente quando está em causa a proteção da liberdade de expressão e, em particular, quando a ação penal ou o processo judicial são promovidos pelos seus adversários políticos ou pelo poder executivo.

96      Os princípios estabelecidos no quadro desta «jurisprudência assente» encontram‑se resumidos num documento da Comissão Jurídica e do Mercado Interno do Parlamento, intitulado «Comunicação aos membros n.° 11/2003», de 6 de junho de 2003 (a seguir «Comunicação n.° 11/2003 »).

97      O recorrente defende que as observações que lhe são imputadas se enquadram claramente no seu papel de representante do partido político a que pertence e de presidente do grupo parlamentar regional deste mesmo partido, ao passo que também é deputado deste partido ao Parlamento Europeu. Daqui decorre, segundo o recorrente, que não se pode negar que as suas observações se encontram diretamente relacionadas com a sua atividade política. Assim, segundo o recorrente, era manifesta a má‑fé da Comissão dos Assuntos Jurídicos quando considerou que o recorrente emitira as referidas observações fora do âmbito do exercício das suas funções de deputado ao Parlamento Europeu.

98      Consequentemente, daqui resulta uma violação não apenas dos princípios em matéria de liberdade de expressão dos deputados acima evocados, mas também do fumus persecutionis, uma vez que o procedimento criminal tem por base a denúncia, com constituição como parte civil, apresentada pela LICRA, que foi e continua a ser dirigida por adversários políticos declarados do recorrente, tanto no plano local e regional como no âmbito do Parlamento Europeu.

99      Além disso, o recorrente considera, no essencial, que o comportamento das autoridades francesas, nomeadamente das autoridades judiciais, também demonstra a existência desse fumus persecutionis.

100    Ora, segundo o recorrente, os princípios definidos pelo Parlamento visam, nessa situação, proteger o deputado do levantamento da imunidade.

101    Por fim, o recorrente alega, no essencial, em apoio do seu terceiro fundamento, que o Parlamento, por um lado, ao violar os princípios e a «jurisprudência» que definiu em matéria de liberdade de expressão e de fumus persecutionis, violou os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima e, por outro, ao levantar a sua imunidade e ao afastar‑se, desse modo, da sua «jurisprudência», também violou o princípio da igualdade de tratamento que se impõe entre os deputados ao Parlamento Europeu.

102    O Parlamento contesta estas alegações.

103    Como o recorrente alega, no essencial, no âmbito do seu segundo fundamento, a violação da «jurisprudência assente» do Parlamento Europeu em matéria de imunidade, resultante da Comunicação n.° 11/2003, e, no âmbito do seu terceiro fundamento, que a violação desta «jurisprudência assente» se traduz na violação dos princípios da segurança, da confiança legítima e da igualdade de tratamento, há que examinar, em primeiro lugar, a natureza jurídica da Comunicação n.° 11/2003.

—       Quanto à natureza jurídica da Comunicação n.° 11/2003 e à fiscalização exercida pelo Tribunal Geral

104    Importa, antes de mais, ter em conta a Comunicação n.° 11/2003, que tem a seguinte redação:

«O secretariado [da Comissão Jurídica e do Mercado Interno] redigiu o documento em anexo, a pedido da Comissão. Identificou os casos em que foram apresentados ao Parlamento pedidos de levantamento da imunidade nos processos relativos à expressão de opinião, desde 1979, e tentou daí extrair princípios comuns, tendo em conta o voto final na sessão plenária.

[…]

Apesar de o artigo [9.°], primeiro parágrafo, alínea a) [...], do [p]rotocolo se referir às imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento nacional em questão, o Parlamento [...] tem a faculdade de criar os seus próprios princípios, criando, assim, o que se pode denominar de ‘jurisprudência’.

[…]

Os princípios ou a jurisprudência acima referidos deverão ter o efeito de estabelecer um conceito coerente da imunidade parlamentar europeia que deverá, em princípio, ser independente das diferentes práticas em vigor nos parlamentos nacionais […] [Considerando] que se procedeu a uma apreciação da questão de saber se a imunidade existe no quadro da legislação nacional, o Parlamento [...] aplica princípios constantes quando está em causa uma decisão de levantamento da imunidade.

[…]

Princípio n.° 2: é um princípio fundamental segundo o qual, nos casos em que os atos de que é acusado o deputado são abrangidos pelo âmbito da sua atividade política ou estão diretamente relacionados com esta atividade, a imunidade não será levantada.

Considera‑se expressão de opiniões cobertas pela atividade política do deputado as manifestações (mesmo a partir da tribuna reservada ao público de um parlamento nacional) em reuniões públicas, em publicações políticas, na imprensa, num livro, na televisão, com a assinatura de um panfleto político e mesmo em tribunal […] O Parlamento recusou mesmo o levantamento da imunidade relativamente a acusações acessórias, quando a acusação principal estava relacionada com a expressão de uma opinião política.

O que se presume ter sido proferido ou escrito não reveste grande relevância, em particular no caso em que a expressão da opinião se refere a outro político ou ao objeto do debate político. Contudo, tal pode ser objeto de certas comunicações de oposição:

[…]

3.      Refere‑se frequentemente nos relatórios que a expressão de opiniões não pode constituir uma incitação ao ódio, uma difamação ou uma violação dos direitos fundamentais da pessoa ou um ataque à honra ou à reputação de grupos ou de indivíduos. Todavia, há que afirmar que o Parlamento adotou de forma constante uma atitude muito liberal no que se refere à expressão de opiniões feitas na arena política, observando que é frequentemente difícil estabelecer uma distinção entre a polémica e a difamação.

[…]

O conceito de fumus persecutionis, isto é a presunção de que são iniciados processos judiciais contra um parlamentar com o intuito de prejudicar as suas atividades políticas, por exemplo se na origem do inquérito estiverem denúncias anónimas ou quando o pedido é apresentado muito tempo depois de as alegações terem sido proferidas. Por exemplo, quando um adversário político intenta uma ação de indemnização por difamação, considera‑se, na falta de prova em contrário, que esta ação tem o objetivo de prejudicar o parlamentar em causa, e não o de obter a reparação dos danos. Presume‑se que existe fumus persecutionis, em particular, quando a ação tem por objeto factos antigos, é intentada durante uma campanha eleitoral, utiliza o acusado como exemplo, etc.

Princípio n.° 3: quando a ação penal ou o processo judicial são promovidos por um adversário político, na falta de prova em contrário não será levantada a imunidade caso se considere que a ação penal ou processo judicial têm por objetivo prejudicar o parlamentar em causa e não obter a reparação dos danos. O mesmo acontece quando a ação penal ou o processo judicial são promovidos em circunstâncias que permitam presumir que só o foram com o objetivo de prejudicar o deputado em causa.

[...]»

105    Há que reconhecer que o Parlamento alega com razão que este documento, redigido pelo secretariado da Comissão Jurídica do Mercado Interno, não é um ato do Parlamento e constitui apenas uma síntese da prática decisória anterior desta comissão no domínio em causa.

106    Por outro lado, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, o direito de invocar a proteção da confiança legítima se estende a qualquer particular que esteja numa situação de que resulte que a administração comunitária, ao dar‑lhe garantias precisas, gerou nele esperanças fundadas (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 2004, Di Lenardo e Dilexport, C‑37/02 e C‑38/02, Colet., p. I‑6911, n.° 70; e acórdão do Tribunal Geral de 17 de dezembro de 1998, Embassy Limousines & Services/Parlamento, T‑203/96, Colet., p. II‑4239, n.° 74). Constituem garantias como essas, qualquer que seja a forma pela qual são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 25 de maio de 2000, Kögler/Tribunal de Justiça, C‑82/98 P, Colet., p. I‑3855, n.° 33, e do Tribunal Geral de 18 de outubro de 2011, Purvis/Parlamento, T‑439/09, Colet., p. II‑7231, n.° 69). Em contrapartida, ninguém pode invocar uma violação desse princípio na falta de garantias precisas fornecidas pela administração (acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de novembro de 2005, Alemanha/Comissão, C‑506/03, não publicado na Coletânea, n.° 58, e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, Colet., p. I‑5479, n.° 147). A tal acresce que só as garantias que respeitem as normas aplicáveis podem servir de base a uma confiança legítima (acórdãos do Tribunal Geral de 30 de junho de 2005, Branco/Comissão, T‑347/03, Colet., p. II‑2555, n.° 102, e de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, Colet., p. II‑319, n.° 77).

107    Uma vez que a Comunicação n.° 11/2003 não é um ato do Parlamento, mas constitui apenas uma síntese da prática decisória anterior da Comissão Jurídica e do Mercado Interno, realizada pelo Secretariado‑Geral do Parlamento com o objetivo de sensibilizar os deputados ao Parlamento Europeu para esta prática decisória, e que esse documento não pode, por conseguinte, vincular o Parlamento, daqui decorre que não pode conter informações precisas, incondicionais e concordantes, provenientes deste, suscetíveis de constituir garantias precisas da sua parte com base nas quais se possam ter gerado expectativas fundadas por parte dos deputados ao Parlamento Europeu.

108    Daqui decorre que, de qualquer modo, o recorrente não pode alegar que o Parlamento desrespeitou o princípio da confiança legítima ao ter‑se afastado de um documento que não é um ato do Parlamento.

109    Todavia, há que recordar que as instituições são obrigadas a exercer as suas competências em conformidade com os princípios gerais do direito da União, como o princípio da igualdade de tratamento e o princípio da boa administração e que, tendo em conta estes princípios, as instituições devem ter em conta as decisões já tomadas sobre pedidos similares e tratar com especial atenção a questão de saber se há ou não que decidir no mesmo sentido. Além disso, os princípios da igualdade de tratamento e da boa administração devem ser conciliados com o respeito da legalidade (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de março de 2011, Agencja Wydawnicza Technopol/IHMI, C‑51/10 P, Colet., p. I‑1541, n.os 73 a 75 e jurisprudência referida).

110    A este respeito, importa lembrar que o princípio da igualdade de tratamento se opõe, nomeadamente, a que situações comparáveis sejam tratadas de maneira diferente, a menos que tal tratamento seja objetivamente justificado (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o., C‑127/07, Colet., p. I‑9895, n.° 23, e de 14 de outubro de 2010, Nuova Agricast e Cofra/Comissão, C‑67/09 P, Colet., p. I‑9811, n.° 78 e jurisprudência referida).

111    Além disso, resulta de jurisprudência assente que entre as garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos figura, designadamente, o princípio da boa administração, ao qual está associada a obrigação de a instituição competente analisar com cuidado e imparcialidade todos os elementos relevantes do caso concreto (acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München, C‑269/90, Colet., p. I‑5469, n.° 14, e de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia, C‑505/09 P, n.° 95).

112    Por conseguinte, deve considerar‑se que, com o seu fundamento relativo à violação da «jurisprudência assente» do Parlamento em matéria de imunidade, o recorrente pretende invocar a violação dos princípios da boa administração e da igualdade de tratamento.

113    Mesmo pressupondo que a Comunicação n.° 11/2003 contém indicações suficientemente precisas sobre a atitude que os membros do Parlamento podem esperar desta instituição quando é chamada a pronunciar‑se sobre a imunidade de um deputado, à luz, em particular, da liberdade de expressão e do fumus persecutionis, há que considerar que o Parlamento só poderá afastar‑se desta comunicação caso seja apresentada fundamentação suficiente a este respeito.

114    A este respeito, importa recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas por ele direta e individualmente afetadas podem ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, pois a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., p. I‑1719, n.° 63; de 30 de setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑301/96, Colet., p. I‑9919, n.° 87, e de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão, C‑42/01, Colet., p. I‑6079, n.° 66).

115    Por fim, no que respeita ao princípio da segurança jurídica, resulta da jurisprudência que este princípio constitui um princípio fundamental do direito da União que exige, designadamente, que uma regulamentação seja clara e precisa, a fim de que os particulares possam conhecer sem ambiguidade os seus direitos e obrigações e agir em conformidade. Todavia, quando um certo de grau de incerteza quanto ao sentido e ao âmbito de uma norma jurídica é inerente a esta, há que examinar se a norma jurídica em causa sofre de uma ambiguidade que impeça os particulares de ultrapassar, com um grau suficiente de certeza, eventuais dúvidas quanto ao âmbito ou ao sentido desta norma (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de abril de 2005, Bélgica/Comissão, C‑110/03, Colet., p. I‑2801, n.os 30 e 31).

—       Quanto ao ato impugnado

116    Em apoio do seu segundo fundamento, o recorrente alega que o Parlamento não respeitou a sua prática decisória anterior relativa à apreciação dos casos em que a liberdade de expressão dos deputados está em causa e em que existe uma suspeita de fumus persecutionis.

117    Em primeiro lugar, no que diz respeito à liberdade de expressão, resulta da prática decisória do Parlamento, segundo a Comunicação n.° 11/2003, que o levantamento da imunidade pode ser equacionado, nomeadamente se os factos que são imputados ao deputado dizem respeito à incitação ao ódio racial.

118    Não se pode deixar de observar que, no caso em apreço, as autoridades competentes deram essa qualificação aos factos, nos considerandos A e B do ato impugnado:

«A. Considerando que um procurador da República francesa requereu o levantamento da imunidade parlamentar [do recorrente], deputado ao Parlamento Europeu [...], para dar seguimento a uma denúncia por incitação presumida ao ódio racial e, se for caso disso, fazê[‑lo] comparecer no tribunal de première instance, na cour d’appel e na Cour de cassation da República Francesa;

B. Considerando que o pedido de levantamento da imunidade [do recorrente] tem por objeto uma infração presumida de incitação ao ódio racial, na sequência de uma publicação, em 3 de outubro de 2008, de um comunicado de imprensa do grupo [...] do Front National da Região de Ródano‑Alpes, do qual [o recorrente] era presidente.»

119    Além disso, no que diz respeito ao fumus persecutionis, verifica‑se que os processos judiciais contra o recorrente não foram intentados por um adversário político, mas sim por uma associação habilitada pela lei francesa a intentar ações nos tribunais contra palavras ou escritos racistas ou antissemitas. em aplicação da Lei de 29 de julho de 1881 sobre a liberdade de imprensa (Bulletin des Lois, 1881, n.° 637, p. 125), que o inquérito não tem origem em denúncias anónimas, que os processos instaurados não tinham por objeto factos antigos nem factos cometidos durante uma campanha eleitoral e que nada permite provar, tendo em conta os factos tomados em consideração pelo Parlamento, que não são, de resto, contestados pelo recorrente, que os processos instaurados tenham tido manifestamente o intuito de fazer dele um exemplo.

120    Por conseguinte, no caso em apreço não está presente nenhum dos critérios identificados no quadro da prática decisória anterior do Parlamento que o possam ter levado, no passado, a opor‑se a um pedido de levantamento da imunidade.

121    Neste sentido, na decisão relativa ao levantamento da imunidade do recorrente, o Parlamento salientou, com razão, o seguinte:

«[…] [N]o caso em apreço, o Parlamento não conseguiu apurar se existia fumus persecutionis, isto é, uma presunção suficientemente séria e precisa de que o processo foi instaurado com a intenção de prejudicar a atividade política do deputado [...]».

122    Daqui decorre que, no tocante à apreciação da liberdade de expressão e da existência de um eventual fumus persecutionis, o Parlamento respeitou a obrigação de examinar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes do caso concreto e que o recorrente não demonstrou que o princípio da boa administração foi violado.

123    O mesmo acontece no que diz respeito ao princípio da igualdade de tratamento, uma vez que o recorrente não logrou demonstrar, à luz da prática decisória anterior do Parlamento constante da Comunicação n.° 11/2003, ter sido objeto de um tratamento diferente do tratamento que é habitualmente reservado aos deputados ao Parlamento Europeu em situações comparáveis.

124    Além disso, tendo em conta a natureza jurídica da Comunicação n.° 11/2003, que não é um documento do Parlamento (v. n.os 107 e 108 supra), o recorrente não pode validamente invocar a violação, por parte do Parlamento, do princípio da segurança jurídica, pelo facto de se ter distanciado desta comunicação de forma inesperada para o recorrente, uma vez que essa comunicação, da autoria exclusiva do Secretariado‑Geral do Parlamento, não pode, por conseguinte, ser considerada regulamentação na aceção da jurisprudência recordada supra (n.° 115).

125    Por fim, resulta de todas as considerações anteriores que o ato impugnado contém fundamentação suficiente no que respeita aos dois pontos evocados supra.

126    Por conseguinte, o segundo e o terceiro fundamentos devem ser julgados improcedentes na íntegra.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo ao desrespeito das disposições do Regimento relativas ao procedimento suscetível de conduzir à perda do mandato de um deputado

127    O recorrente alega, no essencial, que os factos objeto do processo instaurado contra ele são suscetíveis de ser sancionados, em direito francês, com uma pena acessória de inelegibilidade, que conduz à perda dos mandatos eletivos.

128    Ora, o Governo francês não respeitou o procedimento previsto no artigo 3.°, n.° 6, do Regimento e não mencionou, na sua correspondência, que os processos instaurados contra o recorrente poderiam ter por consequência a perda do seu mandato de deputado.

129    Além disso, segundo o recorrente, nenhum órgão do Parlamento solicitou esclarecimentos ao Governo francês a este propósito. Ora, o Presidente do Parlamento devia ter levado ao conhecimento da Comissão dos Assuntos Jurídicos este elemento essencial, e esta poderia tê‑lo tomado em conta, mesmo que a condenação do recorrente nessa pena acessória fosse muito improvável.

130    Daqui decorre, segundo o recorrente, que a omissão desta formalidade essencial vicia o relatório da comissão competente e, consequencialmente, a decisão relativa ao levantamento da imunidade do recorrente.

131    O Parlamento contesta estas alegações.

132    Segundo jurisprudência assente, o regulamento interno de uma instituição comunitária tem por objeto organizar o funcionamento interno dos serviços, no interesse de uma boa administração. Daqui resulta que as pessoas singulares ou coletivas não poderão invocar, em apoio de um recurso de anulação, uma alegada violação dessas normas, que não são destinadas a assegurar a proteção dos particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de maio de 1991, Nakajima/Conselho, C‑69/89, Colet., p. I‑2069, n.os 49 e 50; v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de setembro de 2007, Common Market Fertilizers/Comissão, C‑443/05 P, Colet., p. I‑7209, n.os 144 e 145).

133    Além disso, de acordo com jurisprudência assente, a preterição de uma formalidade essencial pode levar à anulação da decisão em causa se se provar que, na falta dessa irregularidade, a referida decisão podia ter tido um conteúdo diferente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de outubro de 1980, van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.° 47, e acórdão do Tribunal Geral de 5 de abril de 2006, Degussa/Comissão, T‑279/02, Colet., p. II‑897, n.° 416).

134    No caso em apreço, a primeira alegação apresentada pelo recorrente destina‑se, no essencial, a que o Tribunal Geral declare que as autoridades francesas não cumpriram a obrigação, que lhes incumbe por força do artigo 3.°, n.° 6, do Regimento, de informar o Parlamento da existência de um processo suscetível de conduzir à perda do mandato do recorrente.

135    Ora, verifica‑se que o artigo 3.°, n.° 6, do Regimento não impõe qualquer obrigação neste sentido aos Estados‑Membros.

136    Com efeito, o artigo 3.°, n.° 6, do Regimento prevê que, quando as autoridades competentes dos Estados‑Membros iniciarem um processo suscetível de culminar na perda do mandato de um deputado, o Presidente do Parlamento solicitar‑lhes‑á ser regularmente informado do andamento do processo e consultará a comissão competente para a verificação de poderes, sob proposta da qual o Parlamento poderá pronunciar‑se.

137    As disposições deste artigo preveem, assim, o procedimento a seguir pelo Presidente do Parlamento e não pelos Estados‑Membros. De resto, é de excluir, de qualquer modo, que o Regimento do Parlamento possa impor uma obrigação aos Estados‑Membros.

138    Por conseguinte, a primeira alegação deve ser rejeitada.

139    A segunda alegação tem por objeto o facto de nenhum órgão do Parlamento, a começar pelo seu Presidente, ter censurado as autoridades francesas por estas não terem informado o Parlamento de que o recorrente incorria na perda do seu mandato, quando o Presidente devia ter chamado a atenção da comissão competente para este incumprimento, o qual podia ter sido levado em conta por esta mesma comissão aquando da adoção da decisão relativa ao levantamento da sua imunidade.

140    Ora, verifica‑se que o artigo 3.°, n.° 6, do Regimento, que não contém regras tendentes a garantir a proteção dos particulares, visa exclusivamente, como alega o Parlamento, permitir‑lhe que seja informado do seguimento dado pelas autoridades nacionais a um processo suscetível de conduzir à perda do mandato de um deputado e à substituição eventual deste.

141    Neste sentido, trata‑se de uma disposição que tem por objeto assegurar o bom funcionamento interno do Parlamento e que não constitui, por conseguinte, uma formalidade essencial do procedimento de levantamento da imunidade de um deputado.

142    Daqui decorre que a segunda alegação também deve ser julgada improcedente.

143    Por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do princípio do contraditório e dos direitos de defesa

144    O recorrente defende que o facto de não ter tido a possibilidade de se defender aquando do voto em sessão plenária sobre a decisão relativa ao levantamento da sua imunidade, e de o pedido que apresentou neste sentido ao Presidente do Parlamento Europeu ter sido indeferido, constitui uma violação do princípio do contraditório e dos direitos de defesa.

145    O recorrente reconhece, na verdade, que o artigo 7.°, n.° 8, terceiro parágrafo, do Regimento prevê que, sem prejuízo do disposto no artigo 151.°, o deputado cujos privilégios ou imunidades estiverem em causa não poderá intervir no debate.

146    Todavia, invoca uma questão prévia de ilegalidade relativamente a esta disposição, alegando que a mesma contraria o respeito dos direitos de defesa e, em particular, o direito de ser ouvido.

147    A este respeito, em primeiro lugar, alega que não se pode considerar que os seus direitos de defesa foram respeitados, pelo simples facto de ter sido ouvido, à porta fechada, pela Comissão dos Assuntos Jurídicos, quando o sentido do relatório elaborado pelo relator ainda nem sequer era conhecido.

148    Em segundo lugar, o recorrente observa que não constam das atas das reuniões da comissão os nomes dos deputados efetivamente presentes na sua audição, mas apenas a lista de participantes. Ora, segundo o recorrente, muitos dos deputados que assinaram esta lista já não estavam presentes na sua audição.

149    Em terceiro lugar, alega que vários deputados que participaram na votação do relatório não estavam presentes na sua audição. Ora, é normalmente admitido, no âmbito de um procedimento disciplinar, judicial ou administrativo, que só quem tenha ouvido o interessado possa tomar uma decisão, o que pressupõe que são as mesmas pessoas que participam na audiência do interessado e na adoção da decisão que lhe diz respeito.

150    Em quarto lugar, esta recusa de o ouvir contradiz igualmente a maior parte das práticas parlamentares e, em particular, o artigo 80.°, n.° 7, do Regimento da Assembleia Nacional francesa, que prevê que o deputado participará nos debates no quadro do exame do pedido de levantamento da imunidade que lhe diga respeito.

151    Em quinto lugar, o recorrente alega que o Parlamento também afastou qualquer possibilidade de debate ao recorrer a um procedimento simplificado, sem debate para a adoção dos documentos que não tinham sido objeto de alterações, em conformidade com o artigo 138.°, n.° 2, do Regimento. Ora, segundo o recorrente, esta disposição de caráter geral não é aplicável, uma vez que as disposições especiais do artigo 7.°, n.° 8, do Regimento, aplicáveis em matéria de imunidade, preveem, por seu lado, a realização de um debate.

152    Por fim, em sexto lugar, as propostas de adoção de um ato com ou sem debate são examinadas pela conferência de Presidentes dos grupos políticos. Ora, segundo o recorrente, no quadro desta conferência, os deputados não inscritos não têm representante eleito e só dispõem de um representante nomeado que não tem direito de voto, de modo que este não pode exigir a realização de um debate, o que constitui, segundo ele, um novo caso de discriminação dos deputados não inscritos, à semelhança do processo em que foi proferido o acórdão do Tribunal Geral de 2 de outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento (T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, Colet., p. II‑2823).

153    Importa precisar que na audiência o recorrente indicou que o seu fundamento tinha por objeto apenas a falta de garantias concedidas pelos procedimentos internos do Parlamento durante o exame de um pedido de levantamento da imunidade, isto é o debate contraditório e o respeito dos direitos de defesa, não defendendo, no entanto, que, no caso em apreço, os procedimentos internos tenham sido violados.

154    O Parlamento contesta estas alegações.

155    A argumentação do recorrente, nos termos precisados por este na audiência, consiste, no essencial, em defender que pretendia intervir na sessão plenária para se defender e que este direito lhe foi recusado porque a aplicação conjugada das disposições do artigo 7.°, n.° 8, e do artigo 138.°, n.° 2, do Regimento não permitiu a realização do debate e a possibilidade de aí intervir.

156    Com efeito, o recorrente considera que o recurso ao artigo 138.°, n.° 2, do Regimento impediu a realização de um debate que no entanto está previsto no artigo 7.°, n.° 8, do referido Regimento, e que a aplicação do artigo 7.°, n.° 8, do Regimento impede, além disso, o deputado de se expressar quando esse debate tem lugar.

157    Embora reconheça que, na verdade, o Parlamento respeitou o disposto no seu Regimento, o recorrente contesta, em contrapartida, a legalidade desse dispositivo, na medida em que considera que o mesmo é contrário ao respeito dos direitos de defesa e ao princípio do contraditório.

158    Por conseguinte, há que examinar, em primeiro lugar, se devia ter sido realizado um debate em sessão plenária, em segundo lugar, se, em caso afirmativo, podia ser recusado o pedido de intervenção do recorrente neste debate e, por conseguinte, se o disposto no artigo 7.°, n.° 8, do Regimento são, a este respeito, ilegais, e, por fim, em terceiro lugar, se as restantes críticas ao procedimento seguido pelo Parlamento põem em causa a legalidade do seu andamento.

—       Quanto à realização de um debate em sessão plenária

159    A título preliminar, importa salientar que o recorrente não põe em causa o artigo 7.°, n.° 8, do Regimento na parte em que esse preceito prevê a realização de um debate, mas exclusivamente na parte em que esse preceito prevê que o deputado em causa não pode intervir nesse debate.

160    Em primeiro lugar, há que examinar, portanto, se o disposto no artigo 138.°, n.° 2, do Regimento, que prevê um procedimento simplificado sem debate e sem alterações em sessão plenária, pode ser aplicado no quadro da adoção, nesta sessão, de uma decisão relativa à imunidade de um deputado.

161    O artigo 138.°, n.° 2, do Regimento prevê que, quando uma proposta de resolução não legislativa tenha sido aprovada em comissão com um número de votos contra inferior a um décimo dos membros que compõem a referida comissão, a mesma será inscrita no projeto de ordem do dia para aprovação sem alterações e sem debate, a menos que o Parlamento decida em contrário sob proposta da Conferência dos Presidentes ou a pedido de um grupo político ou de um mínimo de 40 deputados.

162    Em primeiro lugar, há que considerar que, como alega o Parlamento, o conceito de «proposta de resolução não legislativa», por oposição ao de «proposta de ato legislativo» na aceção do artigo 138.°, n.° 1, do Regimento, engloba o conceito de «proposta de decisão» na aceção do artigo 7.°, n.° 2, do Regimento, não sendo esta interpretação, aliás, contestada pelo recorrente.

163    Em segundo lugar, importa salientar que é só no termo de um debate em comissão, e desde que o número de votos contra seja inferior a um décimo dos seus membros, que o Regimento prevê, por razões de economia processual, que o procedimento que se seguirá de pleno direito é o procedimento sem debate e sem alterações previsto no artigo 138.° do Regimento.

164    Em terceiro lugar, importa salientar que o Regimento previu, no entanto, mecanismos de salvaguarda, que permitem a realização de um debate em sessão plenária, não obstante o resultado do voto em comissão, sob proposta da Conferência dos Presidentes ou a pedido de um grupo político ou ainda de um mínimo de 40 deputados.

165    Por conseguinte, não é de todo excluída a possibilidade de realização de um debate em sessão plenária, mesmo quando, por força do disposto no artigo 138.°, n.° 2, é inscrito um ponto na ordem do dia da sessão plenária para votação sem debate e sem alterações.

166    Em quarto lugar, o artigo 7.°, n.° 8, do Regimento não impõe a realização de um debate em sessão plenária, antes se limita a prever as condições em que este debate se desenrolará caso tenha lugar, no caso concreto sob a forma de um debate limitado às razões a favor e contra a proposta de levantar ou não a imunidade de um deputado, e que não permite, além disso, a apresentação de qualquer alteração.

167    Daqui decorre que essas disposições não excluem de todo que, quando a proposta de decisão tenha sido aprovada em comissão com um número de votos contra inferior a um décimo dos seus membros, o ponto seja inscrito de pleno direito na ordem do dia da sessão plenária para votação sem debate e sem alterações, em conformidade com o artigo 138.°, n.° 2, do Regimento.

168    Assim, o artigo 7.°, n.° 8, não constitui uma lex specialis, não derrogável pelo artigo 138.°, n.° 2, uma vez que existe entre estas duas disposições, bem pelo contrário, uma relação de complementaridade de natureza processual, com vista a facilitar os trabalhos do Parlamento na sessão plenária quando só uma minoria muito pequena se exprime contra a proposta aprovada pela comissão competente, ou mesmo quando nenhuma minoria se exprimiu contra esta proposta.

169    De resto, há que precisar que o Parlamento indicou, sem ser contrariado pelo recorrente, que o processo sem debate previsto no artigo 138.°, n.° 2, do Regimento era o processo normalmente seguido pelo Parlamento no que respeita às decisões relativas aos pedidos de levantamento da imunidade e que só excecionalmente se realizava um debate em sessão plenária, nos termos previstos no artigo 7.°, n.° 8, uma vez que só o resultado do voto na comissão competente determinava se o artigo 138.°, n.° 2, era aplicável ou não.

170    Além disso, por um lado, importa constatar que, no caso em apreço, o ponto foi inscrito na ordem do dia da sessão plenária para votação sem alterações e sem debate, na medida em que a proposta de decisão tinha sido aprovada em comissão com um número de votos contra inferior a um décimo dos seus membros. Por outro lado, importa referir, o que o recorrente não contesta, que nem a Conferência dos Presidentes, nem qualquer grupo político, nem mesmo 40 deputados, se exprimiram no sentido de se dever realizar um debate a respeito da decisão de levantamento da imunidade daquele.

171    Por conseguinte, há que considerar que o Parlamento tinha razão quando aplicou o processo sem alterações e sem debate do artigo 138.° do Regimento.

172    Consequentemente e a título de conclusão, na medida em que o recorrente continua a alegar a existência de um desvio de processo, não obstante as precisões apresentadas à formulação das suas alegações na audiência, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, um ato só enferma de desvio de poder, do qual o desvio de processo não é mais do que uma forma, se se verificar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que foi adotado exclusivamente, ou pelo menos de forma determinante, com fins diversos dos indicados ou com a finalidade de eludir um processo especialmente previsto pelo Tratado para fazer face às circunstâncias do caso em apreço (acórdãos do Tribunal de Justiça de 10 de março de 2005, Espanha/Conselho, C‑342/03, Colet., p. I‑1975, n.° 64, e de 7 de setembro de 2006, Espanha/Conselho, C‑310/04, Colet., p. I‑7285, n.° 69).

173    Uma vez que, no caso em apreço, o ponto em causa foi inscrito de pleno direito, em aplicação do artigo 138.°, n.° 2, do Regimento, na ordem do dia da sessão plenária para votação sem alterações e sem debate, na medida em que a proposta de decisão tinha sido aprovada em comissão, quando nesta menos de dez dos seus membros, se tanto, votaram contra o texto, não existe, no caso em apreço, qualquer indício objetivo e pertinente de que o ato impugnado tenha sido aprovado com o objetivo de eludir o processo especialmente previsto para o efeito.

174    Em segundo lugar, há que examinar se, como defende o recorrente, apesar da regularidade do processo seguido pelo Parlamento, os princípios gerais relativos ao respeito dos direitos de defesa e do contraditório se opõem ao dispositivo processual de aprovação de uma decisão de levantamento da imunidade de um deputado nos termos estabelecidos no Regimento do Parlamento.

175    A este respeito, importa lembrar que, de acordo com jurisprudência assente, o respeito pelos direitos de defesa, designadamente o direito a ser ouvido, em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e suscetível de culminar na adoção de um ato lesivo dos interesses desta, constitui um princípio fundamental do direito da União e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação relativa ao processo em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de novembro de 2006, Comissão/De Bry, C‑344/05 P, Colet., p. I‑10915, n.° 37, e do Tribunal Geral de 14 de outubro de 2009, Bank Melli Iran/Conselho, T‑390/08, Colet., p. II‑3967, n.° 91). Este princípio foi, aliás, consagrado no artigo 41.°, n.° 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais.

176    Por força deste princípio, o interessado deve ter tido a possibilidade, antes da adoção da decisão que lhe diz respeito, de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a relevância dos factos e circunstâncias alegados, com base nos quais esta decisão foi adotada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de julho de 1970, Buchler/Comissão, 44/69, Recueil, p. 733, n.° 9, Colet. 1969‑1970, p. 501, e de 3 de outubro de 2000, Industrie des poudres sphériques/Conselho, C‑458/98 P, Colet., p. I‑8147, n.° 99).

177    Daqui decorre que, em conformidade com estes princípios, não pode ser adotada uma decisão com fundamento em elementos de facto e em circunstâncias sobre os quais o interessado não teve a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista antes da adoção desta decisão.

178    Todavia, o direito de ser ouvido não implica necessariamente a realização de um debate público em qualquer processo instaurado contra uma pessoa e suscetível de culminar na adoção de um ato lesivo dos interesses desta.

179    O respeito dos direitos de defesa e do contraditório não implica, por conseguinte, que a adoção pelo Parlamento de uma decisão relativa ao levantamento da imunidade de um deputado seja necessariamente precedida de um debate em sessão plenária.

180    De resto, o recorrente não demonstra que tal princípio prevaleça amplamente no direito dos Estados‑Membros, nem mesmo no direito francês.

181    Com efeito, o Parlamento observou na audiência, sem ser contrariado pelo recorrente, que em França, desde 1995, é a comissão da Assembleia de que o deputado faz parte que compete decidir o levantamento da imunidade deste, e não à assembleia reunida em sessão plenária.

182    Em contrapartida, há que levar em conta o artigo 7.°, n.° 3, do Regimento, que prevê que o deputado que tenha sido alvo de um pedido de levantamento da sua imunidade terá a possibilidade de ser ouvido e poderá apresentar todos os documentos ou outros elementos de prova escritos que entender oportunos. Além disso, poderá fazer‑se representar por outro deputado.

183    Assim, no âmbito do processo estabelecido pelo Parlamento para a apreciação dos pedidos de levantamento da imunidade dos deputados, são conferidas ao interessado garantias suficientes, à luz dos direitos de defesa e do princípio do contraditório.

184    Por conseguinte, o recorrente não tem razão quando alega que o princípio do respeito dos direitos de defesa e do contraditório se opõem ao dispositivo procedimental em vigor no Parlamento no quadro do Regimento, nos termos dos seus artigos 7.° e 138.°, para tratamento dos pedidos de levantamento da imunidade.

185    Além disso, há que declarar que, no caso em apreço, o recorrente não contesta que foi ouvido pela Comissão dos Assuntos Jurídicos antes de esta ter aprovado a sua proposta de decisão.

186    Por outro lado, o recorrente não logrou demonstrar quais os elementos de facto ou circunstâncias que teriam sido levados em conta pela Comissão dos Assuntos Jurídicos ou pelo Parlamento e sobre os quais não teve a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista antes da aprovação da decisão relativa ao levantamento da sua imunidade.

187    Além disso, resulta dos fundamentos da decisão relativa ao levantamento da imunidade do recorrente que o Parlamento respondeu aos dois principais argumentos que este alega de novo no Tribunal Geral, a saber que agiu no exercício das suas funções e que existia um fumus persecutionis que justificava que a sua imunidade não fosse levantada.

188    Por conseguinte, há que considerar que o recorrente não demonstra que, no caso em apreço, tenham sido violados os seus direitos de defesa ou o princípio do contraditório.

—       Quanto ao direito de o deputado intervir no debate previsto no artigo 7.°, n.° 8, do Regimento

189    Tendo em conta as considerações anteriores, há que considerar inoperante a argumentação do recorrente de que é contrário ao respeito dos direitos de defesa e ao princípio do contraditório que não tenha o direito de intervir no debate em sessão plenária aquando da aprovação da decisão relativa ao levantamento da imunidade.

190    Com efeito, se, em aplicação do artigo 138.°, n.° 2, do Regimento, é possível inscrever na ordem do dia da sessão plenária para votação sem debate e sem alterações uma proposta de decisão relativa ao levantamento da imunidade de um deputado, é inoperante a alegação de que é ilegal o facto de não lhe ter sido dada a possibilidade de intervir nesse debate.

191    Daqui decorre, igualmente, que, nessas circunstâncias, não se pode censurar a Sr.ª A., que presidia a sessão plenária, por não ter deixado o recorrente intervir, para efeitos de debate do levantamento da sua imunidade, na medida em que não estava previsto qualquer debate.

—       Quanto às restantes alegações apresentadas pelo recorrente relativas à evolução do processo

192    No que diz respeito à objeção relativa ao facto de o debate na comissão competente ter tido lugar à porta fechada, importa observar que tal teve lugar com fundamento no artigo 103.°, n.° 4, do Regimento, e que, nos termos deste artigo, este procedimento é sempre aplicável ao exame dos pedidos de levantamento da imunidade, de modo a proteger o deputado em causa e a confidencialidade dos debates, como resulta do artigo 7.°, n.° 11, do Regimento.

193    Por conseguinte, o recorrente não foi alvo de tratamento diferente ou específico em relação ao tratamento normalmente reservado aos deputados ao Parlamento Europeu em circunstâncias análogas.

194    No que diz respeito à objeção relativa ao facto de o debate na comissão competente ter tido lugar antes de o teor do projeto de relatório ser conhecido pelo recorrente, o que não lhe permitiu defender‑se adequadamente, há que salientar que o recorrente não demonstrou que já existia um projeto de relatório aquando da sua audição em 26 de janeiro de 2011 e que este tinha sido previamente levado ao conhecimento dos membros da comissão competente, mas não ao seu conhecimento.

195    De qualquer modo, há que lembrar, a este respeito, que o recorrente não logrou demonstrar quais os elementos de facto ou circunstâncias, levados em conta pela Comissão dos Assuntos Jurídicos ou pelo Parlamento, sobre os quais não teve a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista antes da aprovação da decisão relativa ao levantamento da sua imunidade.

196    Daqui decorre que esta objeção deve ser julgada improcedente.

197    No que diz respeito à objeção relativa ao facto de os deputados que assistiram ao debate em comissão não terem sido os mesmos que participaram na votação nesta comissão, em primeiro lugar, há que considerar que o Parlamento tem razão quando alega, sem ser contrariado pelo recorrente quanto a este ponto, que não existe qualquer disposição ou regra interna que exija que a comissão tenha a mesma formação no debate e aquando da votação, desde que os quóruns sejam respeitados, o que se justifica pelo facto de não se tratarem de atos aprovados individualmente pelos deputados, mas sim de atos da comissão parlamentar.

198    Em segundo lugar, importa recordar que, segundo o procedimento estabelecido pelo Parlamento, depois de o pedido de levantamento da imunidade de um deputado ter sido transmitido à comissão competente, o deputado é ouvido por esta comissão. Seguidamente, é elaborado um relatório pelo membro da comissão designado relator, relatório ao qual é anexa a proposta de decisão. Este relatório, acompanhado da proposta de decisão, é, seguidamente, objeto de votação pelos membros da comissão.

199    Ora, o recorrente não logrou demonstrar que, no caso em apreço, este processo não foi seguido.

200    Além disso, há que salientar que a proposta de decisão objeto de votação na comissão expõe as razões pelas quais o Parlamento considerou que o recorrente não tinha agido no âmbito das suas funções enquanto deputado ao Parlamento Europeu e que não tinha sido demonstrado o fumus persecutionis.

201    De resto, recorde‑se novamente que o recorrente não demonstrou quais os elementos de facto ou circunstâncias os membros da Comissão dos Assuntos Jurídicos tomaram em conta aquando da votação e a respeito dos quais o recorrente não teve a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista.

202    Por fim, em terceiro lugar, no tocante um ato do Parlamento que reveste caráter político (v. n.° 59 supra), não pode ser estabelecido qualquer paralelismo com as regras que regulam os procedimentos disciplinares ou judiciais quanto à composição da instância deliberante chamada a pronunciar‑se sobre os referidos procedimentos.

203    Por conseguinte, a alegação deve ser julgada improcedente.

204    No que respeita à objeção relativa às diferenças de natureza processual em relação ao direito francês, mesmo que se admita que é procedente (v. n.° 181 supra), verifica‑se que a mesma é inoperante, na medida em que, no caso em apreço, não é aplicável o procedimento de aprovação da decisão previsto no direito francês, mas sim o procedimento previsto no Regimento.

205    Por conseguinte, esta objeção deve ser julgada improcedente.

206    Em consequência, há que julgar integralmente improcedente o sexto fundamento e a questão prévia de ilegalidade relativa ao artigo 7.°, n.° 8, terceiro parágrafo, do Regimento.

207    Em conclusão, há que negar provimento ao recurso de anulação no quadro do processo T‑346/11, relativo ao levantamento da imunidade do recorrente.

 Quanto à ação de indemnização no processo T‑346/11, relativa ao levantamento da imunidade

208    O recorrente limita‑se a apresentar um pedido de indemnização na sua petição.

209    O Parlamento contesta este pedido.

210    De acordo com jurisprudência assente, a responsabilidade extracontratual da União, na aceção do artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, por atuação ilícita dos seus órgãos, depende do preenchimento de um conjunto de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado às instituições, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre essa atuação e o prejuízo alegado (v. acórdão Gollnisch/Parlamento, referido no n.° 58 supra, n.° 90 e jurisprudência referida).

211    Estes três requisitos da responsabilidade da Comunidade são cumulativos (acórdãos do Tribunal de Justiça de 9 de setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, Colet., p. I‑5251, n.° 14, e do Tribunal Geral de 6 de dezembro de 2001, Emesa Sugar/Conselho, T‑43/98, Colet., p. II‑3519, n.° 59). Assim, a falta de um deles basta para a ação de indemnização ser julgada improcedente (acórdão do Tribunal Geral de 17 de dezembro de 2003, DLD Trading/Conselho, T‑146/01, Colet., p. II‑6005, n.° 74).

212    Uma vez que, no caso em apreço, o requisito da ilegalidade do comportamento imputado ao Parlamento não foi preenchido, a sua decisão de levantar a imunidade do recorrente não padece de qualquer ilegalidade (v. n.° 207 supra), pelo que esta instituição não pode ser considerada responsável com fundamento no artigo 340.°, segundo parágrafo, TFUE, e a ação de indemnização deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao recurso de anulação e à ação de indemnização no processo T‑347/11, relativo à decisão de recusa de defesa da imunidade do recorrente

213    O recorrente apresenta seis fundamentos, semelhantes aos fundamentos apresentados no quadro do processo T‑346/11, em apoio do recurso de anulação que interpôs da decisão do Parlamento de não defender a sua imunidade.

214    Em primeiro lugar, alega a violação do artigo 9.° do protocolo, em segundo lugar, o desrespeito da «jurisprudência assente» da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento, em terceiro lugar, a violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança legítima, em quarto lugar, o desrespeito pela independência do deputado, em quinto lugar, a violação das disposições do artigo 3.°, n.° 4, segundo parágrafo, do Regimento, relativas ao procedimento suscetível de conduzir à perda do mandato de um deputado, e, em sexto lugar, a violação do princípio do contraditório e dos direitos de defesa.

215    Além disso, o recorrente limita‑se a apresentar um pedido de indemnização na sua petição.

216    O Parlamento invoca, no essencial, a inadmissibilidade do recurso, na medida em que a decisão relativa à defesa da imunidade apenas constitui um parecer e não é suscetível de alterar a situação jurídica do interessado, invocando a jurisprudência resultante do acórdão Marra, referido no n.° 34 supra (n.° 44), e, simultaneamente, a extinção do interesse do recorrente em agir, na medida em que a sua decisão de levantamento da imunidade deste último foi aprovada ao mesmo tempo que a decisão de recusa de defesa da sua imunidade no quadro deste recurso.

217    Além disso, o Parlamento contesta a argumentação do recorrente e pede que sejam julgados improcedentes os fundamentos apresentados por este em apoio do seu recurso de anulação e o seu pedido de indemnização, por razões semelhantes às invocadas no quadro do processo T‑346/11.

218    Como foi reconhecido por jurisprudência assente, o objeto do litígio, conforme tenha sido determinado pela petição inicial, deve perdurar, assim como o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de ser declarada a inutilidade superveniente da lide, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs (acórdãos do Tribunal de Justiça de 7 de junho de 2007, Wunenburger/Comissão, C‑362/05 P, Colet., p. I‑4333, n.° 42; e do Tribunal Geral de 24 de setembro de 2008, Reliance Industries/Conselho e Comissão, T‑45/06, Colet., p. II‑2399, n.° 35).

219    Uma vez que é negado provimento ao recurso da decisão de levantar a imunidade (v. n.° 207 supra), há que considerar que o recorrente não pode retirar qualquer benefício de um acórdão que se pronuncie sobre a legalidade de decisão do Parlamento de não defender a sua imunidade.

220    Com efeito, mesmo que a decisão de não defender a imunidade do recorrente fosse anulada, o que é impossível, pois os fundamentos invocados são semelhantes aos julgados anteriormente improcedentes no que respeita à decisão de levantamento da imunidade, o acórdão de anulação não teria repercussões na situação jurídica daquele, visto que, de qualquer modo, se mantém o levantamento da sua imunidade, a qual, por conseguinte, não pode ser simultaneamente defendida pelo Parlamento.

221    Consequentemente, não há que conhecer do recurso de anulação no processo T‑347/11, relativo à decisão do Parlamento de não defender a imunidade do recorrente.

222    Quanto à ação de indemnização, importa lembrar, no quadro dos requisitos da responsabilidade extracontratual da União, recordados no n.° 210 supra, que, segundo jurisprudência assente, o requisito relativo à existência de um nexo de causalidade encontra‑se preenchido quando existe um nexo direto de causa e efeito entre o comportamento faltoso cometido pela instituição em causa e o dano invocado, recaindo sobre o recorrente o ónus da prova da existência do nexo. A União apenas pode ser responsável pelo dano que resulta de forma suficientemente direta do comportamento irregular da instituição em causa, isto é, este comportamento deve ser a causa determinante do dano. Em contrapartida, não incumbe à União reparar todas as consequências danosas, mesmo longínquas, dos comportamentos dos seus órgãos (v. acórdão Gollnisch/Parlamento, referido no n.° 58 supra, n.° 110 e jurisprudência referida).

223    No caso em apreço, uma vez que o Parlamento tinha de declarar que já não havia que conhecer do pedido de defesa da imunidade do recorrente, na medida em que lhe havia sido submetido um pedido de levantamento da imunidade deste, é forçoso concluir que só a decisão que se pronuncia sobre este pedido lhe poderia ter causado um prejuízo e poderia gerar a responsabilidade do Parlamento, caso fosse ilegal, o que não é, todavia, o caso (v. n.° 212 supra).

224    Daqui decorre que, de qualquer modo, não pode ser estabelecido qualquer nexo de causalidade entre o pretenso dano moral alegado pelo recorrente e as ilegalidades de que, segundo este, padece a decisão do Parlamento de não defender a sua imunidade.

225    Daqui decorre que a ação de indemnização deve ser julgada improcedente.

 Quanto às despesas

226    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

227     Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 6, do Regulamento de Processo, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal Geral decide livremente quanto às despesas.

228    Tendo o recorrente sido vencido no processo T‑346/11 e no quadro da ação de indemnização no processo T‑347/11, há que condená‑lo nas despesas, incluindo as efetuadas nos processos de medidas provisórias, em conformidade com os pedidos do Parlamento.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso de anulação e julgada improcedente a ação de indemnização no processo T‑346/11.

2)      Não há que conhecer do recurso de anulação no processo T‑347/11.

3)      É julgada improcedente a ação de indemnização no processo T‑347/11.

4)      Bruno Gollnisch é condenado nas despesas, incluindo as efetuadas nos processos de medidas provisórias atinentes aos processos T‑346/11 e T‑347/11.

Azizi

Frimodt Nielsen

Kancheva

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de janeiro de 2013.

Assinaturas

Índice


Quadro jurídico

Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades

Regimento do Parlamento

Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Observações preliminares

Quanto ao regime da imunidade parlamentar estabelecido pelo protocolo

Quanto à distinção que importa estabelecer entre o levantamento da imunidade e a defesa da imunidade na aceção do protocolo

Quanto ao exercício do direito de recurso e quanto ao alcance da fiscalização exercida pelo Tribunal Geral nesse quadro

Quanto ao recurso de anulação no processo T‑346/11, relativo ao levantamento da imunidade do recorrente

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 9.° do Protocolo, e quando ao quarto fundamento, relativo a um desrespeito pela independência do deputado

Quanto ao segundo e ao terceiro fundamentos, relativos, por um lado, à violação da «jurisprudência assente» da Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento em matéria de liberdade de expressão e de fumus persecutionis e, por outro, à violação dos princípios de segurança jurídica, de proteção da confiança legítima e da igualdade de tratamento

— Quanto à natureza jurídica da Comunicação n.° 11/2003 e à fiscalização exercida pelo Tribunal Geral

— Quanto ao ato impugnado

Quanto ao quinto fundamento, relativo ao desrespeito das disposições do Regimento relativas ao procedimento suscetível de conduzir à perda do mandato de um deputado

Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do princípio do contraditório e dos direitos de defesa

— Quanto à realização de um debate em sessão plenária

— Quanto ao direito de o deputado intervir no debate previsto no artigo 7.°, n.° 8, do Regimento

— Quanto às restantes alegações apresentadas pelo recorrente relativas à evolução do processo

Quanto à ação de indemnização no processo T‑346/11, relativa ao levantamento da imunidade

Quanto ao recurso de anulação e à ação de indemnização no processo T‑347/11, relativo à decisão de recusa de defesa da imunidade do recorrente

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.