Language of document : ECLI:EU:C:2023:647

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

JEAN RICHARD DE LA TOUR

apresentadas em 7 de setembro de 2023 (1)

Processo C822/21

República da Letónia

contra

Reino da Suécia

«Incumprimento de Estado — Diretiva 2014/49/UE — Sistemas de garantia de depósitos — Não transferência das contribuições para o fundo de garantia de depósitos — Efeito útil — Cooperação leal entre os Estados‑Membros da União Europeia»






I.      Introdução

1.        Pela presente ação por incumprimento, a República da Letónia acusa o Reino da Suécia de não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, relativa aos sistemas de garantia de depósitos (2). Mais precisamente, esta ação tem por objeto as modalidades de cobrança da cotização devida anualmente por determinados bancos ao sistema de garantia de depósitos (a seguir, «SGD») estabelecido no território de um Estado‑Membro, no contexto de cessões de sucursais bancárias situadas noutros Estados‑Membros que implicam, nos termos do referido artigo 14.o, n.o 3, a transferência das contribuições pagas por estas sucursais, durante os doze meses anteriores à cessão, ao SGD da sede do banco, para os SGD nacionais competentes na sequência destas cessões. A República da Letónia acusa igualmente o Reino da Suécia de, ao recusar esta transferência das contribuições, não ter cumprido as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE, ao exercer uma influência negativa na integração do mercado único, minando, assim, o princípio da confiança mútua (3) entre Estados‑Membros.

2.        Intervieram, em apoio da República da Letónia, a República da Estónia, a República da Lituânia e a Comissão Europeia. Com efeito, a sede do banco encontrava‑se na Suécia e as referidas sucursais cedidas encontravam‑se na Estónia, na Letónia e na Lituânia.

3.        Dado o reduzido número de ações por incumprimento entre Estados (4), este processo dará ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar as condições de admissibilidade de uma ação por incumprimento baseada no artigo 259.o, TFUE.

4.        No final do meu raciocínio, irei propor ao Tribunal de Justiça que declare a ação admissível, mas que a julgue improcedente quanto ao mérito, tendo em conta que uma interpretação puramente teleológica de uma diretiva não pode constituir fundamento para uma ação por incumprimento, se as disposições claras dessa diretiva tiverem sido literalmente transpostas e se não ficar provada uma prática contrária, geral e constante.

II.    Quadro jurídico

A.      Diretiva 2014/49

5.        São aplicáveis os considerandos 3 e 37, bem como o artigo 6.o, n.o 1, o artigo 7.o, n.o 1, o artigo10.o, n.os 1, 2, 6 e 8, o artigo l13.o, n.o 1, bem como o artigo 14.o, n.os 1 a 4, da Diretiva 2014/49.

B.      Direito sueco

6.        O artigo 13.o, da lag om insättningsgaranti (Lei relativa à Garantia de Depósitos) (5), de 20 de dezembro de 1995, prevê que a autoridade de garantia estabelece anualmente o montante das contribuições devidas e que estas são pagas num prazo de um mês após a data desta decisão.

7.        Nos termos do artigo 14.o, desta lei, se uma instituição de crédito for transferida, total ou parcialmente, e ficar assim sujeita a outro SGD, as contribuições por ela pagas durante os doze meses anteriores à transferência são transferidas para o outro SGD.

III. Antecedentes do litígio e procedimento précontencioso

8.        Um grupo europeu de serviços financeiros com sede na Suécia (Nordea Bank AB) e que pagava as contribuições devidas a título de garantia de depósitos ao SGD sueco, incluindo pelas suas sucursais situadas noutros Estados‑Membros, foi reestruturado durante 2017 e 2018.

9.        Em 1 de outubro de 2017, três sucursais (6) deste grupo presentes, respetivamente, na Estónia, na Letónia e na Lituânia, foram cedidas a outro banco. As autoridades de garantia de depósitos destes Estados‑Membros solicitaram, respetivamente, à autoridade de garantia de depósitos sueca a transferência das contribuições pagas por cada sucursal cedida. Esta autoridade, por decisão de 3 de outubro de 2017, opôs‑se a estes pedidos alegando que não tinha sido paga nenhuma quotização nos doze meses anteriores a 1 de outubro de 2017.

10.      Em 1 de outubro de 2018, o Nordea Bank, o cedente das referidas sucursais, transferiu a sua sede da Suécia para a Finlândia. A pedido da autoridade de garantia de depósitos finlandesa, a autoridade de garantia de depósitos sueca transferiu, em 4 de outubro e em 13 de novembro de 2018, as contribuições pagas por este grupo de serviços financeiros durante os doze meses anteriores a 1 de outubro de 2018.

11.      Na Suécia, as contribuições para o SGD são devidas, em relação ao período entre janeiro e dezembro, no prazo de um mês após a decisão da autoridade de garantia que fixou o montante (7). Assim, em relação ao ano de 2016, a decisão anual desta autoridade é datada de 2 de setembro de 2016 e o Nordea Bank pagou a sua quotização em 30 de setembro de 2016 (8). Em relação ao ano de 2017, esta autoridade adotou a sua decisão em 14 de setembro de 2017 e as contribuições foram pagas em 13 de outubro de 2017 (9). Relativamente ao ano de 2018, a decisão anual da referida autoridade é datada de 27 de setembro de 2018 e o Nordea Bank pagou as suas contribuições em 28 de setembro de 2018 (10).

12.      A República da Letónia e a República da Lituânia não contestaram a decisão de recusa de transferência das contribuições para o SGD sueco nos órgãos jurisdicionais suecos.

13.      Em contrapartida, a República da Estónia viu a sua contestação da decisão de recusa ser julgada improcedente pelo Acórdão confirmativo de 15 de maio de 2018 do Kammarrätten i Stockholm (Tribunal Administrativo de Recurso de Estocolmo, Suécia), com o argumento de que o direito sueco transpunha corretamente o direito da União. Pelo Acórdão de 7 de novembro de 2018, o Högsta förvaltningsdomstolen (Supremo Tribunal Administrativo, Suécia) não a autorizou a interpor recurso deste Acórdão confirmativo e rejeitou o seu pedido de decisão prejudicial, considerando que o litígio não dizia respeito a uma interpretação do direito da União que necessitasse de uma decisão prejudicial do Tribunal de Justiça.

14.      Em resposta à carta que lhe foi dirigida pela autoridade de garantia de depósitos letã em 27 de março de 2019, a Comissão reconheceu, numa carta datada de 9 de outubro de 2020, que a redação incompleta do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 não prevê, em substância, cenários de intervenção específicos no caso em que uma autoridade nacional de garantia de depósitos tenha tomado decisões como a de prorrogar o prazo de pagamento das contribuições, deixando assim a porta aberta a interpretações divergentes.

15.      As autoridades de garantia de depósitos estónia, letã e lituana deram início a um processo de mediação com a autoridade de garantia de depósitos sueca, sob a égide da Autoridade Bancária Europeia (a seguir, «ABE») que encerrou o processo por falta de acordo, no ano de 2019.

16.      Em conformidade com o artigo 259.o, segundo e terceiro parágrafos, TFUE, a República da Letónia apresentou, em 10 de maio de 2021, à Comissão, um pedido de parecer fundamentado (a seguir, «denúncia inicial»). Depois de ter solicitado observações ao Reino da Suécia e ouvido as partes, a Comissão emitiu um parecer fundamentado em 30 de julho de 2021, nos termos do qual considera que o Reino da Suécia, ao recusar transferir para o SGD letão as contribuições pagas pelo Nordea Bank pela sua sucursal letã nos doze meses anteriores à cessão, não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva. Em contrapartida, a Comissão considerou que a alegada violação, pelo Reino da Suécia, do princípio da cooperação leal consagrado pelo artigo 4.o, n.o 3, TUE não tinha ocorrido.

IV.    Tramitação processual no Tribunal de Justiça

17.      Por petição datada de 30 de dezembro de 2021, a República da Letónia intentou no Tribunal de Justiça uma ação por incumprimento contra o Reino da Suécia, nos termos da qual pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        declarar que o Reino da Suécia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49/CE, porquanto, ao recusar transferir para o SGD letão as contribuições pagas pela sucursal letã da Nordea Bank calculadas para o período de contribuição em conformidade com esta disposição, o Reino da Suécia agiu em desconformidade com o objetivo desta Diretiva e não garantiu o efeito útil das suas disposições;

–        declarar que o Reino da Suécia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 4.o, n.o 3, TUE porquanto, ao recusar transferir para o SGD letão as contribuições pagas pela sucursal letã da Nordea Bank calculadas para o período de contribuição em conformidade com o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, o Reino da Suécia exerce uma influência negativa na integração do mercado único, minando assim a confiança mútua (11) entre os Estados‑Membros, condição prévia para a integração transfronteiriça;

–        se o Tribunal de Justiça declarar que o Reino da Suécia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 e do artigo 4.o, n.o 3, TUE, impor ao Reino da Suécia a obrigação de sanar a infração mediante a transferência do SGD sueco para o SGD letão do montante integral das contribuições pagas pela sucursal letã do Nordea Bank, calculadas para o período de contribuição em conformidade com o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49;

–        no caso de o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 poder ser interpretado de forma estrita, indicar a sua compatibilidade com o objetivo desta Diretiva e a obrigação de o SGD sueco transferir para o SGD letão as contribuições pagas pela sucursal letã do Nordea Bank, e

–        condenar o Reino da Suécia nas despesas.

18.      Por decisões de 19, 25 e 30 de maio de 2022, a República da Estónia, a República da Lituânia e a Comissão foram respetivamente admitidas a intervir em apoio da República da Letónia.

19.      A República da Lituânia apoia o conjunto dos pedidos formulados na petição, ao passo que a República da Estónia apoia apenas o primeiro e terceiro pedidos, e a Comissão, apenas o primeiro.

20.      O Reino da Suécia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        negar provimento à ação;

–        condenar a República da Letónia nas despesas.

V.      Síntese dos argumentos das partes

A.      Quanto à admissibilidade

21.      A título preliminar, o Reino da Suécia interroga‑se sobre a possibilidade de a sua interpretação do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 ser posta em causa no quadro de uma ação por incumprimento, uma vez que, por um lado, a República da Letónia podia contestar a decisão tomada pela autoridade de garantia de depósitos sueca nos órgãos jurisdicionais nacionais suecos e, por outro lado, a ação por incumprimento é inadmissível se se limitar a pedir a interpretação do direito da União. A República da Suécia acrescenta que, além disso, se trata de uma disposição de harmonização mínima.

22.      No que respeita ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, o Reino da Suécia considera que a República da Letónia alterou o âmbito do litígio na sua fase judicial ao não fazer referência ao artigo 10.o desta Diretiva, que tinha sido invocado na audição organizada entre estes dois Estados‑Membros, pela Comissão, em 1 de julho de 2021.

23.      O Reino da Suécia alega que o segundo fundamento, relativo à violação do princípio da cooperação leal e baseado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, deve ser rejeitado porquanto, no decurso do processo administrativo, a República da Letónia invocou a violação do princípio da igualdade de tratamento, tendo em conta o tratamento reservado à República da Finlândia cujo SGD se encontrava na mesma situação que o SGD letão.

24.      No que respeita ao pedido da República da Letónia relativo ao pagamento das quotizações pelo SGD sueco ao SGD letão, o Reino da Suécia refere que a ação por incumprimento não pode ter por objeto o pagamento de uma indemnização.

25.      A República da Letónia replica, por um lado, que é necessário interpretar a Diretiva 2014/49, mesmo em caso de disposição de harmonização mínima, a fim de garantir que o seu objetivo de reforçar e manter a estabilidade do sistema bancário e a proteção dos depositantes é efetivamente atingido e, por outro lado, que a ação por incumprimento do artigo 259.o TUE não está condicionada ao esgotamento das vias de recurso internas.

26.      Quanto ao seu primeiro pedido de declaração de incumprimento, a República da Letónia nega ter alterado o objeto do litígio, que não foi estendido nem alterado em relação à sua denúncia inicial baseada no artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, considerando que se deve aplicar, por analogia, a jurisprudência relativa às ações por incumprimento da Comissão, que não impõe a coincidência perfeita entre o enunciado das acusações no dispositivo do parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, quando o objeto do litígio, tal como definido no parecer fundamentado, não tenha sido ampliado ou alterado.

27.      Quanto ao seu terceiro pedido, a República da Letónia alega que o incumprimento de que o Reino da Suécia é acusado não deve apenas ser declarado, mas deve igualmente cessar e que esta cessação só pode assumir a forma de pagamento ao SGD letão das contribuições recusadas, o que não corresponde a uma indemnização.

B.      Quanto à violação do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49

28.      A República da Letónia não contesta a realidade da transposição realizada pelo Reino da Suécia, considerando que o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 não deve ser interpretado de modo formal e literal como o faz o Reino da Suécia, mas em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, desta diretiva. Considera ainda que o incumprimento se caracteriza pela recusa de transferência das contribuições recebidas pelas atividades da sucursal letã.

29.      Com efeito, segundo a mesma, este artigo 14.o, n.o 3, que estabelece que «[s]e uma instituição de crédito deixar de ser membro de um SGD e aderir a outro SGD, as contribuições pagas durante os 12 meses anteriores à sua saída do primeiro SGD […] são transferidas para o outro SGD», deve ser interpretado tendo em conta o seu contexto e os objetivos prosseguidos. Acrescenta que o considerando 3 desta Diretiva é claro a este respeito, já que menciona que a referida «Diretiva constitui um instrumento essencial para a realização do mercado interno na ótica tanto da liberdade de estabelecimento como da liberdade de prestação de serviços financeiros no setor das instituições de crédito, reforçando simultaneamente a estabilidade do sistema bancário e a proteção dos depositantes». A República da Letónia retira daqui que, em caso de alteração de SGD, o SGD do Estado‑Membro de acolhimento deve receber as contribuições que foram calculadas e reclamadas, pelas atividades transferidas, para um período de doze meses, independentemente do momento em que as mesmas tenham sido efetivamente pagas. A mesma precisa que a interpretação formal deste artigo pelo Reino da Suécia priva de eficácia a Diretiva 2014/49, tanto mais que este Estado‑Membro prevê um prazo para o pagamento da contribuição que ultrapassa o ano.

30.      A República da Letónia acrescenta ainda que a lógica do mecanismo introduzido pela Diretiva 2014/49 consiste em as contribuições relativas aos doze meses anteriores à transferência de atividade deverem ser transferidas para o SGD do Estado‑Membro de acolhimento porquanto este último, na data da transferência, se torna responsável pelo pagamento da garantia devida aos depositantes afetados por esta atividade. A mesma refere que um mecanismo semelhante é implementado quando os depositantes de uma sucursal devem ser reembolsados: são reembolsados pelo SGD do Estado‑Membro de acolhimento, sob instruções do SGD do Estado‑Membro de origem que deve fornecer o financiamento necessário, antes do pagamento aos depositantes, e reembolsar as despesas incorridas pelo SGD do Estado‑Membro de acolhimento.

31.      A Comissão apoia o raciocínio desenvolvido pela República da Letónia, precisando que importa ter uma leitura conjugada do artigo 10.o, n.o 1, que prevê uma contribuição pelo menos anual, e do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, uma vez que estas duas disposições estão fundamentalmente ligadas com vista a garantir os objetivos desta Diretiva, designadamente, a solidariedade entre as instituições de crédito em caso de insolvência, mencionada no considerando 37 da referida Diretiva (12). Segundo a mesma, as contribuições foram pensadas como a contrapartida da garantia dos depósitos por um determinado período e, por conseguinte, devem ser transferidas quando o custo da garantia é transferido para outro SGD.

32.      A República da Estónia e a República da Lituânia concluem no mesmo sentido que a República da Letónia, uma vez que o SGD sueco recusou, pelas mesmas razões, transferir, na sequência da cessão das sucursais que se encontravam nos seus territórios, para os seus SGD nacionais, as contribuições pagas pelas atividades destas sucursais.

33.      Pelo contrário, o Reino da Suécia alega que a interpretação teleológica não pode ser utilizada para preencher uma lacuna do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 que não prevê uma solução exaustiva no que respeita à transferência de fundos de um sistema para o outro. Afirma que este artigo devia ser reformulado para ter em conta as hipóteses não previstas, como foi sugerido pela ABE e pelo European Forum of Deposit Insurers (13). O Reino da Suécia contesta igualmente, nomeadamente em razão da ausência de proporção entre o montante dos depósitos garantidos por uma instituição de crédito e o nível mínimo das contribuições, o alcance dado pela Comissão às consequências da interpretação literal do referido artigo em termos de efeitos prejudiciais para a realização do mercado interno e de violação da confiança no SGD e na cooperação entre os Estados‑Membros. Além disso, considera que a questão da ligação entre a transferência das atividades e, por conseguinte, do risco para outro Estado‑Membro e a transferência das contribuições, não se encontra regulado com clareza.

34.      O Reino da Suécia considera que a redação do artigo 10.o da Diretiva 2014/49 é habitual no direito da União e não impõe nem uma data específica de pagamento, nem que a contribuição paga pelo menos uma vez por ano diga respeito a um período específico de contribuição (nomeadamente, em caso de litígio em relação ao montante da contribuição).

35.      O Reino da Suécia salienta uma incoerência no raciocínio, uma vez que, se o pagamento tiver de ocorrer tendo em conta o período da contribuição (interpretação não literal do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49), a data do pagamento pelo menos anual perde relevância.

C.      Quanto à violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE

36.      A República da Letónia refere que a jurisprudência do Tribunal de Justiça retira do princípio da cooperação leal, protegido pelo artigo 4.o, n.o 3, TUE, a obrigação para os Estados‑Membros, por um lado, de adotarem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União e eliminarem as consequências ilícitas de uma violação deste direito e, por outro lado, de se respeitarem e assistirem mutuamente no cumprimento das atribuições decorrentes dos Tratados. A mesma deduz do acima exposto que a recusa do SGD sueco de transferir para o SGD letão as contribuições que recebeu pela sucursal letã é contrária ao princípio da cooperação leal, bem como ao princípio da igualdade, uma vez que, numa situação jurídica comparável, o SGD sueco aceitou transferir as contribuições para o SGD finlandês.

37.      Pelo contrário, o Reino da Suécia contesta o facto de que a aplicação literal do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 possa constituir uma violação do princípio da cooperação leal. O mesmo acrescenta que, na maioria dos casos de transferências de contribuições, é a data de pagamento efetivo que foi tida em conta pelo SGD do Estado‑Membro de origem. Além disso, refere que tratou de modo diferente o pedido do SGD finlandês, uma vez que, durante os doze meses anteriores à transferência da sede, foram pagas contribuições.

VI.    Análise

A.      Quanto à admissibilidade

38.      Primeiro, no que respeita ao objeto da ação por incumprimento, a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça é clara em dois pontos.

39.      Por um lado, o Tribunal de Justiça recorda que o procedimento instituído pelo artigo 259.o TFUE tem por objetivo obter a declaração e a cessação do comportamento de um Estado‑Membro que viola o direito da União (14), daqui concluindo que uma ação nos termos do artigo 259.o TFUE, que tem por objeto eventuais e futuros incumprimentos ou que se limita a pedir uma interpretação do direito da União, é inadmissível (15).

40.      Assim, contrariamente ao que expõe o Reino da Suécia, a ação por incumprimento da República da Letónia que visa o comportamento deste primeiro Estado‑Membro no que respeita ao pagamento das contribuições do SGD sueco ao SGD letão é admissível, uma vez que tem por objetivo a declaração de um incumprimento passado e que só por este motivo o segundo Estado‑Membro defende perante o Tribunal de Justiça uma interpretação da Diretiva 2014/49 quanto à forma em que se deve operar a transferência de contribuições aquando da transferência de atividades relacionadas com depósitos entre dois Estados‑Membros. Por outro lado, esta interpretação desta Diretiva foi retomada, pelo menos em parte, pela Comissão no parecer fundamentado de 30 de julho de 2021. Além disso, não foi contestado que o Reino da Suécia tenha transposto o artigo 14.o, n.o 3, da referida Diretiva. Assim, o primeiro fundamento da ação proposta pela República da Letónia, uma vez que não pede ao Tribunal de Justiça a interpretação de uma diretiva mas a declaração da violação de uma disposição de uma diretiva tal como interpretada por este Estado‑Membro e pela Comissão, parece‑me admissível.

41.      Por outro lado, o Tribunal de Justiça recorda que, numa ação por incumprimento, apenas lhe pode ser pedido que declare a existência do alegado incumprimento tendo como objetivo a sua cessação e, nomeadamente que inste um Estado‑Membro a adotar um determinado comportamento com vista a respeitar o direito da União (16).

42.      Ora, a República da Letónia não se limita a pedir a declaração do incumprimento alegado, mas pede igualmente que o Tribunal de Justiça imponha ao Reino da Suécia a obrigação de transferir para o SGD letão as contribuições pagas pelas atividades da sucursal letã do Nordea Bank para o SGD sueco, incluindo, a título subsidiário, no caso de o Tribunal de Justiça interpretar o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 de forma estrita. Em consequência, os pedidos da República da Letónia relativos à transferência das contribuições entre o SGD sueco e o SGD letão deverão ser declarados inadmissíveis.

43.      Segundo, no que respeita à questão relativa à alteração do âmbito do litígio entre a fase pré‑contenciosa e a fase contenciosa da ação, importa notar que, num contexto marcado pelo reduzido número de ações por incumprimento entre Estados (17), a questão da aplicação por analogia da jurisprudência do Tribunal de Justiça em matéria de ações por incumprimento propostas pela Comissão com fundamento no artigo 258.o TFUE nunca foi colocada. O presente processo permitirá ao Tribunal de Justiça clarificar a situação.

44.      Com efeito, o Tribunal de Justiça declarou que, numa ação por incumprimento, o processo pré‑contencioso tem por objetivo dar ao Estado‑Membro em causa a oportunidade para, por um lado, cumprir as obrigações resultantes do direito da União e, por outro, invocar utilmente os seus meios de defesa face às acusações formuladas pela Comissão. Por conseguinte, o objeto da ação intentada em aplicação do artigo 258.o TFUE é delimitado pelo procedimento pré‑contencioso previsto nessa disposição e não pode, como tal, ser alargado na fase contenciosa (18).

45.      O Tribunal de Justiça concluiu que o parecer fundamentado da Comissão e a ação devem basear‑se nos mesmos fundamentos e argumentos, pelo que o Tribunal de Justiça não pode examinar uma acusação que não tenha sido formulada no parecer fundamentado, o qual deve conter uma exposição coerente e detalhada das razões que criaram na Comissão a convicção de que o Estado‑Membro interessado não cumpriu uma das obrigações que lhe incumbem por força do Tratado (19). Contudo, esta exigência não pode chegar ao ponto de impor, em qualquer hipótese, a coincidência perfeita entre o enunciado das acusações no dispositivo do parecer fundamentado e os pedidos formulados na petição, quando o objeto do litígio, tal como definido no parecer fundamentado, não tenha sido ampliado ou alterado (20).

46.      Porém, o artigo 259.o, quarto parágrafo, TFUE prevê que a falta de parecer fundamentado da Comissão no prazo de três meses a contar da data do pedido do Estado‑Membro não o impede de recorrer ao Tribunal. Neste caso, o parecer fundamentado não pode servir para delimitar o debate.

47.      Parece‑me que, dado que resulta do artigo 259.o, segundo parágrafo, TFUE que a fase pré‑contenciosa da ação por incumprimento entre Estados é obrigatória, a primeira parte do raciocínio (21) pode perfeitamente ser transposta para o quadro do presente processo. Em contrapartida, para delimitar o âmbito do litígio, deverá ter‑se em conta, principalmente, o pedido formulado pelo Estado‑Membro e o parecer fundamentado, caso tenha sido apresentado.

48.      Assim, no que respeita ao primeiro incumprimento invocado, contrariamente ao que alega o Reino da Suécia, só através de uma leitura em apoio da interpretação teleológica do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 é que e pode concluir que o artigo 10.o, n.o 1, desta Diretiva entrou no debate durante a fase pré‑contenciosa por iniciativa da República da Letónia, tal como resulta do parecer fundamentado da Comissão. Além disso, o mesmo não é referido nem na conclusão da denúncia inicial nem na parte dispositiva do pedido da República da Letónia. Acresce que a referência a este artigo 10.o foi feita em termos semelhantes no pedido e na denúncia inicial, sem que fosse invocada a violação do referido artigo. Por conseguinte, este primeiro fundamento de inadmissibilidade deve ser julgado improcedente.

49.      No que respeita ao segundo incumprimento relativo à violação do princípio da cooperação leal, contrariamente ao resumo que foi feito dos pedidos da República da Letónia no parecer fundamentado, resulta da denúncia inicial da República da Letónia que, para fundamentar esta acusação, foram invocadas tanto a interpretação alegadamente errónea pelo Reino da Suécia do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, ignorando os objetivos desta Diretiva, como a violação da igualdade de tratamento entre o SGD letão e o SGD finlandês. Assim, foi dada a possibilidade ao Reino da Suécia de invocar os seus argumentos sobre estes dois pontos e o âmbito do litígio não foi nem alterado nem estendido na fase contenciosa. Este segundo fundamento de inadmissibilidade deve igualmente ser julgado improcedente.

50.      Quanto ao não esgotamento das vias de recurso nacionais, as partes, incluindo o Reino da Suécia, na sua tréplica, concordam que o artigo 259.o TFUE não impõe tal condição. Este fundamento de inadmissibilidade deve ser julgado improcedente.

B.      Quanto ao fundamento baseado no artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49

51.      É indiscutível que o Reino da Suécia transpôs literalmente, para a sua legislação nacional, o artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, prevendo, no artigo 14.o, da Lei relativa à Garantia de Depósitos que, em caso de transferência de uma instituição de crédito que tenha como consequência esta instituição passar a ser abrangida por outro SGD, as contribuições pagas durante os doze meses anteriores a esta transferência são transferidas para este outro SGD. O Reino da Suécia aplicou esta regra tendo em conta a data de pagamento das contribuições, tal como previsto no artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, o que teve por efeito a ausência de transferência de contribuições para os SGD estónio, letão e lituano em razão do pagamento das contribuições numa data anterior ou posterior ao período de doze meses anterior à transferência da instituição e uma dupla transferência em benefício do SGD finlandês.

52.      A República da Letónia, apoiada pela Comissão, bem como pelas Repúblicas da Estónia e da Lituânia, alega, a título principal, que há que fazer uma leitura não literal, mas puramente teleológica do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49 que se baseie, por um lado, na leitura conjugada desta disposição com o artigo 10.o, desta Diretiva e, por outro lado, nos objetivos da referida Diretiva, recordados nos considerandos 3 e 37, a saber, alcançar a realização do mercado interno reforçando a estabilidade do sistema bancário e a proteção dos depositantes e criando uma solidariedade entre todas as instituições de crédito de uma mesma praça financeira. A República da Letónia, bem como as Repúblicas da Estónia e da Lituânia e a Comissão retiram daqui como consequência que a transferência das contribuições deve corresponder à transferência de responsabilidade entre SGD na sequência da transferência de uma instituição de crédito.

53.      Primeiro, a leitura conjugada do artigo 14.o, n.o 3 e do artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/49 parece permitir, à primeira vista, considerar ou que o pagamento da contribuição para o SGD deve ser realizado uma vez por ano numa data fixa ou que este pagamento deve incidir sobre a contribuição devida pelos dozes meses anteriores.

54.      O pagamento de contribuições em data fixa necessita da possibilidade de se proceder a transferências em qualquer dia do ano, o que não é forçosamente possível.

55.      Quanto a considerar, com base nesta leitura conjugada do artigo 14.o, n.o 3 e do artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/49, que a contribuição que deve ser transferida é a devida pelos doze meses anteriores à transferência da instituição de crédito, tal implica a utilização de uma linha de pensamento ilógica, uma vez que, tal como salienta o Reino da Suécia, se o montante devido corresponder a um período (os doze meses anteriores), deixa de ser necessário indicar, tal como previsto no artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta diretiva, que o pagamento é anual.

56.      Além disso, a redação deste artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo é, no essencial, semelhante à estabelecida para as contribuições para os dispositivos de financiamento em matéria de resolução bancária (22) ou ao Fundo de Resolução Bancária (23) que prevê a cobrança de contribuições «pelo menos anuais», o que confere aos Estados‑Membros uma margem de manobra para organizarem esta cobrança. No entanto, não se prevê, em matéria de resolução bancária, a transferência das contribuições em caso de alteração de mecanismo de financiamento.

57.      Não obstante, o prazo de um mês previsto pelo artigo 13.o da Lei relativa à Garantia de Depósitos para proceder ao pagamento da contribuição não parece contrário ao artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/49, que não prevê outra obrigação além da de pagar pelo menos uma vez por ano a contribuição para o SGD. Além disso, o artigo 14.o, n.o 3, desta Diretiva limita‑se a visar os pagamentos efetuados «durante os 12 meses anteriores à […] saída do primeiro SGD».

58.      É certo que, relativamente ao que parece ser um defeito na redação do texto inicial da Diretiva 2014/49, a Comissão teve a ocasião de precisar a redação do artigo 14.o, n.o 3, desta Diretiva, na sua proposta de modificação da referida diretiva, datada de 18 de abril de 2023, referindo que, em caso de transferência entre dois SGD de Estados‑Membros diferentes de uma instituição de crédito ou de uma parte das suas atividades, o SGD de origem transfere para o SGD destinatário as contribuições devidas nos últimos 12 meses anteriores à alteração da qualidade de membro do SGD (24).

59.      Segundo, o artigo 10.o, n.o 2, da Diretiva 2014/49 estabelece que os recursos financeiros à disposição de um SGD devem atingir pelo menos um nível‑alvo de 0,8 % do montante dos depósitos cobertos dos seus membros. Ora, se, contrariamente ao que alega o Reino da Suécia, existir efetivamente uma ligação entre o montante da contribuição para o SGD e o montante dos depósitos garantidos no momento da fixação da contribuição (25), há que concluir que esta correlação é anulada desde logo (e na medida em) que este nível‑alvo tenha sido atingido.

60.      Com efeito, o artigo 10.o, n.o 2, segundo parágrafo, desta Diretiva prevê que «se a capacidade de financiamento [do SGD] ficar aquém do [referido] nível‑alvo, o pagamento das contribuições é retomado pelo menos até que o nível‑alvo volte a ser atingido».

61.      Por conseguinte, a chegada de uma nova instituição de crédito ao seio de um SGD aumentará mecanicamente o montante total dos depósitos garantidos e será suscetível de gerar um apelo à contribuição no seio deste SGD. Se esta instituição de crédito provier de um SGD de outro Estado‑Membro, esta chegada deverá ser acompanhada, se necessário, da transferência da contribuição que o mesmo pagou para o SGD do Estado‑Membro de origem nos doze meses anteriores à sua chegada e não gerará um novo apelo à contribuição, uma vez que a contribuição transferida cobre a proporção de novos depósitos garantidos.

62.      Ora, a chegada ao seio de um SGD de um Estado‑Membro de uma instituição de crédito de um país terceiro não será acompanhada de uma transferência de contribuições e o aumento do montante do nível‑alvo bem como a possível retoma ou o aumento das contribuições ficarão a cargo do conjunto das instituições de crédito abrangidas por este SGD.

63.      Do mesmo modo, a transferência de uma instituição de crédito proveniente de um SGD de um Estado‑Membro para o qual o nível‑alvo tenha sido atingido e para o qual não tenha sido paga nenhuma contribuição por aquela instituição durante os doze meses anteriores não só não implicará nenhuma transferência de contribuições para o SGD do Estado‑Membro de acolhimento mas poderá mesmo, tal como referido no número anterior das presentes Conclusões, levar a um aumento das contribuições a favor do SGD do Estado‑Membro de acolhimento em razão do aumento do montante dos depósitos garantidos e, por conseguinte, do nível‑alvo.

64.      Assim, existem inúmeras hipóteses nas quais a chegada de uma instituição de crédito ao seio de um SGD não implicará a transferência de contribuições em benefício desse SGD. Por conseguinte, é delicado argumentar com as consequências da transferência da instituição de crédito em termos de responsabilidade pela transferência das contribuições.

65.      Terceiro, no que respeita aos objetivos da Diretiva 2014/49 recordados nos considerandos 3 e 37, não me parece que os mesmos justifiquem uma leitura puramente teleológica do artigo 14.o, n.o 3, desta Diretiva.

66.      Com efeito, a partir do momento em que, tal como acima referido, não existe uma correlação estrita entre a transferência de responsabilidade e a transferência de contribuições, há que deduzir igualmente que o legislador da União assumiu esta discordância, procurando, ao mesmo tempo, a estabilidade do sistema bancário, bem como a proteção dos depositantes e instituindo a solidariedade entre instituições de crédito.

67.      Em todo o caso, a estabilidade do sistema bancário é procurada, antes de mais, através da garantia dos depósitos que visa evitar levantamentos em massa de valores depositados junto das instituições bancárias. Do mesmo modo, os depositantes são protegidos pela criação de um nível de cobertura de 100 000 euros por depositante e pela instituição de crédito em caso de indisponibilidade dos depósitos (26). Além disso, a solidariedade entre todas as instituições de crédito invocada no considerando 37 da Diretiva 2014/49 diz respeito às instituições de crédito de uma mesma praça financeira e não a todas as instituições de crédito da União: assim, não existe incoerência em fazer incidir o peso da responsabilidade eventual de uma nova instituição de crédito que chega a um SGD sem transferência de contribuições sobre as outras instituições de crédito que pertencem àquele SGD.

68.      Desde logo, é delicado concluir que, ao prever que só as contribuições para o SGD pagas nos doze meses anteriores à transferência da instituição de crédito serão transferidas para o SGD do Estado‑Membro de acolhimento, o Reino da Suécia ignorou as obrigações que lhe incumbem em aplicação do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, mesmo quando esta disposição é lida em conjugação com o artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo, desta Diretiva.

69.      No que respeita ao prazo de um mês após a decisão da autoridade de garantia de depósitos para pagar a contribuição, existe uma jurisprudência que aceita que uma prática que apresenta um determinado grau de generalidade e de constância não conforme com a transposição correta de uma diretiva pode ser objeto de uma ação por incumprimento (27).

70.      No caso em apreço, embora a fixação de tal prazo não pareça contrária à Diretiva 2014/49, importa analisar se existe uma prática do SGD sueco, geral e constante, não conforme a esta Diretiva ou à sua lei de transposição, que viole o princípio da transferência de contribuições previsto no artigo 14.o, n.o 3, da referida Diretiva.

71.      Com efeito, a contribuição para o ano de 2016 foi decidida em 2 de setembro de 2016 e paga em 30 de setembro de 2016, ou seja, no prazo de um mês. Quanto à contribuição para o ano de 2017, decidida em 14 de setembro de 2017, a mesma foi paga em 13 de outubro de 2017. Por último, a contribuição para o ano de 2018 foi decidida em 27 de setembro de 2018 e paga no dia seguinte.

72.      O artigo 14.o, n.o 4, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/49 estabelece que, «[s]e uma instituição de crédito tiver intenção de se transferir de um SGD para outro nos termos [da referida] diretiva, comunica essa intenção com uma antecedência mínima de seis meses».

73.      Assim, o mais tardar em 1 de abril de 2017, o Nordea Bank devia ter participado ao SGD sueco a sua intenção de ceder as suas sucursais em 1 de outubro de 2017. Do mesmo modo, o mais tardar em 1 de abril de 2018, o Nordea Bank devia ter informado este SGD da sua intenção de transferir a sua sede para a Finlândia.

74.      Embora possa parecer estranho que a autoridade de garantia de depósitos sueca tenha alterado a data da sua decisão de fixação do montante das contribuições para o SGD todos os anos, nos três anos analisados, tal não basta para fazer prova de uma prática geral, constante e deliberada com o objetivo de impedir a transferência de contribuições para outro SGD.

75.      Com efeito, se, ao fixar a cessão das sucursais em 1 de outubro de 2017, o Nordea Bank sabia que a contribuição para o ano de 2016 não iria ser transferida, uma vez que a mesma tinha sido paga em 30 de setembro de 2016, esta instituição não podia ignorar que, ao pagar em 13 de outubro de 2017, ou seja, após 30 de setembro de 2017, a sua contribuição para o ano de 2017 não iria ser transferida para os SGD dos Estados‑Membros de acolhimento das sucursais cedidas. Do mesmo modo, ao fixar a transferência da sua sede social em 1 de outubro de 2018 e ao pagar a sua contribuição para o ano de 2018 no dia seguinte à decisão que fixou o montante da contribuição, a saber, em 28 de setembro de 2018, o Nordea Bank sabia que as suas contribuições para os anos de 2017 e 2018 seriam pagas ao SGD finlandês.

76.      Em consequência, não só não foi feita prova da prática geral e constante do SGD sueco, uma vez que o período de três anos não é suficiente para estabelecer tal prática e que tal não implica automaticamente a recusa de transferência de contribuições, mas a não transferência das contribuições também resulta de uma escolha do Nordea Bank quanto à data do pagamento das mesmas para o SGD sueco.

77.      Em conclusão, não me parece que o Reino da Suécia tenha incumprido as suas obrigações decorrentes da leitura conjugada do artigo 14.o, n.o 3, e do artigo 10.o, n.o 1, segundo parágrafo, da Diretiva 2014/49 e, em consequência, o primeiro fundamento da ação deve ser julgado improcedente.

C.      Quanto ao fundamento baseado no artigo 4.o, n.o 3, TUE

78.      Recorde‑se que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora «resulte do princípio da cooperação leal, consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, que os Estados‑Membros são obrigados a adotar todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União» (28), «[u]m incumprimento da obrigação geral de cooperação leal que decorre do artigo 4.o, n.o 3, TUE só pode ser declarado na medida em que vise comportamentos distintos dos que constituem uma violação destas obrigações específicas imputada ao Estado‑Membro» (29).

79.      Devem desde logo ser analisados os dois motivos nos quais se baseia o pedido da República da Letónia.

80.      Por um lado, quanto à interpretação errónea do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49, que ignora os objetivos desta Diretiva, este incumprimento invocado incide na verdade sobre o mesmo comportamento que o que fundamenta o primeiro fundamento da ação, porquanto esta recusa está diretamente ligada à interpretação deste artigo 14.o, n.o 3. Tal como referiu a advogada‑geral T. Ćapeta, o facto de um Estado‑Membro ter um entendimento do direito da União diferente do da Comissão não constitui, por si só, uma violação do princípio da cooperação leal por parte desse Estado‑Membro (30). O mesmo se dirá quando um Estado‑Membro tem um entendimento do direito da União diferente do de outro Estado‑Membro. Por conseguinte, o fundamento baseado neste motivo improcede.

81.      Por outro lado, no que respeita à violação da igualdade no tratamento conferido aos pedidos do SGD estónio, letão e lituano, em comparação com o conferido ao pedido do SGD finlandês, importa salientar que esta alegação se baseia igualmente na interpretação controvertida do artigo 14.o, n.o 3, da Diretiva 2014/49.

82.      Em todo o caso, a violação da igualdade só pode ser declarada na hipótese de tratamento diferenciado de situações idênticas ou de tratamento idêntico de situações diferentes.

83.      Ora, no caso em apreço, as situações dos SGD estónio, letão e lituano, por um lado, e do SGD finlandês, por outro lado, são diferentes. Com efeito, durante os doze meses que precederam a alteração do SGD, ou seja, entre 1 de outubro de 2016 e 30 de setembro de 2017, não houve nenhum pagamento de contribuições para o SGD sueco pelas atividades das sucursais cedidas, ao passo que foram pagas contribuições para este SGD nos doze meses anteriores à transferência da sede para a Finlândia e estas contribuições foram transferidas para o SGD finlandês. Por conseguinte, o incumprimento do dever de cooperação leal não se pode basear neste motivo.

84.      O fundamento baseado no desrespeito do princípio da cooperação leal deve ser julgado improcedente.

VII. Conclusão

85.      À luz das considerações precedentes, proponho ao Tribunal de Justiça que decida o seguinte:

1)      A ação é julgada improcedente.

2)      A República da Letónia é condenada nas despesas.

3)      A República da Estónia e a República da Lituânia, bem como a Comissão Europeia, suportam as suas próprias despesas.


1      Língua original: francês.


2      JO 2014, L 173, p. 149.


3      Embora, nas conclusões do seu requerimento, a República da Letónia se baseie na violação do princípio da confiança mútua, a mesma faz referência, na fundamentação deste requerimento, ao princípio da cooperação leal (n.os 39 a 41). Por conseguinte, considero que, ao invocar a violação do artigo 4.o, n.o 3, TUE, a República da Letónia invoca a violação do princípio da cooperação leal.


4      V., nomeadamente, Acórdãos de 4 de outubro de 1979, França/Reino Unido (141/78, EU:C:1979:225); de 16 de maio de 2000, Bélgica/Espanha (C‑388/95, EU:C:2000:244); de 12 de setembro de 2006, Espanha/Reino Unido (C‑145/04, EU:C:2006:543); de 16 de outubro de 2012, Hungria/Eslováquia (C‑364/10, EU:C:2012:630); de 18 de junho de 2019, Áustria/Alemanha (C‑591/17, EU:C:2019:504), bem como de 31 de janeiro de 2020, Eslovénia/Croácia (C‑457/18, EU:C:2020:65).


5      SFS 1995, n.o 1571.


6      A seguir, «sucursais cedidas».


7      V. n.o 6 das presentes Conclusões.


8      Ou seja, doze meses e um dia antes da cessão das sucursais.


9      Ou seja, após a cessão das sucursais e menos de doze meses antes da transferência da sede para a Finlândia.


10      Ou seja, menos de doze meses antes da transferência da sede.


11      V. nota 3 das presentes Conclusões.


12      Este considerando enuncia o seguinte: «A proteção dos depósitos constitui um elemento fundamental de realização do mercado interno e um complemento indispensável do sistema de supervisão das instituições de crédito, em virtude da solidariedade que cria entre todas as instituições de uma mesma praça financeira em caso de insolvência por parte de qualquer delas. Consequentemente, os Estados‑Membros deverão poder autorizar os SGD a emprestarem dinheiro entre si numa base voluntária.»


13      Associação sem fins lucrativos que reúne, nomeadamente, os SGD.


14      V. Acórdão de 16 de outubro de 2012, Hungria/Eslováquia (C‑364/10, EU:C:2012:630, n.o 67 e jurisprudência referida).


15      V. Acórdão de 16 de outubro de 2012, Hungria/Eslováquia (C‑364/10, EU:C:2012:630, n.o 68).


16      V. Acórdão de 2 de abril de 2020, Comissão/Polónia, Hungria e República Checa (Mecanismo de recolocação temporária de requerentes de proteção internacional) (C‑715/17, C‑718/17 e C‑719/17, EU:C:2020:257, n.o 56 e jurisprudência referida)


17      V. Acórdãos referidos na nota 4 das presentes Conclusões.


18      V. Acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/França (C‑237/12, EU:C:2014:2152, n.o 74 e jurisprudência referida).


19      V. Acórdão de 4 de setembro de 2014, Comissão/França (C‑237/12, EU:C:2014:2152, n.o 74 e jurisprudência referida).


20      V. Acórdão de 27 de janeiro de 2021, Comissão/Áustria (IVA — Agências de viagem) (C‑787/19, não publicado, EU:C:2021:72, n.o 21).


21      V. n.o 44 das presentes Conclusões.


22      V. artigo 103.o, n.o 1, da Diretiva 2014/59/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, que estabelece um enquadramento para a recuperação e a resolução de instituições de crédito e de empresas de investimento e que altera a Diretiva 82/891/CEE do Conselho, e as Diretivas 2001/24/CE, 2002/47/CE, 2004/25/CE, 2005/56/CE, 2007/36/CE, 2011/35/CE, 2012/30/UE e 2013/36/UE e os Regulamentos (UE) n.o 1093/2010 e (UE) n.o 648/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho (JO 2014, L 173, p. 190).


23      V. artigo 70.o, n.o 1, do Regulamento (UE) n.o 806/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de julho de 2014, que estabelece regras e um procedimento uniformes para a resolução de instituições de crédito e de certas empresas de investimento no quadro de um Mecanismo Único de Resolução e de um Fundo Único de Resolução bancária e que altera o Regulamento (UE) n.o 1093/2010 (JO 2014, L 225, p. 1).


24      Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 2014/49/UE no respeitante ao âmbito da proteção dos depósitos, àutilização dos fundos dos sistemas de garantia de depósitos, àcooperação transfronteiriça e àtransparência [COM(2023) 228 final].


25      V. artigo 10.o, n.o 2, primeiro parágrafo, artigo 10.o, n.o 6, segundo parágrafo, artigo 10.o, n.o 8, e artigo 13.o, n.o 1, da Diretiva 2014/49.


26      V. artigo 6.o, n.o 1, e artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2014/49.


27      V. Acórdão de 22 de setembro de 2016, Comissão/República Checa (C‑525/14, EU:C:2016:714, n.o 14 e jurisprudência referida).


28      V. Acórdão de 17 de dezembro de 2020, Comissão/Eslovénia (Arquivos do BCE) (C‑316/19, EU:C:2020:1030, n.o 119 e jurisprudência referida).


29      V. Acórdão de 14 de julho de 2022, Comissão/Dinamarca (AOP Feta) (C‑159/20, EU:C:2022:561, n.o 75 e jurisprudência referida).


30      V. Conclusões da advogada‑geral T. Ćapeta no processo Comissão/Dinamarca (DOP Feta) (C‑159/20, EU:C:2022:198, n.o 84).