Language of document : ECLI:EU:T:2006:110

Processo T‑309/03

Manel Camós Grau

contra

Comissão das Comunidades Europeias

«Inquérito do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) relativo à gestão e ao financiamento do Instituto para as Relações Europa‑América Latina (IRELA) – Eventual conflito de interesses relativamente a um investigador – Retirada da equipa – Repercussões sobre o desenvolvimento do inquérito e sobre o conteúdo do relatório de inquérito – Relatório de encerramento do inquérito – Recurso de anulação – Admissibilidade – Pedido de indemnização – Admissibilidade»

Sumário do acórdão

1.      Funcionários – Recurso – Acto lesivo – Conceito – Actos que produzem efeitos jurídicos obrigatórios

(Artigo 230.° CE; Regulamento n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 9.°)

2.      Funcionários – Acção de indemnização – Objecto

(Artigos 235.° CE, 236.° CE e 288.° CE; Estatuto dos Funcionários, artigos 90.°, 90.°‑A e 91.°; Regulamento n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, artigo 14.°)

3.      Acção de indemnização – Autonomia relativamente ao recurso de anulação

(Artigos 230.°, quarto parágrafo, CE, 235.° CE e 288.°, segundo parágrafo, CE)

4.      Responsabilidade extracontratual – Condições

(Artigo 288.°, segundo parágrafo, CE)

1.      Constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação, na acepção do artigo 230.° CE, as medidas que produzam efeitos jurídicos obrigatórios que afectem os interesses do recorrente, modificando de forma caracterizada a situação jurídica deste.

Esse não é o caso de um relatório do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) que põe termo a um inquérito. Esse relatório, que não modifica de forma caracterizada a situação jurídica das pessoas que aí são nomeadas, não admite recurso de anulação, interposto por essas pessoas. É certo que esse relatório, que constitui um documento acabado, adoptado no termo de um procedimento administrativo autónomo por um serviço dotado de independência funcional, não pode, por este facto, ser qualificado de medida preparatória dos procedimentos administrativos ou dos processos judiciais susceptíveis de serem instaurados no seu seguimento, mas que podem, também, ser instaurados paralela ou anteriormente ao recurso ao OLAF. Todavia, é desprovido de efeitos jurídicos obrigatórios pois, embora ele possa recomendar às autoridades competentes dos Estados‑Membros e às instituições comunitárias a adopção de actos dotados de efeitos jurídicos obrigatórios que lesem as pessoas em causa, essas conclusões e recomendações não impõem nenhuma obrigação, mesmo processual, essas autoridades, que são livres de decidir o seguimento a dar ao relatório final e, portanto, são as únicas a poderem adoptar decisões susceptíveis de afectar a situação jurídica das pessoas a respeito das quais o relatório tenha recomendado a instauração de processos judiciais ou disciplinares.

Não podem conferir a esse relatório o carácter de acto lesivo, nem o facto de o mesmo padecer de irregularidades processuais e de violações de formalidades essenciais pois tais violações só podem ser atacadas através de um recurso dirigido contra um acto recorrível posterior, na medida em que tenham influenciado o seu conteúdo, e não de forma independente no caso de tal acto não existir, nem o facto, susceptível de caracterizar um prejuízo, de esse relatório poder afectar os interesses morais das pessoas nele designadas pelo nome, nem o facto de esse relatório ser adoptado, sob a autoridade do director, por um acto do OLAF.

(cf. n.os 47‑51, 55‑57)

2.      Antes da entrada em vigor, em 1 de Maio de 2004, do novo artigo 90.°‑A do Estatuto, que prevê a possibilidade de um funcionário submeter ao director do o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) um pedido na acepção do artigo 90.°, n.° 1, do Estatuto, convidando‑o a tomar uma decisão a seu respeito relacionada com um inquérito deste Organismo e no silêncio do artigo 14.° do Regulamento n.° 1073/1999, relativo aos inquéritos efectuados pelo OLAF, a ligação ao contencioso estatutário de uma acção de indemnização proposta por um funcionário contra a Comissão é destinada à reparação dos prejuízos alegadamente causados por um relatório deste Organismo não se impunha, pelo que o funcionário não era obrigado a seguir o processo fixado no artigo 90.° do Estatuto para apresentar esse pedido de indemnização.

(cf. n.os 70, 71)

3.      Além disso, a acção fundada em responsabilidade é uma via de recurso autónoma, com uma função particular no quadro do sistema das vias de recurso e está subordinada a condições de exercício concebidas em atenção ao seu objectivo específico. Assim, a inadmissibilidade do pedido de anulação de um relatório do Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) que põe termo a um inquérito, uma vez que está ligada à natureza do referido relatório, que não é um acto lesivo, não implica a inadmissibilidade do pedido de indemnização destinado a obter a reparação de vários prejuízos relacionados com a elaboração e a adopção do relatório, actos estes que estão alegadamente feridos de irregularidades, que são constitutivas de outras tantas ilegalidades.

Com efeito, os litigantes que, devido aos requisitos de admissibilidade previstos no artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, não podem impugnar directamente determinados actos ou medidas comunitárias, têm, no entanto, a possibilidade de pôr em causa um comportamento desprovido de carácter decisório e que, por este facto, não pode ser objecto de um recurso de anulação, intentando uma acção fundada em responsabilidade extracontratual prevista no artigo 235.° CE e no artigo 288.°, segundo parágrafo, CE, desde que a responsabilidade por esse comportamento possa ser atribuída à Comunidade. No âmbito dessa acção, têm a faculdade de invocar ilegalidades que foram alegadamente cometidas na elaboração e na adopção de um relatório administrativo, embora este não seja uma decisão que afecte directamente os direitos das pessoas que nele são mencionadas.

(cf. n.os 77‑80)

4.      Em matéria de responsabilidade da Comunidade por danos causados a particulares por violação do direito comunitário imputável a uma instituição ou a um órgão comunitário, o direito à reparação é reconhecido quando estiverem reunidas três condições, a saber: que a norma de direito violada tenha por objecto conferir direitos aos particulares, que a violação seja suficientemente caracterizada e que exista um nexo de causalidade directo entre a violação da obrigação que incumbe ao autor do acto e o dano sofrido pelas pessoas lesadas.

A este respeito, a norma da imparcialidade, que se impõe às instituições no cumprimento das missões de inquérito da natureza daquelas que são confiadas ao Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) constitui uma norma que tem por objecto conferir direitos aos particulares.

Constitui uma falta pela qual a Comunidade pode ser responsabilizada a violação grave e manifesta pelo OLAF da exigência de imparcialidade e que resulta, no caso dos autos, da existência de um conflito de interesses na pessoa de um inquiridor que exerceu influência determinante na condução do inquérito cuja orientação parcial e falaciosa levou, no relatório final, a uma apresentação falseada das responsabilidades exactas dos serviços em causa da instituição e, por conseguinte, dos seus membros sem que o OLAF tivesse extraído, no conteúdo do relatório, consequência alguma da sua decisão de afastar o inquiridor do inquérito.

(cf. n.os 100, 102, 125, 127, 128, 131, 140, 141)