Language of document : ECLI:EU:T:2015:514

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

15 de julho de 2015 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado europeu do aço para pré‑esforço — Fixação dos preços, repartição do mercado e troca de informações comerciais sensíveis — Decisão que constata uma infração ao artigo 101.° TFUE — Regras relativas à imputabilidade das práticas anti concorrenciais de uma filial à sua sociedade‑mãe — Presunção do exercício efetivo de uma influência determinante — Prazo razoável»

No processo T‑436/10 P,

HIT Groep BV, com sede em Haarlem (Países Baixos), representada inicialmente por G. van der Wal, G. Oosterhuis e H. Albers, e depois por van der Wal e Oosterhuis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por P. Van Nuffel, S. Noë e V. Bottka, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2010) 4387 final da Comissão, de 30 de junho de 2010, relativa a um processo nos termos do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/38344 — Aço para pré‑esforço), alterada pela Decisão C (2010) 6676 final da Comissão, de 30 de setembro de 2010, e pela Decisão C (2011) 2269 final da Comissão, de 4 de abril de 2001.

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por S. Frimodt Nielsen (relator), presidente, F. Dehousse e A. M. Collins, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 27 de junho de 2014,

profere o presente

Acórdão (1)

[omissis]

 Tramitação processual e pedidos das partes

65      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de setembro de 2010, a Hit Groep interpôs o presente recurso.

66      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 24 de dezembro de 2010, a Nedri pediu para intervir no presente recurso em apoio dos pedidos da Comissão, pedido que foi admitido por despacho do presidente da Primeira Secção do Tribunal Geral, de 28 de fevereiro de 2013. Todavia, por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de outubro de 2013, a Nedri informou o Tribunal Geral que retirava o seu pedido de intervenção. Consequentemente, por despacho do presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral, de 4 de dezembro de 2013, foi retirada do processo T‑436/10.

67      Por carta de 6 de maio de 2011, a Hit Groep pediu autorização para apresentar um novo fundamento, tendo em conta factos que foram revelados pela primeira vez na contestação.

68      Por decisão de 6 de junho de 2011, o Tribunal Geral pediu à Comissão para lhe facultar a segunda decisão modificativa. A Comissão deferiu esse pedido em 16 de junho de 2011.

69      Por carta de 26 de julho de 2011, a Hit Groep confirmou que requeria a possibilidade de adaptar os seus fundamentos na sequência da adoção da segunda decisão modificativa.

70      Por carta de 29 de julho de 2011, o Tribunal Geral deferiu esse pedido.

71      A fase escrita do processo terminou em 20 de outubro de 2011 com a apresentação, pela Comissão, da tréplica na língua do processo.

72      Na tréplica, a Comissão tomou posição sobre o pedido de adaptação dos fundamentos apresentado pela recorrente na réplica e sobre as observações que apresentou na sequência da adoção da segunda decisão modificativa.

73      Tendo sido alterada a composição das Secções do Tribunal Geral a partir de 23 de setembro de 2013, o juiz relator foi afetado à Sexta Secção, à qual, consequentemente, o presente processo foi atribuído em 3 de outubro de 2013.

74      O relatório preliminar, previsto no artigo 52.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, de 2 de maio de 1991, foi apresentado à Sexta Secção em 8 de novembro de 2013.

75      Em 17 de dezembro de 2013, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, de 2 de maio de 1991, o Tribunal Geral pôs por escrito questões à Comissão. Esta deu resposta a esse pedido em 6 de fevereiro de 2014. A recorrente apresentou as suas observações sobre a resposta da Comissão por documento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de março de 2014.

76      Em 14 de maio de 2014, com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral decidiu dar início à fase oral do processo.

77      Na audiência de 27 de junho de 2014, as partes foram ouvidas nas suas alegações e nas suas respostas às questões orais colocadas pelo Tribunal Geral.

78      A Hit Groep conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na parte em que ela lhe diz respeito, e, em especial, o artigo 1.°, ponto 9), alínea b), o artigo 2.°, ponto 9), e o artigo 4.°, ponto 22);

–        a título subsidiário, anular ou reduzir da forma que seja julgada adequada o montante da coima que lhe foi aplicada no artigo 2.°, ponto 9), da decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

79      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a Hit Groep nas despesas.

 Questão de direito

80      A Hit Groep apresenta, a título principal, três fundamentos em apoio do seu pedido de anulação da decisão impugnada e, a título subsidiário, dois fundamentos em apoio, desta vez, do seu pedido de anulação ou de redução do montante da coima que lhe foi aplicada.

81      A Hit Groep também apresentou um sexto fundamento a título complementar durante a fase escrita do processo.

82      O primeiro fundamento é relativo, por um lado, à violação do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE e, por outro, à falta de fundamentação, na medida em que decisão impugnada considera que a Hit Groep cometeu uma infração durante o período compreendido entre 1 de janeiro de 1998 e 17 de janeiro de 2002.

83      O segundo fundamento é relativo ao facto de a aplicação de uma coima à Hit Groep, que não tem atividade económica desde 1 de novembro de 2004, ser contrária aos objetivos do artigo 101.° TFUE, à política europeia em matéria de coimas e ao princípio da proporcionalidade, uma vez que, com efeito, esta coima não é adequada nem necessária.

84      O terceiro fundamento é relativo ao facto de a responsabilidade solidária da Hit Groep ter sido erradamente estabelecida para a infração cometida pela Nedri.

85      O quarto fundamento é relativo ao facto de o montante da coima que foi aplicada à Hit Groep estar errado na medida em que a Comissão:

–        ao tomar em consideração o volume de negócios da Hit Groep relativo ao ano de 2003, violou o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 e o princípio da proporcionalidade (primeira parte);

–        devia ter‑lhe concedido a mesma redução que concedeu à Nedri, a título da clemência, na medida em que a sua responsabilidade não excede a da Nedri (segunda parte);

–        procedeu a um cálculo diferente do montante da coima que lhe foi aplicada, quando a devia ter restringido a uma fração da coima aplicada à Nedri, uma vez que só foi considerada solidariamente responsável pela coima aplicada a esta última (terceira parte);

–        violou o princípio da igualdade de tratamento, porquanto não levou em conta, depois da aplicação do limite máximo de 10%, o período de tempo limitado durante o qual lhe foi imputada a responsabilidade pela infração cometida pela Nedri (quarta parte).

86      O quinto fundamento, apresentado a título subsidiário, é relativo à violação do prazo razoável pela Comissão.

87      O sexto fundamento é relativo ao facto de o montante de base da coima ter sido calculado sobre um período de atividade da Nedri que excede o período pelo qual a Hit Groep foi considerada solidariamente responsável com a sua filial.

88      Por último, na audiência, a recorrente suscitou um sétimo fundamento, relativo à violação do prazo razoável pelo Tribunal Geral.

 Quanto aos três primeiros fundamentos

 Recordatória de decisão impugnada

89      Resulta da decisão impugnada que, de 1 de janeiro de 1998 a 17 de janeiro de 2002, a recorrente detinha 100% do capital social da Nedri e que, por conseguinte, se pode presumir o exercício de uma influência determinante, presunção que, segundo a Comissão, a recorrente não conseguiu ilidir (considerandos 804 a 812 da decisão impugnada).

90      Consequentemente, a Comissão entendeu que a Nedri devia ser considerada responsável pela infração de 1 de janeiro de 1984 a 19 de setembro de 2002 e declarou a recorrente conjunta e solidariamente responsável com a Nedri pelo período de 1 de janeiro de 1998 a 17 de janeiro de 2002 (considerando 813 da decisão impugnada).

91      Nos termos do artigo 1.° da decisão impugnada:

«As seguintes empresas cometeram uma infração ao artigo 101.° TFUE e — a partir de 1 de janeiro de 1994 — cometeram uma infração ao artigo 53.° do Acordo EEE ao participarem, nos períodos indicados, num acordo e/ou prática concertada contínuos no sector do aço para pré‑esforço no mercado interno e, a partir de 1 de janeiro de 1994, no EEE:

[…]

9.      Empresas do grupo Nedri:

a)      Nedri Spanstaal BV, de 1 de janeiro de 1984 a 19 de setembro de 2002 e

b)      Hit Groep BV, de 1 de janeiro de 1998 a 17 de janeiro de 2002.»

92      Por último, no artigo 2.° da decisão impugnada, a Comissão impõe, por um lado, uma coima de 5 056 500 euros conjunta e solidariamente à Nedri e à Hit Groep e, por outro, uma coima de 1 877 500 euros à Hit Groep.

 Argumentos das partes

–       Quanto ao primeiro fundamento, relativo, por um lado, à violação do artigo 101.° TFUE e do artigo 53.° do Acordo EEE, na medida em que a decisão impugnada considera que a Hit Groep cometeu uma infração durante o período compreendido entre 1 de janeiro de 1998 e 17 de janeiro de 2002 e, por outro, à falta de fundamentação,

93      Em substância, a Hit Groep alega que, tanto na comunicação de objeções como na decisão impugnada, a Comissão apenas a considerou solidariamente responsável na sua qualidade de acionista que controlou e exerceu uma influência determinante sobre a Nedri.

94      Todavia, segundo a recorrente, a Comissão concluiu simultaneamente, sem referir as razões nem fundamentar a sua decisão sobre esta questão, que a própria recorrente tinha infringido o artigo 101.° TFUE.

95      A Hit Groep afirma que embora a infração possa, no caso em apreço, ser‑lhe imputada, isso não significa contudo que a tenha cometido materialmente. Considera que não é, com efeito, a autora nem a coautora da infração, mas que assume somente uma responsabilidade pelo comportamento da Nedri.

96      Ora, segundo a Hit Groep, essa responsabilidade não tem a mesma intensidade que a de uma empresa que comete materialmente a infração, facto que deveria ter uma incidência sobre o montante da coima.

97      A Comissão contesta esta argumentação.

–       Quanto ao segundo fundamento, relativo ao facto de a aplicação de uma coima à Hit Groep, que não tem atividade económica desde 1 de novembro de 2004, ser contrária aos objetivos do artigo 101.° TFUE, à política europeia em matéria de coimas e ao princípio da proporcionalidade, uma vez que esta coima não é, neste caso, adequada nem necessária.

98      Referindo‑se ao acórdão de 11 de dezembro de 2007, ETI e o. (C‑280/06, Colet., EU:C:2007:775), bem como às conclusões da advogada‑geral Kokott nesse processo (EU:C:2007:404), a Hit Groep sustenta, em substância, que, embora seja verdade que nem ela nem a Nedri desapareceram nem foram transferidas para uma pessoa coletiva ou para uma empresa terceira, ela própria deixou de ter atividade no mercado a partir de 1 de novembro de 2004 (isto é, mais de cinco anos antes de ser punida pela Comissão), que só foi punida na sua qualidade de sociedade‑mãe da Nedri, a qual cometeu a infração sozinha, e que, consequentemente, a coima não terá nenhum efeito dissuasivo no que lhe diz respeito.

99      Por conseguinte, segundo a recorrente, esta sanção não está conforme com os objetivos da política de concorrência e não é proporcionada, dado que não é nem adequada nem necessária para alcançar o objetivo do artigo 101.° TFUE.

100    Em substância, a recorrente considera que nestas circunstâncias, o princípio da continuidade económica devia levar a que só fosse punida a pessoa coletiva que cometeu a infração, isto é, a Nedri, uma vez que ela própria, que era apenas uma holding, não era mais que uma entidade vazia.

101    Com efeito, segundo a recorrente, se uma holding, como ela própria, cede uma filial que cometeu uma infração e essa holding cessa em seguida a sua atividade económica, a continuidade económica do antigo grupo assenta na entidade que cometeu a infração e é esta entidade que deve ser punida com a coima e não a holding economicamente inativa.

102    Além disso, a Hit Groep sustenta que a possibilidade de que goza a Comissão de optar entre punir a sociedade‑mãe ou a filial, de acordo com a jurisprudência, deveria tê‑la levado, por uma questão de eficiência, a punir apenas a Nedri.

103    Por outro lado, a Hit Groep adianta que, segundo jurisprudência constante, a Comissão não pode fixar o montante da coima aplicada a uma filial com base no volume de negócios da ex‑sociedade‑mãe se, na data da adoção da decisão, a empresa foi cindida, dado que o volume de negócios da ex‑sociedade‑mãe já não reflete a efetiva capacidade económica dessa empresa. Consequentemente, a Comissão deveria ter fixado o montante da coima fazendo‑a corresponder à sua capacidade económica efetiva, que, dado o seu volume de negócios limitado e a sua falta de atividade económica, era (e continua a ser) nula. Assim, esta situação deveria ter levado a punir apenas a Nedri.

104    A Comissão contesta esta argumentação.

–       Quanto ao terceiro fundamento, relativo ao facto de ter sido erradamente que a Hit Groep foi considerada solidariamente responsável pela infração cometida pela Nedri

105    A Hit Groep foi considerada solidariamente responsável pela infração cometida pela Nedri em relação ao período de 1 de janeiro de 1998 a 17 de janeiro de 2002.

106    Todavia, a Hit Groep sublinha que a Comissão não se expressou acerca do período de 1 de maio de 1987 e 1 de maio de 1994, durante o qual, no entanto, também detinha 100% do capital social da sua filial. Em relação ao período de 1 de maio de 1994 a 31 de dezembro de 1997, a Comissão considerou que não dispunha de prova do exercício de uma influência determinante sobre a Nedri.

107    No entanto, a Hit Groep considera, em substância, ter demonstrado, no âmbito do procedimento administrativo, que tinha ilidido a presunção segundo a qual uma sociedade‑mãe que detém 100% do capital social de uma filial que cometeu uma infração exerce uma influência determinante sobre o comportamento da sua filial.

108    Recorda que, durante o período de 1 de janeiro de 1998 a 17 de janeiro de 2002, era uma holding financeira (sociedade gestora de participações sociais).

109    A recorrente considera que a natureza de uma holding desse tipo, o seu modo de funcionamento e a extensão das suas participações sociais obstam a que se possa considerar que essa pessoa coletiva exerce uma influência determinante sobre uma filial, mesmo que disponha de uma participação de 100% nesta, a menos que a Comissão estabeleça prova em contrário.

110    A este propósito, a Hit Groep observa, em primeiro lugar, que a Comissão se baseia numa instrução (directie‑instructie) que data de maio de 1994. Ora, essa instrução data de quatro anos antes do período relativamente ao qual a Comissão considerou demonstrado o exercício de uma influência determinante. Além disso, considera, em substância, que essa instrução não diz respeito à gestão corrente nem à política comercial da filial e que não vai além do mero exercício dos direitos que a lei e os estatutos conferem a uma holding enquanto acionista. Por último, segundo a Hit Groep, tanto a Nedri como ela própria alegaram que o estatuto dessa instrução não era claro e a Nedri, apesar das suas alegações a seu respeito, não deu a essa instrução o alcance que lhe dá a Comissão.

111    Em segundo lugar, observa que a Comissão de baseia na existência do grupo diretor que se reunia cerca de cinco vezes por ano. A recorrente contesta ter admitido que eram debatidos no âmbito desse grupo a evolução geral dos negócios e outras questões importantes. Alega que só dispunha de dois empregados, quando o número das suas participações ascendia a 11 em 1994 e atingiu as 26 em 2001. Considera que, nessas circunstâncias, a Comissão não se podia contentar em referir que a Hit Groep exercia uma influência determinante sem acrescentar outros esclarecimentos a esse respeito, embora, efetivamente, esta pedisse à Nedri para ser mantida informada da evolução geral dos negócios e dos assuntos que tivessem interesse para si. A Hit Groep considera que a Comissão não forneceu fundamento nem prova do alcance da concertação no âmbito do grupo diretor.

112    Em terceiro lugar, observa que a Comissão se apoiou numa declaração da responsabilidade da Nedri, que indicava que, durante as reuniões do grupo diretor, eram discutidos todos os aspetos comerciais. Considera já se ter explicado sobre esta questão no âmbito do procedimento administrativo e que essas declarações são apenas as de uma parte implicada na infração sem serem sustentadas por provas escritas ou declarações de terceiros.

113    Em contrapartida, a Hit Groep considera que decorre da evolução dos negócios que não exerceu influência sobre a sua filial. Com efeito, considera, em substância, que a Nedri iniciou a sua participação no cartel em 1984, ou seja, catorze anos antes de se ter considerado que a Hit Groep exercia uma influência determinante sobre a Nedri, e que esta prosseguiu a sua participação até ao outono de 2002, quando ela própria tinha cedido essa filial. Segundo a Hit Groep, fica assim demonstrado o caráter autónomo do comportamento da Nedri.

114    Por último, a recorrente considera, em substância, que não têm fundamento as alegações das Comissão segundo as quais também tinha atividade no setor do aço e, por conseguinte, as atividades comerciais da Nedri estavam associadas ao seu próprio domínio de atividade. Acrescenta que a Comissão nunca sustentou que a Hit Groep estava ao corrente da infração cometida pela Nedri e que ela própria sempre negou ter tido conhecimento dessa infração, o que torna irrelevantes as alegações da Comissão segundo as quais tinha desenvolvido atividades no setor do aço, as quais, de toda a maneira, não respeitavam ao setor do APE.

115    A Comissão contesta esta argumentação.

 Apreciação do Tribunal Geral

116    Cumpre analisar, sucessivamente, o terceiro fundamento e depois o primeiro e o segundo fundamentos.

–       Recordatória dos princípios

117    Constitui jurisprudência constante que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. Quanto a este aspeto, o Tribunal de Justiça precisou, por um lado, que, neste contexto, o conceito de empresa deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas, e, por outro, que, quando tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (v. acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, Colet., EU:C:2011:620, n.° 53 e jurisprudência referida).

118    Resulta também de jurisprudência constante que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe quando, designadamente, embora tendo uma personalidade jurídica distinta, esta filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica, no essencial, as instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe, atendendo em especial aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essas duas entidades jurídicas (v. acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.° 54 e jurisprudência referida).

119    Com efeito, nessa situação, uma vez que a sociedade‑mãe e a sua filial fazem parte de uma mesma unidade económica e, portanto, formam uma única empresa na aceção do artigo 101.° TFUE, a Comissão pode dirigir à sociedade‑mãe uma decisão que aplica coimas, sem que seja necessário demonstrar o envolvimento pessoal desta última na infração (v. acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.° 55 e jurisprudência referida). Por outras palavras, não é necessariamente uma relação de incentivo à infração entre a sociedade‑mãe e a sua filial nem, por maioria de razão, uma implicação da primeira na referida infração que permite que a Comissão dirija à sociedade‑mãe a decisão que aplica coimas, mas sim o facto de as sociedades em causa constituírem uma única empresa na aceção do artigo 101.° TFUE. (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.° 88).

120    Por outro lado, o Tribunal de Justiça precisou que, no caso especial em que uma sociedade‑mãe detém 100% do capital da sua filial que cometeu uma infração às regras da concorrência da União, por um lado, essa sociedade‑mãe pode exercer uma influência determinante no comportamento dessa filial e, por outro, existe uma presunção ilidível segundo a qual essa sociedade‑mãe exerce efetivamente essa influência (a seguir «presunção do exercício efetivo de uma influência determinante») (v. acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.° 56 e jurisprudência referida).

121     A presunção do exercício efetivo de uma influência determinante tem nomeadamente por objetivo encontrar um equilíbrio, por um lado, entre a importância do objetivo de reprimir os comportamentos contrários às regras de concorrência, em particular o artigo 101.° TFUE, e prevenir a sua reprodução e, por outro, as exigências decorrentes de certos princípios gerais de direito da União como, nomeadamente, os princípios da presunção de inocência, da pessoalidade das penas e da segurança jurídica, bem como os direitos de defesa, incluindo o princípio da igualdade de armas. É, nomeadamente, por esta razão que a presunção em causa é ilidível (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.° 59). Daqui resulta que essa presunção é proporcionada ao objetivo legítimo prosseguido (acórdão de 18 de julho de 2013, Schindler Holding e o./Comissão, C‑501/11 P, Colet., EU:C:2013:522, n.° 108).

122    Basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência determinante na política comercial dessa filial. A Comissão pode, em consequência, considerar que a sociedade‑mãe é solidariamente responsável pelo pagamento da coima aplicada à sua filial, a menos que essa sociedade‑mãe, à qual incumbe ilidir a presunção, apresente elementos de prova suficientes suscetíveis de demonstrar que a sua filial se comporta de forma autónoma no mercado (v. acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.° 57 e jurisprudência referida).

123    Importa precisar que, embora o Tribunal de Justiça, na sua jurisprudência, tenha evocado, exceto quanto à detenção de 100% do capital social da filial, outras circunstâncias, como a inexistência de contestação da influência exercida pela sociedade‑mãe sobre a política comercial da sua filial e a representação comum das duas sociedades durante o procedimento administrativo, não é menos verdade que essas circunstâncias não foram salientadas pelo Tribunal de Justiça com o objetivo de subordinar a aplicação da presunção à produção de indícios suplementares relativos ao exercício efetivo de uma influência da sociedade‑mãe. Por outras palavras, a Comissão não está obrigada, para aplicar a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante num determinado caso, a apresentar indícios suplementares àqueles que demonstram a aplicabilidade e concretizam a natureza desta presunção (v., neste sentido, acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.° 80 e jurisprudência referida).

124    Além disso, a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante baseia‑se numa constatação nos termos da qual, exceto em circunstâncias verdadeiramente excecionais, uma sociedade que detenha a totalidade do capital de uma filial pode, pela simples razão desta participação no capital, exercer uma influência determinante no comportamento da filial e, por outro, que o motivo para o não exercício efetivo deste poder de influência pode, regra geral, ser utilmente procurado na esfera das entidades em relação às quais a presunção se aplica. Neste contexto, se, para ilidir a presunção em causa, fosse suficiente que o interessado emitisse simples afirmações não sustentadas, a mesma seria amplamente privada da sua utilidade (acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.os 60 e 61).

125    Resulta de jurisprudência constante que o simples facto de a sociedade‑mãe ser uma holding não basta para excluir que tenha exercido uma influência determinante sobre a referida filial. Com efeito, no contexto de um grupo de sociedades, uma holding, que coordena, nomeadamente, os investimentos financeiros do grupo, é uma sociedade que tem por vocação agrupar as participações nas diversas sociedades e por função assegurar a unidade de direção, nomeadamente através desse controlo orçamental (v., neste sentido, acórdãos de 8 de outubro de 2008, Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, T‑69/04, Colet., EU:T:2008:415, n.° 63; de 13 de julho de 2011, Shell Petroleum e o./Comissão, T‑38/07, Colet., EU:T:2011:355, n.° 70 e jurisprudência referida, e de 29 de junho de 2012, E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, T‑360/09, Colet., EU:T:2012:332, n.° 283).

126    Por outro lado, para apurar se uma filial determina de modo autónomo o seu comportamento no mercado, há que ter em consideração todos os elementos pertinentes relativos aos vínculos económicos, organizacionais e jurídicos que unem essa filial à sociedade‑mãe, que podem variar de caso para caso e que, como tal, não podem ser objeto de uma enumeração exaustiva. (acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, Colet., EU:C:2009:536 n.° 74).

127    Não se deve restringir esta apreciação apenas aos elementos relacionados com a política comercial stricto sensu da filial, tal como a estratégia de distribuição ou de preços. Em especial, a presunção relativa ao exercício efetivo de uma influência determinante não podia ser ilidida apenas demonstrando que é a filial que gere estes aspetos específicos da sua política comercial sem receber orientações a esse respeito (v. acórdão de 16 de junho de 2011, FMC/Comissão, T‑197/06, Colet., EU:T:2011:282, n.° 105 e jurisprudência referida).

128    Do mesmo modo, dado que a autonomia da filial não é avaliada a respeito dos meros aspetos da gestão operacional da empresa, o facto de a filial nunca ter executado, em benefício da sociedade‑mãe, uma política informativa específica sobre o mercado em causa não é suficiente para demonstrar a sua autonomia (acórdão FMC/Comissão, n.° 127 supra, EU:T:2011:282, n.° 145).

129    Além disso, o facto de não resultar dos autos que a sociedade‑mãe tenha dado instruções à sua filial não é suficiente para provar que essas instruções não existiram (v. acórdão de 7 de junho de 2011, Arkema France e o./Comissão, T‑217/06, Colet., EU:T:2011:251, n.° 118 e jurisprudência referida).

130    Além disso, a imputação do comportamento ilícito de uma filial à sua sociedade‑mãe não implica a prova de que a sociedade‑mãe influencia a política da sua filial no domínio específico que constitui o objeto da infração (acórdãos Shell Petroleum e o./Comissão, n.° 125 supra, EU:T:2011:355, n.° 70, e de 13 de julho de 2011, Eni/Comissão, T‑39/07, Colet., EU:T:2011:356, n.° 97).

131    Além disso, uma sociedade‑mãe pode ser considerada responsável por uma infração cometida por uma filial, mesmo quando exista um grande número de sociedades operacionais num grupo (acórdãos de 20 de abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑325/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colet., EU:T:1999:80, n.° 989, e de 27 de setembro de 2012, Shell Petroleum e o./Comissão, T‑343/06, Colet., EU:T:2012:478, n.° 52).

132    Por outro lado, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida pelo artigo 296.° TFUE deve ser adaptada à natureza do ato em causa e evidenciar, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição autora do ato, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adotada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato possam ter em obter explicações. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.° TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor literal mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., EU:C:1998:154, n.° 63; de 30 de setembro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑301/96, Colet., EU:C:2003:509, n.° 87; e de 22 de junho de 2004, Portugal/Comissão, C‑42/01, Colet., EU:C:2004:379, n.° 66).

133    Quanto ao princípio da proporcionalidade, cabe recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o mesmo exige que os atos das instituições da União não excedam os limites do que é adequado e necessário para a realização dos objetivos legítimos prosseguidos pela regulamentação em causa, sendo que, quando se proporcione uma escolha entre várias medidas adequadas, se deve recorrer à menos restritiva, e que os inconvenientes causados não devem ser desproporcionados face aos objetivos prosseguidos (v. acórdão de 17 de outubro de 2013, Schaible, C‑101/12, Colet., EU:C:2013:661, n.° 29 e jurisprudência referida).

–       Quanto ao mérito do terceiro fundamento

134    A Hit Groep, que não contesta que detinha 100% do capital social da sua filial Nedri, sustenta em substância que, sendo ela própria uma holding, a titularidade de 100% do capital social de uma filial não permitia à Comissão considerar que tinha exercido uma influência determinante sobre esta.

135    Com efeito, cabia à Comissão fazer a prova dessa influência, o que não conseguiu, uma vez que os elementos complementares em que se apoiou não permitem chegar a essa conclusão.

136    Em contrapartida, a recorrente alega que, pelo seu lado, ilidiu a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante.

137    Todavia esta argumentação deve ser rejeitada.

138    Dado que a Hit Groep possuía 100% do capital social da sua filial durante o período da infração que lhe é imputado, a Comissão podia alegar uma presunção do exercício efetivo de uma influência determinante e não lhe competia juntar outros elementos de prova a esse respeito (v. acórdão Elf Aquitaine/Comissão, n.° 117 supra, EU:C:2011:620, n.° 63 e jurisprudência referida).

139    Daqui decorre que a falta de pertinência dos elementos de prova suplementares apresentados pela Comissão (a saber, a instrução de maio de 1994, a existência e a incidência do grupo diretor e as declarações da Nedri), admitindo que esteja demonstrada, não é, em todo o caso, relevante para responsabilizar a recorrente, uma vez que a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante é suficiente para responsabilizar a Hit Groep, exceto se esta puder ilidir a referida presunção, o que, todavia, não fez.

140    Com efeito, o facto de a Hit Groep ser uma holding, ainda que não operacional, não é suficiente para afastar a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante (v., neste sentido, acórdãos Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, n.° 125 supra, EU:T:2008:415, n.° 63; Shell Petroleum e o./Comissão, n.° 125 supra, EU:T:2011:355, n.° 70 e jurisprudência referida; e E.ON Ruhrgas e E.ON/Comissão, n.° 125 supra, EU:T:2012:332, n.° 283) e não implica nenhuma inversão do ónus da prova, conforme sustenta erradamente a Hit Groep.

141    A este respeito, é irrelevante que a sociedade‑mãe se limite a gerir as suas participações, tendo em conta a sua natureza social e o seu objeto estatutário (v., neste sentido, acórdãos Schunk e Schunk Kohlenstoff‑Technik/Comissão, n.° 125 supra, EU:T:2008:415, n.° 70, e FMC/Comissão, n.° 127 supra, EU:T:2011:282, n.° 130). Além disso, a imputação do comportamento ilícito da Nedri à sua sociedade‑mãe não implica a prova de que a Hit Groep tenha influenciado a política da sua filial no domínio específico que é objeto da infração (v., neste sentido, acórdãos Shell Petroleum e o./Comissão, n.° 125 supra, EU:T:2011:355, n.° 70, e Eni/Comissão, n.° 130 supra, EU:T:2011:356, n.° 97).

142    Daqui decorre que o facto de a própria sociedade‑mãe não ter estado ativa no setor do APE também não é suficiente para ilidir a presunção do exercício efetivo de uma influência determinante, o que leva a afastar a argumentação da Hit Groep sobre esta questão.

143    Por outro lado, também deve ser rejeitada a argumentação da Hit Groep de que decorre da evolução dos negócios que ela não tinha influência sobre a sua filial.

144    Com efeito, a presunção de exercício efetivo de uma influência determinante não pode ser ilidida através da mera demonstração de que a Nedri geriu a sua política comercial stricto sensu, assim como a estratégia de distribuição ou dos preços, sem receber orientações da Hit Groep a esse respeito. Daqui decorre que a autonomia da filial também não pode ser proada através da mera demonstração de que geriu autonomamente determinados aspetos específicos da sua política relativa à comercialização dos produtos abrangidos pela infração.

145    Do mesmo modo, dado que a autonomia da Nedri não se aprecia tendo exclusivamente em conta os aspetos da gestão operacional da empresa, o facto de a filial nunca ter posto em prática, em benefício da sociedade‑mãe, uma política de informação específica sobre o mercado em causa não é suficiente para demonstrar a sua autonomia (v., neste sentido, acórdão FMC/Comissão, n.° 127 supra, EU:T:2011:282, n.os 145 e segs. e jurisprudência referida).

146    Por conseguinte, nenhum dos elementos apresentados pela Hit Groep é suscetível de acarretar a inversão da presunção do exercício efetivo de uma influência determinante e o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

–       Quanto ao mérito do primeiro e segundo fundamentos

147    Dado que, nos termos de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, recordada no n.° 119 supra, não é necessário demonstrar o envolvimento pessoal da sociedade‑mãe na infração para lhe dirigir uma decisão que lhe aplica uma coima em consequência do cometimento da referida infração, a argumentação da Hit Groep, que consiste em sustentar que a infração não lhe pode ser imputada uma vez que não é ela própria autora nem coautora da mesma, não pode proceder.

148    Nesta medida, acresce que a Comissão não tinha que fundamentar especificamente a decisão impugnada em relação à imputação da infração à Hit Groep na sua qualidade de sociedade‑mãe da Nedri.

149    Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

150    Quanto ao segundo fundamento, importa recordar que, para garantir uma implementação eficaz das regras de concorrência, pode ser necessário imputar a título excecional a existência de um cartel não ao gestor inicial mas ao novo explorador da empresa envolvida, na hipótese de este último poder efetivamente ser considerado o sucessor do explorador inicial, ou seja, caso continue a explorar a empresa envolvida no cartel (v., neste sentido, conclusões apresentadas pela advogada‑geral J. Kokott no processo ETI e o., n.° 98 supra, EU:C:2007:404, n.os 75 e 76). Com efeito, se não estivesse prevista nenhuma possibilidade de aplicar a sanção a uma entidade diferente da que cometeu a infração, as empresas poderiam escapar a sanções pelo simples facto de a sua identidade ter sido alterada na sequência de reestruturações, cessões ou outras alterações jurídicas ou organizacionais (v., neste sentido, acórdão ETI e o., n.° 98 supra, EU:C:2007:775, n.° 41).

151    Assim, o Tribunal de Justiça considerou que o critério dito «da continuidade económica» só se aplica no caso de a pessoa coletiva responsável pela exploração da empresa ter deixado juridicamente de existir depois de a infração ter sido cometida (acórdãos de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, Colet, EU:C:1999:356, n.° 145, e de 20 de março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colet, EU:T:2002:70, n.° 104) ou nos casos de reestruturações internas numa empresa quando o explorador inicial não deixa necessariamente de ter uma existência jurídica mas já não exerce uma atividade económica no mercado em causa e tendo em conta as relações estruturais entre o explorador inicial e o novo explorador da empresa (v., neste sentido, acórdãos de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, Colet, EU:C:2004:6, n.° 359, e ETI e o., n.° 117 supra, EU:C:2007:775, n.° 41).

152    Todavia, há que constatar, conforme a Comissão observa, que a Hit Groep não se encontra em nenhuma das duas situações consideradas pelo Tribunal de Justiça.

153    Com efeito, nem a Nedri nem a Hit Groep deixaram de existir — embora já não façam parte do mesmo grupo — e não houve reestruturação interna no âmbito da qual a Hit Groep tenha relações estruturais com o cessionário.

154    Daqui decorre que o critério da continuidade económica que justifica que a infração seja apenas imputada à filial não é aplicável no caso em apreço e que a Hit Groep não pode invocar essa jurisprudência para se opor a que a responsabilidade solidária da infração cometida pela Nedri lhe seja imputada quando controlava esta a 100%.

155    Por outro lado, é com razão que a Comissão recorda que a sanção das infrações ao direito da concorrência e a coima correspondente têm um efeito tanto dissuasivo como repressivo e que a sanção continua a ser imposta à sociedade‑mãe, ainda que esta tenha efetivamente limitado a sua atividade económica, como no caso em apreço, embora tenha mantido uma existência jurídica que ainda permita que seja punida.

156    Consequentemente, a argumentação da Hit Groep relativa à falta de eficiência da sanção pronunciada a seu respeito não pode proceder. O facto propriamente dito de punir a Hit Groep não é minimamente desproporcionado nem contrário ao objetivo do artigo 101.° TFUE.

157    Por último, segundo a recorrente, resulta do acórdão de 24 de março de 2011, Pegler/Comissão (T‑386/06, Colet, EU:T:2011:115), que a Comissão não pode fixar o montante da coima aplicada a uma filial com base no volume de negócios da sua antiga sociedade‑mãe se, na data da adoção da decisão, a empresa foi cindida, dado que o volume de negócios da antiga sociedade‑mãe já não reflete a efetiva capacidade económica dessa empresa.

158    Daqui resulta, segundo a Hit Groep, que a Comissão devia ter fixado o montante da coima fazendo‑a corresponder à efetiva capacidade económica da recorrente, a qual, dado o seu volume de negócios limitado e a sua falta de atividade económica na data da adoção da decisão impugnada, era nula, o que deveria, assim, ter levado a Comissão a punir apenas a Nedri.

159    Todavia, esta argumentação — que há que salientar só foi desenvolvida como tal pela primeira vez na fase da réplica (n.° 2.14) — não pode proceder.

160    Por um lado, o n.° 133 do acórdão Pegler/Comissão, n.° 157 supra (EU:T:2011:115), a que a recorrente faz referência, diz respeito a uma situação de facto e de direito diferente da da Nedri e da Hit Groep. Com efeito, tem por objeto a aplicação do ponto 1.A, quarto e quinto parágrafos, das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e do artigo 65.°, n.° 5 (do Tratado CECA) (JO 1998, C 9, p. 3), relativos à majoração da coima para efeitos dissuasivos.

161    Por outro lado, é verdade que, de acordo com a jurisprudência, é apenas caso se comprove que vários destinatários da decisão que aplica a coima constituem a empresa, na aceção da entidade económica responsável pela infração sancionada, e isto, ainda, à data da adoção dessa decisão, que o limite máximo pode ser calculado com base no volume de negócios global dessa empresa, isto é, do conjunto de todas as suas componentes. Em contrapartida, se essa unidade económica tiver sido posteriormente cindida, cada destinatário da decisão tem o direito de beneficiar de uma aplicação, numa base individual, do limite máximo em questão (acórdão de 15 de junho de 2005, Tokai Carbon e o./Comissão, T 71/03, T 74/03, T 87/03 e T 91/03, EU:T:2005:220, n.° 390).

162    Todavia, a Comissão calculou o limite máximo de 10% unicamente com base no volume de negócios da Hit Groep, uma vez que esta já não constituía com a Nedri uma empresa na data em que a decisão impugnada foi adotada.

163    Na medida em que a recorrente pretende contestar com a sua argumentação o ano de referência tomado em consideração pela Comissão, há que constatar que esta argumentação se confunde com a primeira parte do quarto fundamento, que tem precisamente por objeto esta questão, e para a qual há que remeter.

164    Consequentemente, «esta alegação deve ser rejeitada por falta de fundamento, sem que seja necessário decidir sobre a sua admissibilidade.

165    Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a diversos erros nos elementos tomados em consideração para fixar o montante da coima aplicada à Hit Groep

 Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a Comissão ter violado o artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, bem como os princípios da proporcionalidade e da boa administração, ao tomar erradamente em consideração o volume de negócios do ano de 2003 da Hit Groep

–       Argumentos das partes

166    A Hit Groep sustenta, em substância, que foi erradamente que a Comissão se baseou na jurisprudência do acórdão de 7 de junho de 2007, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão (C‑76/06 P, Colet, EU:C:2007:326), que se refere à situação em que a empresa não exerceu nenhuma atividade e não realizou nenhum volume de negócios durante o exercício anterior à adoção da decisão impugnada, para estabelecer, no seu caso, o volume de negócios do ano de 2003, que era, para esse exercício, de 69 345 000 euros, e não o volume de negócios que realizou em 2009, que era de 152 257 euros.

167    A Hit Groep considera que se deve ter em conta, a este respeito, a sua natureza de holding, cuja atividade normal consiste em comprar participações sociais, detê‑las, receber lucros e vender essas participações. A sua situação distingue‑se a este respeito da que prevaleceu no processo que deu origem ao acórdão Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, n.° 166 supra (EU:C:2007:326), no qual a empresa não era uma holding, mas uma empresa operacional.

168    Com efeito, segundo a recorrente, o volume de negócios de uma holding evolui paralelamente à sua atividade financeira e a manutenção de uma reserva financeira limitada e um volume de negócios mínimo durante uma série de anos deve ser considerado um exercício normal das atividades de uma holding.

169    A Hit Groep esclarece que a sua situação também se distingue da que prevaleceu no processo que deu origem acórdão Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, n.° 166 supra (EU:C:2007:326), na medida em que, diferentemente deste último processo, trata‑se no seu caso de um período de quase sete anos durante os quais teve uma atividade, na verdade, desacelerada mas que, no entanto, deve ser considerada a sua atividade normal.

170    Por conseguinte, foi erradamente que a Comissão se afastou do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003.

171    Além disso, na sua opinião, resulta do acórdão Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, n.° 166 supra (EU:C:2007:326), que o objetivo do limite máximo de 10% previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 é evitar que a coima seja desproporcionada em relação à importância da empresa e que pressupõe que a empresa em questão esteja envolvida numa atividade comercial à data em que a coima lhe é aplicada.

172    Daqui decorre, segundo a Hit Groep, que a Comissão devia ter procedido à verificação do caráter proporcionado da coima, o que não fez apesar de dispor de todos os elementos de prova necessários para o efeito, em violação dos princípios da proporcionalidade e da boa administração.

173    A Comissão contesta esta argumentação.

–       Apreciação do Tribunal Geral

174    Nos termos do artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão pode, mediante decisão, aplicar coimas às empresas e associações de empresas sempre que, deliberadamente ou por negligência, cometam uma infração ao disposto no artigo 101.° TFUE ou no artigo 102.° TFUE. A coima aplicada a cada uma das empresas ou associações de empresas que tenha participado na infração não deve exceder 10% do respetivo volume de negócios total realizado durante o exercício precedente.

175    O Tribunal de Justiça esclareceu que o limite máximo relativo ao volume de negócios previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003 visa evitar que as coimas aplicadas pela Comissão sejam desproporcionadas em relação à importância da empresa em questão (acórdão Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, n.° 166 supra, EU:C:2007:326, n.° 24).

176    Trata‑se, pois, de um limite superior, uniformemente aplicável a todas as empresas e articulado em função da dimensão de cada uma delas, que tem um objetivo distinto e autónomo relativamente ao dos critérios de gravidade e de duração da infração. Tem como única consequência possível o facto de o montante da coima calculado com base nestes critérios ser reduzido até ao nível máximo autorizado. A sua aplicação implica que a empresa em causa não pague a coima que, em princípio, seria devida segundo uma apreciação baseada nos referidos critérios (acórdão de 28 de junho de 2005, Dansk Rørindustri e o./Comissão, C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, Colet, EU:C:2005:408, n.os 281 a 283).

177    Por outras palavras, o objetivo visado com a fixação, no artigo 23.°, n.° 2, de um limite de 10% do volume de negócios de cada empresa que participou na infração é, nomeadamente, evitar que a aplicação de uma coima de um montante superior a este limite máximo ultrapasse a capacidade de pagamento da empresa à data em que é reconhecida como responsável pela infração e em que lhe é aplicada uma sanção pecuniária pela Comissão (acórdão de 4 de setembro de 2014, YKK e o./Comissão, C‑408/12 P, Colet, EU:C:2014:2153, n.° 63).

178    Em relação ao «exercício social precedente» na aceção do artigo 23.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003, este refere‑se, em princípio, ao último exercício completo de cada uma das empresas em causa à data da adoção da decisão (acórdão de 28 de abril de 2010, Gütermann e Zwicky/Comissão, T‑456/05 e T‑457/05, Colet, EU:T:2010:168, n.° 80; v. também, neste sentido, acórdão Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, n.° 166 supra, EU:C:2007:326, n.° 32).

179     Resulta quer dos objetivos do sistema em que o artigo 23.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003 se insere quer da jurisprudência referida no n.° 166, supra, que a aplicação do limite de 10% pressupõe, por um lado, que a Comissão conhece o volume de negócios relativo ao último exercício social anterior à data de adoção da decisão e, por outro, que esses dados representam um exercício completo de atividade económica normal durante um período de doze meses (acórdãos de 29 de novembro de 2005, Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, T‑33/02, Colet, EU:T:2005:428, n.° 38, e Gütermann e Zwicky/Comissão, n.° 178 supra, EU:T:2010:168, n.° 95).

180    Embora decorra do acórdão Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, n.° 166 supra (EU:C:2007:326, n.° 32), que, para efeitos de cálculo do limite máximo da coima previsto no artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão devia, em princípio, tomar em consideração o volume de negócios realizado pela empresa em causa relativo ao último exercício social completo na data da adoção da decisão que aplica a coima, resulta, todavia, do contexto e dos objetivos prosseguidos pela regulamentação de que a referida disposição faz parte que, quando o volume de negócios do exercício social anterior à adoção da decisão da Comissão não representa um exercício completo de atividade económica normal durante um período de doze meses e, assim, não dá nenhuma indicação útil sobre a situação económica real da empresa em causa e sobre o nível apropriado da coima a aplicar‑lhe, o referido volume de negócios não pode ser tomado em consideração para efeitos de determinação do limite máximo da coima. Nesta última hipótese, que só ocorrerá em circunstâncias excecionais, a Comissão é obrigada a referir‑se, para efeitos do cálculo do limite máximo da coima, ao último exercício social completo que reflita um ano completo de atividade económica normal (acórdão de 12 de dezembro de 2012, 1. garantovaná/Comissão, T‑392/09, EU:T:2012:674, n.° 86, confirmado em sede de recurso pelo acórdão de 15 de maio de 2014, 1. garantovaná/Comissão, C‑90/13 P, EU:C:2014:326).

181    No caso em apreço, é um facto assente que, em setembro de 2009, a Hit Groep comunicou à Comissão, em resposta a uma questão desta, que tinha cedido a Nedri em 17 de janeiro de 2002 e todas as suas outras participações em 1 de novembro de 2004 e, por esse facto, tinha cessado todas a suas atividades operacionais a partir desta última data (anexo A 13 da petição, pp. 223 e 224). Por outro lado, a Hit Groep comunicou‑lhe o seu volume de negócios relativo aos anos de 2003 e 2004.

182    Consequentemente, tendo em conta a jurisprudência recordada nos n.os 179 e 168 supra, há que considerar que a Comissão não cometeu erro ao julgar que, uma vez que o volume de negócios do exercício social do ano de 2009 não dava nenhuma indicação útil sobre a situação económica real da empresa em causa, havia que, para calcular o limite de 10% previsto no artigo 23.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003, ter por referência o volume de negócios de 2003, ano em que ocorreu o último exercício completo de atividade económica normal da empresa durante um período de doze meses.

183    Quanto ao mais, há que afastar as alegações da recorrente respeitantes ao seu estatuto de holding e o facto que a manutenção de uma reserva financeira relativamente limitada e de um volume de negócios mínimo durante vários anos (de 2005 a 2009) poder ser considerado o exercício normal das atividades de uma holding, o que justificaria a referência ao seu volume de negócios do ano de 2009.

184    Com efeito, estas alegações são contrárias às próprias declarações da recorrente a respeito da cessação das suas atividades operacionais em 2004, que, na realidade, confirmam que o «último exercício completo da atividade económica normal» da empresa durante um período de doze meses ocorreu efetivamente em 2003 e não em 2009.

185    Além disso, a recorrente recorda que a atividade normal de uma holding consiste em adquirir participações, detê‑las, receber lucros e vender essas participações. Ora, há que constatar que ela tinha vendido a totalidade das suas participações em 2004 e que, a partir dessa data, se tinha limitado, de acordo com as suas próprias palavras, a manter uma reserva financeira e um volume de negócios mínimo, não é suficiente para constituir uma prova determinante da existência de uma atividade económica normal da referida sociedade (v., neste sentido, acórdãos Britannia Alloys & Chemicals/Comissão, n.° 179 supra, EU:T:2005:428, n.os 48 e segs., e Gütermann e Zwicky/Comissão, n.° 178 supra, EU:T:2010:168, n.° 102).

186    Por conseguinte, a Comissão não violou as disposições do artigo 23.°, n.° 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.° 1/2003, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça.

187    Daqui decorre que, ao tomar por referência o exercício social de 2003 para efeitos de cálculo do limite de 10% fixado pelo artigo 23.°, n.° 2, do Regulamento n.° 1/2003, a Comissão não violou nem o princípio da proporcionalidade nem o da boa administração, quando tomou em consideração, como devia, o último exercício completo da atividade económica normal da recorrente durante um período de 12 meses.

188    Por conseguinte, a primeira parte do quarto fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa ao facto de a Hit Groep dever beneficiar da redução concedida à Nedri no âmbito da comunicação sobre a clemência

–       Argumentos das partes

189    A Hit Groep considera em substância que, uma vez que é apenas solidariamente responsável pela coima aplicada à sua antiga filial em consequência da participação desta na infração, devia beneficiar automaticamente da redução do montante da coima concedida à Nedri no âmbito da clemência, o que, erradamente, lhe foi recusado pela Comissão. A venda da Nedri ocorrida entretanto não pode ter consequências a este respeito, tanto mais que esta venda não tem, aliás, consequências na sua responsabilidade solidária.

190    A Hit Groep acrescenta que, se o estabelecimento da responsabilidade de uma infração assenta no conceito de empresa e que é responsável solidariamente em razão da sua participação de 100% na Nedri, há que determinar, da mesma maneira, o seguimento a dar às consequências dessa responsabilidade no momento da fixação do montante da coima. A este propósito, contesta a argumentação da Comissão segundo a qual tal abordagem é incompatível com a lógica da comunicação sobre a clemência e sustenta que, contrariamente ao que a Comissão afirma, ela não é «uma outra empresa» no que respeita à fixação do montante da coima.

191    Por outro lado, considera que a Comissão não podia invocar a jurisprudência do acórdão de 30 de setembro de 2009, Hoechst/Comissão (T‑161/05, Colet, EU:T:2009:366), que não diz respeito a um caso comparável ao seu.

192    Com efeito, a infração não foi, no caso em apreço, cometida sucessivamente por si própria e pela Nedri, mas exclusivamente pela Nedri durante o período de 1 de janeiro de 1998 a 17 de janeiro de 2002.

193    Por outro lado, a Hit Groep considera que não pode ser censurada por não ter apresentado um pedido de clemência, uma vez que não estava ao corrente de nada e não dispunha, consequentemente, de nenhuma informação pertinente.

194    O facto de que tinha podido ficar ao corrente do processo em causa em 2003 e 2004, no seguimento dos pedidos de informações da Comissão, não é pertinente a este respeito, dado que tinha vendido a Nedri em 2002 e que nunca mais teve acesso a qualquer informação depois dessa data.

195    A Comissão contesta esta argumentação.

–       Apreciação do Tribunal Geral

196    Resulta da jurisprudência que só uma empresa que tenha cooperado com a Comissão ao abrigo da comunicação sobre a clemência pode beneficiar, no âmbito dessa comunicação, de uma redução do montante da coima que, sem essa cooperação, teria sido aplicada. Esta redução não pode ser alargada a uma sociedade que, durante uma parte da infração em causa, pertenceu à unidade económica constituída por uma empresa, mas que dela já não fazia parte no momento em que esta última colaborou com a Comissão. Com efeito, tendo em conta o objetivo visado pela comunicação sobre a clemência, que consiste em promover a descoberta de comportamentos contrários ao direito da concorrência da União, para garantir uma aplicação efetiva desse direito, nada justifica a extensão de uma redução de coimas concedida a empresas ao abrigo da sua cooperação com a Comissão a uma empresa que, apesar de ter controlado, no passado, o setor de atividade envolvido na infração em causa, não contribuiu, ela própria, para a descoberta desta (acórdãos de 30 de abril de 2014, FLSmidth/Comissão, C‑238/12 P, Colet, EU:C:2014:284, n.os 83 e 85, e Hoechst/Comissão, n.° 191 supra, EU:T:2009:366, n.° 76).

197    No caso em apreço, a Hit Groep já não controlava a Nedri no momento em que esta última solicitou o benefício da comunicação sobre a clemência e não contribuiu para a descoberta da infração. Com efeito, a própria recorrente esclarece que não estava informada de nada e, consequentemente, não dispunha de nenhuma informação pertinente que pudesse divulgar à Comissão.

198    Por conseguinte, não podia beneficiar da redução do montante da coima concedida à Nedri.

199    Quanto ao mais, importa recordar que a Hit Groep foi acertadamente (v. n.os 119 e 147 supra) considerada responsável pelo cometimento da infração entre 1 de janeiro de 1998 e 17 de janeiro de 2002, em razão da influência determinante que exercia sobre a sua filial, conforme resulta do artigo 1.°, ponto 9, alínea b), da decisão impugnada. As duas sociedades, que constituíam uma única e a mesma sociedade na aceção do direito da concorrência, foram em seguida consideradas solidariamente responsáveis por uma parte da coima que lhes foi aplicada.

200    Consequentemente, a argumentação da Hit Groep de que apenas a Nedri tinha cometido a infração e que ela própria só podia ser responsabilizada a título solidário resulta de uma leitura errada da decisão impugnada.

201    Por conseguinte, a segunda parte do quarto fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à terceira parte do quarto fundamento, relativa, por um lado, ao facto de que, solidariamente responsável pela coima aplicada à Nedri, a Hit Groep só devia ser obrigada, prorata temporis, ao pagamento de uma fração da coima na qual esta foi condenada e, por outro, de que a Comissão procedeu, erradamente, a um cálculo distinto do montante da coima aplicada à Hit Groep, e quanto à quarta parte do quarto fundamento, relativa à violação dos princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento

–       Argumentos das partes

202    A Hit Groep refere, em substância, que a sua responsabilidade só foi estabelecia na medida em que era a sociedade‑mãe da Nedri e não com base numa violação do artigo 101.° TFUE que tivesse cometido. Com efeito, entende que resulta da decisão impugnada que a Comissão se limitou a considerá‑la responsável pelo pagamento da coima aplicada à Nedri para o período de 1 de janeiro de 1998 a 17 de janeiro de 2002.

203    A Hit Groep considera que o facto de lhe ser aplicada uma coima mais elevada que a imposta à Nedri está em contradição com essa apreciação, uma vez que a sua responsabilidade não pode, com efeito, exceder a desta última, em conformidade com o acórdão de 24 de março de 2011, Tomkins/Comissão (T‑382/06, Colet, EU:T:2011:112).

204    Efetivamente, segundo a recorrente, devia ter sido condenada solidariamente a 48 duzentos e vinte e quatro avos da coima aplicada à Nedri, prorata temporis. Tal cálculo proporcional está de facto em conformidade com a jurisprudência (acórdão Akzo Nobel e o./Comissão, n.° 126 supra, EU:C:2009:536). Consequentemente, a coima que lhe foi aplicada é desproporcionada.

205    A recorrente esclarece que, na verdade, a Comissão se apoia em diversos acórdãos do Tribunal de Justiça e do Tribunal Geral para fundamentar a sua posição (acórdãos de 16 de novembro de 2000, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, C‑286/98 P, Colet, EU:C:2000:630; Cascades/Comissão, C‑279/98 P, Colet, EU:C:2000:626; de 17 de dezembro de 1991, Enichem Anic/Comissão, T‑6/89, Colet, EU:T:1991:74, e HFB e o./Comissão, n.° 151 supra, EU:T:2002:70), mas esta jurisprudência não é, na sua opinião, pertinente, uma vez que, nesses processos, a sociedade‑mãe era coautora da infração, diferentemente da sua própria situação.

206    Por outro lado, a Hit Groep alega, em substância, que a aplicação do limite de 10% do volume de negócios não basta para tornar proporcionado, no caso em apreço, o montante da coima e que a sua responsabilidade pessoal deveria ter sido tomada em consideração depois da aplicação desse limite máximo. A este propósito, esclarece que o acórdão de 3 de março de 2011, Siemens e VA Tech Transmission & Distribution/Comissão (T‑122/07 à T‑124/07, Colet, EU:T:2011:70), confirma que o cálculo do montante da coima não termina com a aplicação do limite de 10% e que a Comissão tem ainda, nesta fase, de apreciar o montante final das coimas aplicadas à luz do princípio da proporcionalidade.

207    A Hit Groep afirma que a coima que lhe foi aplicada e que incide sobre uma infração que durou quatro anos é, com efeito, 27% mais elevada que a que foi imposta à Nedri, para a qual foi considerado um período de infração de 18 anos e 8 meses.

208    Ora, na sua opinião, a mera aplicação do limite de 10% é insuficiente para sanar ou afastar a discriminação que foi feita entre si e a Nedri.

209    Esta correção podia ter sido aplicada pela Comissão no âmbito da apreciação da capacidade de pagamento da Hit Groep, mas, mesmo além dessa possibilidade, a Comissão podia sanar o problema aplicando o princípio da proporcionalidade e o princípio da igualdade de tratamento.

210    A Comissão contesta esta argumentação.

–       Apreciação do Tribunal Geral

211    Em primeiro lugar, a Hit Groep foi, com razão (v. n.os 119 e 147 supra), considerada responsável pelo cometimento da infração entre 1 de janeiro de 1998 e 17 de janeiro de 2002, em razão da influência determinante que exercia sobre a sua filial, conforme resulta do artigo 1.°, n.° 9, alínea b), da decisão impugnada. As duas sociedades que constituíam uma única e a mesma sociedade na aceção do direito da concorrência, foram em seguida consideradas solidariamente responsáveis por uma coima de 5 056 500 euros, tendo, além disso, a Hit Groep sido, pelo seu lado, condenada numa coima de 1 877 500 euros.

212    Pelos fundamentos expostos nos n.os 146 e 187 supra, há que rejeitar a argumentação da Hit Groep de que apenas a Nedri tinha cometido a infração e que ela própria só podia ser responsabilizada a título solidário, argumentação que resulta de uma leitura errada da decisão impugnada.

213    Em segundo lugar, foi efetivamente declarado que, uma vez que a sociedade‑mãe não participou materialmente no cartel e que a sua responsabilidade assenta unicamente na participação da sua filial no referido cartel, a responsabilidade da sociedade‑mãe constitui uma responsabilidade puramente derivada, acessória e dependente da dessa sua filial e não pode, assim, exceder a responsabilidade desta última (acórdão Tomkins/Comissão, n.° 203 supra, EU:T:2011:112, n.° 38, confirmado em recurso pelo acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, Colet, EU:C:2013:29, n.° 39).

214    Todavia, esta jurisprudência não prejudica a tomada em consideração, no cálculo do montante da coima, quando duas pessoas coletivas distintas, como uma sociedade‑mãe e a sua filial, já não constituem uma empresa na aceção do artigo 101.° TFUE na data da adoção de uma decisão que lhe aplica uma coima, de elementos que dizem especialmente respeito a cada uma delas.

215    Assim, na hipótese de duas pessoas coletivas distintas, como uma sociedade‑mãe e a sua filial, já não constituírem uma empresa na aceção do artigo 101.° TFUE na data da adoção de uma decisão que lhes impõe uma coima por violação das regras de concorrência, cada uma delas tem o direito a que lhe seja aplicado individualmente o limite de 10% do respetivo volume de negócios (acórdão de 26 de novembro de 2013, Kendrion/Comissão, C‑50/12 P, Colet, EU:C:2013:771, n.° 57).

216    Sucede o mesmo em relação ao eventual direito a beneficiar da clemência que não pode ser reivindicado por uma sociedade que, durante uma parte do tempo em que se verificou a infração em causa, pertenceu à unidade económica constituída por uma empresa, mas que dela já não fazia parte no momento em que esta última cooperou com a Comissão (v. jurisprudência recordada no n.° 196 supra).

217    Em terceiro lugar, importa constatar que, no caso em apreço, a Comissão, numa primeira fase, fixou o montante de base da coima (secção 19.1 da decisão impugnada). No âmbito desse exercício, considerou que devia estabelecer um período de infração diferente, em relação à Nedri (18 anos e 8 meses) e à Hit Groep (4 anos) (considerando 956 da decisão impugnada).

218    Nesta base, considerou que o montante da coima que devia ser aplicado à Nedri era de 113 000 000 euros e o da coima que devia ser aplicado à Hit Groep de 29 000 000 euros (considerando 963 da decisão impugnada na sua versão resultante da primeira decisão modificativa).

219    Na falta de circunstâncias agravantes ou atenuantes, considerou em seguida que o montante das coimas que deviam ser aplicadas continuava a ser de 113 000 000 euros em relação à Nedri e de 29 000 000 euros em relação à Hit Groep (considerando 1057 da decisão impugnada na sua versão resultante da primeira decisão modificativa).

220    Em seguida, aplicou corretamente o limite de 10% do volume de negócios de cada um das empresas (considerando 1060 da decisão impugnada; v. também jurisprudência recordada no n.° 215 supra).

221    Assim, considerou que o montante da coima que devia ser aplicada à Nedri era de 6 742 000 euros (ou seja 10% do volume de negócios da Nedri em 2009) e o da coima que devia ser aplicada à Hit Groep de 6 934 000 euros, ou seja 10% de volume de negócios da Hit Groep relativo a 2003 (considerando 1071 da decisão impugnada na sua versão resultante da primeira decisão modificativa).

222    De seguida, reduziu corretamente o montante da coima da Nedri em 25% no âmbito da cooperação desta, redução de que a recorrente não podia beneficiar (considerando 1087 da decisão impugnada; v. também jurisprudência recordada no n.° 196 supra).

223    Com este fundamento, considerou que o montante da coima que devia ser aplicada à Nedri era de 5 056 000 euros e que o montante da que devia ser imposta à Hit Groep era de 6 934 000 (considerando 1057 da decisão impugnada), sendo a Hit Groep e a Nedri solidariamente responsáveis pelo pagamento da primeira coima, de um montante de 5 056 000 euros (artigo 2.° da decisão impugnada).

224    A Hit Groep considera, em substância, que o montante da coima que lhe foi aplicada, que é superior ao montante em que a Nedri foi condenada, não reflete corretamente a duração da infração que lhes foi respetivamente imputada, ou seja, de 18 anos e 8 meses para a Nedri e apenas de 4 anos para a Hit Groep.

225    No entanto, importa ter em conta o facto de que o montante final das coimas aplicadas a estas duas sociedades resulta, por um lado, do nivelamento derivado da aplicação do limite de 10% do seu volume de negócios (acórdão Kendrion/Comissão, n.° 215 supra, EU:C:2013:771, n.os 57 e 58) e, por outro, da diminuição do montante da coima concedida à Nedri a título da clemência.

226    Com efeito, antes da aplicação desse limite, a coima que devia ser imputada a cada uma desta duas sociedades tomou devidamente em conta a duração da respetiva responsabilidade e, corretamente, anos de referência diferentes no que se refere ao volume de negócios a considerar para a aplicação do limite de 10%.

227    Consequentemente, o princípio da igualdade de tratamento foi respeitado pela Comissão, uma vez que as diferenças que aparecem entre as respetivas situações foram tomadas em devida consideração (v., neste sentido, acórdão Dansk Rørindustri e o./Comissão, n.° 176 supra, EU:C:2005:408, n.os 321 à 323).

228    Quanto à violação do princípio da proporcionalidade, há que considerar que, além do facto de a Comissão ter tomado em consideração a respetiva duração do período de infração de cada uma das sociedades de maneira a garantir o caráter proporcionado da sanção que lhes aplicou, essa violação não resulta unicamente da alegação de uma diferença no montante final das coimas aplicadas às duas sociedades (v., neste sentido, acórdão de 4 de julho de 2006, Hoek Loos/Comissão, T‑304/02, Colet, EU:T:2006:184, n.os 85 e 86).

229    Consequentemente, há que julgar improcedentes a terceira e a quarta partes do quarto fundamento e, por conseguinte, este fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao quinto fundamento, apresentado a título subsidiário, relativo à violação do prazo razoável pela Comissão.

 Argumentos das partes

230    A Hit Groep alega que o respeito de um prazo razoável nos procedimentos administrativos em matéria de concorrência constitui um princípio geral do direito.

231    Acrescenta que a ultrapassagem do prazo razoável pode conduzir à anulação da decisão final e que, se se excluir a anulação, o montante da coima pode ser reduzido por razões de equidade ou para se obter uma compensação equitativa.

232    A Hit Groep recorda que o carácter razoável do prazo deve ser apreciado com base nas circunstâncias do caso em apreço, tendo em conta, designadamente, o contexto, o comportamento das partes durante o procedimento, a complexidade do processo e o interesse do processo para as partes envolvidas. Recorda também que o início do prazo é a data da primeira medida de inquérito da Comissão, que tem uma incidência significativa na situação das empresas envolvidas. Há também que ter em conta o prazo médio dos procedimentos semelhantes.

233    Ora, neste caso, decorreram 94 meses entre as inspeções, em setembro de 2002, e a adoção da decisão final, em junho de 2010. A Hit Groep considera que esse prazo é tanto menos razoável quanto o procedimento se baseia em pedidos de clemência que permitiram à Comissão provar a infração. Acrescenta que, o comportamento da Hit Groep não esteve de nenhuma forma na origem de um atraso no procedimento. Ora, a Comissão não concedeu nenhuma redução do montante da coima a título da ultrapassagem do prazo razoável. Consequentemente, a Hit Groep pede ao Tribunal Geral que lhe conceda essa redução na medida que julgar adequada.

234    Por último, a Hit Groep considera que não lhe compete demostrar a violação do seu direito de defesa, uma vez que essa exigência só diz respeito à anulação da decisão impugnada; ora, a Hit Groep só pediu a redução do montante da coima devido à violação do prazo razoável.

235    Do mesmo modo considera que não lhe compete alegar circunstâncias específicas que justifiquem reduzir o montante da coima — eventualmente até zero — na medida em que a ultrapassagem do prazo razoável constitui, por si só, uma violação do artigo 6.°, n.° 1, da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e do artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Não se trata de uma redução suplementar em relação à que foi concedida pela Comissão. Por conseguinte, é à Comissão que cabe demonstrar que existem circunstâncias específicas suscetíveis de justificar, neste caso, a ultrapassagem do prazo razoável.

236    Por último, a Hit Groep observa que uma duração comparável do procedimento administrativo em processos anteriores deu lugar, por parte da Comissão, a uma redução do montante da coima por sua própria iniciativa.

237    A Comissão contesta esta argumentação.

 Apreciação do Tribunal Geral

–       Recordatória dos princípios

238    Em primeiro lugar, a observação de um prazo razoável na condução dos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência constitui um princípio geral de direito da União, cujo respeito os órgãos jurisdicionais da União asseguram (v. acórdão de 19 de dezembro de 2012, Heineken Nederland e Heineken/Comissão, C‑452/11 P, EU:C:2012:829, n.° 97 e jurisprudência referida).

239    O princípio do prazo razoável de um procedimento administrativo foi reafirmado pelo artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, por força do qual «todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável pelas instituições, órgãos e organismos da União» (acórdão de 5 de junho de 2012, Imperial Chemical Industries/Comissão, T‑214/06, Colet, EU:T:2012:275, n.° 284).

240    Em segundo lugar, o carácter razoável da duração do procedimento deve apreciar‑se em função das circunstâncias específicas de cada processo e, nomeadamente, do contexto deste, da conduta das partes durante o processo, da importância do mesmo para as diferentes empresas interessadas e do seu grau de complexidade (v., neste sentido, acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, n.° 131 supra, EU:T:1999:80, n.° 126) bem como, sendo caso disso, de informações ou justificações que a Comissão possa apresentar quanto aos atos de inquérito realizados durante o procedimento administrativo.

241    Em terceiro lugar, o Tribunal de Justiça decidiu que o procedimento administrativo pode implicar uma apreciação de dois períodos sucessivos, cada um deles respondendo a uma lógica interna própria. O primeiro período, que se estende até à comunicação das acusações, tem como ponto de partida a data em que a Comissão, no exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo legislador da União, toma medidas que implicam a censura de uma infração e deve permitir‑lhe tomar posição sobre a orientação a dar ao processo. O segundo período, por seu turno, vai desde a comunicação das acusações até à adoção da decisão final. Deve permitir à Comissão pronunciar‑se definitivamente sobre a infração censurada (acórdão de 21 de setembro de 2006, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, C‑105/04 P, Colet, EU:C:2006:592, n.° 38).

242    Em quarto lugar, resulta da jurisprudência que da violação do princípio do prazo razoável podem resultar a dois tipos de consequências.

243    Por um lado, quando a violação do prazo razoável tem impacto na resolução do resultado do processo, tal violação é suscetível de determinar a anulação da decisão impugnada (v., neste sentido, acórdão de 21 de setembro de 2006, Technische Unie/Comissão, C‑113/04 P, Colet, EU:C:2006:593, n.° 48 e jurisprudência referida).

244    Importa esclarecer que, em relação à aplicação das regras da concorrência, a ultrapassagem do prazo razoável só pode constituir fundamento de anulação de decisões que constatem infrações e quando se prove que a violação deste princípio afetou os direitos de defesa das empresas em causa. Para além desta hipótese específica, o desrespeito do dever de decidir dentro de prazo razoável não tem qualquer incidência sobre a validade do procedimento administrativo nos termos do Regulamento n.° 1/2003 (v. acórdão de 16 de dezembro de 2003, Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, T‑5/00 e T‑6/00, Colet, EU:T:2003:342, n.° 74 e jurisprudência referida, confirmado em sede de recurso pelo acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, n.° 241 supra, EU:C:2006:592, n.os 42 e 43).

245    Todavia, revestindo o respeito dos direitos de defesa, princípio cujo carácter fundamental foi múltiplas vezes sublinhado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça (acórdão de 9 de novembro de 1983, Nederlandsche Banden‑Industrie‑Michelin/Comissão, 322/81, Colet, EU:C:1983:313, n.° 7) uma importância fundamental nos processos como o que está em causa, há que evitar que estes direitos possam ser irremediavelmente comprometidos devido à duração excessiva da fase de instrução e que essa duração possa obstar à apresentação de provas destinadas a refutar a existência de comportamentos suscetíveis de responsabilizar as empresas em causa. Por esta razão, o exame dos eventuais obstáculos ao exercício dos direitos de defesa não deve limitar‑se apenas à fase em que estes direitos produzem o seu pleno efeito, a saber a segunda fase do procedimento administrativo. A apreciação da origem do eventual enfraquecimento da eficácia dos direitos de defesa deve alargar‑se a todo o procedimento e referir‑se à duração total do mesmo (acórdão Nederlandse Federatieve Vereniging voor de Groothandel op Elektrotechnisch Gebied/Comissão, n.° 241 supra, EU:C:2006:592, n.° 50).

246    Por outro lado, quando a violação do prazo razoável não tem incidência no resultado do processo, essa violação pode levar o Tribunal Geral, no âmbito do exercício da sua competência de plena jurisdição, a corrigir de forma adequada a violação que resulta da ultrapassagem do prazo razoável do procedimento administrativo reduzindo se for caso disso o montante da coima aplicada (v., neste sentido, acórdão Technische Unie/Comissão, n.° 243 supra, EU:C:2006:593, n.os 202 a 204, e acórdão de 16 de junho de 2011, Heineken Nederland e Heineken/Comissão, T‑240/07, Colet, EU:T:2011:284, n.os 429 e 434, confirmado em sede de recurso pelo acórdão Heineken Nederland e Heineken/Comissão, n.° 238 supra, EU:C:2012:829, n.° 100).

–       Apreciação no caso em apreço

247    Resulta do que precede que, para que um procedimento administrativo de longa duração possa conduzir à anulação da decisão impugnada ou a uma redução do montante da coima, a duração desse procedimento deve ser qualificada de excessiva.

248    No caso em apreço, o procedimento administrativo teve quatro fases sucessivas.

249    A primeira fase começou em 9 de janeiro de 2002 com a comunicação à Comissão, pelo Bundeskartellamt, dos documentos mencionados no n.° 26 supra e terminou em 30 de setembro de 2008 com a adoção da comunicação de objeções.

250    Iniciou‑se então a segunda fase (v. n.os 37 a 42 supra) que terminou com a adoção da decisão inicial, em 30 de junho de 2010.

251    Após a apresentação da primeira série de recursos (recordados no n.° 10 supra), a Comissão adotou, em 30 de setembro de 2010, uma primeira decisão modificativa (v. n.° 4 supra) com vista à correção de diversos erros que tinha constatado na decisão inicial, o que encerrou a terceira fase do procedimento administrativo.

252    Por último, em 4 de abril de 2011, concluiu‑se a quarta fase do procedimento administrativo, com a adoção pela Comissão da segunda decisão modificativa, pela qual esta consentiu uma redução do montante da coima aplicada, por um lado, à ArcelorMittal, à ArcelorMittal Verderio, à ArcelorMittal Fontaine e à ArcelorMittal Wire France, e por outro, à SLM e à Ori Martin (v. n.° 6 supra).

253    Antes de mais, importa salientar que o fundamento alegado pela recorrente só tem por objeto as duas primeiras fases do procedimento administrativo.

254    Em 17 de dezembro de 2013, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, de 2 de maio de 1991, o Tribunal Geral dirigiu uma questão escrita à Comissão, com objetivo de obter uma descrição detalhada das diligências que tinha feito na sequência das inspeções, que tiveram lugar em 19 e 20 de setembro de 2002, e isso até à adoção da decisão inicial.

255    A Comissão respondeu a este pedido por documento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de fevereiro de 2014.

256    A Secretaria do Tribunal Geral notificou uma cópia da resposta da Comissão à recorrente, em 7 de fevereiro de 2014.

257    A Comissão expôs na sua resposta, de forma detalhada e convincente, as diligências que realizou ao longo de todo o procedimento administrativo e as razões pelas quais este durou de 2002 a 2010.

258    Vários fatores explicam a duração do procedimento administrativo no caso em apreço.

259    Importa a este propósito ter em conta a duração do cartel (mais de 18 anos), a sua dimensão geográfica particularmente extensa (o cartel abrangia a maioria dos Estados‑Membros), a organização do cartel a nível geográfico e no tempo (os diferentes Clubes descritos nos n.os 46 a 58), o número de reuniões que se realizaram no âmbito dos diversos Clubes (mais de 500), o número de empresas envolvidas (17), o número de pedidos de clemência (v. n.os 27 e 32 e segs. supra) e o volume particularmente importante de documentos, fornecidos neste quadro ou obtidos durante as inspeções e redigidos em diversas línguas que tiveram de ser examinados pela Comissão, os diversos pedidos de informações complementares que tiveram de ser dirigidos pela Comissão às diversas sociedades abrangidas à medida da evolução da compreensão do cartel (v. n.os 29 e segs e n.os 42 e segs supra) o número de destinatários da comunicação de objeções (mais de 40), o número de línguas do procedimento (8), e os diversos pedidos relativos à capacidade de pagamento (14).

260    Com base nas informações fornecidas pela Comissão, que testemunham a particular complexidade do processo, o Tribunal Geral considera que, apesar da especial demora das duas primeiras fases do processo, esta não pode ser qualificada de excessiva. Consequentemente, a Comissão não violou o prazo razoável e, por conseguinte, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao sexto fundamento, apresentado pela Hit Groep na réplica e relativo ao facto de a Comissão se ter baseado num período incorreto para o cálculo do montante da coima

 Argumentos das partes

261    A Hit Groep alega que a Comissão expôs, pela primeira vez nos n.os 23 a 25 da contestação, de forma completa e detalhada, como tinha procedido ao cálculo do montante da coima que lhe tinha sido aplicada.

262    Considera que essa forma de cálculo não resulta nem da comunicação de objeções nem da decisão impugnada.

263    A Hit Groep acrescenta que o montante de base em que a Comissão se baseou para proceder ao cálculo do montante da coima que lhe foi aplicada é de 30 584 561 euros. Por outro lado, resulta da nota de pé de página que figura no n.° 25 da contestação que esse montante representa o valor dos bens vendidos no período de 9 de janeiro de 1996 a 19 de setembro de 2002.

264    Essa nota de pé de página precisa:

«Trata‑se do valor dos bens vendidos no período de 9.1.1996 a 19.9.2002. Para cada um dos cinco períodos do cartel (1.1.1984 a 31.12.1985; 1.1.1986 a 14.12.1992; 15.12.1992 a 31.12.1993; 1.1.94 a 8.1.1996; 9.1.1996 a 19.9.2002), a Comissão fixou o valor das vendas, em seguida multiplicou‑o pelo fator correspondente à duração. Por uma questão de clareza, a decisão modificativa transcreve estes valores das vendas num quadro aditado ao considerando 935 da decisão.»

265    A Hit Groep acrescenta que a primeira decisão modificativa aditou ao considerando 935 da decisão impugnada um quadro, mas no qual, contudo, o seu nome não figura.

266    Por conseguinte, sustenta que esses esclarecimentos aparecem pela primeira vez apenas na contestação.

267    Ora, recorda que é considerada solidariamente responsável pela infração cometida pela Nedri de 1 de janeiro de 1998 a 17 de janeiro de 2002, ao passo que a Comissão, para estabelecer o valor das vendas da Nedri, de baseou no período de 9 de janeiro de 1996 a 19 de setembro de 2002.

268    Consequentemente, entende que lhe foi aplicada uma coima com base num período sensivelmente mais longo que o período pelo qual devia ser considerada responsável.

269    Ora, segundo a Hit Groep, o número de anos pelos quais a empresa é considerada responsável deve ser tomado em consideração para o cálculo do montante da coima.

270    Por último, a Hit Groep acrescenta que resulta do considerando 5 da segunda decisão modificativa que a Comissão só considera as sociedades‑mãe solidariamente responsáveis «pela parte da coima que corresponde ao período durante o qual a sociedade‑mãe formava uma única empresa com as filiais em causa», ao passo que a coima que lhe foi aplicada é maior que a que foi imposta à Nedri.

271    A Comissão contesta esta argumentação.

 Apreciação do Tribunal Geral

272    Por cartas de 6 de maio e de 26 de julho de 2011, a Hit Groep pediu ao Tribunal Geral autorização para completar os seus fundamentos depois de ter tomado conhecimento, segundo ela, de informações que dizem respeito ao modo de cálculo do montante da coima que figuram pela primeira vez na contestação da Comissão.

273    A carta de 6 de maio de 2011 foi recebida no prazo que lhe tinha sido fixado para a apresentação da réplica, o qual terminava em 17 de maio de 2011.

274    Pelo seu lado, a Comissão, sustenta, em substância, que as informações em causa já estavam disponíveis tanto na decisão inicial (considerandos 927 e segs.) como na primeira decisão modificativa (considerandos 930 e 932 e quadro em anexo) e que este fundamento é novo e, portanto, inadmissível.

275    Por um lado, importa salientar que os considerandos 930, 932 e 933 da decisão impugnada estão redigidos nos seguintes termos:

«930               Em conformidade com as conclusões relativas à duração da participação na infração (ver capítulos VI e VII), o último ano completo da participação na infração é 2000 para a DWK e 2001 para todas as outras empresas destinatárias da presente decisão.

[…]

932      A área geográfica em causa evoluiu ao longo do tempo. Entre 1984 e 1995 (período do Clube de Zurique), incluía a Alemanha, França, Itália, Países Baixos, Bélgica, Luxemburgo, Espanha e Áustria. Incluía também Portugal a partir de 1992 (no âmbito dos acordos do Clube Espanha). Entre 1996 e 2002 (período de crise do Clube de Zurique — em que foi elaborado o acordo de quotas do Clube Europa — período do Clube Europa e período de expansão), a área geográfica abrangia os mesmos países do que durante o período do Clube de Zurique, incluindo Portugal, e também a Dinamarca, a Suécia, a Finlândia e a Noruega (ver secções 9.1.1 a 9.1.5). Este facto é tomado em consideração no cálculo do valor das vendas, através da exclusão das vendas em Portugal antes de 15.12.1992 e das vendas na Dinamarca, Suécia, Finlândia e Noruega antes de 09.01.1996.

933       A Comissão salienta ainda que o valor das vendas em Espanha, Áustria, Finlândia, Suécia e Noruega não pode ser tomado em consideração relativamente a toda a duração da infração, uma vez que a Espanha só aderiu à UE em 01.01.1986 e o Acordo EEE apenas entrou em vigor em 01.01.1994. Por conseguinte, as vendas nestes países antes de 01.01.1986 e 01.01.1994, respetivamente, são excluídas do cálculo do valor das vendas. Este facto é tomado em consideração na secção 19.1.6.»

276    Por outro lado, na primeira decisão modificativa, a Comissão referiu o seguinte:

«5)      Para efeitos de clarificação do cálculo do valor das vendas que serve de base à decisão para os diferentes períodos referidos na secção 19.1.2, os seguintes elementos devem aparecer no fim do considerando 935:

[…]

–        9. Nedri (resposta datada de 30 de junho de 2009):

–        01.01.1984 — 31.12.1985: 30 157 611 euros

–        01.01.1986 — 14.12.1992: 30 389 997 euros

–        15.12.1992 — 31.12.1993: 30 389 997 euros

–        01.01.1994 — 08.01.1996: 30 389 997 euros

–        09.01.1996 — 19.09.2002: 30 584 561 euros.»

277    Por outro lado, resulta do artigo 3.°, ponto 22, da primeira decisão modificativa que esta foi dirigida à Hit Groep.

278    Por conseguinte, é, com razão, que a Comissão sustenta que as informações em causa não chegaram ao conhecimento da Hit Groep pela primeira vez na contestação.

279    É verdade que a Hit Groep podia ter requerido a adaptação dos seus pedidos no seguimento da primeira decisão modificativa, mas no prazo de recurso de dois meses.

280    Com efeito, para ser admissível, um requerimento de adaptação dos pedidos deve ser apresentado no prazo do recurso previsto no artigo 263.°, sexto parágrafo, TFUE (acórdãos de 16 de dezembro de 2011, Enviro Tech Europe e Enviro Tech International/Comissão, T‑291/04, Colet, EU:T:2011:760, n.° 96, e de 6 de setembro de 2013, Bank Melli Iran/Conselho, T‑35/10 e T‑7/11, Colet, EU:T:2013:397, n.° 55).

281    Ora, no caso em apreço, o prazo do recurso da primeira decisão modificativa estava largamente ultrapassado quando a recorrente apresentou o seu pedido por carta de 6 de maio de 2011.

282    Daqui resulta que este fundamento é inadmissível.

283    Em todo o caso, não é, além disso, procedente, uma vez que foi sem errar que a Comissão considerou, para efeitos de cálculo do montante da coima aplicada à Hit Groep, que o valor das vendas era de 30 584 561 euros e, em seguida, multiplicou esse montante por um coeficiente 4 para ter em conta a duração da infração imputável à Hit Groep. Com efeito, contrariamente às alegações da recorrente, esta não foi punida por um período mais longo que aquele pelo qual foi considerada responsável (v. n.os 217 e 226 supra).

284    Por conseguinte, o fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao sétimo fundamento, relativo à violação do prazo razoável pelo Tribunal Geral

285    No decurso da audiência, a recorrente sustentou, em substância, que o Tribunal Geral tinha violado o prazo razoável para analisar o seu recurso e que se deviam tirar daí as consequências sobre o montante da coima de que era devedora.

286    Há que constatar que tal alegação é inadmissível, uma vez que é apresentada no âmbito do mesmo recurso relativamente a cujo procedimento se alega a violação do prazo razoável.

287    Com efeito, a formação de julgamento que conhece do recurso seria levada, se analisasse essa alegação, a pronunciar‑se sobre o caráter faltoso ou ilegal do seu próprio comportamento, o que poderia suscitar no recorrente dúvidas legítimas em relação à imparcialidade objetiva da referida formação (v. acórdão de 16 de setembro de 2013, CEPSA/Comissão, T‑497/07, EU:T:2013:438, pendente de recurso, n.° 268 e jurisprudência referida).

288    Consequentemente, uma violação, por um órgão jurisdicional da União, da sua obrigação resultante do artigo 47.°, segundo parágrafo, da Carta dos Direitos Fundamentais, de julgar os processos que lhe são submetidos num prazo razoável deve ser punida mediante uma ação de indemnização intentada no Tribunal Geral (acórdãos Kendrion/Comissão, n.° 215 supra, EU:C:2013:771, n.° 94, e de 26 de novembro de 2013, Groupe Gascogne/Comissão, C‑58/12 P, Colet, EU:C:2013:770, n.° 83).

289    Resulta do que precede que o sétimo fundamento deve ser julgado improcedente.

290    Resulta de todas as considerações precedentes que nenhum dos fundamentos invocados pela recorrente pode ser acolhido. Consequentemente, deve ser negado provimento ao recurso de anulação na sua totalidade, sem que haja que, nas circunstâncias do caso em apreço, proceder, no âmbito da plena jurisdição, à alteração da coima que lhe foi aplicada.

 Quanto às despesas

291    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A HIT Groep BV suportará as suas próprias despesas e as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Frimodt Nielsen

Dehousse

Collins

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de julho de 2015.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.


11 —      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal considera útil.