Language of document : ECLI:EU:C:2016:179

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MICHAL BOBEK

apresentadas em 17 de março de 2016 (1)

Processo C‑592/14

European Federation for Cosmetic Ingredients

contra

Secretary of State for Business, Innovation and Skills

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice of England & Wales, Queen’s Bench Division (Administrative Court) (Reino Unido)]






Índice


I —   Introdução

II — Quadro jurídico

A —   Direito da União

B —   Direito nacional

C —   Regras da OMC

III — Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

IV — Apreciação

A —   Considerações preliminares

B —   Análise do artigo 18.°, n.° 1, alínea b)

1.     Introdução

2.     Apreciação dos elementos‑chave das posições das partes

a)     EFfCI e República Francesa

b)     Comissão e Reino Unido

c)     Intervenientes e República Helénica

d)     Conclusões sobre as interpretações propostas pelas partes

3.     Análise literal, contextual e teleológica do artigo 18.°, n.° 1, alínea b)

a)     Interpretação literal

b)     Contexto e finalidade

i)     Objetivos do Regulamento Cosméticos

ii)   Outras disposições do Regulamento Cosméticos

iii) Trabalhos preparatórios

—       Diretiva 93/35

—       Diretiva 2003/15

—       Conclusões sobre os trabalhos preparatórios

iv)   Compatibilidade com outra legislação da União

c)     Relevância das regras da OMC

d)     Conclusões da análise literal, contextual e teleológica e proposta de interpretação da proibição de comercialização

V —   Conclusão


«Reenvio prejudicial — Mercado interno — Regulamento 1223/2009 — Artigo 18.°, n.° 1, alínea b) — Produtos cosméticos — Ingredientes cosméticos — Proibição da comercialização de ingredientes cosméticos objeto de ensaios em animais»

I –    Introdução

1.        O Regulamento (CE) n.° 1223/2009 (a seguir «Regulamento Cosméticos») (2) estabelece as condições de comercialização de produtos e ingredientes cosméticos na União. O artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos proíbe a colocação no mercado da UE de produtos cosméticos que contenham ingredientes objeto de ensaios em animais «para cumprir os requisitos do presente regulamento» (a seguir «proibição de comercialização»).

2.        Como determinar em que casos foram efetuados ensaios em animais «para cumprir os requisitos do [Regulamento Cosméticos]»? Quais os elementos de facto pertinentes para essa averiguação? Estas são, no fundo, as questões suscitadas pelo presente caso.

II – Quadro jurídico

A –    Direito da União

3.        O principal diploma da legislação pertinente da União é o Regulamento Cosméticos. Este regulamento reformulou a antiga Diretiva 76/768/CEE, relativa aos produtos cosméticos, conforme modificada (3). O Regulamento Cosméticos visa «estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana» (v. artigo 1.° e considerando 4). A sua base jurídica é o artigo 95.° CE (atual artigo 114.° TFUE).

4.        O considerando 38 do Regulamento Cosméticos faz referência ao Protocolo (n.° 33) relativo à Proteção e ao Bem‑Estar dos Animais, anexo ao Tratado CE (exigências hoje consagradas no artigo 13.° TFUE). O considerando 39 faz referência à Diretiva 86/609/CEE (4), atualmente revogada e substituída pela Diretiva 2010/63/UE (5), relativa à proteção dos animais utilizados para fins científicos (a seguir «Diretiva 2010/63»).

5.        Para garantir a segurança dos produtos abrangidos pelo seu âmbito de aplicação, o artigo 10.° do Regulamento Cosméticos impõe a realização de uma «avaliação da segurança» e a elaboração de um «relatório de segurança» (6). O artigo 11.° prevê a conservação de um ficheiro de informações sobre o produto (a seguir «FIP») relativamente a cada produto cosmético comercializado na UE. O FIP compreenderá, nomeadamente, o relatório de segurança e os «[d]ados relativos aos ensaios em animais realizados pelo fabricante, pelos seus agentes ou pelos seus fornecedores [...]». Estes dados devem incluir «todos os ensaios em animais efetuados para cumprimento de requisitos legais ou regulamentares de países terceiros».

6.        O capítulo V do Regulamento Cosméticos tem por epígrafe «Ensaios em animais». O artigo 18.°, artigo único do capítulo V, dispõe o seguinte:

«1.      Sem prejuízo das obrigações gerais decorrentes do artigo 3.°, são proibidas as seguintes operações:

a)      A colocação no mercado de produtos cosméticos cuja formulação final, para cumprir os requisitos do presente regulamento, tenha sido objeto de ensaios em animais mediante a utilização de um método que não seja um método alternativo já validado e aprovado a nível comunitário, tendo em devida consideração o desenvolvimento da validação no âmbito da OCDE;

b)      A colocação no mercado de produtos cosméticos que contenham ingredientes ou combinações de ingredientes que, para cumprir os requisitos do presente regulamento, tenham sido objeto de ensaios em animais mediante a utilização de um método que não seja um método alternativo já validado e aprovado a nível comunitário, tendo em devida consideração o desenvolvimento da validação no âmbito da OCDE;

c)      A realização, na Comunidade, de ensaios de produtos cosméticos acabados em animais, para cumprir os requisitos do presente regulamento;

d)      A realização, na Comunidade, de ensaios de ingredientes ou combinações de ingredientes em animais, para cumprir os requisitos do presente regulamento, após a data em que seja exigida a substituição desses ensaios por um ou mais métodos alternativos validados enumerados no Regulamento (CE) n.° 440/2008 da Comissão, de 30 de maio de 2008, que estabelece métodos de ensaio nos termos do Regulamento (CE) n.° 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição de substâncias químicas (REACH) (15), ou no anexo VIII do presente regulamento.

[...]» (7)

7.        O artigo 18, n.° 2, do Regulamento Cosméticos estabelece que o prazo de aplicação das alíneas a), b) e d) do n.° 1 termina em 11 de março de 2009. Excecionalmente, no caso de determinados tipos específicos de ensaios, o prazo termina em 11 de março de 2013. Estes prazos são adiante designados por «datas‑limite». O sexto parágrafo do artigo 18.°, n.° 2, prevê igualmente a derrogação das proibições estabelecidas no artigo 18.°, n.° 1, em «circunstâncias excecionais» e sob reserva de certas condições estritas.

8.        O artigo 20.°, n.° 3, do Regulamento Cosméticos fixa as condições em que pode ser indicado na embalagem ou na rotulagem do produto que não foram efetuados ensaios em animais do produto cosmético acabado ou de qualquer ingrediente nele contido. Será o caso, nomeadamente, se «o fabricante e os seus fornecedores não tiverem efetuado ou encomendado ensaios em animais [...], nem tiverem utilizado ingredientes ensaiados em animais por terceiros para o desenvolvimento de novos produtos cosméticos».

9.        O artigo 37.° dispõe que os Estados‑Membros devem estabelecer um regime de sanções «eficazes, proporcionadas e dissuasivas» aplicável às violações do Regulamento Cosméticos.

B –    Direito nacional

10.      O Regulamento Cosméticos foi transposto para o direito do Reino Unido pelas Cosmetics Products Enforcement Regulations (Regulamento de execução em matéria de produtos cosméticos, a seguir «regulamento nacional») (8). Nos termos da regulation 12 do regulamento nacional, pratica uma infração penal quem violar, entre outras disposições, o artigo 18.° do Regulamento Cosméticos. A regulation 13 do regulamento nacional, relativa às sanções, dispõe que estas incluem multas ou penas de prisão.

C –    Regras da OMC

11.      O artigo III.4 do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 (a seguir «GATT de 1994») (9) proíbe a discriminação dos produtos importados. Esta disposição impõe às partes contratantes a sujeição das importações a um «tratamento não menos favorável do que o tratamento concedido aos produtos similares de origem nacional [...]».

12.      O artigo XX do GATT de 1994 prevê algumas exceções ao princípio da não discriminação estabelecido no artigo III.4. Estas exceções compreendem as medidas necessárias à proteção da moralidade pública [artigo XX, alínea a)] e da saúde dos animais [artigo XX, alínea b)]. Porém, tais medidas não podem ser aplicadas de forma a constituir um meio de discriminação arbitrária ou injustificada entre países, ou uma restrição disfarçada ao comércio internacional.

III – Factos, tramitação processual e questões prejudiciais

13.      A ação pendente no órgão jurisdicional nacional foi instaurada por uma associação comercial, a European Federation for Cosmetic Ingredients («EFfCI»). De acordo com a decisão de reenvio, três empresas que são membros da EFfCI submeteram certos ingredientes a ensaios em animais fora da UE, na sequência dos quais foram obtidos dados. Os dados resultantes desses ensaios eram necessários para que os ingredientes pudessem ser utilizados em produtos cosméticos destinados à venda no Japão ou na China.

14.      A EFfCI tinha dúvidas sobre a possibilidade de a importação desses produtos para o Reino Unido constituir uma violação do artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos e uma infração penal no Reino Unido. Por este motivo, a EFfCI instaurou uma ação judicial («judicial review») em que pediu ao órgão jurisdicional de reenvio que se pronunciasse sobre o âmbito de aplicação da proibição imposta por aquela disposição.

15.      A parte demandada no processo nacional é a autoridade nacional competente — o Secretary of State for Business, Innovation and Skills. Dois outros organismos foram autorizados a intervir no processo nacional: a British Union for the Abolition of Vivisection, atualmente Cruelty Free International (a seguir «CFI») e a European Coalition to End Animal Experiments (a seguir «ECEAE») (a seguir, conjuntamente, «intervenientes»).

16.      Por despacho de 12 de dezembro de 2014, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no dia 22 de dezembro de 2014, a High Court of Justice ordenou a suspensão da instância e submeteu as seguintes questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça:

«1)      [Deve o] artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos, […] ser interpretado no sentido de [que proíbe] a colocação no mercado comunitário de produtos cosméticos que contenham ingredientes ou uma combinação de ingredientes que tenham sido objeto de ensaios em animais, nos casos em que tais ensaios tenham sido realizados fora da União Europeia para cumprir requisitos legislativos ou regulamentares de países terceiros com vista a comercializar nesses países produtos cosméticos que contenham [os referidos] ingredientes?

2)      A resposta à questão 1 depende [de]:

a)      [...] a avaliação da segurança, realizada nos termos do artigo 10.° do Regulamento para demonstrar que o produto cosmético é seguro para a saúde humana antes de ser disponibilizado no mercado comunitário, envolver ou não a utilização de dados resultantes de ensaios em animais realizados fora da União Europeia;

b)      [...] os requisitos legislativos ou regulamentares dos países terceiros estarem ou não relacionados com a segurança dos produtos cosméticos;

c)      [...] ser ou não razoavelmente previsível, à data em que [um ingrediente foi objeto de] ensaios em animais [fora da União], que, [no futuro,] alguém [pretenderá] colocar no mercado comunitário um produto cosmético [contendo] aquele ingrediente; e/ou

d)      [...] qualquer outro fator, e, em caso afirmativo, que fator?» (10)

17.      As partes e as intervenientes no processo principal, a saber, a EFfCI, o Secretary of State for Business, Innovation and Skills do Reino Unido, a CFI e a ECEAE, bem como a República Helénica e a Comissão Europeia, apresentaram observações escritas e observações orais na audiência realizada em 9 de dezembro de 2015. A República Francesa pediu autorização para intervir na audiência, tendo apresentado observações orais.

IV – Apreciação

A –    Considerações preliminares

18.      As questões do órgão jurisdicional nacional visam o esclarecimento do âmbito de aplicação da proibição de comercialização de produtos cosméticos que contenham ingredientes objeto de ensaios em animais.

19.      Estas questões suscitam vários problemas sensíveis, dos quais se destacam, em particular, dois: a política da União em matéria de ensaios em animais e o requisito da segurança jurídica, no sentido de uma lei clara e inteligível. Estes problemas constituem uma parte importante do pano de fundo das presentes conclusões. Por esse motivo, antes de proceder a uma apreciação material pormenorizada, abordarei sucintamente cada um destes aspetos.

20.      Em primeiro lugar, no que respeita à política da UE em matéria de ensaios em animais, a UE reconhece a importância do bem‑estar dos animais. Os ensaios em animais devem ser limitados. Esta posição está claramente espelhada no próprio Tratado (artigo 13.° TFUE) e no direito derivado (por exemplo, a Diretiva relativa aos ensaios em animais e o Regulamento Cosméticos).

21.      Portanto, trata‑se de uma manifesta declaração de princípios por parte da União, tanto ao nível do direito primário como do direito derivado, que pode ser entendida como uma orientação interpretativa. No entanto, tal como acontece com outros princípios, o bem‑estar dos animais não é um valor absoluto. O legislador não optou por impor a proibição total dos ensaios em animais na UE, antes procedendo a uma ponderação entre o bem‑estar dos animais e outros objetivos, nomeadamente a proteção da saúde humana. A proibição da comercialização é apenas um exemplo dessa ponderação no domínio dos cosméticos.

22.      Em segundo lugar, existe um requisito de segurança jurídica. Ao nível da produção legislativa, esse princípio corresponde à exigência de um grau mínimo de clareza e de inteligibilidade da lei (11). Uma das vertentes da segurança jurídica é a previsibilidade: é necessário que as pessoas e operadores esclarecidos possam compreender e, numa medida razoável, possam prever o que é ou não permitido pela lei (12).

23.      O requisito da segurança jurídica torna‑se ainda mais premente quando estão em causa sanções, em especial sanções penais. Da sua leitura em conjugação com o princípio da legalidade resulta a máxima nullum crimen, nulla poena sine lege (certa), consagrada no artigo 49.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e no artigo 7.° da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Esta máxima impõe uma abordagem interpretativa muito cuidadosa e algo restritiva nos casos em que esteja prevista a aplicação de multas ou outras sanções pela violação de disposições cujo alcance ou cujo sentido sejam pouco claros (13). Por outras palavras, o legislador tem uma grande liberdade para impor proibições e sanções. Mas deve fazê‑lo de forma clara e explícita.

24.      No que respeita à interpretação do Regulamento Cosméticos, é manifesto que a adoção da proibição da comercialização é fruto de um processo lento e controverso. O texto final que daí resultou não constitui um paradigma de clareza.

25.      Isso é particularmente lamentável quando a violação da proibição de comercialização acarreta consequências sérias. O artigo 37.° do Regulamento Cosméticos exige aos Estados‑Membros a imposição de sanções nos casos de tal violação. O Reino Unido optou pela imposição de sanções penais, que podem ir até penas de prisão (v. n.° 10 supra). Ainda que o regime sancionatório de outros Estados‑Membros possa ser distinto, deverá compreender pelo menos sanções administrativas e coimas. Afinal, o artigo 37.° dispõe que as sanções devem ser «eficazes, proporcionadas e dissuasivas».

26.      A compatibilidade da proibição de comercialização estabelecida no artigo 18.°, n.° 1, alínea b), com o princípio da segurança jurídica já foi por duas vezes objeto de litígio perante o Tribunal de Justiça (14). Porém, ambos os processos foram julgados inadmissíveis, sem que fosse proferida qualquer decisão de mérito (15).

27.      No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio não apresentou nenhuma questão sobre a validade do artigo 18.°, n.° 1, alínea b). Mas os princípios da segurança jurídica e da legalidade não são meras referências para efeitos da fiscalização jurisdicional da legalidade, contribuindo também para a interpretação desta disposição. Este papel é ainda mais importante perante a possibilidade de imposição de sanções nos casos de violação.

28.      Uma vez abordados estes aspetos gerais, dedicar‑me‑ei nas secções seguintes a uma apreciação jurídica mais aprofundada.

B –    Análise do artigo 18.°, n.° 1, alínea b)

1.      Introdução

29.      O artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos proíbe a colocação no mercado de ingredientes cosméticos que, «para cumprir os requisitos do presente regulamento, tenham sido objeto de ensaios em animais [...]».

30.      Numa leitura puramente literal e não contextualizada, os termos pertinentes do artigo 18.°, n.° 1, alínea b), podem ser razoavelmente interpretados no sentido de que é necessário investigar a finalidade precisa, subjetiva, que está por detrás da realização dos ensaios em animais.

31.      Não concordo com esta leitura, cujo problema essencial reside no facto de dar origem a incoerências insanáveis com outros domínios do direito da União (questões transetoriais) e com outros sistemas jurídicos (questões de foro). Além disso, gera dificuldades insolúveis em matéria de prova. É verdade que, de acordo com o princípio da autonomia processual nacional, a resolução dos problemas de prova é da competência das autoridades e dos órgãos jurisdicionais nacionais, no âmbito dos litígios concretos que lhes são submetidos. Contudo, a tarefa de interpretação do direito da UE cabe, em última instância, ao Tribunal de Justiça. No meu entender, parte desta tarefa consiste em não impor aos Estados‑Membros interpretações que não sejam viáveis na prática.

32.      É por este motivo que proponho que o Tribunal de Justiça adote uma posição menos rígida. Em substância, o disposto no artigo 18.°, n.° 1, alínea b), deve ser interpretado no sentido de que proíbe o acesso ao mercado da UE de produtos cosméticos para os quais se pretende utilizar os dados resultantes de ensaios em animais para demonstrar a sua conformidade com o Regulamento Cosméticos. A proibição de comercialização deve ser entendida no sentido de que, relativamente a determinado ingrediente cosmético: i) o acesso ao mercado da UE exige a prova da sua segurança de acordo com o procedimento estabelecido no Regulamento Cosméticos; e que ii) essa prova não pode assentar nos resultados de ensaios em animais efetuados após as datas‑limite pertinentes, impostas pelo regulamento (v. n.° 7 supra).

33.      O fator determinante é, portanto, a utilização dos resultados dos ensaios em animais para obter acesso ao mercado da UE. Sendo assim, é irrelevante saber:

–        o local onde foram realizados os ensaios;

–        se, ao efetuar os ensaios, a entidade empresarial em causa teve ou não «em mente» outra legislação (da UE ou de um país terceiro), ou se essa outra legislação está ou não relacionada com o domínio dos cosméticos; ou

–        em que momento está prevista a comercialização dos cosméticos (na UE).

34.      Exponho adiante as razões pelas quais considero que nas várias interpretações propostas pelas partes existem elementos‑chave que apresentam problemas graves e que, portanto, não podem ser admitidos (secção 2). Seguidamente, procederei a uma análise literal, contextual e teleológica da proibição de comercialização (secção 3).

2.      Apreciação dos elementos‑chave das posições das partes

a)      EFfCI e República Francesa

35.      No essencial, a EFfCI considera que a proibição de comercialização é aplicável nos casos em que o objetivo específico dos ensaios em animais tenha sido dar cumprimento ao Regulamento Cosméticos. Nos casos em que o objetivo tenha sido outro, como dar cumprimento à legislação de um país terceiro ou a outra legislação da UE (por exemplo, a legislação sobre medicamentos ou sobre produtos químicos), a proibição de comercialização não é aplicável. Na audiência, a República Francesa defendeu uma interpretação semelhante.

36.      A interpretação das disposições do direito da UE baseia‑se, antes de mais e acima de tudo, na letra dessas disposições. Qual o significado literal dos termos empregados? Esta abordagem reflete os princípios fundamentais da previsibilidade e da segurança jurídica — que, em última análise, contribuem para o fortalecimento do Estado de direito na ordem jurídica da UE (16). O que está escrito na lei é o que vigora.

37.      No entanto, se a redação for ambígua (17) ou se a sua interpretação literal conduzir a um resultado ambíguo (18), esse sentido pode ser revisto, depois de contextualizado e interpretado à luz do direito da UE considerado como um todo, tendo em conta os seus objetivos e o seu estado evolutivo à data em que a disposição em causa deve ser aplicada (19).

38.      Efetivamente, numa leitura puramente literal e isolada do artigo 18.°, n.° 1, alínea b), a interpretação proposta pela EFfCI e pela República Francesa , à primeira vista, razoável.

39.      Porém, na minha perspetiva, tal interpretação daria lugar a grandes dificuldades para as autoridades administrativas e para os órgãos jurisdicionais nacionais, tanto no que respeita à identificação do objetivo prosseguido como à prova desse objetivo. Com efeito, pelos motivos adiante expostos, considero que esta abordagem conduziria a incoerências substanciais e seria impossível de aplicar na prática.

40.      No que respeita à identificação do objetivo prosseguido, a sua determinação ou a da intenção de uma entidade empresarial suscita problemas específicos. Mesmo partindo do pressuposto de que tais problemas possam ser ultrapassados, nem sequer é evidente qual a entidade empresarial cujo objetivo ou cuja intenção seria relevante. Entre várias opções possíveis, contam‑se o próprio produtor do produto cosmético, bem como o laboratório que realiza os ensaios, a entidade que inicialmente ordenou a realização dos ensaios e qualquer outra entidade a quem os dados são em seguida licenciados ou transmitidos, quer faça ou não parte do mesmo grupo de empresas.

41.      A situação torna‑se ainda mais complexa quando se considera a possibilidade de existirem objetivos de natureza mista, tanto ao nível geográfico como setorial.

42.      Assim, por exemplo, os ensaios podem ser efetuados tendo em vista principalmente o mercado chinês, mas também na perspetiva de ter a Europa como um potencial mercado no futuro. Estes cenários parecem possíveis e até extremamente prováveis. Não é verosímil que, ao desenvolver e ensaiar um novo ingrediente cosmético, uma empresa de cosméticos de dimensão mundial ignore totalmente um mercado tão importante como a Europa. Estes aspetos estão implícitos na segunda questão prejudicial, alínea c).

43.      Do mesmo modo, também é frequente as substâncias destinarem‑se a uma «dupla utilização», podendo ser usadas tanto no setor dos produtos cosméticos como no dos produtos não cosméticos. São exemplos desta última categoria os setores dos medicamentos ou dos produtos químicos. Os resultados dos ensaios em animais podem ser úteis para demonstrar que determinada substância é segura para a saúde humana, tanto na utilização para fins cosméticos como para outros fins. Isto revela, mais uma vez, que a produção de dados relativos a ensaios em animais pode ter objetivos múltiplos ou de natureza mista. Estes aspetos estão implícitos na segunda questão prejudicial, alínea b).

44.      Dado este potencial de objetivos de natureza mista, parece bastante artificial ligar a apreciação da legalidade da utilização de tais dados à intenção específica que existia aquando da produção original desses dados. Tal entendimento ignora o facto de conjuntos de dados semelhantes poderem circular e ser vendidos ou revendidos entre empresas, transpondo as fronteiras geográficas e setoriais.

45.      Além disso, a interpretação proposta pela EFfCI e pela República Francesa teria como consequência lógica que os dados «sem mácula do pecado original» (no sentido de que, embora resultem de ensaios em animais, não foram obtidos especificamente com vista ao mercado de cosméticos da UE) poderiam seguidamente circular com total liberdade e ser vendidos para efeitos da sua inclusão em avaliações de segurança e relatórios de segurança de produtos cosméticos. É evidente que as possibilidades de contornar as disposições do artigo 18.°, n.° 1, alínea b), proporcionadas por esta interpretação são imensas.

46.      Em que momento um reconhecido potencial de comercialização na UE se converte no objetivo específico da realização de ensaios «para cumprir os requisitos do [Regulamento Cosméticos]»? Esta questão apresenta ainda outro grau de complexidade. Por exemplo, inicialmente, a empresa que produz os dados pode ter tido especificamente em vista um mercado chinês de produtos não cosméticos, mas ter igualmente considerado a possibilidade da sua subsequente utilização no setor dos cosméticos da União. Quais devem ser as perspetivas de futura comercialização na UE para se converterem numa intenção específica e «contaminarem» os dados? Uma discussão breve no departamento comercial? Ou um dossiê submetido ao conselho de administração?

47.      Suponhamos, todavia, que é possível identificar a entidade cuja intenção está em causa e o grau de consideração do mercado da UE necessário para estabelecer a existência de um objetivo específico. Levanta‑se ainda o problema adicional da prova do objetivo. É necessário que seja cumprido o ónus da prova e observado o nível de prova exigido. A este respeito, foram avançadas diferentes sugestões na audiência. Foi feita referência, nomeadamente, a autodeclarações, a termos de referência dos laboratórios encarregados da realização dos ensaios, ao caráter obrigatório dos ensaios em animais no estrangeiro, e à tomada em consideração da cronologia dos acontecimentos.

48.      Não há dúvida de que os órgãos jurisdicionais nacionais, em especial os de primeira instância, estão habituados e habilitados a apreciar questões relativas a factos e a provas no seu quotidiano. Portanto, as preocupações de que seria irrealista, na prática, esperar que as autoridades administrativas e/ou os órgãos jurisdicionais nacionais se dedicassem a tal tarefa não assentam em questões de competência, mas de viabilidade e de adequação. Pedir às autoridades nacionais que avaliem a intenção empresarial subjetiva de um número potencialmente elevado de empresas que operavam em diferentes setores e/ou jurisdições num passado recente ou distante poderá justificar‑se no âmbito de processos penais, mas dificilmente se justificará num sistema que, no essencial, consiste num registo administrativo de produtos com vista à sua entrada no mercado interno da UE.

49.      À luz destas observações, não creio que a interpretação proposta pela EFfCI possa ser aplicada na prática. A expressão «para cumprir os requisitos do presente regulamento» não pode ser interpretada no sentido de que visa um objetivo específico ou uma intenção específica no momento da realização dos ensaios em animais.

b)      Comissão e Reino Unido

50.      A Comissão e o Reino Unido também consideram que o objetivo dos ensaios é determinante. Porém, interpretam a proibição de comercialização de forma mais lata. Na sua opinião, a proibição seria aplicável se os ensaios fossem realizados com o objetivo de dar cumprimento ao Regulamento Cosméticos ou a legislação análoga de um país terceiro.

51.      Encontro dois problemas fundamentais nesta abordagem.

52.      Em primeiro lugar, o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), refere de forma explícita e precisa os requisitos do Regulamento Cosméticos da União, e não os requisitos de outra legislação da UE ou de países terceiros. No meu entender, qualquer outra leitura desta disposição extrapola claramente, de forma bastante seletiva, o sentido das palavras em causa.

53.      Um argumento de ordem sistémica corrobora as minhas reservas. Ao contrário do artigo 18, n.° 1, o artigo 11.°, n.° 2, alínea e), do Regulamento Cosméticos refere expressamente os ensaios efetuados «para cumprimento de requisitos legais ou regulamentares de países terceiros». O artigo 18, n.° 1, não faz, manifestamente, uma referência dessa natureza. No entanto, essas palavras teriam sido facilmente acrescentadas à proibição de comercialização, caso o legislador tivesse tido tal intenção (20).

54.      Portanto, ao contrário do que sustentam a Comissão e o Reino Unido, «os requisitos do presente regulamento» não podem significar, numa leitura natural, «os requisitos do presente regulamento e dos regulamentos análogos de países terceiros em matéria de cosméticos». O significado e o alcance destas expressões é muito diferente.

55.      Em segundo lugar, a abordagem da Comissão e do Reino Unido também assenta na identificação do objetivo dos ensaios. Por conseguinte, apresenta o mesmo tipo de problemas identificados supra em relação à interpretação proposta pela EFfCI (v. n.os 40 e segs.), tanto no que respeita à utilização para múltiplos objetivos como à prova. Além disso, a proposta da Comissão e do Reino Unido vem agravar a complexidade de uma abordagem já problemática. Para determinar a intenção, as autoridades nacionais não teriam apenas de perscrutar a mente empresarial. Teriam ainda de proceder à análise das leis e dos regulamentos estrangeiros, para determinar se são «análogos» ao Regulamento Cosméticos.

56.      Consequentemente, pelas mesmas razões, também discordo da interpretação do conceito de proibição de comercialização proposta pela Comissão e pelo Reino Unido.

c)      Intervenientes e República Helénica

57.      As intervenientes e a República Helénica sustentam, no essencial, que a proibição de comercialização é aplicável sempre que os ensaios em animais sejam efetuados para demonstrar que determinado ingrediente é seguro para a saúde humana, independentemente do local onde os ensaios são efetuados ou do objetivo subjacente, desde que o ingrediente em causa seja utilizado em produtos cosméticos (21).

58.      Esta leitura não pode estar correta.

59.      Como observação preliminar, é verdade que a interpretação do direito da União frequentemente exige que olhemos para lá do significado natural dos termos (v. n.° 37 supra). Porém, a interpretação proposta pelas intervenientes dificilmente poderá ser associada aos termos em causa. Esta interpretação parece ignorar o termo «para», ao afirmar que, de facto, tanto o objetivo dos ensaios como a utilização dos resultados são irrelevantes. Ao invés, o ensaio, em si mesmo, é que é determinante. Do mesmo modo, a expressão «requisitos do presente regulamento» é ignorada, ao interpretá‑la no sentido de que se refere ao objetivo mais lato de proteção da saúde humana. Conforme observou a República Francesa na audiência, na maior parte dos casos, os ensaios em animais são efetuados com esse objetivo de proteção da saúde humana, quer seja no contexto dos cosméticos, dos medicamentos, dos produtos químicos, dos produtos fitofarmacêuticos, etc.

60.      Mais importante ainda é o facto de que a abordagem proposta pelas intervenientes conduziria a resultados muito peculiares, para não dizer radicais.

61.      Tomemos o exemplo de uma substância objeto de ensaios em animais: a) fora da UE; b) para demonstrar que a sua utilização em detergentes é segura para a saúde humana; e c) sendo os ensaios em animais impostos pela legislação de um país terceiro.

62.      Segundo as intervenientes, dado que estes ensaios foram efetuados para demonstrar a segurança para a saúde humana, a proibição de comercialização seria aplicável. A substância objeto de ensaios não poderia ser utilizada como ingrediente cosmético na UE. Se tal ingrediente já fosse utilizado em cosméticos na UE, logicamente deveria ser retirado do mercado.

63.      Por outras palavras, de acordo com a interpretação das intervenientes, a aplicação da proibição de comercialização pode ser determinada por acontecimentos aparentemente sem qualquer ligação entre si (temporalmente, territorialmente e setorialmente). Tais acontecimentos podem escapar totalmente ao controlo da entidade que comercializa os ingredientes cosméticos em causa (22). Não vislumbro qualquer justificação plausível para uma interpretação tão lata da proibição de comercialização (23).

64.      A leitura sistémica do artigo 18.°, n.° 1, revela um outro problema da interpretação extensiva da proibição de comercialização propugnada pelas intervenientes.

65.      Enquanto o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), estabelece uma proibição de comercialização, a alínea d) desse artigo proíbe todos os ensaios de ingredientes em animais na UE, «para cumprir os requisitos do presente regulamento» (a seguir «proibição de ensaios»). Se fosse aceite a interpretação defendida pelas intervenientes, o artigo 18.°, n.° 1, alínea d), deveria logicamente proibir que todas as substâncias fossem objeto de ensaios em animais na UE, a partir do momento em que fossem utilizadas em produtos cosméticos, salvo se tais ensaios não pretendessem demonstrar a segurança para a saúde humana (por exemplo, por questões ambientais).

66.      Isto sucederia mesmo que os ensaios na UE fossem realizados em aplicação de outro diploma legislativo da UE (não relacionado com os cosméticos) e os resultados nunca fossem utilizados para efeitos do Regulamento Cosméticos. Assim, por exemplo, todos os ensaios em animais realizados em aplicação do Regulamento 1907/2006 («Regulamento REACH») (24) seriam proibidos pelo simples facto de uma substância qualquer também ser utilizada em produtos cosméticos (25). Nada sugere que o Regulamento Cosméticos, aplicável a um setor específico, contemplasse uma proibição de ensaios em animais tão ampla e transetorial (26).

67.      É verdade que as intervenientes tentam abordar algumas destas questões ao reconhecer que os ensaios em animais poderiam ser realizados em aplicação do Regulamento REACH na UE, para demonstrar que determinada substância é segura para a saúde humana. A realização dos ensaios seria permitida se a substância não fosse utilizada predominantemente em produtos cosméticos (a seguir «exceção da utilização marginal»).

68.      A exceção da utilização marginal proposta pelas intervenientes eliminaria alguns dos efeitos, inesperados e de alcance considerável acima mencionados. No entanto, não os eliminaria todos.

69.      Nomeadamente, a proibição também produziria efeitos transetoriais em relação às substâncias utilizadas predominantemente em cosméticos, mas com utilizações igualmente relevantes em produtos não cosméticos.

70.      Acresce que o alcance da exceção da utilização marginal é muito pouco claro. Por exemplo, deve a utilização predominante ser medida através do volume do ingrediente utilizado nos produtos cosméticos? Ou está relacionada com o valor monetário desse ingrediente? Partindo do pressuposto de que o fator determinante é o volume, significa o termo «predominante» que mais de metade do volume (27) desse ingrediente é utilizado em produtos cosméticos ou apenas que essa é a utilização principal entre várias utilizações (mesmo que a utilização em cosméticos seja menor em termos de volume)? Deve a avaliação da utilização predominante ser efetuada a nível global, dentro da UE ou em relação a outro território?

71.      Mais importante ainda, a base da exceção da utilização marginal é pouco clara. De onde provém? Nenhuma outra base legal é sugerida para além da conexão entre a legislação pertinente e os cosméticos, e o facto de, alegadamente, a exceção «corresponder ao modo como o público compreende as proibições». Não duvido da criatividade dos fabricantes e das autoridades repressivas para encontrar respostas práticas para algumas das questões enunciadas no número anterior. No entanto, considero que, se o texto do Regulamento Cosméticos for respeitado de uma forma mais rigorosa, estas questões podem ser completamente evitadas. Devo também salientar que a violação destas normas, «recentemente descobertas» e muito detalhadas, dá origem à aplicação de sanções. No Reino Unido, tais sanções podem ir até penas de prisão. Nestas circunstâncias, considero que a abordagem proposta pelas intervenientes é incompatível com a máxima nullum crimen, nulla poena sine lege certa.

72.      Por último, afirma‑se que, em alguns países fora da UE, os ensaios de ingredientes cosméticos em animais são obrigatórios. Na medida em que é esse o caso, a interpretação proposta pelas intervenientes levaria, na prática, a que os produtores fossem obrigados a optar entre comercializar um ingrediente na UE ou nesse outro país em que os ensaios em animais são obrigatórios. Por outras palavras, tal interpretação criaria proibições de facto das exportações ou das importações.

73.      Não creio que seja necessário esmiuçar o direito comercial internacional para rejeitar a interpretação proposta pelas intervenientes. Mas é óbvio que a proibição das exportações e das importações constitui um obstáculo grave ao comércio internacional. Independentemente de tais efeitos poderem ou não ser justificados à luz das regras da OMC (28), se o legislador tivesse tido verdadeiramente a intenção de produzir esses efeitos seria legítimo esperar que tivesse escolhido uma formulação mais clara para a expressar.

d)      Conclusões sobre as interpretações propostas pelas partes

74.      Compreendo perfeitamente as dificuldades que se colocam a qualquer pessoa que tente interpretar o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos. Esta disposição não está bem redigida. Além disso, as dúvidas legítimas suscitadas nas questões do órgão jurisdicional de reenvio aparentemente já tinham sido contempladas pelo legislador há mais de vinte anos, durante o processo legislativo inicial (29), o que torna ainda mais lamentável que estas questões tenham de ser resolvidas tão tardiamente.

75.      Feitas estas considerações, continuo cético quanto aos aspetos fundamentais das interpretações propostas pelas partes.

76.      Na secção seguinte, apresento a minha análise da proibição de comercialização, à luz da sua letra, do seu contexto e da sua finalidade. A principal conclusão que resulta dessa análise é que a expressão «para cumprir os requisitos do presente regulamento» deve ser interpretada no sentido de que proíbe a utilização dos resultados dos ensaios em animais para efeitos da comercialização de produtos cosméticos na UE.

3.      Análise literal, contextual e teleológica do artigo 18.°, n.° 1, alínea b)

a)      Interpretação literal

77.      O primeiro ponto de referência em qualquer exercício interpretativo é o texto de uma disposição (30). O sentido natural mais óbvio da expressão «para cumprir os requisitos do [Regulamento Cosméticos]» é que os ensaios tenham sido efetuados com o objetivo (principal) de assegurar a conformidade com esse diploma. Pelas razões acima expostas, considero que esta leitura acarreta problemas insolúveis no que respeita à identificação e à prova dos objetivos, bem como à coerência sistémica do Regulamento Cosméticos com outros domínios do direito da União.

78.      Todavia, isso não significa que seja possível ignorar simplesmente o texto e navegar no mar nebuloso do efeito útil, tanto mais que tal conceito parece ser objeto de entendimentos muito diferentes por parte dos diversos interessados, conforme resulta claramente das observações escritas e orais apresentadas pelas partes no presente processo. E mesmo que, pelos motivos já expostos, seja impossível baseá‑la apenas no texto, a interpretação deve cingir‑se o mais possível a ele e aos conceitos que contém, e, ao mesmo tempo, respeitar a intenção e a escolha de valores manifestadas pelo legislador, desde que seja possível discerni‑las de forma compreensível.

79.      No meu entender, o enunciado da proibição de comercialização implica a existência de uma conexão entre: a) os ensaios em animais; e b) o cumprimento dos requisitos específicos do Regulamento Cosméticos. Essa conexão é fundamental à luz da letra do artigo 18.°, n.° 1, alínea b): «[ingredientes] que, para cumprir os requisitos do [Regulamento Cosméticos], tenham sido objeto de ensaios em animais (31).»

80.      O artigo 1.° do Regulamento Cosméticos dispõe claramente que o regulamento estabelece as normas que todos os produtos cosméticos disponibilizados no mercado devem cumprir. Nesse caso, por que motivo uma empresa cumpriria os requisitos do Regulamento Cosméticos senão para ter acesso ao mercado interno?

81.      Dada essa necessária conexão, considero que a utilização dos resultados dos ensaios em animais para um produto cosmético poder ter acesso ao mercado da UE é condição sine qua non da aplicação da proibição de comercialização. Este é o problema suscitado pelo órgão jurisdicional de reenvio na sua segunda questão, alínea a).

82.      Pelos motivos adiante expostos, esta conclusão é confirmada pela análise contextual e teleológica. Além disso, no meu entender, essa análise não revela outras condições para a aplicação da proibição de comercialização.

b)      Contexto e finalidade

83.      Creio que existem vários elementos do contexto e da finalidade da proibição de comercialização que vale a pena explorar no presente caso, nomeadamente:

–        os objetivos do Regulamento Cosméticos;

–        outras disposições do Regulamento Cosméticos;

–        os trabalhos preparatórios do Regulamento Cosméticos;

–        a compatibilidade com outros textos do direito da União.

i)      Objetivos do Regulamento Cosméticos

84.      De acordo com o seu artigo 1.°, o Regulamento Cosméticos tem como principal objetivo «estabelecer um mercado interno dos produtos cosméticos, assegurando em simultâneo um elevado nível de proteção da saúde humana» (32). O considerando 38 e seguintes do Regulamento Cosméticos sublinham a importância do bem‑estar dos animais para a prossecução destes objetivos, que se traduzem nas proibições de comercialização e de realização de ensaios estabelecidas no artigo 18.°, n.° 1.

85.      Porém, é evidente que o Regulamento Cosméticos constitui, acima de tudo, uma medida relativa ao mercado interno num setor de atividade específico. O Regulamento Cosméticos estabelece as condições em que a UE permite a entrada de produtos e ingredientes cosméticos no mercado interno. A principal condição reside na sua segurança para a saúde humana, o que é confirmado pela base jurídica escolhida, ou seja, o artigo 95.° CE (atual artigo 114.° TFUE).

86.      O bem‑estar dos animais é um valor muito importante a considerar, mas não é o objetivo principal deste diploma. Acresce que, independentemente dos limites precisos que o bem‑estar dos animais impõe, o regulamento não estabelece uma proibição total dos ensaios em animais, nem da comercialização de (ingredientes) cosméticos objeto de ensaios em animais (33).

87.      Portanto, no contexto do Regulamento Cosméticos, como um todo, um produtor desejará «cumprir os requisitos do presente regulamento» para ter acesso ao mercado interno. Consequentemente, o sentido do artigo 18.°, n.° 1, alínea b), seria melhor definido como: «não serão efetuados ensaios em animais para obter acesso ao mercado interno dos cosméticos».

88.      Isto confirma a interpretação acima sugerida, de que a utilização dos resultados dos ensaios em animais é a condição‑chave da aplicação da proibição de comercialização.

ii)    Outras disposições do Regulamento Cosméticos

89.      Embora não sejam decisivas em si mesmas, outras disposições do Regulamento Cosméticos merecem atenção no que respeita aos argumentos contextuais ou sistémicos. Essas disposições clarificam, nomeadamente, algumas situações que o legislador considerou compatíveis com as proibições de comercialização e de realização de ensaios, facilitando assim a compreensão do alcance de tais proibições.

90.      O artigo 11.°, n.° 2, alínea e), do Regulamento Cosméticos estabelece que o FIP deve conter quaisquer dados relativos a ensaios em animais efetuados para cumprimento de requisitos legais ou regulamentares de países terceiros. Portanto, é evidente que os ensaios de um ingrediente cosmético em animais em países terceiros podem ser compatíveis com a comercialização de tal ingrediente na UE (34).

91.      Também é interessante que a referência explícita aos requisitos de países terceiros no artigo 11.°, n.° 2, alínea e), contraste com o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), onde não é feita qualquer referência desse tipo. Isto pode ser interpretado no sentido de que implica que a realização de ensaios em animais para dar cumprimento aos requisitos da legislação de países terceiros foi deliberadamente excluída como fator determinante da aplicação da proibição de comercialização.

92.      Conforme foi acima referido (35), o considerando 40 do Regulamento Cosméticos parece também prever situações em que os ensaios em animais podem ser efetuados dentro da UE, por exemplo em aplicação do Regulamento REACH, e em que os ingredientes objeto desses ensaios também podem entrar na composição de produtos cosméticos.

93.      Os artigos e os considerandos supramencionados corroboram a tese (que já defendi) de que o recurso a ensaios em animais para ingredientes utilizados em produtos cosméticos não constitui, em si mesmo, o problema. Esta tese sublinha o facto de que tem de existir uma conexão entre os ensaios e a comercialização no mercado interno. Conforme já referi, creio que essa conexão é estabelecida pela utilização dos dados relativos a ensaios em animais para demonstrar a segurança para a saúde humana, no contexto do Regulamento Cosméticos.

94.      Além do mais, o enunciado e a estrutura das disposições acima mencionadas também destacam uma distinção específica feita pelo Regulamento Cosméticos que é essencial para o caso em apreço e merece ser aqui apreciada. Trata‑se da distinção entre, por um lado, a utilização dos dados relativos a ensaios em animais para demonstrar a segurança e, por outro, a «mera» inclusão desses dados no FIP.

95.      O artigo 10.° do Regulamento Cosméticos exige que a segurança de um ingrediente cosmético seja demonstrada através de uma avaliação da segurança e registada num relatório de segurança. Para demonstrar a segurança, é necessário utilizar provas científicas. O artigo 11.° do Regulamento Cosméticos enumera as informações que o FIP deve conter.

96.      Nas suas observações escritas e na audiência, as intervenientes alegaram, no essencial, que a partir do momento em que são incluídos no FIP, os resultados dos ensaios constituem, necessariamente, parte integrante do conjunto de provas utilizadas para demonstrar a segurança. Em apoio deste entendimento, citam o artigo 10.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos, que dispõe que «[é] utilizada uma análise apropriada de ponderação da suficiência da prova na avaliação da segurança para efeitos de revisão dos dados provenientes de todas as fontes existentes» (36). Tais fontes têm de incluir os resultados dos ensaios em animais. Isto cria a perspetiva de que os ensaios em animais continuarão a servir para apoiar conclusões em matéria de segurança dos produtos cosméticos. Segundo as intervenientes, a única maneira de evitar que assim seja consiste em proibir a colocação de ingredientes cosméticos no mercado da UE a partir do momento em que tenham sido objeto de um ensaio em animais (independentemente do local e do motivo subjacente desse ensaio) (37).

97.      Discordo desta interpretação, pelas seguintes razões.

98.      Em primeiro lugar, o artigo 11.°, n.° 2, alínea e), reconhece a existência de situações em que os ensaios de ingredientes cosméticos em animais foram efetuados para dar cumprimento aos requisitos de países terceiros. Se respeitarem ao «desenvolvimento ou [à] avaliação da segurança» do ingrediente, esses dados devem ser incluídos no FIP. Estes termos sugerem que nem todos os dados relativos a ensaios em animais incluídos no FIP têm necessariamente de ser utilizados para apoiar as conclusões da avaliação da segurança.

99.      Em segundo lugar, o Regulamento Cosméticos exige que a segurança dos ingredientes e dos produtos cosméticos seja demonstrada positivamente através de métodos alternativos. Tal como foi confirmado na audiência, entre outros pelo Reino Unido e pela Comissão, é manifestamente insuficiente invocar a inexistência de provas de efeitos nocivos para justificar a conclusão de que um ingrediente é seguro.

100. Em terceiro lugar, conforme foi referido no n.º 60 supra, a interpretação defendida pelas intervenientes conduz a resultados muito peculiares e radicais. Se esses resultados correspondessem verdadeiramente à intenção do legislador, seria legítimo esperar que estivessem enunciados mais claramente na legislação. Não é o que se passa no presente caso. Na verdade, muitos outros elementos mencionados na presente secção confirmam o contrário.

101. Em último lugar, o artigo 10.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos não pode ser interpretado isoladamente. Na mesma medida em que restringe as provas suscetíveis de ser invocadas para dar cumprimento às exigências do Regulamento Cosméticos, o artigo 18.°, n.° 1, alínea b), tem de ser entendido no sentido de que limita o tipo de resultados de ensaios que podem ser tidos em consideração na ponderação da suficiência da prova referida no artigo 10.°, n.° 1, alínea b).

102. Em conclusão, relativamente a este ponto, não considero que o artigo 10.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos ponha em causa a interpretação acima proposta de que a aplicação da proibição de comercialização é determinada pela utilização de dados relativos a ensaios em animais, e não pelo próprio ensaio. Além disso, há que estabelecer uma distinção importante entre a utilização de dados relativos ensaios e a sua mera inclusão no FIP.

iii) Trabalhos preparatórios

103. Os trabalhos preparatórios revelam a existência de um debate importante sobre a proibição de comercialização. Lamentavelmente, esse debate é mais acalorado do que esclarecedor. Ainda assim, vale a pena descrever os seus aspetos principais.

–       Diretiva 93/35

104. A Diretiva Cosméticos original (Diretiva 76/768) não estabelecia qualquer proibição de comercialização nem fazia referência aos ensaios em animais. A proibição da comercialização foi introduzida pela primeira vez pela Diretiva 93/35 (38), que tinha, no essencial, uma redação semelhante à do atual Regulamento Cosméticos («para preencher os requisitos da presente diretiva») (39).

105. O aditamento destes termos foi controverso. A proposta inicial da Comissão não incluía qualquer proibição de comercialização (40), que foi introduzida pelo Parlamento Europeu em primeira leitura. Inicialmente, a proibição de comercialização proposta pelo Parlamento estendia‑se expressamente aos «[i]ngredientes ou combinações de ingredientes testados em animais após 1 de janeiro de 1998 com o objetivo de avaliar a respetiva segurança ou eficácia para fins de utilização em produtos cosméticos ou em obediência às disposições da presente diretiva» (41).

106. Na minha perspetiva, esta redação pretendia distinguir os ensaios em animais efetuados para dar cumprimento i) à diretiva e ii) a outras normas aplicáveis em matéria de cosméticos (da UE ou de países terceiros) (42). O Parlamento procurou abranger esses dois cenários através da proibição de comercialização (a seguir «formulação ampla») (43).

107. A Comissão reduziu o alcance da proibição de comercialização proposta pelo Parlamento apenas aos ensaios efetuados «a fim de obedecer aos requisitos da presente diretiva», ou seja, o primeiro cenário traçado no n.° 106 das presentes conclusões (a seguir «formulação restrita») (44). O Parlamento insistiu e, na segunda leitura, voltou a introduzir a formulação ampla (45), que desta vez foi aceite pela Comissão. Nas suas palavras, a alteração destinava‑se a «proibir de forma explícita as experiências em animais por motivos que não sejam o preenchimento dos requisitos da diretiva» (46). Porém, o Conselho reduziu de novo o alcance da proibição de comercialização à formulação restrita (47), que acabou por ser adotada na Diretiva 93/35.

108. Concluo deste «pingue‑pongue» institucional que a diferença entre o alcance amplo e o alcance restrito da proibição de comercialização era abertamente reconhecida e considerada importante pelas três instituições.

109. Posteriormente, a entrada em vigor da proibição de comercialização foi adiada em duas ocasiões (48).

–       Diretiva 2003/15

110. Em 2003, a Diretiva 2003/15 (49) aditou as proibições de comercialização e de realização de ensaios atualmente consagradas no artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento Cosméticos (50). Esta redação, inalterada, das proibições incluía a fórmula restrita («a fim de obedecer aos requisitos da presente diretiva»).

111. O processo legislativo que culminou na adoção da Diretiva 2003/15 envolveu um debate importante sobre a proibição de comercialização. Grande parte desse debate incidiu sobre as preocupações relativas à compatibilidade desta proibição com as regras da OMC (51). Para responder a essas preocupações, o Conselho e a Comissão procuraram inicialmente associar a introdução de uma proibição de comercialização à introdução de métodos de ensaio alternativos ao nível da OCDE (52). O Parlamento ofereceu grande resistência a esta ideia, insistindo na fixação de uma data‑limite final para a introdução dessas proibições (53). As datas‑limite acabaram por ser incluídas no texto final (v. n.° 7 supra).

112. Em contrapartida, o debate sobre a proibição de comercialização não incluiu uma discussão pormenorizada sobre a distinção entre ensaios em animais efetuados para dar cumprimento i) à diretiva e ii) a outras normas no domínio dos cosméticos (da UE ou de países terceiros) (v. n.os 106 a 108 supra). A fórmula restrita da proibição de comercialização adotada na versão de 1993 («para preencher os requisitos da presente diretiva») foi reproduzida sem alteração (54). O Parlamento fez uma breve referência ao facto de ter perdido a batalha quanto à utilização da formulação ampla, que teria abrangido outras regulamentações aplicáveis em matéria de cosméticos (da UE e de países terceiros), mas não explicou em pormenor quais seriam as consequências da utilização da formulação restrita. Não obstante, concluiu que, de acordo com a formulação adotada, a proibição de comercialização continha «uma lacuna importante, nomeadamente no que respeita aos cosméticos importados de países terceiros» (55). Esta observação parece refletir uma preocupação, já expressa noutra ocasião (56), de que uma proibição não abrangente da comercialização conduziria simplesmente ao contorno da regulamentação, através da deslocalização dos ensaios em animais para fora da UE.

–       Conclusões sobre os trabalhos preparatórios

113. Não obstante numerosas ambiguidades, considero que dos trabalhos preparatórios podem ser extraídas algumas conclusões.

114. Em primeiro lugar, não existe uma declaração clara e explícita subscrita pela três instituições de que se pretendia estabelecer uma proibição de comercialização absoluta, no sentido de que a mera realização de um ensaio determinaria a sua aplicação (independentemente do local do ensaio, do motivo da sua realização e de quem o realizasse). Ao invés, durante o processo de adoção da Diretiva 93/35, a importância da conexão entre os ensaios e, especificamente, a Diretiva/Regulamento Cosméticos (e não apenas o setor dos cosméticos em geral) foi, no meu entender, repetidamente confirmada. Este argumento é mais um elemento que aponta para a rejeição da interpretação lata da proibição de comercialização proposta pelas intervenientes e pela República Helénica, segundo a qual o próprio ensaio é o facto que determina a aplicação da proibição (57).

115. Em segundo lugar, aparentemente, as três instituições consideraram as datas‑limite como um ponto de viragem. O Parlamento não aceitou adiar indefinidamente a proibição de comercialização para esperar pela introdução de métodos alternativos. Após as datas‑limite, as proibições de comercialização e de ensaio aplicar‑se‑iam, independentemente da existência de métodos alternativos. Não obstante esta posição firme, nenhuma das instituições propôs a eliminação da condição — «para cumprir os requisitos do presente regulamento».

116. Em terceiro lugar, o risco de contorno da regulamentação foi referido várias vezes durante o processo legislativo. A principal preocupação a este respeito era o risco de deslocalização (58), mas também foram manifestadas preocupações em relação ao risco de contorno da regulamentação através da transposição para o setor dos cosméticos de ensaios alegadamente efetuados especificamente noutros setores (59).

117. No meu entender, a apresentação das datas‑limite como ponto de viragem e os receios quanto ao risco de contorno da regulamentação corroboram a conclusão de que, independentemente do local onde sejam efetuados, os ensaios em animais não devem ser utilizados para obter acesso ao mercado da UE. Estes argumentos também confirmam a tese de que a utilização dos dados relativos a ensaios em animais constitui o elemento que determina a aplicação da proibição de comercialização.

iv)    Compatibilidade com outra legislação da União

118. O diploma legislativo mais exaustivo da UE em matéria de garantia da segurança das substâncias é o Regulamento REACH (60). Este regulamento exige que as substâncias importadas ou fabricadas na União em quantidades superiores a uma tonelada sejam registadas. O registo implica a entrega de um dossiê científico que demonstre, nomeadamente, que a substância é segura para a saúde humana. O Regulamento REACH também se aplica aos ingredientes utilizados nos produtos cosméticos.

119. Isto suscita a questão de saber como devem ser tratadas, ao abrigo do REACH, as substâncias de «dupla utilização», isto é, que são utilizadas tanto em produtos cosméticos como não cosméticos. A resposta ajudará a clarificar o âmbito de aplicação da proibição de comercialização estabelecida no Regulamento Cosméticos.

120. O considerando 13 do Regulamento REACH aplica‑se «sem prejuízo» do Regulamento Cosméticos. O REACH também prevê determinadas derrogações em relação a substâncias utilizadas em produtos cosméticos. Nomeadamente, o REACH aplica‑se «sem prejuízo» do Regulamento Cosméticos «no que diz respeito aos ensaios em animais vertebrados abrangidos no âmbito de aplicação d[o] referid[o] [regulamento]» (61).

121. No meu entender, o objetivo é claro. O Regulamento REACH estabelece o quadro geral para o registo, a avaliação e a autorização de substâncias. Quando uma substância é utilizada num setor específico objeto de uma regulamentação específica, o Regulamento REACH pode aplicar‑se sem prejuízo dessa regulamentação setorial específica, e derrogá‑la (parcialmente). É o caso dos produtos cosméticos e também de alguns outros setores, como o dos medicamentos, o dos dispositivos médicos, o dos géneros alimentícios e alimentos para animais, entre outros (62).

122. No entanto, ao contrário do que defendem, nomeadamente, as intervenientes, isso não significa que, quando uma substância é utilizada em produtos cosméticos, as normas do Regulamento Cosméticos sejam aplicáveis a todas as utilizações (cosméticas e não cosméticas). Assim, por exemplo, não significa que uma substância que entre na composição de um detergente não possa ser objeto de ensaios em animais na UE pelo simples facto de também entrar na composição de produtos cosméticos (63). Nem significa que, assim que o fabricante de detergentes efetue qualquer ensaio em animais fora da UE, essa substância deixe de poder ser comercializada em produtos cosméticos no mercado da UE.

123. Conforme salientou a EFfCI, a proibição quase absoluta de ensaios em animais no setor dos cosméticos é muito específica. A situação mais comum ao abrigo da legislação da UE é que os ensaios em animais devem ser evitados, sempre que possível, mas tolerados (embora com relutância) quando não existe alternativa (64).

124. Nestas circunstâncias, não é possível que o legislador tenha desejado que o Regulamento Cosméticos produzisse o tipo de efeitos transetoriais que as intervenientes defendem. Além disso, recordo que a próprio enunciado da proibição de comercialização do Regulamento Cosméticos é, à primeira vista, setorial («para cumprir os requisitos do presente regulamento»).

125. Uma vez mais, as considerações precedentes confirmam especificamente a necessidade de uma conexão entre os ensaios em animais e o Regulamento Cosméticos antes de a proibição da comercialização poder ser aplicada. O ensaio não é, em si próprio, suficiente.

126. Todavia, compreendo as preocupações manifestadas pelas intervenientes em relação à eficácia das proibições estabelecidas no Regulamento Cosméticos e ao risco de contorno da regulamentação. A esse respeito, as intervenientes alegam, no essencial, que uma empresa poderia facilmente efetuar ensaios para registar um ingrediente cosmético ao abrigo do Regulamento REACH e, posteriormente, utilizar esses resultados numa avaliação da segurança realizada nos termos do Regulamento Cosméticos. Isto seria possível porque os resultados não teriam sido produzidos «para cumprir os requisitos do [Regulamento Cosméticos]», mas sim para efeitos de registo ao abrigo do REACH.

127. Que interpretação da proibição de comercialização permite evitar este risco de contorno, respeitando, simultaneamente, a letra do artigo 18.°, n.° 1, alínea b)?

128. Uma resposta possível é que esse estratagema pode ser evitado procurando saber qual o «verdadeiro» objetivo do ensaio. Foi o ensaio «verdadeiramente» realizado para efeitos de registo no REACH? Ou, no fundo, foi realizado para cumprir o Regulamento Cosméticos? Esta é, essencialmente, a proposta da EFfCI e da República Francesa. Expus acima (65) as minhas preocupações sérias sobre a viabilidade prática desta abordagem.

129. Outra resposta, avançada pela Comissão (e pela European Chemicals Agency), é que tais substâncias não podem ser objeto de ensaios em animais ao abrigo do REACH quando forem utilizadas exclusivamente em produtos cosméticos (66).

130. Esta abordagem é apelativa. Se não existe utilização não cosmética de uma substância, por que motivo seria ensaiada ao abrigo do REACH senão com vista à sua comercialização num produto cosmético? Mas, e se o ensaio for efetuado com vista a uma potencial utilização futura não cosmética? Com que fundamento seria impedida a realização do ensaio? Por conseguinte, a proibição só se aplicaria às substâncias efetiva ou potencialmente utilizadas exclusivamente em cosméticos. As intervenientes alegam que só muito raramente as substâncias são utilizadas exclusivamente em cosméticos. Portanto, esta interpretação teria pouco efeito prático. Subscrevo estas preocupações.

131. Sendo assim, de que modo se resolve o risco de contorno da regulamentação, respeitando a letra do artigo 18.°, n.° 1, alínea b), e interpretando o Regulamento Cosméticos e o Regulamento REACH de forma coerente? Na minha opinião, só existe uma solução plausível. Mais uma vez, a utilização dos resultados relativos a ensaios em animais é o critério determinante.

132. Nos termos do Regulamento REACH, os ensaios em animais podem ser efetuados como último recurso. Não existe uma regra especial aplicável no caso de a substância também ser utilizada em cosméticos. No entanto, não deveria ser possível utilizar os resultados de tais ensaios no âmbito do Regulamento Cosméticos. É óbvio que terão de constar do FIP (67). Não podem, contudo, ser utilizados para demonstrar a segurança do ingrediente.

133. Não vislumbro outra interpretação razoável que permita conciliar estes dois diplomas legislativos e evitar o contorno da regulamentação, e que, simultaneamente: a) respeite a natureza setorial do Regulamento Cosméticos; b) mantenha a conexão entre os ensaios em animais e a venda do ingrediente objeto de ensaio no setor dos cosméticos, conforme exige a letra da regulamentação; e c) evite averiguações impossíveis sobre o objetivo específico ou a intenção subjetiva dos ensaios.

c)      Relevância das regras da OMC

134. Tanto a EFfCI como a República Francesa sublinharam a importância de uma interpretação conforme com o artigo III.4 do GATT de 1994. Além disso, durante o processo legislativo conducente à adoção da Diretiva 2003/15, a Comissão manifestou preocupações sérias sobre a compatibilidade da proibição da comercialização com aquela disposição.

135. Por conseguinte, é necessário dizer algumas palavras sobre as regras da OMC antes de concluir a minha interpretação do artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos.

136. A apreciação da proibição de comercialização à luz das regras da OMC suscita, inegavelmente, questões sensíveis e exige a resolução de problemas jurídicos complexos. Em última análise, tais questões terão de ser apreciadas pelos organismos competentes no âmbito do sistema de resolução de litígios da OMC.

137. Conforme já observei (v. n.° 73), as interpretações propostas pelas intervenientes e pela República Helénica criam, efetivamente, entraves consideráveis ao comércio internacional. Como tal, pode sustentar‑se que são suscetíveis de suscitar interrogações (mais relevantes) à luz das regras da OMC. Contudo, uma vez que todas as interpretações propostas pelas partes foram rejeitadas com outros fundamentos, não é aqui necessário apreciar em pormenor a sua conformidade com as regras da OMC.

138. Pelos motivos acima expostos, propus a interpretação da proibição de comercialização que considero ser a mais aproximada possível do texto do Regulamento Cosméticos, respeitando simultaneamente o seu contexto e os seus objetivos. No meu entender, esta interpretação da proibição de comercialização também assegura, tanto quanto possível, a conformidade com as disposições pertinentes do GATT.

d)      Conclusões da análise literal, contextual e teleológica e proposta de interpretação da proibição de comercialização

139. À luz das considerações precedentes, considero que a proibição de comercialização deve ser interpretada no sentido de que proíbe a utilização dos resultados relativos a ensaios em animais para dar cumprimento aos requisitos do Regulamento Cosméticos (aplicando‑se as datas‑limite pertinentes). Além disso, a utilização dos resultados relativos a ensaios em animais tem de ser distinguida da sua mera inclusão no FIP.

140. Desta ideia mestra decorrem as respostas às questões precisas apresentadas pelo órgão jurisdicional de reenvio. Estas questões salientam, corretamente, determinados problemas que podem surgir de uma interpretação assente na intenção empresarial subjetiva, num mundo caracterizado por complexidades transectoriais e transfronteiriças e em que os dados circulam livremente. Se o Tribunal de Justiça decidir seguir a interpretação preconizada nas presentes conclusões, as respostas a essas questões tornam‑se relativamente simples, podendo ser enunciadas como se segue:

141. Para efeitos da aplicação da proibição de comercialização, o local da realização dos ensaios é irrelevante. Os ensaios podem ter sido efetuados na UE (por exemplo, para dar cumprimento ao Regulamento REACH) ou fora da UE (por exemplo, por serem exigidos pela regulamentação estrangeira aplicável).

142. A intenção subjetiva ou o objetivo específico subjacentes aos ensaios também são irrelevantes (quer seja o objetivo específico do laboratório que efetua os ensaios, da entidade que os encomenda ou de qualquer outra entidade). Em concreto, é irrelevante que o objetivo exclusivo, o objetivo principal ou um dos objetivos da realização de ensaios seja dar cumprimento aos requisitos de determinada regulamentação (da UE ou de um país terceiro).

143. É igualmente irrelevante que essa regulamentação diga ou não respeito aos produtos cosméticos.

144. Tão‑pouco é relevante o momento em que a comercialização dos cosméticos (na UE) foi prevista.

145. Por último, de acordo com o enunciado claro do artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento Cosméticos, a proibição da comercialização só é aplicável se os ensaios em animais tiverem sido efetuados após as datas‑limite pertinentes.

146. Esta é a interpretação que, no meu entender, melhor se adequa à letra do Regulamento Cosméticos, mantendo a coerência com as restantes disposições desse regulamento e com outras disposições de direito da União, respeitando a intenção do legislador e assegurando a repressão da sua violação. Ao mesmo tempo, esta interpretação mantém um equilíbrio razoável entre os vários interesses em presença, assegurando o respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito: a segurança jurídica e a legalidade.

V –    Conclusão

147. Com base na análise precedente, proponho que o Tribunal de Justiça responda às questões apresentadas pela High Court of Justice of England & Wales, Queen’s Bench Division (Administrative Court) da seguinte forma:

Primeira questão: O artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos, não deve ser interpretado no sentido que proíbe a colocação no mercado da UE de produtos cosméticos contendo ingredientes ou uma combinação de ingredientes pelo simples facto de terem sido objeto de ensaios em animais, nos casos em que tais ensaios tenham sido realizados fora da União Europeia para dar cumprimento aos requisitos legislativos ou regulamentares de países terceiros, com vista a comercializar nesses países produtos cosméticos contendo tais ingredientes. No entanto, a mesma disposição proíbe a utilização dos resultados relativos aos ensaios em animais para satisfazer os requisitos do Regulamento Cosméticos, em função das datas‑limite pertinentes.

Segunda questão, alínea a): A proibição de comercialização estabelecida no artigo 18.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento Cosméticos pode ser aplicada se a avaliação da segurança, realizada nos termos do artigo 10.° do regulamento para demonstrar que o produto cosmético é seguro para a saúde humana antes de ser disponibilizado no mercado da UE, pressupor a utilização de dados resultantes de ensaios em animais realizados fora da União Europeia. Isto depende da questão de saber se as restantes condições da proibição de comercialização estão reunidas, designadamente os ensaios terem sido realizados após a data‑limite pertinente. Além disso, a utilização de dados na avaliação de segurança tem de ser distinguida da sua mera inclusão no ficheiro de informações sobre o produto.

Segundo questão, alínea b): É irrelevante saber se os requisitos legislativos ou regulamentares dos países terceiros estão relacionados com a segurança dos produtos cosméticos.

Segunda questão, alínea c): É irrelevante saber se era razoavelmente previsível, à data em que um ingrediente foi objeto de ensaios em animais realizados fora da UE, que, no futuro alguém pretenderá colocar no mercado da UE um produto cosmético contendo o ingrediente em causa.

Segunda questão, alínea d): A data em que foram efetuados os ensaios em animais é relevante à luz da entrada em vigor da proibição de comercialização. Só a utilização dos resultados relativos aos ensaios em animais efetuados após as datas‑limite pertinentes dá lugar à aplicação da proibição.


1 —      Língua original: inglês.


2 —      Regulamento (CE) n.° 1223/2009 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de novembro de 2009, relativo aos produtos cosméticos (JO 2009, L 342, p. 59).


3 —      Diretiva 76/768/CEE do Conselho, de 27 de julho de 1976, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO 1976, L 262, p. 169; EE 15 F1 p. 206).


4 —      Diretiva 86/609/CEE do Conselho, de 24 de novembro de 1986, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares, e administrativas dos Estados‑Membros respeitantes à proteção dos animais utilizados para fins experimentais e outros fins científicos (JO 1986, L 358, p. 1).


5 —      Diretiva 2010/63/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de setembro de 2010, relativa à proteção dos animais utilizados para fins científicos (JO 2010, L 276, p. 33).


6 —      Tais obrigações incumbem, em substância, à «pessoa responsável», na aceção do artigo 4.° do Regulamento Cosméticos (essencialmente, o fabricante, o importador ou o distribuidor, consoante a situação concreta).


7 —      O sublinhado é meu.


8 —      2013 SI 2013/1478.


9 —      JO 1994, L 336, p. 103.


10 —      Existem ligeiras diferenças entre a redação da segunda questão, alíneas b) e c), no pedido de decisão prejudicial e no despacho de reenvio. Nas presentes conclusões, foi utilizada a redação que consta da decisão de reenvio. Porém, essas ligeiras diferenças não afetam a análise efetuada nas presentes conclusões.


11 —      V, por exemplo, acórdãos Afton Chemical (C‑343/09, EU:C:2010:419, n.° 79); IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.° 68); e Gondrand e Garancini (169/80, EU:C:1981:171, n.os 17 e 18). Em geral, v., por exemplo, Schwarze, J., Droit administrative européen, segunda edição, Bruylant, Bruxelas, 2009, p. 996; Tridimas, T., The General Principles of EU Law, segunda edição, Oxford University Press, Oxford, 2007, p. 244.


12 —      Esta preocupação é partilhada por vários sistemas jurídicos nacionais — v., por exemplo, diversas contribuições constantes da segunda parte Rapport public du Conseil d'État, 2006.Jurisprudence et avis de 2005. Sécurité juridique et complexité du droit. Études & documents n.° 57. La documentation française, 2006, p. 229 e segs.


13 —      Pelo menos até que o alcance da proibição tenha sido clarificado. V., por exemplo, acórdãos X (C‑74/95 e C‑129/95, EU:C:1996:491, n.° 25); Dansk Rørindustri e o./Comissão (C‑189/02 P, C‑202/02 P, C‑205/02 P a C‑208/02 P e C‑213/02 P, EU:C:2005:408, n.os 215 a 219); Advocaten voor de Wereld (C‑303/05, EU:C:2007:261, n.° 49); e International Association of Independent Tanker Owners e o. (C‑308/06, EU:C:2008:312, n.° 70).


14 —      Mais precisamente, artigo 4.°‑A da Diretiva 76/768, que, no essencial, é idêntico ao artigo 18.°, n.° 1, do Regulamento Cosméticos (v. n.° 110 infra).


15 —      A EFfCI (que, no presente caso, é a demandante no processo nacional) tinha interposto um recurso de anulação, que foi julgado inadmissível por falta de legitimidade da recorrente (despacho EFfCI/Parlamento e Conselho, T‑196/03, EU:T:2004:355, confirmado em sede de recurso pelo despacho EFfCI/Parlamento e Conselho, C‑113/05 P, EU:C:2006:222). A República Francesa também tinha interposto um recurso de anulação das disposições correspondentes ao artigo 18.°, n.° 1, que foi julgado inadmissível com fundamento na falta de destacabilidade da disposição em causa (acórdão França/Parlamento e Conselho, C‑244/03, EU:C:2005:299). Por conseguinte, os argumentos de fundo não foram apreciados. No entanto, nas suas conclusões, o advogado‑geral L. A. Geelhoed abordou alguns aspetos que o presente caso suscita.


16 —      V., por exemplo, acórdãos Bélgica/Comissão (C‑110/03, EU:C:2005:223, n.° 30), e Glaxosmithkline e Laboratoires Glaxosmithkline (C‑462/06, EU:C:2008:299, n.° 33).


17 —      Acórdãos BCE/Alemanha (C‑220/03, EU:C:2005:748, n.° 31), e Carboni e derivati (C‑263/06, EU:C:2008:128, n.° 48).


18 —      Conclusões do advogado‑geral N. Jääskinen no processo Comissão/Reino Unido, C‑582/08, EU:C:2010:286, n.° 27, citando as conclusões do advogado‑geral H. Mayras no processo Fellinger, 67/79, EU:C:1980:23, p. 550.


19 —      Acórdão Cilfit e o. (283/81, EU:C:1982:335, n.° 20).


20 —      Não deixa de ser interessante que o Parlamento Europeu tenha proposto, em 1993, o aditamento de termos com um alcance semelhante, que o Conselho rejeitou — v. n.os 105 a 108 infra.


21 —      Mas as intervenientes introduzem aqui uma ressalva. A proibição de comercialização não se aplicaria se o ingrediente não fosse utilizado predominantemente em produtos cosméticos (a chamada «exceção da utilização marginal»). Este tema é desenvolvido com mais pormenor nos n.os 67 e segs. infra.


22 —      Durante o processo legislativo, o Parlamento defendeu, de um modo geral, uma proibição de comercialização lata. Contudo, até o Parlamento reconheceu que a proibição não deveria ser aplicável nos casos de ensaios alheios ao controlo do fabricante (ou, pelo menos, do circuito comercial). V. Relatório do Parlamento de 21 de março de 2001, A5‑0095/2001, final, justificação das alterações 14 e 25, pp. 12 e 21.


23 —      V. também n.os 90 a 92 infra sobre o artigo 11.°, n.° 2, alínea e), e considerando 45 do Regulamento Cosméticos.


24 —      Regulamento (CE) n.° 1907/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2006, relativo ao registo, avaliação, autorização e restrição dos produtos químicos (REACH), que cria a Agência Europeia dos Produtos Químicos, que altera a Diretiva 1999/45/CE e revoga o Regulamento (CEE) n.° 793/93 do Conselho e o Regulamento (CE) n.° 1488/94 da Comissão, bem como a Diretiva 76/769/CEE do Conselho e as Diretivas 91/155/CEE, 93/67/CEE, 93/105/CE e 2000/21/CE da Comissão (JO 2006, L 396, p. 1).


25 —      V. também n.os 118 a 120 infra sobre a interação entre o Regulamento REACH e o Regulamento Cosméticos.


26 —      Além disso, o considerando 40 do Regulamento Cosméticos prevê expressamente situações em que a segurança de um determinado ingrediente é demonstrada através de métodos alternativos para efeitos da sua utilização paralela em produtos cosméticos, e de ensaios em animais para efeitos de outras utilizações. Não é mencionada nenhuma proibição automática dos ensaios em animais, em aplicação do artigo 18.°, n.° 1, alínea b), de ingredientes utilizados para fins não cosméticos que são paralelamente utilizados para fins cosméticos [ou a uma proibição automática da comercialização de ingredientes utilizados em produtos cosméticos que tenham sido objeto de ensaios em animais].


27 —      Além disso, trata‑se do volume produzido, importado ou utilizado (ou outro)?


28 —      Relativamente à interpretação da proibição de comercialização à luz das regras da OMC, v. n.os 134 e segs. infra.


29 —      V. n.os 105 a 108 infra.


30 —      V. n.os 36 e 37 supra.


31 —      O sublinhado é meu.


32 —      Artigo 1.° do Regulamento Cosméticos. V. também considerando 4.


33 —      Com efeito, o artigo 18.°, n.° 2, do Regulamento Cosméticos prevê possíveis exceções às proibições de comercialização e de realização de ensaios. O Regulamento Cosméticos tão‑pouco procura estabelecer uma proibição de comercialização de produtos ou ingredientes cosméticos que tenham sido objeto de ensaios no passado (antes das datas‑limite). Mais importante, se tivesse existido a intenção de impor proibições absolutas, a redação da disposição poderia ser significativamente mais clara.


34 —      As intervenientes alegam que esta disposição se refere «principalmente» aos dados relativos a ensaios em animais efetuados antes das datas‑limite pertinentes. Porém, a disposição não contém essa restrição. Além disso, o considerando 45 do Regulamento Cosméticos prevê expressamente situações em que a segurança de determinado ingrediente for demonstrada na UE através de métodos alternativos e subsequentemente é objeto de ensaios em animais fora da UE para efeitos da sua utilização em produtos cosméticos. Ainda que não seja conclusivo, o disposto neste considerando confirma a interpretação segundo a qual os ingredientes que não foram objeto de ensaio em animais e os que foram podem ser comercializados, em paralelo, dentro e fora da UE, respetivamente.


35 —      V. nota 26.


36 —      O sublinhado é meu.


37 —      Sem prejuízo da «exceção da utilização marginal».


38 —      Diretiva 93/35/CEE do Conselho, de 14 de junho de 1993, que altera pela sexta vez a Diretiva 76/768/CEE relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO 1993, L 151, p. 32).


39 —      Artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 93/35, que adita o artigo 4.°, n.° 1, alínea i), à Diretiva Cosméticos.


40 —      Proposta de Diretiva do Conselho que altera pela sexta vez a Diretiva 76/768/CEE, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos, COM (90) 488 final (JO 1991, C 52, p. 6).


41 —      JO 1992, C 176, p. 91. O sublinhado é meu.


42 —      «[...] com o objetivo de avaliar a respetiva segurança ou eficácia para fins de utilização em produtos cosméticos».


43 —      A existência e a pertinência destas distinções são, no meu entender, confirmadas por duas outras alterações ao primeiro projeto da Diretiva 93/35 propostas pelo Parlamento: «[o]s ingredientes que tenham sido experimentados em animais exclusivamente para fins que não estejam relacionados com a utilização em produtos cosméticos poderão ser autorizados, na condição de não serem efetuadas novas experiências com animais por força do disposto na presente diretiva» e, relativamente à rotulagem, «[…] todas as informações relativas às experiências com animais devem indicar claramente em que medida as experiências dizem respeito ao produto acabado ou aos ingredientes que o compõem, tendo em consideração, neste último caso, se foram utilizados exclusivamente em cosméticos ou se foram utilizados previamente noutras categorias de produtos» (JO [1992], C 176, p. 91 e 92). Estes aditamentos propostos não foram incluídos no texto final.


44 —      Proposta de Diretiva do Conselho que altera pela sexta vez a Diretiva 76/768/CEE, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos, COM (92) 364 final (JO 1992, C 249, p. 5).


45 —      JO 1993, C 150 p. 124.


46 —      COM (93) 239 final, p. 1.


47 —      Posição Comum 9816/92.


48 —      Primeiro, até 30 de junho de 2000, pela Diretiva 97/18/CE da Comissão, de 17 de abril de 1997, que posterga a data a partir da qual são proibidos os testes em animais relativamente a ingredientes ou combinações de ingredientes para produtos cosméticos (JO 1997, L 114, p. 43). Seguidamente, até 30 de junho de 2002, pela Diretiva 2000/41/CE da Comissão, de 19 de junho de 2000, que adia pela segunda vez a data a partir da qual são proibidos os testes em animais relativamente a ingredientes ou combinações de ingredientes para produtos cosméticos (JO 2000, L 145, p. 25).


49 —      Diretiva 2003/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de fevereiro de 2003, que altera a Diretiva 76/768/CEE do Conselho relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos (JO 2003, L 66, p. 26).


50 —      Atualmente, «para cumprir os requisitos do presente regulamento».


51 —      A Comissão, em especial, expressou repetidamente as suas preocupações. V. primeira proposta da Comissão [Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera pela sétima vez a Diretiva 76/768/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos, COM (2000) 189 final, ponto 1.2.3] (JO 2000, C 311 E, p. 134); a segunda proposta da Comissão [Proposta alterada de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera pela sétima vez a Diretiva 76/768/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos, COM (2001) 697 final (JO 2000, C 51 E, pp. 385 a 388)]; a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, nos termos do n.° 2 do artigo 251.° do Tratado CE, relativa à Posição comum do Conselho sobre a adoção de uma Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera pela sétima vez a Diretiva 76/768/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos, SEC (2002) 225, final, pontos 3.2 e 3.4 (a seguir «comunicação da Comissão»).


52 —      V., por exemplo, Posição Comum (CE) n.° 29/2002, de 14 de fevereiro de 2002 (JO 2002, C 113 E, p. 109), nota justificativa, ponto III.1; comunicação da Comissão, ponto 3.3.


53 —      V., por exemplo, Recomendação de uma segunda leitura da posição comum adotada pelo Conselho com vista à adoção de uma diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera a Diretiva 76/768, adotada pelo Parlamento em 24 de maio de 2002 (PE 232.072/DEF), alteração 13 (a seguir «relatório de segunda leitura»).


54NdT: Na versão portuguesa, passou a ter a redação «a fim de obedecer aos requisitos da presente diretiva».


55 —      Relatório sobre a Proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera pela sétima vez a Diretiva 76/768/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos, PE 297.227, p. 28.


56 —      Ibidem, p. 31; Relatório de segunda leitura, p. 34; Relatório sobre o projeto comum, aprovado pelo Comité de Conciliação, de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que altera pela sétima vez a Diretiva 76/768/CEE do Conselho, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes aos produtos cosméticos, PE 287.617, p. 7.


57 —      Sem prejuízo da «exceção da utilização marginal».


58—      V. n.° 112 supra.


59 —      V. Posição Comum do Conselho, de 17 de dezembro de 1992, pp. 3 e 4.


60 —      V. Nota 24.


61 —      Os artigos 2.°, n.° 6, alínea b), 14.°, n.° 5, alínea b), e 56.°, n.° 5, alínea a), do REACH também estabelecem derrogações específicas de requisitos específicos do REACH, desde que as substâncias em causa sejam utilizadas em produtos cosméticos. O sublinhado é meu.


62 —      V. artigo 2.°, n.os 4, 5 e 6, do Regulamento REACH.


63 —      Quanto à «exceção da utilização marginal», defendida pelas intervenientes, v. n.os 67 a 71.


64 —      V., por exemplo, artigo 25.°, n.° 1, do REACH: os ensaios em animais são o «último recurso»; artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 1272/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de dezembro de 2008, relativo à classificação, rotulagem e embalagem de substâncias e misturas, que altera e revoga as Diretivas 67/548/CEE e 1999/45/CE, e altera o Regulamento (CE) n.° 1907/2006 (JO 2008, L 253, p. 1): «só […] se não forem possíveis outras alternativas».


65 —      V. n.os 35 e segs.


66 —      ECHA/NA/14/14/46, Clarity on the interface between REACH and the Cosmetics Regulation, disponível em http://echa.europa.eu/view‑article/‑/journal_content/title/clarity‑on‑interface‑between‑reach‑and‑the‑cosmetics‑regulation.


67 —      Na medida em que tiverem sido realizados pelo fabricante, pelos seus agentes ou pelos seus fornecedores, nos termos do artigo 11.°, n.° 2, alínea e), do Regulamento Cosméticos.