Language of document : ECLI:EU:T:2024:400

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção)

19 de junho de 2024 (*)

«Auxílios de Estado — Zona Franca da Madeira — Regime de auxílios aplicado por Portugal — Decisão que declara a não conformidade do regime com as Decisões C(2007) 3037 final e C(2013) 4043 final, declara esse regime incompatível com o mercado interno e ordena a recuperação dos auxílios pagos ao abrigo do mesmo — Dever de fundamentação — Conceito de “auxílio existente” na aceção do artigo 1.°, alínea b), ii), do Regulamento (UE) 2015/1589 — Dedução do imposto pago noutro Estado‑Membro para prevenir a dupla tributação — Autonomia fiscal dos Estados‑Membros — Recuperação — Confiança legítima — Segurança jurídica — Proporcionalidade»

No processo T‑671/22,

Vima World, S.A., com sede na Cidade do Panamá (Panamá), representada por P. Braz, advogado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por I. Barcew e P. Caro de Sousa, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

composto por: J. Svenningsen, presidente, J. Martín y Pérez de Nanclares e M. Stancu (relatora), juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos, designadamente a Decisão de 16 de janeiro de 2023 de não suspender o presente processo enquanto se aguarda pela decisão do Tribunal de Justiça que ponha termo à instância no processo C‑736/22 P, Portugal/Comissão,

visto as partes não terem requerido a marcação de uma audiência no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, nos termos do artigo 106.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso sem fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso interposto ao abrigo do artigo 263.° TFUE, a recorrente, a Vima World, S.A., pede a anulação dos artigos 1.° e 4.° a 6.° da Decisão (UE) 2022/1414 da Comissão, de 4 de dezembro de 2020, relativa ao regime de auxílios SA.21259 (2018/C) (ex 2018/NN) aplicado por Portugal a favor da Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III (JO 2022, L 217, p. 49; a seguir «decisão recorrida»).

I.      Antecedentes do litígio

2        O regime da Zona Franca da Madeira (Portugal) (a seguir «ZFM») assume a forma de diversos benefícios fiscais concedidos no âmbito do Centro Internacional de Negócios da Madeira, do Registo Internacional de Navios da Madeira e da Zona Franca Industrial.

3        Este regime foi inicialmente aprovado em 1987 pela Decisão da Comissão de 27 de maio de 1987 no processo N 204/86 [SG(87) D/6736] enquanto auxílio com finalidade regional compatível com o mercado único. A sua prorrogação foi posteriormente autorizada pela Decisão da Comissão de 27 de janeiro de 1992 no processo E 13/91 [SG(92) D/1118] e, em seguida, pela Decisão da Comissão de 3 de fevereiro de 1995 no processo E 19/94 [SG(95) D/1287].

4        O regime que lhe sucedeu (a seguir «Regime II») foi aprovado por uma Decisão da Comissão de 11 de dezembro de 2002 no processo N 222A/01.

5        Com base nas Orientações relativas aos auxílios estatais com finalidade regional para o período 2007‑2013 (JO 2006, C 54, p. 13; a seguir «Orientações de 2007»), foi aprovado um terceiro regime (a seguir «Regime III») pela Decisão da Comissão de 27 de junho de 2007 no processo N 421/2006 (a seguir «Decisão de 2007»), para o período compreendido entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2013. A Comissão aprovou este regime como auxílio ao funcionamento compatível com o mercado interno destinado à promoção do desenvolvimento regional e à diversificação da estrutura económica da Madeira, enquanto região ultraperiférica na aceção do artigo 299.°, n.° 2, CE (atual artigo 349.° TFUE).

6        O Regime III assume a forma de uma redução do imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (a seguir «IRC») sobre os lucros resultantes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira (3 % de 2007 a 2009, 4 % de 2010 a 2012 e 5 % de 2013 a 2020), de uma isenção de impostos municipais e locais, bem como de uma isenção do imposto sobre a transmissão de bens imóveis para a criação de uma empresa na ZFM, até montantes máximos de auxílio baseados nos limites máximos da base tributável aplicáveis à base tributável anual dos beneficiários. Esses limites máximos são fixados em função do número de postos de trabalho mantidos pelo beneficiário em cada exercício. Em determinadas condições, as sociedades registadas na Zona Franca Industrial da ZFM podem beneficiar de uma redução adicional de 50 % sobre o IRC.

7        O acesso ao Regime III foi restringido às atividades que figuravam numa lista incluída na Decisão de 2007. Além disso, todas as atividades de intermediação financeira, seguros e atividades auxiliares financeiras e de seguros, bem como todas as atividades do tipo «serviços intragrupo» (centros de coordenação, de tesouraria e de distribuição), enquanto «serviços prestados a empresas, sobretudo», foram excluídas do âmbito de aplicação do Regime III.

8        A Decisão da Comissão de 2 de julho de 2013 no processo SA.34160 (2011/N) (a seguir «Decisão de 2013») aprovou uma versão alterada do Regime III para o período compreendido entre 1 de janeiro e 31 de dezembro de 2013. Esta mantém condições idênticas às previstas no Regime III, sob reserva de um aumento de 36,7 % dos limites máximos da base tributável a que é aplicável a redução do IRC.

9        Em seguida, a Decisão da Comissão de 26 de novembro de 2013 no processo SA.37668 (2013/N) aprovou a prorrogação até 30 de junho de 2014 do Regime III alterado. A Decisão da Comissão de 8 de maio de 2014 no processo SA.38586 (2014/N) aprovou a prorrogação do referido regime até final de 2014.

10      Em 12 de março de 2015, a Comissão iniciou, ao abrigo do artigo 108.°, n.° 1, TFUE e do artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), um exercício de monitorização do Regime III relativo aos anos de 2012 e 2013.

11      Por Ofício de 6 de julho de 2018, a Comissão informou a República Portuguesa da sua decisão de dar início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE relativamente ao Regime III (JO 2019, C 101, p. 7; a seguir «decisão de dar início ao procedimento formal»).

12      Este procedimento foi aberto devido às dúvidas da Comissão quanto, por um lado, à aplicação das isenções de imposto sobre os rendimentos provenientes de atividades efetiva e materialmente realizadas na Região Autónoma da Madeira (a seguir «RAM») e, por outro, à ligação entre o montante do auxílio e a criação ou a manutenção de postos de trabalho efetivos na Madeira.

13      No termo do referido procedimento, a Comissão adotou a decisão recorrida, cujo dispositivo tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

O regime de auxílios “Zona Franca da Madeira (ZFM) — Regime III”, na medida em que foi aplicado por Portugal em violação da Decisão [de 2007] e da Decisão [de 2013], foi executado ilegalmente por Portugal em violação do artigo 108.o, n.o 3, [TFUE], e é incompatível com o mercado interno.

Artigo 2.°

Os auxílios individuais concedidos ao abrigo do regime referido no artigo 1.° não constituem auxílios se, no momento da respetiva concessão, preencherem as condições estabelecidas num regulamento adotado nos termos do artigo 2.° do Regulamento (UE) 2015/1588, aplicável à data da concessão do auxílio.

Artigo 3.°

Os auxílios individuais concedidos ao abrigo do regime referido no artigo 1.° que, à data da respetiva concessão, preencherem as condições estabelecidas nas decisões referidas no artigo 1.° ou num regulamento adotado nos termos do artigo 1.° do Regulamento [...] 2015/1588, são compatíveis com o mercado interno até ao limite das intensidades máximas de auxílio aplicáveis a este tipo de auxílios.

Artigo 4. o

1. Portugal deve proceder à recuperação dos auxílios incompatíveis concedidos ao abrigo do regime referido no artigo 1.° junto dos beneficiários.

[...]

4. Portugal deve revogar o regime de auxílios incompatível na medida referida no artigo 1.° e cancelar todos os pagamentos pendentes relativos aos auxílios, com efeitos a partir da data de notificação da presente decisão.

Artigo 5. o

1. A recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo do regime previsto no artigo 1.° deve ser imediata e efetiva.

2. Portugal deve assegurar a execução da presente decisão no prazo de oito meses a contar da data da respetiva notificação.

[…]»

II.    Pedidos das partes

14      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular os artigos 1.° e 4.° a 6.° da decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto à admissibilidade do recurso

16      Sem arguir formalmente uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 130.° do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a Comissão suscita dúvidas quanto à admissibilidade do recurso por considerar que a recorrente não tem legitimidade nem interesse em agir.

17      A Comissão sustenta que a recorrente, que sucedeu nos direitos e obrigações da Mundicompras, Lda., e se substituiu a esta última na sequência da sua fusão por incorporação em 17 de dezembro de 2018, não beneficiou do Regime III e não tem nenhum interesse na anulação da decisão recorrida, uma vez que, no período de vigência do referido regime, os lucros da Mundicompras foram tributados em Espanha e que qualquer imposto sobre o rendimento, quer normal quer com uma taxa preferencial, pago a respeito de tais lucros em Portugal podia ser deduzido do imposto correspondente devido em Espanha, a título de crédito de imposto por dupla tributação.

18      A convite do Tribunal Geral, a recorrente pronunciou‑se sobre estes fundamentos de inadmissibilidade na réplica. Observa que a anulação da decisão recorrida é suscetível de lhe proporcionar um benefício, a saber, o de não ter de entregar à República Portuguesa os auxílios de que a Mundicompras beneficiou nos exercícios fiscais de 2013 a 2016 e de 2018.

1.      Quanto à legitimidade processual da recorrente

19      Nos termos do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor, nas condições previstas nos primeiro e segundo parágrafos deste artigo, recursos contra os atos de que seja destinatária ou que lhe digam direta e individualmente respeito, bem como contra os atos regulamentares que lhe digam diretamente respeito e não necessitem de medidas de execução.

20      No caso em apreço, o Tribunal Geral considera oportuno averiguar se a legitimidade da recorrente pode ter como fundamento o artigo 263.°, quarto parágrafo, segundo segmento de frase, TFUE.

21      Quanto à afetação individual da recorrente, cumpre salientar que, à luz de jurisprudência assente, os beneficiários efetivos de auxílios individuais concedidos ao abrigo de um regime de auxílios cuja recuperação tenha sido ordenada pela Comissão são, por este motivo, individualmente afetados na aceção do artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE (v. Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.° 53 e jurisprudência referida).

22      Com efeito, a obrigação de recuperação imposta por uma decisão da Comissão relativa a um regime de auxílios individualiza suficientemente todos os beneficiários do regime em causa, na medida em que, após a adoção dessa decisão, estão expostos ao risco de os benefícios que receberam serem recuperados, encontrando‑se, assim, afetados na sua situação jurídica (Acórdão de 21 de dezembro de 2011, A2A/Comissão, C‑318/09 P, não publicado, EU:C:2011:856, n.° 58).

23      No caso em apreço, cabe, por conseguinte, à recorrente demonstrar que foi um dos beneficiários efetivos do Regime III, conforme aplicado.

24      A este respeito, a recorrente apresentou, em resposta à medida de organização do processo que lhe foi dirigida pelo Tribunal Geral, um conjunto de cinco projetos de decisão de recuperação dos auxílios pagos a título dos exercícios fiscais de 2013 a 2016 e 2018, que lhe foram enviados pela Autoridade Tributária e Aduaneira portuguesa em cumprimento da decisão recorrida.

25      Resulta do exposto que, contrariamente ao que alega a Comissão, a recorrente demonstrou que foi um dos beneficiários efetivos do Regime III, conforme aplicado, pelo que a decisão recorrida lhe diz individualmente respeito.

26      Quanto à afetação direta da recorrente, na medida em que o artigo 4.°, n.° 1, da decisão recorrida obriga a República Portuguesa a tomar as medidas necessárias para recuperar o auxílio incompatível concedido ao abrigo do Regime III, conforme aplicado, do qual a recorrente beneficiou, há que considerar que esta última é diretamente afetada pela referida decisão (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2009, Associazione italiana del risparmio gestito e Fineco Asset Management/Comissão, T‑445/05, EU:T:2009:50, n.° 52 e jurisprudência referida).

27      Uma vez que a decisão recorrida diz direta e individualmente respeito à recorrente, daqui decorre que, em conformidade com o artigo 263.°, quarto parágrafo, TFUE, esta tem legitimidade para interpor um recurso de anulação da referida decisão.

2.      Quanto ao interesse em agir da recorrente

28      Segundo jurisprudência constante, um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou coletiva só é admissível se essa pessoa tiver interesse na anulação do ato recorrido. Esse interesse pressupõe que a anulação desse ato seja suscetível, por si só, de produzir consequências jurídicas e que o resultado do recurso possa, assim, proporcionar um benefício à parte que o interpôs (v. Acórdão de 17 de setembro de 2015, Mory e o./Comissão, C‑33/14 P, EU:C:2015:609, n.° 55 e jurisprudência referida).

29      Além disso, cabe ao recorrente apresentar a prova do seu interesse em agir (v. Acórdão de 7 de novembro de 2018, BPC Lux 2 e o./Comissão, C‑544/17 P, EU:C:2018:880, n.° 33 e jurisprudência referida). Este deve, em especial, demonstrar a existência de um interesse pessoal em obter a anulação do ato recorrido. Esse interesse deve ser efetivo e atual e é apreciado no dia em que o recurso é interposto (v. Acórdão de 12 de novembro de 2015, HSH Investment Holdings Coinvest‑C e HSH Investment Holdings FSO/Comissão, T‑499/12, EU:T:2015:840, n.° 25 e jurisprudência referida).

30      A este respeito, primeiro, as autoridades portuguesas iniciaram o procedimento de recuperação dos auxílios concedidos ilegalmente à Mundicompras (v. acima o n.° 24). Consequentemente, a eventual anulação da decisão recorrida é suscetível de conferir um benefício à recorrente, a saber, o de não ter de restituir os auxílios de que a Mundicompras beneficiou.

31      Segundo, admitindo que a recorrente possa efetivamente beneficiar em Espanha de um crédito de imposto por dupla tributação, esta circunstância não é suscetível de obliterar o seu interesse em agir, dado que, por um lado, a tomada em consideração desta circunstância é da competência das autoridades nacionais competentes responsáveis pela execução da decisão recorrida e que, a partir do momento da adoção da referida decisão, a recorrente deve contar com a possibilidade de, em princípio, ser obrigada a restituir os auxílios já recebidos, o que justifica o seu interesse em agir.

32      Com efeito, para fazer prova do seu interesse em agir no momento em que é interposto o recurso, basta que uma empresa indique de forma pertinente que beneficiou de medidas a título do regime de auxílios considerado, suscetíveis de serem abrangidas pela declaração de incompatibilidade com o mercado interno enunciada pela Comissão na decisão em causa. Não cabe ao Tribunal Geral, no âmbito de um recurso de uma decisão da Comissão relativa a um regime de auxílios, pronunciar‑se sobre a aplicação concreta dos critérios enunciados nessa decisão, a fim de determinar se as medidas em causa a favor de uma determinada empresa devem ser consideradas auxílios incompatíveis com o mercado interno, por força da referida decisão. Com efeito, é às autoridades nacionais competentes que cabe, quando executam essa decisão, aplicar em cada caso individual os critérios acima referidos, sob fiscalização da Comissão (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão, T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537, n.° 88).

33      Por outro lado, os projetos de decisão de recuperação dos auxílios ilegais pagos à Mundicompras, dirigidos à recorrente, destinam‑se não só à recuperação da redução do IRC de que a Mundicompras beneficiou, mas também dos impostos municipais e locais de que a Mundicompras esteve isenta ao abrigo do Regime III, conforme aplicado, aos quais acrescem juros devidos pela recorrente sobre os montantes a recuperar, em conformidade com o artigo 4.°, n.os 2 e 3, da decisão recorrida.

34      Ora, mesmo no caso de a recorrente estar autorizada a deduzir, a título de crédito de imposto por dupla tributação, o eventual complemento do IRC pago às autoridades portuguesas do imposto devido em Espanha, o mesmo não pode acontecer com aqueles impostos e juros.

35      Por todos estes motivos, há que concluir que a recorrente tem interesse em agir e, por conseguinte, que o recurso deve ser julgado admissível.

B.      Quanto ao mérito

36      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca seis fundamentos relativos, em substância, à violação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE e do direito da concorrência, uma vez que a decisão recorrida qualificou o Regime III, conforme aplicado, de «auxílio estatal», na aceção desta disposição, e ordenou a recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo deste regime sem ter em conta o imposto pago noutro Estado‑Membro (primeiro e segundo fundamentos), a erros de direito cometidos pela Comissão ao concluir que o Regime III foi aplicado pela República Portuguesa em violação das Decisões de 2007 e 2013, dos artigos 107.° e 108.° TFUE e das Orientações de 2007 (terceiro e quarto fundamentos), à violação dos princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e da proporcionalidade (quinto fundamento) e à violação do dever de fundamentação (sexto fundamento).

1.      Quanto ao sexto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

37      Com o seu sexto fundamento, que importa analisar em primeiro lugar, a recorrente alega uma violação do dever de fundamentação, na medida que a decisão recorrida não faculta elementos suficientes para que a República Portuguesa proceda à recuperação dos auxílios incompatíveis de forma isenta e não discricionária. Em particular, considera que a metodologia de determinação dos montantes a recuperar, mencionada na referida decisão, não é suficientemente esclarecedora dado que não fornece os elementos essenciais para que seja apurado o concreto imposto a reembolsar, nem permite identificar com exatidão os montantes a recuperar, o que é um fator de incerteza para os beneficiários em causa.

38      A Comissão contesta esta argumentação.

39      Segundo a jurisprudência, nenhuma disposição do direito da União exige que a Comissão, quando ordena a restituição de um auxílio declarado incompatível com o mercado interno, fixe o montante exato do auxílio a restituir. Basta que a decisão da Comissão contenha indicações que permitam ao seu destinatário determinar por si próprio, sem dificuldades excessivas, esse montante (v. Acórdão de 18 de outubro de 2007, Comissão/França, C‑441/06, EU:C:2007:616, n.° 29 e jurisprudência referida).

40      Ora, no caso em apreço, há que observar que, nos considerandos 213, 214 e 216, bem como nos artigos 1.° a 4.° da decisão recorrida, a Comissão forneceu às autoridades portuguesas as indicações necessárias, mas igualmente suficientes, que lhes permitiam não só identificar os beneficiários do Regime III, conforme aplicado, mas também determinar por si próprias, sem dificuldades excessivas, o montante dos auxílios a restituir por estes últimos.

41      Cumpre sublinhar desde logo que a obrigação de recuperação não tem por objeto todos os auxílios individuais concedidos ao abrigo do Regime III, mas apenas os auxílios que tenham sido concedidos em violação das Decisões de 2007 e de 2013, e isto sob reserva de os beneficiários destes não preencherem os requisitos fixados num regulamento de minimis ou num regulamento de isenção por categoria, como resulta dos artigos 1.° a 3.° da decisão recorrida.

42      A este respeito, conforme previsto nos considerandos 213 e 214 da decisão recorrida, as autoridades portuguesas devem determinar se, entre 1 de janeiro de 2007 e 31 de dezembro de 2014, cada beneficiário do Regime III respeitou as condições necessárias para poder beneficiar do referido regime, tal como aprovado nas Decisões de autorização de 2007 e de 2013.

43      Por um lado, isso implica determinar a parte dos seus rendimentos que estava ligada a uma «atividade efetiva e materialmente realizada na Madeira», com exclusão dos rendimentos gerados por atividades realizadas fora da RAM, mesmo que fossem exercidas por sociedades estabelecidas nessa região. Por outro lado, cabe às autoridades portuguesas determinar, com base num método objetivo, o número de postos de trabalho criados ou mantidos na Madeira por cada beneficiário. A este respeito, resulta, em substância, da decisão recorrida que qualquer tipo de emprego pode ser tomado em consideração, desde que seja contabilizado segundo um método objetivo que permita verificar a realidade e a permanência desse posto de trabalho, bem como o tempo de trabalho efetivamente despendido pelo titular desse posto de trabalho para beneficiar do Regime III.

44      No caso de ser identificado um beneficiário do auxílio declarado ilegal e incompatível com o mercado interno, a Comissão esclareceu, no considerando 216 da decisão recorrida, o método com base no qual o montante do auxílio a restituir devia ser calculado pelas autoridades portuguesas.

45      Atendendo ao exposto, há que concluir que, com essa fundamentação, a Comissão permitiu às autoridades portuguesas identificar os beneficiários do Regime III, conforme aplicado, e determinar por si próprias, sem dificuldades excessivas, o montante definitivo do auxílio a recuperar. De resto, isto não é contestado de forma séria pela recorrente, que se limita a alegar que a decisão recorrida carece dos elementos essenciais para determinar os montantes a restituir sem, contudo, especificar concretamente quais são os elementos em falta.

46      É igualmente irrelevante para esta conclusão a alegação da recorrente segundo a qual a metodologia enunciada no considerando 216 da decisão recorrida é suscetível de gerar incerteza para os beneficiários em causa, uma vez que, em linha com a jurisprudência enunciada acima no n.° 39, só a República Portuguesa, enquanto destinatária da referida decisão, deve poder determinar ela própria, sem dificuldades excessivas, os montantes a restituir.

47      Ora, no caso em apreço, não resulta dos autos submetidos ao Tribunal Geral nem dos argumentos da recorrente que a República Portuguesa se tenha dirigido à Comissão para colmatar eventuais dificuldades detetadas na execução da decisão recorrida.

48      De qualquer modo, os projetos de decisão de recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo do Regime III, conforme aplicado, dirigidos à recorrente comprovam que as autoridades portuguesas não tiveram dificuldades em aplicar a metodologia enunciada no considerando 216 da decisão recorrida pela Comissão e, como tal, em determinar o montante dos auxílios a restituir pela recorrente.

49      Por conseguinte, o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

2.      Quanto ao primeiro e segundo fundamentos, relativos à violação do artigo 107, n.° 1, TFUE e do direito da concorrência, na medida em que a decisão recorrida qualificou o Regime III, conforme aplicado, de «auxílio estatal», na aceção desta disposição, e ordenou a recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo deste regime sem ter em conta o imposto pago noutro EstadoMembro

50      Com o seu primeiro e segundo fundamentos, que devem ser analisados em conjunto, a recorrente acusa a Comissão de ter violado o artigo 107.°, n.° 1, TFUE e o direito da concorrência, na medida em que, na decisão recorrida, qualificou o Regime III, conforme aplicado, de «auxílio estatal», na aceção desta disposição, e ordenou a recuperação dos auxílios concedidos ao abrigo deste regime, junto dos beneficiários em causa, sem ter em conta a existência de casos particulares, como o da Mundicompras, cujos lucros foram não só sujeitos a uma taxa reduzida de IRC em Portugal, mas também tributados noutro Estado‑Membro.

51      Mais especificamente, a recorrente considera, por um lado, que, uma vez que os lucros realizados pela Mundicompras foram tributados em Espanha, a redução do IRC de que beneficiou em Portugal não pode ser qualificada de «auxílio estatal» na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, porque não reúne três dos pressupostos exigidos para efeitos desta qualificação, a saber, que não lhe confira nenhuma vantagem seletiva e não afete as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, nem falseie ou ameace falsear a concorrência.

52      Por outro lado, tendo em conta o imposto pago em Espanha, a recuperação dos auxílios incompatíveis concedidos à Mundicompras ao abrigo do Regime III viola o direito da concorrência e, mais concretamente, o artigo 3.°, n.° 3, TUE, bem como o artigo 3.°, n.° 1, alínea b), o artigo 26.° e o artigo 107.°, n.° 1, TFUE, ao sujeitar os lucros obtidos pela Mundicompras na ZFM a uma dupla tributação. A este respeito, a recorrente recorda, designadamente, que a eliminação da dupla tributação é um dos objetivos claros do direito da União Europeia.

53      A Comissão contesta esta argumentação.

54      É jurisprudência constante que, no caso de um regime de auxílios, a Comissão pode limitar‑se a estudar as características gerais do regime em causa, sem estar obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com base nesse regime. Apenas na fase da recuperação dos auxílios será necessário verificar a situação individual de cada empresa em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de março de 2002, Itália/Comissão, C‑310/99, EU:C:2002:143, n.os 89 e 91; de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.° 63, e de 13 de junho de 2019, Copebi, C‑505/18, EU:C:2019:500, n.os 28 a 33).

55      Em concreto, quando a Comissão se pronuncia em termos gerais e abstratos sobre um regime de auxílios de Estado que declara incompatível com o mercado interno e ordena a recuperação dos montantes recebidos ao abrigo desse regime, cabe ao Estado‑Membro verificar a situação individual de cada empresa abrangida por essa operação de recuperação (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de março de 2002, Itália/Comissão, C‑310/99, EU:C:2002:143, n.os 89 e 91, e de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.° 64).

56      No caso em apreço, na decisão recorrida, a Comissão procedeu a uma descrição detalhada do Regime III, conforme aplicado (considerandos 10 a 36), antes de expor as razões pelas quais considerava que esse regime constituía um auxílio de Estado ilegal e incompatível com o mercado interno (considerandos 120 a 207). Por último, ordenou a recuperação, pelas autoridades portuguesas, dos auxílios ilegalmente concedidos com base no referido regime e definiu o alcance da obrigação de recuperação (considerandos 208 a 227).

57      Ao fazê‑lo, a Comissão analisou as características gerais do Regime III, conforme aplicado, em conformidade com a jurisprudência acima referida no n.° 54.

58      O facto de, na decisão recorrida, a Comissão não ter tido em conta o caso particular das empresas que, à semelhança da Mundicompras, tinham beneficiado da taxa reduzida de IRC em Portugal, ao abrigo do Regime III, conforme aplicado, embora estando igualmente sujeitas a tributação noutro Estado‑Membro, não permite demonstrar a existência de um erro na análise geral e abstrata do referido regime efetuada por esta instituição na decisão recorrida. Com efeito, em linha com a jurisprudência acima referida no n.° 55, é ao Estado‑Membro em causa que cabe verificar a situação individual de cada empresa abrangida por uma operação de recuperação.

59      Assim, primeiro, para demonstrar de forma juridicamente bastante que o Regime III, conforme aplicado, confere aos seus beneficiários uma vantagem abrangida pelo artigo 107.°, n.° 1, TFUE, a Comissão não tinha de analisar as consequências de um eventual imposto pago noutro Estado‑Membro por determinados beneficiários individuais e, em particular, de determinar se esta circunstância era suscetível de neutralizar a vantagem concorrencial relacionada com o benefício dos auxílios ilegais. A eventualidade dessa neutralização não podia impedir a Comissão de declarar a existência de um regime de auxílios ilegal, nem, aliás, de ordenar a recuperação dos auxílios individuais, na medida em que tivessem sido concedidos a beneficiários com base nesse regime a título de certos exercícios fiscais, desde a adoção da decisão controvertida.

60      Resulta do exposto que, contrariamente ao que a recorrente alega, a Comissão não cometeu nenhum erro ao qualificar o Regime III, conforme aplicado, de «auxílio estatal», na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, sem acautelar especificamente as situações concretas das empresas que beneficiaram da taxa reduzida de IRC em Portugal, ao abrigo do referido regime, conforme aplicado, estando também sujeitas a tributação noutro Estado‑Membro, como é o caso da Mundicompras.

61      Segundo, no que se refere à dupla tributação que a recorrente alega e que decorre da recuperação dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis, há que começar por referir que não resulta claramente da argumentação da recorrente se a recuperação dos auxílios ilegalmente concedidos à Mundicompras é efetivamente suscetível de conduzir a uma dupla tributação. Com efeito, conforme a Comissão sublinhou, com razão, a recorrente não contesta que os impostos pagos em Portugal são dedutíveis dos impostos devidos em Espanha, o que não exclui a possibilidade de ser autorizada a deduzir, a título de crédito de imposto por dupla tributação, o eventual complemento do IRC pago às autoridades portuguesas do imposto devido em Espanha.

62      De qualquer modo, mesmo admitindo que os lucros realizados pela Mundicompras na ZFM, que beneficiam de uma redução do IRC em Portugal, sejam duplamente tributados devido à recuperação ordenada pela decisão recorrida, há que sublinhar que essa circunstância não constitui uma característica geral do Regime III, conforme aplicado, suscetível de pôr em causa a declaração da existência de um regime de auxílios ilegal e a respetiva ordem de recuperação, sendo antes uma característica da situação individual e particular de alguns beneficiários visados pela ordem de recuperação.

63      Por conseguinte, contrariamente ao que a recorrente alega, a Comissão não cometeu nenhum erro, na decisão recorrida, ao ordenar a recuperação dos auxílios ilegais e incompatíveis com o mercado interno concedidos ao abrigo do Regime III, conforme aplicado, sem ter em conta a situação de alguns beneficiários, como é o caso da Mundicompras, igualmente sujeitos a tributação noutro Estado‑Membro e, por este motivo, expostos a um risco de dupla tributação em caso de recuperação dos auxílios em causa.

64      Além disso, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que decidir quais são os impostos estrangeiros que podem ser deduzidos da dívida fiscal interna e em que condições essa dedução é possível constitui uma decisão de ordem geral que se insere no âmbito do poder de apreciação dos Estados‑Membros na determinação das características constitutivas do imposto. Mais especificamente, a decisão de saber em que medida um Estado‑Membro toma em consideração as dívidas fiscais noutros Estados evitando, deste modo, a dupla tributação, insere‑se no âmbito do poder de apreciação desse Estado [v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2022, Fossil (Gibraltar), C‑705/20, EU:C:2022:680, n.os 60 a 62].

65      Resulta do exposto que a questão de saber se e em que condições o imposto pago em Espanha pode eventualmente ser tomado em consideração para efeitos da recuperação dos auxílios concedidos em Portugal ao abrigo do Regime III, conforme aplicado, não é da competência da Comissão, sendo antes uma decisão de caráter geral que se insere no poder de apreciação das autoridades portuguesas na determinação das características constitutivas do imposto.

66      Quanto ao argumento da recorrente de que a recuperação ordenada, ao conduzir a uma dupla tributação, viola o direito da concorrência, há que salientar, desde já, que essa alegação, que se limita a parafrasear as disposições do Tratado FUE e que não é suportada por nenhum argumento adicional, deve ser julgada inadmissível, por força do artigo 76.°, alínea d), do Regulamento de Processo.

67      Tendo em conta o que precede, o primeiro e segundo fundamentos são julgados improcedentes.

3.      Quanto ao terceiro e quarto fundamentos, relativos a erros de direito cometidos pela Comissão ao declarar que o Regime III foi aplicado pela República Portuguesa em violação das Decisões de 2007 e 2013, dos artigos 107 e 108.° TFUE e das Orientações de 2007

a)      Quanto ao objeto do terceiro e quarto fundamentos

68      Com o terceiro e quarto fundamentos, que devem ser analisados em conjunto, a recorrente alega, em substância, que as autoridades portuguesas interpretaram e aplicaram corretamente o Regime III, conforme autorizado pela Comissão nas Decisões de 2007 e 2013 e, por conseguinte, que a Comissão cometeu erros de direito ao considerar que, no âmbito da aplicação do referido regime, as autoridades portuguesas não tinham aplicado corretamente, por um lado, o requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC (quarto fundamento) e, por outro, o requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM (terceiro fundamento), ambos introduzidos pelo Regime II.

69      A este título, cumpre recordar que, quando um recorrente entende que a Comissão considerou erradamente que as modalidades de pagamento de auxílios individuais ao abrigo de um regime de auxílios previamente autorizado não eram conformes com essa autorização prévia, a argumentação dessa parte deve ser compreendida no sentido de que critica o facto de a Comissão ter recusado reconhecer aos referidos auxílios a qualificação jurídica de «auxílio existente», na aceção do artigo 1.°, alínea b), ii), do Regulamento (UE) 2015/1589 do Conselho, de 13 de julho de 2015, que estabelece as regras de execução do artigo 108.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (JO 2015, L 248, p. 9), a saber, as dos regimes de auxílios ou auxílios individuais autorizados pela Comissão ou pelo Conselho da União Europeia.

70      Por conseguinte, há que entender o terceiro e quarto fundamentos no sentido de que visam, em substância, contestar o facto de, nos considerandos 150 a 180 e 228, bem como no artigo 1.° da decisão recorrida, a Comissão não ter equiparado o Regime III, conforme aplicado, a um «auxílio existente» na aceção do artigo 1.°, alínea b), ii), do Regulamento 2015/1589, cuja compatibilidade deveria ter sido apreciada no âmbito do exame permanente dos regimes de auxílios existentes, previstos no artigo 108.°, n.° 1, TFUE, tendo‑o antes qualificado, no considerando 180 da decisão recorrida, de «auxílio ilegal» e, assim, de «novo auxílio» na aceção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento 2015/1589, em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE.

b)      Quanto à procedência do terceiro e quarto fundamentos

71      Com o seu quarto fundamento, que se prende com o requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC, a recorrente sustenta que a interpretação deste requisito adotada pela Comissão na decisão recorrida é incompatível com o caráter virtual das atividades exercidas por muitas das empresas licenciadas na ZFM, como era o caso da Mundicompras.

72      A recorrente considera assim que, no caso de uma atividade de prestação de serviços realizada exclusivamente online e à distância, não há necessidade de assegurar a presença física da empresa na ZFM para poder beneficiar da redução do IRC, sob pena de violação dos princípios da liberdade de escolha de uma atividade profissional, da livre circulação dos trabalhadores e da livre prestação de serviços.

73      A recorrente acrescenta que a interpretação adotada pela Comissão discrimina as empresas licenciadas na ZFM em relação às empresas licenciadas noutras regiões ultraperiféricas, como nas Ilhas Canárias, onde o regime de auxílios em vigor abrange todas as empresas independentemente de exercerem ou não uma atividade efetiva e material nessas ilhas.

74      Com o seu terceiro fundamento, que se prende com o requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM, a recorrente acusa a Comissão de ter interpretado erradamente este requisito ao considerar que, para efeitos do cálculo exato do número de postos de trabalho criados ou mantidos para cada beneficiário do Regime III, as autoridades portuguesas deveriam ter recorrido à metodologia de definição dos postos de trabalho em «equivalente a tempo inteiro» (ETI) e em «unidades de trabalho anuais» (UTA), sendo que não resultava nem das Decisões de 2007 e de 2013 nem de nenhum ato jurídico aplicável à data dos factos que este requisito pressupusesse o recurso a tais métodos.

75      No entender da recorrente, não tendo a Comissão definido o método de cálculo do número de postos de trabalho criados ou mantidos na RAM, há que remeter para o direito português, que permite contabilizar qualquer relação de trabalho independentemente da sua natureza.

76      Por outro lado, uma vez que o Regime III é um auxílio ao funcionamento na aceção da secção 5 das Orientações de 2007 e não um auxílio ao investimento na aceção da secção 4 destas orientações, o método de cálculo em UTA do número de postos de trabalho criados ou mantidos, mencionado exclusivamente nesta última secção, não pode ser aplicado aos auxílios ao funcionamento. De qualquer modo, a recorrente acrescenta que estas orientações, à semelhança das recomendações e dos pareceres, não são atos vinculativos, pelo que as autoridades portuguesas não estavam obrigadas a aplicar o referido método, mencionado nessas orientações.

77      A Comissão considera que o terceiro e quarto fundamentos devem ser julgados improcedentes.

1)      Quanto ao requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC

78      A argumentação da recorrente impõe que se determine se, apesar da redação do Regime III e das Decisões de 2007 e de 2013, que sujeitam a concessão dos auxílios autorizados à condição de os lucros das sociedades registadas na ZFM resultarem de atividades «efetiva e materialmente realizadas na Madeira», as autoridades portuguesas podiam, sem violar estas decisões, conceder os auxílios previstos neste regime também a lucros provenientes de atividades realizadas fora da RAM.

79      A este respeito, é jurisprudência constante que a determinação do significado e do alcance dos termos para os quais o direito da União não forneça nenhuma definição se deve fazer de acordo com o seu sentido habitual, tendo em conta o contexto em que são utilizados e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que fazem parte (v. Acórdão de 27 de janeiro de 2022, Zinātnes parks, C‑347/20, EU:C:2022:59, n.° 42 e jurisprudência referida).

80      Ora, a expressão «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira», na sua aceção habitual, não pode ser interpretada no sentido de que visa atividades realizadas fora da RAM, ainda que por sociedades registadas na ZFM.

81      Esta conclusão é corroborada pelo contexto da decisão recorrida, bem como pelos objetivos prosseguidos pela regulamentação da União em matéria de auxílios de Estado e, especialmente, pela regulamentação aplicável aos auxílios regionais.

82      Antes de mais, resulta das decisões que autorizam o Regime III e o regime anterior a este que, nos procedimentos administrativos que deram origem a essas decisões, a Comissão e as autoridades portuguesas partilharam sempre a interpretação a dar à expressão «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira». Ora, o juiz da União não pode ignorar este elemento para definir com precisão o âmbito de aplicação de um regime de auxílios notificado, mesmo que não tenha sido levado ao conhecimento da recorrente (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Kahla Thüringen Porzellan/Comissão, C‑537/08 P, EU:C:2010:769, n.° 45).

83      Com efeito, resulta da Decisão da Comissão de 11 de dezembro de 2002 no processo N 222A/01 que, no procedimento administrativo que lhe deu origem, as autoridades portuguesas indicaram que «os benefícios fiscais ser[iam] limitados às atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira, o que dever[ia] permitir excluir as atividades que fossem exercidas fora da Madeira».

84      De igual modo, como resulta do considerando 226 da decisão recorrida, a Comissão «tinha solicitado a introdução, no projeto de lei notificado [pela República Portuguesa] em 28 de junho de 2006, de uma disposição expressa nos termos da qual as reduções do imposto apenas seriam aplicáveis aos lucros resultantes de atividades realizadas na Madeira» e a República Portuguesa recusou fazê‑lo por considerar «que essa disposição não era necessária, uma vez que a restrição em causa decorria da base jurídica da ZFM».

85      Em seguida, os termos das Decisões de 2007 e de 2013, mesmo admitindo que possam ser considerados ambíguos, devem ser interpretados em conformidade com as suas bases jurídicas, a saber, respetivamente, o artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE [atual artigo 107.°, n.° 3, alínea a), TFUE] e o artigo 107.°, n.° 3, alínea a), TFUE, bem como com as Orientações de 2007.

86      Ora, qualquer derrogação ao princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, enunciado no artigo 107.°, n.° 1, TFUE, deve ser objeto de interpretação restrita (v. Acórdão de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão, C‑277/00, EU:C:2004:238, n.° 20 e jurisprudência referida).

87      Além disso, como salientou acertadamente a Comissão nos considerandos 153 e 154 da decisão recorrida, as Orientações de 2007, mais concretamente os seus n.os 6 e 76, enunciam que excecionalmente podem ser concedidos auxílios ao funcionamento nas regiões que beneficiam da derrogação prevista no n.° 3, alínea a), do artigo 87.° CE [atual artigo 107.°, n.° 3, alínea a), TFUE], como a RAM, cujo estatuto de região ultraperiférica é reconhecido pela Comissão, desde que se justifiquem em função do seu contributo para o desenvolvimento regional e da sua natureza e o seu nível seja proporcional às desvantagens que pretendem atenuar.

88      Ora, como resulta do considerando 156 da decisão recorrida, a razão de ser dos auxílios regionais ao funcionamento para as regiões ultraperiféricas consiste em compensar os custos adicionais suportados pelas empresas nessas regiões devido às desvantagens que afetam estas últimas, como as enumeradas no considerando 155 da decisão recorrida. Isto implica que apenas as atividades afetadas pelas desvantagens e, por conseguinte, os custos adicionais específicos dessas regiões devem ser suscetíveis de beneficiar desses auxílios ao funcionamento.

89      Assim, podem ser excluídas do benefício desses mesmos auxílios as atividades exercidas fora das referidas regiões que, por esse facto, não são afetadas por esses custos adicionais, mesmo que sejam exercidas por sociedades estabelecidas nessas mesmas regiões.

90      Por último, como a Comissão indicou com razão no considerando 157 da decisão recorrida, a apreciação da compatibilidade do Regime III, na Decisão de 2007, foi efetuada com base nos custos adicionais suportados pelas empresas que exercem a sua atividade na RAM, e não fora desta.

91      Com efeito, resulta dos considerandos 44 a 53 da Decisão de 2007 que a Comissão se baseou num estudo, apresentado pelas autoridades portuguesas, que quantificava os «custos adicionais suportados pelo setor privado na [RAM]». Além disso, os custos adicionais tomados em consideração, a saber, nomeadamente, as despesas de transporte, de existências, de recursos humanos, de financiamento ou de comercialização, são aqueles a que estão expostas as atividades exercidas efetiva e materialmente na RAM, e não as atividades exercidas fora dela por sociedades registadas nessa região. Por último, esta constatação é corroborada pelo facto de, no considerando 48 da Decisão de 2007, a Comissão ter tido em conta os custos adicionais em causa em percentagem apenas do valor acrescentado bruto do setor privado ou apenas do PIB da RAM.

92      Por conseguinte, além de não encontrar fundamento na redação e no contexto das Decisões de 2007 e de 2013, a interpretação lata da expressão «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira», defendida pela recorrente, é contrária não só aos objetivos prosseguidos pelo artigo 87.°, n.° 3, alínea a), CE e pelo artigo 107.°, n.° 3, alínea a), TFUE, que serviram de fundamento jurídico, respetivamente, às Decisões de 2007 e de 2013, mas também às Orientações de 2007.

93      Foi, portanto, sem cometer um erro de direito que a Comissão pôde concluir, no considerando 167 da decisão recorrida, que o Regime III, conforme aplicado, no que respeitava ao requisito relativo à origem dos lucros aos quais a redução do IRC era aplicada, era contrário às referidas decisões.

94      Esta conclusão não pode ser posta em causa pela argumentação da recorrente de que, ao interpretar a expressão «atividades efetiva e materialmente realizadas na Madeira» no sentido de que não visa as atividades exercidas fora dessa região por sociedades registadas na ZFM, a Comissão violou, primeiro, os princípios da livre circulação e, segundo, os princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação.

95      Primeiro, no que respeita à alegação relativa à violação dos princípios da liberdade de estabelecimento, da livre circulação de pessoas e da livre prestação de serviços, importa, antes de mais, salientar que, com esta alegação, a recorrente não pretende pôr em causa a apreciação efetuada pela Comissão quanto à não conformidade do Regime III, conforme aplicado, com as Decisões de 2007 e 2013 e, por conseguinte, a qualificação jurídica deste regime de «novo auxílio» na aceção do artigo 1.°, alínea c), do Regulamento 2015/1589, concedido em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE.

96      Pelo contrário, a recorrente põe em causa a apreciação da compatibilidade do Regime III efetuada por ocasião das Decisões de 2007 e 2013, que se tornaram definitivas e não podem, assim, ser contestadas no âmbito do presente recurso.

97      Além disso, a alegação em causa apenas é apoiada pela afirmação de que a decisão recorrida proíbe ou limita a possibilidade de uma sociedade registada na ZFM poder prestar serviços fora da RAM.

98      Tal alegação, que se limita a parafrasear as disposições do Tratado FUE e não é sustentada por nenhum argumento adicional, deve ser julgada inadmissível, por força do artigo 76.°, alínea d), do Regulamento de Processo.

99      De qualquer modo, cumpre recordar que, como a Comissão salientou, com razão, esta interpretação do requisito relativo à origem dos lucros aos quais se aplica a redução do IRC não impede as sociedades licenciadas na ZFM de prestarem serviços a clientes situados fora da RAM, visando simplesmente garantir que os lucros provenientes de atividades efetiva e materialmente realizadas fora da RAM não possam ser tidos em conta na base tributável à qual se aplica a medida fiscal em causa.

100    Segundo, relativamente à alegação de violação dos princípios da igualdade de tratamento e da não discriminação face a outros regimes de auxílios regionais a favor de regiões ultraperiféricas, como o da Zona Franca das Ilhas Canárias, é forçoso concluir que a mesma visa igualmente pôr em causa a legalidade das Decisões de 2007 e de 2013.

101    Por outro lado, na medida em que a recorrente invoca uma decisão anterior da Comissão, basta realçar que a legalidade de uma decisão adotada em matéria de auxílios de Estado deve ser apreciada apenas no âmbito do artigo 107.° TFUE e não à luz de uma pretensa prática decisória anterior da Comissão (v., neste sentido, Despacho de 10 de outubro de 2017, Greenpeace Energy/Comissão, C‑640/16 P, não publicado, EU:C:2017:752, n.° 27, e Acórdão de 26 de março de 2020, Larko/Comissão, C‑244/18 P, EU:C:2020:238, n.° 114).

102    Tendo em conta o que precede, a Comissão não cometeu nenhum erro de direito ao interpretar o requisito, previsto nas Decisões de 2007 e de 2013, segundo o qual as reduções do IRC previstas no Regime III só podem ter por objeto os lucros resultantes de atividades «efetiva e materialmente realizadas na Madeira».

2)      Quanto ao requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM

103    A recorrente acusa a Comissão, em substância, de ter imposto, erradamente, à República Portuguesa o recurso aos métodos ETI e UTA, com exclusão do conceito de «posto de trabalho» na aceção do direito português, para verificar se o requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM estava preenchido.

104    Todavia, esta argumentação resulta de uma leitura errada da decisão recorrida.

105    Com efeito, a conclusão de que o Regime III, conforme aplicado, viola as Decisões de 2007 e de 2013 não se baseia no facto de as autoridades portuguesas não terem recorrido aos métodos ETI e UTA para verificar se estava cumprido o requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM. Esta conclusão assenta na constatação, que figura no considerando 176 da decisão recorrida, de que o método adotado pelas autoridades portuguesas para calcular o número de postos de trabalho criados ou mantidos na RAM não permitia verificar a realidade e a permanência dos postos de trabalho declarados pelos beneficiários do referido regime.

106    Ora, esta conclusão tem suporte suficiente nos considerandos 28 e 175 da decisão recorrida, segundo os quais, em aplicação do método adotado pelas autoridades portuguesas, constituía um posto de trabalho para efeitos da aplicação do Regime III qualquer emprego, de qualquer natureza jurídica, independentemente do número de horas, dias e meses de trabalho ativo por ano, declarado pelos beneficiários, incluindo os empregos a tempo parcial ou os de membros do conselho de administração que desenvolvem a sua atividade em mais do que uma sociedade beneficiária do Regime III.

107    Nenhum dos argumentos apresentados pela recorrente invalida esta conclusão.

108    Primeiro, a recorrente alega, erradamente, que a compatibilidade do Regime III, conforme aplicado, deveria ter sido apreciada à luz do direito do trabalho nacional.

109    Com efeito, qualquer derrogação ao princípio geral da incompatibilidade dos auxílios de Estado com o mercado interno, enunciado no artigo 107.°, n.° 1, TFUE, deve ser objeto de interpretação estrita (v. Acórdão de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão, C‑277/00, EU:C:2004:238, n.° 20 e jurisprudência referida). Esta exigência implica que a interpretação dos requisitos de concessão de um regime de auxílios autorizado pela Comissão não pode ficar inteiramente ao critério do Estado‑Membro em causa, sob pretexto, nomeadamente, do respeito do princípio da autonomia institucional e processual.

110    Tanto mais que, no caso em apreço, não se pode sustentar validamente que a obrigação de recorrer a um método de cálculo objetivo do tempo de trabalho efetivamente despendido por cada titular de um posto de trabalho para beneficiar do Regime III colide com o direito português. Com efeito, esta obrigação de recorrer a um método de cálculo objetivo não impede a tomada em consideração de todos os tipos de relações de trabalho previstas no direito português. Além disso, a referida obrigação de recorrer a esse método de cálculo impõe‑se apenas para efeitos de apreciação da compatibilidade do Regime III e da boa execução das Decisões de 2007 e de 2013.

111    Segundo, é igualmente irrelevante em termos de legalidade da decisão recorrida o facto de o método de cálculo do número de postos de trabalho em «unidades de trabalho anuais» estar previsto apenas na secção das Orientações de 2007 relativa aos auxílios ao investimento com finalidade regional.

112    Com efeito, a decisão recorrida não se baseia na constatação de que as autoridades portuguesas não utilizaram este método para calcular o número de postos de trabalho, mas no facto de as autoridades portuguesas não terem recorrido a nenhum método de cálculo objetivo do tempo de trabalho efetivamente despendido por cada titular de um posto de trabalho para beneficiar do Regime III. Assim, estas autoridades não estavam em condições de verificar a realidade e a permanência dos postos de trabalho declarados pelos beneficiários do referido regime.

113    Tendo em conta o que precede, a Comissão concluiu com razão que o Regime III, conforme aplicado, não respeitava o requisito relativo à criação ou à manutenção de postos de trabalho na RAM, exigido pelas Decisões de 2007 e de 2013.

114    Uma vez que este regime foi executado em violação das Decisões de 2007 e de 2013, dado que foi substancialmente alterado em relação ao regime autorizado pelas referidas decisões, a Comissão também teve razão ao concluir, no considerando 180 da decisão recorrida, pela existência de um novo auxílio ilegal (v., neste sentido, Acórdão de 25 de outubro de 2017, Comissão/Itália, C‑467/15 P, EU:C:2017:799, n.° 48).

115    Atento o exposto, o terceiro e quarto fundamentos devem ser julgados improcedentes.

4.      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação dos princípios da proteção da confiança legítima, da segurança jurídica e da proporcionalidade

116    O quinto fundamento está dividido, em substância, em três partes, relativas, primeiro, à violação do princípio da proteção da confiança legítima, segundo, à violação do princípio da segurança jurídica e, terceiro, à violação do princípio da proporcionalidade.

–       Quanto à primeira parte do quinto fundamento, relativa à violação do princípio da proteção da confiança legítima

117    Nesta primeira parte, a recorrente alega que a Comissão violou o princípio da proteção da confiança legítima ao ordenar à República Portuguesa que procedesse à recuperação dos auxílios pagos em violação das Decisões de 2007 e de 2013.

118    A este título, a recorrente salienta, primeiro, que as Decisões de 2007 e de 2013 que autorizam o Regime III constituem garantias precisas, incondicionais e concordantes, adequadas a criar uma expectativa legítima no espírito dos beneficiários, nos quais a Mundicompras se inclui, quanto à legalidade do referido regime, conforme aplicado, bem como dos auxílios pagos ao abrigo do mesmo.

119    Segundo, um operador económico prudente e avisado não podia prever a adoção da decisão recorrida, uma vez que a Comissão tinha conhecimento dos diferentes regimes de auxílios da ZFM há vários anos e nunca manifestou qualquer apreensão a este respeito.

120    Terceiro, o interesse prosseguido pela decisão recorrida não pode prevalecer sobre a confiança legítima e o interesse da Mundicompras na manutenção dos auxílios concedidos ao abrigo do Regime III, conforme aplicado. A este respeito, a recorrente salienta assim que, no caso da Mundicompras, a supressão do referido regime e a recuperação dos auxílios ilegais e incompatíveis concedidos ao abrigo deste regime acarretaria uma dupla tributação dos lucros obtidos na ZFM, contrária ao direito da concorrência e à realização do mercado interno.

121    A Comissão contesta esta argumentação.

122    Quanto ao princípio da proteção da confiança legítima, há que recordar que o direito de invocar este princípio pressupõe que tenham sido fornecidas ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, provenientes de fontes autorizadas e fiáveis, pelas autoridades competentes da União (v. Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.° 97 e jurisprudência referida).

123    Acresce que, no domínio dos auxílios de Estado, é jurisprudência constante que, tendo em conta o caráter imperativo da fiscalização dos auxílios de Estado operada pela Comissão nos termos do artigo 108.° TFUE, por um lado, as empresas beneficiárias de um auxílio só podem, em princípio, ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio se este tiver sido concedido no respeito do procedimento previsto no referido artigo e, por outro, um operador económico diligente deve normalmente poder assegurar‑se de que este procedimento foi respeitado (v. Acórdão de 5 de março de 2019, Eesti Pagar, C‑349/17, EU:C:2019:172, n.° 98 e jurisprudência referida).

124    Ora, no caso em apreço, a recorrente não demonstra, no que respeita aos auxílios pagos em violação das Decisões de 2007 e de 2013, que, por este motivo, foram pagos em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, a Comissão lhe tenha fornecido garantias precisas, incondicionais e concordantes, mas igualmente conformes com as normas aplicáveis, suscetíveis de criar uma expectativa legítima no seu espírito, como exige a jurisprudência.

125    Com efeito, quando um regime de auxílios não é notificado à Comissão, a alegada inação desta é desprovida de sentido (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 2004, Demesa e Territorio Histórico de Álava/Comissão, C‑183/02 P e C‑187/02 P, EU:C:2004:701, n.° 52, e Despacho de 7 de dezembro de 2017, Aughinish Alumina/Comissão, C‑373/16 P, não publicado, EU:C:2017:953, n.° 54). Assim, dado que o Regime III, conforme aplicado, não foi previamente notificado à Comissão, a recorrente não pode utilmente invocar, em apoio do seu fundamento relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima, eventuais inações por parte da Comissão.

126    É igualmente irrelevante o facto de o Regime III, conforme notificado, ter sido aprovado duas vezes pela Comissão, uma vez que este regime foi aplicado em moldes substancialmente diferentes dos previstos no projeto de regime de auxílios notificado pela República Portuguesa.

127    Quanto ao argumento da recorrente de que teria sido impossível a um operador económico prudente e avisado prever a adoção da decisão recorrida pela Comissão, basta referir que a recorrente não pode alegar que agiu como tal, visto que não demonstra que ter procurado assegurar‑se de que o Regime III estava efetivamente a ser aplicado no respeito dos requisitos previstos nas Decisões de 2007 e de 2013, que autorizaram o referido regime, embora estivesse, todavia, em condições de se assegurar deste aspeto.

128    Com efeito, as Decisões de 2007 e de 2013 foram publicadas no Jornal Oficial da União Europeia, sob a forma de um resumo, em conformidade com o artigo 26.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, com a indicação de que o texto dessas decisões estava disponível no sítio Internet da Comissão. Além disso, em conformidade com o artigo 24.°, n.° 3, do Regulamento 2015/1589, qualquer parte interessada poderá obter, a seu pedido, cópia de qualquer decisão adotada com base nos artigos 4.° e 9.°, no artigo 12.°, n.° 3, e no artigo 13.° deste regulamento. Por conseguinte, a recorrente estava em condições de se certificar de que os requisitos previstos nas Decisões de 2007 e de 2013 eram corretamente aplicados pelas autoridades portuguesas.

129    Por último, quanto ao interesse da Mundicompras na manutenção dos auxílios concedidos ao abrigo do Regime III, conforme aplicado, há que salientar que a recorrente não conseguiu demonstrar que esse interesse devesse prevalecer sobre o interesse da União numa recuperação efetiva dos auxílios de Estado ilegais e incompatíveis com o mercado interno. A este título, cumpre recordar que o interesse geral em nome do qual a Comissão exerce as funções que lhe são conferidas pelo artigo 108.°, n.° 2, TFUE, a fim de garantir que o funcionamento do mercado interno não seja falseado por auxílios de Estado prejudiciais à concorrência, tem uma importância especial (v., neste sentido, Despacho de 22 de junho de 2021, Portugal/Comissão, T‑95/21 R, não publicado, EU:T:2021:383, n.° 29). Por outro lado, a supressão de um auxílio ilegal e incompatível através da sua recuperação é a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade e a Comissão está sempre obrigada a ordenar a recuperação de um auxílio que declara incompatível com o mercado interno, salvo se essa recuperação for contrária a um princípio geral do direito da União [v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Comissão/Espanha (TDT em Castela‑Mancha), C‑704/19, não publicado, EU:C:2021:342, n.° 48 e jurisprudência referida].

130    Ora, no caso em apreço, os argumentos invocados pela recorrente, a saber, nomeadamente, o risco de dupla tributação que pode resultar da recuperação dos auxílios em causa, não permitem considerar que, no caso em apreço, se imponha um afastamento deste princípio de recuperação dos auxílios ilegais declarados incompatíveis.

131    Com efeito, a este respeito, basta remeter para os n.os 61 e 66, supra, nos quais se assinalou que a recorrente não tinha conseguido demonstrar nem a existência do alegado risco de dupla tributação em caso de recuperação dos auxílios em causa, nem de que modo esta circunstância, admitindo‑a verificada, é contrária ao direito da concorrência.

132    Tendo em conta o que precede, não é possível concluir que o princípio da proteção da confiança legítima foi violado, pelo que a primeira parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente por ser manifestamente desprovida de fundamento jurídico.

–       Quanto à segunda parte do quinto fundamento, relativa à violação do princípio da segurança jurídica

133    Nesta segunda parte, a recorrente alega que, ao ordenar à República Portuguesa que procedesse à recuperação dos auxílios pagos em violação das Decisões de 2007 e de 2013, a Comissão violou o princípio geral da segurança jurídica.

134    Primeiro, a recorrente acusa a Comissão de ter posto subitamente em causa as modalidades de aplicação dos auxílios pagos ao abrigo do Regime III, previstas nas Decisões de 2007 e de 2013, que os beneficiários julgavam cumprir há vários anos. No seu entender, as condições previstas nestas decisões não tinham tido o alcance que passaram a ter na decisão recorrida. Reitera igualmente a inação da Comissão e o facto de terem decorrido 31 anos entre a entrada em vigor do primeiro regime de auxílios da ZFM e o procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE.

135    Segundo, a recorrente alega que a recuperação, pelas autoridades portuguesas, dos auxílios concedidos ao abrigo do Regime III conduz a uma dupla tributação dos lucros realizados pelas entidades licenciadas na ZFM e que já tinham sido tributados noutro Estado‑Membro, colocando as referidas entidades numa posição de desvantagem relativamente às entidades cujos lucros foram tributados uma única vez.

136    A Comissão contesta esta argumentação.

137    No que respeita ao princípio da segurança jurídica, que se distingue do princípio da proteção da confiança legítima (v., neste sentido, Acórdão de 2 de fevereiro de 2023, Espanha e o./Comissão, C‑649/20 P, C‑658/20 P e C‑662/20 P, EU:C:2023:60, n.° 83), importa salientar que, em matéria de auxílios de Estado, os argumentos destinados a impugnar a obrigação de recuperação com fundamento numa violação do princípio da segurança jurídica só são acolhidos em circunstâncias absolutamente excecionais (v., neste sentido, Acórdão de 22 de abril de 2008, Comissão/Salzgitter, C‑408/04 P, EU:C:2008:236, n.° 106).

138    A este respeito, resulta da jurisprudência que há que examinar uma série de elementos a fim de apurar a existência de uma violação do princípio da segurança jurídica, designadamente a falta de clareza do regime jurídico aplicável (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2010, Nuova Agricast e Cofra/Comissão, C‑67/09 P, EU:C:2010:607, n.° 77) ou a inação da Comissão durante um período prolongado sem justificação (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, EU:C:1987:502, n.os 14 e 15, e de 22 de abril de 2008, Comissão/Salzgitter, C‑408/04 P, EU:C:2008:236, n.os 106 e 107).

139    No caso em apreço, a recorrente não invoca, em apoio desta parte, qualquer falta de clareza do regime jurídico aplicável.

140    No que respeita à alegação relativa à existência de períodos prolongados de inação por parte da Comissão que permitem às empresas em causa invocar o princípio da segurança jurídica, importa recordar que esta instituição é obrigada a agir num prazo razoável no âmbito de um procedimento formal de investigação de auxílios de Estado e que não está autorizada a perpetuar um estado de inação durante a fase preliminar de investigação. Convém acrescentar que o caráter razoável do prazo do procedimento deve ser apreciado em função das circunstâncias próprias de cada processo, como a complexidade deste e o comportamento das partes (Acórdão de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.os 81 e 82).

141    Ora, primeiro, relativamente ao tempo decorrido desde a aprovação do primeiro regime, basta observar que o mesmo não previa que a concessão dos auxílios às empresas registadas na ZFM estivesse sujeita ao preenchimento dos dois requisitos em causa no presente processo, uma vez que estes só foram introduzidos no regime da ZFM quando da aprovação do Regime II.

142    Segundo, no que respeita ao tempo decorrido entre as Decisões de 2007 e de 2013, por um lado, e o início, em 12 de março de 2015, do exercício de monitorização do Regime III, ou mesmo a decisão de dar início ao procedimento formal, notificada à República Portuguesa em 6 de julho de 2018 e publicada no Jornal Oficial da União Europeia em 15 de março de 2019, por outro, o mesmo não pode ser considerado irrazoável.

143    Com efeito, antes de mais, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento 2015/1589, a Comissão não estava vinculada por prazos específicos, como os previstos no capítulo II deste regulamento, relativo ao processo aplicável aos auxílios notificados (v., neste sentido, Despacho de 20 de janeiro de 2021, KC/Comissão, T‑580/20, não publicado, EU:T:2021:14, n.° 26).

144    Em seguida, no que respeita aos exercícios de monitorização relativos a auxílios ou a regimes de auxílios autorizados, como no caso em apreço, não se pode considerar que a Comissão devia dar provas de especial diligência, uma vez que o princípio da cooperação leal, enunciado no artigo 4.°, n.° 3, TUE, impõe aos Estados‑Membros que tomem todas as medidas adequadas para garantir o alcance e a eficácia do direito da União.

145    No domínio dos auxílios de Estado, isso implica, em particular, que esses Estados devem providenciar no sentido de não implementar auxílios ou regimes de auxílios em violação de decisões de autorização prévia, muito especialmente, como no caso em apreço, quando a compreensão das condições de execução desses auxílios ou desses regimes de auxílios é inicialmente partilhada pela Comissão e pelo Estado‑Membro em causa, como referido acima nos n.os 83 e 84.

146    Por último, tendo em conta a descrição do procedimento prévio à decisão de dar início ao procedimento formal, exposta nos considerandos 1 e 2 da decisão recorrida, não é possível identificar no presente caso nenhuma inação da Comissão durante um período prolongado e sem justificação.

147    Terceiro, quanto à duração de 29 meses do procedimento formal de investigação, esta também não pode ser considerada irrazoável, tendo em conta, como resulta dos considerandos 3 a 9 e 96 da decisão recorrida, a necessidade de a Comissão tratar o pedido das autoridades portuguesas sobre a confidencialidade da decisão de dar início a esse procedimento, de pedir várias vezes a essas autoridades a comunicação de informações em falta, e de tratar as observações do enorme número de partes interessadas que participaram no procedimento.

148    Neste sentido, o procedimento que conduziu à decisão recorrida distingue‑se claramente do que estava em causa no procedimento que deu origem ao Acórdão de 24 de novembro de 1987, RSV/Comissão (223/85, EU:C:1987:502), que a recorrente não pode, assim, validamente invocar.

149    Ainda que considerados em conjunto, tanto os períodos prévios como os períodos posteriores à decisão de dar início ao procedimento formal não podem ser considerados irrazoáveis, visto que a recorrente — como todas as empresas que beneficiaram do Regime III, conforme aplicado —, estava em devidas condições de tomar conhecimento, o mais tardar em 15 de março de 2019, da decisão de dar início ao procedimento formal através da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia e dos riscos de recuperação a que estava sujeita.

150    Quanto ao argumento da recorrente de que a recuperação ordenada pela decisão recorrida viola o princípio da segurança jurídica, dado que conduz a uma dupla tributação dos lucros obtidos pela Mundicompras na ZFM, basta referir que esta circunstância não pode determinar a anulação da referida decisão, pelas mesmas razões que as acima expostas nos n.os 130 a 131.

151    Consequentemente, não é possível identificar nenhuma violação do princípio da segurança jurídica. Por conseguinte, a segunda parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente por ser manifestamente desprovida de fundamento jurídico.

–       Quanto à terceira parte do quinto fundamento, relativa à violação do princípio da proporcionalidade

152    Nesta terceira parte, a recorrente sustenta que a recuperação dos auxílios pagos em violação das Decisões de 2007 e de 2013 viola igualmente o princípio da proporcionalidade.

153    A este respeito, a recorrente alega que a recuperação dos auxílios em causa é desproporcionada face ao objetivo prosseguido pela decisão recorrida, isto é, o restabelecimento do direito da concorrência, uma vez que os lucros realizados pela Mundicompras na ZFM já foram tributados noutro Estado‑Membro, neste caso em Espanha.

154    A Comissão contesta esta argumentação.

155    Importa recordar que a supressão de um auxílio ilegal e incompatível, através de recuperação, é a consequência lógica da declaração da incompatibilidade desse auxílio. Com efeito, a obrigação do Estado‑Membro em causa de suprimir um auxílio considerado pela Comissão incompatível com o mercado interno visa o restabelecimento da situação anterior, fazendo perder ao beneficiário a vantagem de que efetivamente beneficiou relativamente aos seus concorrentes [v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2021, Comissão/Espanha (TDT em Castela‑Mancha), C‑704/19, não publicado, EU:C:2021:342, n.° 48 e jurisprudência referida].

156    Contribui para esse mesmo objetivo o pagamento, pelo beneficiário de um auxílio ilegal declarado incompatível, de juros a contar da data em que o auxílio ilegal foi colocado à disposição desse beneficiário e até ao momento da sua recuperação, conforme resulta do artigo 16.°, n.° 2, do Regulamento 2015/1589, lido em conjugação com o considerando 25 deste regulamento (v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2015, A2A, C‑89/14, EU:C:2015:537, n.° 42).

157    Além disso, de acordo com o artigo 16.°, n.° 1, do Regulamento 2015/1589, a Comissão é sempre obrigada a ordenar a recuperação de um auxílio que declara incompatível com o mercado interno, salvo se essa recuperação for contrária a um princípio geral do direito da União (Acórdão de 28 de julho de 2011, Mediaset/Comissão, C‑403/10 P, não publicado, EU:C:2011:533, n.° 124).

158    No caso em apreço, resulta dos n.os 132 e 151, supra, que a Comissão não violou os princípios da proteção da confiança legítima e da segurança jurídica ao ordenar a recuperação dos auxílios individuais pagos em aplicação do Regime III, conforme aplicado.

159    Quanto ao argumento da recorrente de que a recuperação é desproporcionada porque foi ordenada junto de todos os beneficiários, independentemente da sua situação e, nomeadamente, sem ter em conta o facto de, no caso de alguns deles, os seus lucros serem igualmente tributáveis noutro Estado‑Membro, há que recordar, antes de mais, que, como a Comissão afirmou, corretamente, a obrigação de recuperação não tem por objeto todos os auxílios individuais concedidos ao abrigo do Regime III, mas apenas os auxílios que tenham sido concedidos em violação das Decisões de 2007 e 2013, sob reserva de que os beneficiários destes não preencham os requisitos fixados num regulamento de minimis ou num regulamento de isenção por categoria, como resulta dos artigos 1.° a 3.° da decisão recorrida.

160    Por outro lado, quanto aos beneficiários afetados por um risco de dupla tributação devido à recuperação dos auxílios incompatíveis, cumpre reiterar a jurisprudência acima referida no n.° 129, segundo a qual, sendo a recuperação dos auxílios de Estado a única consequência da sua ilegalidade e da sua incompatibilidade com as regras em matéria de auxílios de Estado, a mesma não pode depender da situação particular de alguns dos seus beneficiários.

161    Assim, na medida em que, no caso em apreço, a Comissão pôde declarar, com razão, que o regime em causa tinha concedido aos seus beneficiários auxílios de Estado ilegais e incompatíveis com o mercado interno, a recuperação dos auxílios, ordenada pela decisão recorrida, não pode constituir uma violação do princípio da proporcionalidade, dado que semelhante recuperação constitui o corolário, proporcionado e inerente aos artigos 107.° e 108.° TFUE, da declaração de incompatibilidade daqueles auxílios (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity, C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.° 116 e jurisprudência referida).

162    Consequentemente, a terceira parte do quinto fundamento deve ser julgada improcedente.

163    À luz do que precede, há que julgar improcedente o quinto fundamento e, por conseguinte, negar provimento ao recurso na sua totalidade.

IV.    Quanto às despesas

164    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

165    Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quinta Secção),

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Vima World, S.A., é condenada nas despesas.

Svenningsen

Martín y Pérez de Nanclares

Stancu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 19 de junho de 2024.

O Secretário

 

O Presidente

V. Di Bucci

 

S. Papasavvas


*      Língua do processo: português.