Language of document : ECLI:EU:T:2015:1003

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

17 de dezembro de 2015 (*)

«Auxílios de Estado — Auxílios executados por França a favor da Sernam SCS — Auxílios à reestruturação e recapitalização, garantias e perdão de créditos pela SNCF à Sernam — Decisão que declara os auxílios incompatíveis com o mercado interno — Aplicação abusiva do auxílio — Recuperação — Continuidade económica — Critério do investidor privado»

No processo T‑242/12,

Société nationale des chemins de fer français (SNCF), com sede em Paris (França), representada por P. Beurier, O. Billard e V. Landes, advogados,

recorrente,

apoiada por:

República Francesa, representada inicialmente por D. Colas e J. Gstalter, e em seguida por D. Colas e J. Rossi, e por último por D. Colas e J. Bousin, na qualidade de agentes,

interveniente,

contra

Comissão Europeia, representada por T. Maxian Rusche e B. Stromsky, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Mory SA, em liquidação, com sede em Pantin (França),

e

Mory Team, em liquidação, com sede em Pantin,

representadas por B. Vatier e F. Loubières, advogados,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão 2012/398/UE da Comissão, de 9 de março de 2012, relativa ao auxílio estatal n.° SA.12522 (C 37/08) — França — Aplicação da Decisão «Sernam 2» (JO L 195, p. 19),

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: M. van der Woude, presidente, I. Wiszniewska‑Białecka e I. Ulloa Rubio (relator), juízes,

secretário: S. Bukšek Tomac, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 12 de fevereiro de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1.     Quanto à recorrente e à Sernam na época dos factos

1        Depois de ter sido criada em 1938, com o estatuto de sociedade anónima, a Société nationale des chemins de fer (SNCF) (a seguir «SNCF» ou «recorrente») passou a estabelecimento público industrial comercial (EPIC) com efeitos a partir de 1 de janeiro de 1983, ao abrigo da Lei 82‑1153, de 30 de dezembro de 1982, de orientação dos transportes internos. Todo o capital (constituído por uma dotação do Estado e não por ações) pertence ao Estado.

2        Desde a sua criação, em 1970, pela recorrente como serviço interno, as atividades da empresa Sernam consistem em serviços de entregas e de transporte expresso de encomendas e de paletes.

3        Em 1993, procedeu‑se a uma reorganização, que levou à criação da Sernam Domaine e da filial Sernam Transport SA. A Sernam Domaine continuou a ser um serviço interno da SNCF e a Sernam Transport foi constituída como filial a 100% da SNCF, detentora, por sua vez, de 24 filiais, por intermédio das quais exercia as suas atividades de transporte rodoviário.

4        Em 1 de fevereiro de 2000, a Sernam Domaine foi transformada numa nova sociedade em comandita simples, a Sernam SCS, com personalidade jurídica distinta e filial a 100% da SNCF. A Sernam SCS detinha nomeadamente os títulos de participação da Sernam Transport, que se tornou sua filial a 100%.

5        Em dezembro de 2001, a Sernam SCS passou a ser Sernam SA. Em 2005, a Sernam contava dez filiais operacionais, bem como uma empresa de prestação de serviços rodoviários, a Sernam Transport Route (anteriormente Sernam Transport).

2.     Quanto à decisão Sernam 1

6        Com a sua Decisão NN 122/00 (ex N 140/00) de 23 de maio de 2001 (a seguir «decisão Sernam 1»), a Comissão das Comunidades Europeias considerou que as medidas de assistência comercial e de recuperação da Sernam SCS executadas pela recorrente e a efetuar entre o início de 2001 e o final de 2004 constituíam auxílios de Estado compatíveis com o Tratado CE. O seu montante total foi de 503 milhões de euros. A Comissão também «lament[ou] o facto de a [República Francesa] ter executado ilegalmente este auxílio, em infração ao n.° 3 do artigo 88.° do Tratado».

7        O auxílio de 503 milhões de euros era autorizado nomeadamente com base num compromisso da República Francesa de a empresa ser vendida. Com efeito, a Sernam SCS deveria ser adquirida até 60% do seu capital pela Geodis SA. A Geodis passaria, assim, a ser inteiramente responsável pelas dívidas da Sernam SCS de forma ilimitada e cobrir as despesas suplementares da reestruturação no valor de 67 milhões de euros. Por seu turno, a Sernam SCS obrigava‑se a reduzir o número de sítios de exploração de 107 para 72 no período entre 1999 e 2004, a reduzir o seu volume de negócios em 18%, a reduzir o seu pessoal e a efetuar a reestruturação com o orçamento acima referido e no período fixado.

3.     Quanto à decisão Sernam 2

8        Por ofício de 17 de junho de 2002, as autoridades francesas informaram a Comissão de que os auxílios aprovados pela decisão Sernam 1 tinham sido executados em condições diferentes das que tinham servido de base à decisão da Comissão.

9        Por carta de 30 de abril de 2003, a Comissão notificou a República Francesa da sua decisão de dar início ao procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE relativamente a esses auxílios [decisão intitulada «Auxílio estatal — França — Auxílio C 32/03 (ex NN 122/2000) — ‘Sernam 2: Revisão dos auxílios à restruturação’ Convite para apresentação de observações, nos termos do n.° 2 do artigo 88.° do Tratado CE», JO C 182, p. 2].

10      A Comissão procedeu a uma nova análise de todo o processo com base num plano completo de reestruturação atualizado e que refletia as novas circunstâncias. Analisou os factos novos para declarar em que medida respeitavam ou não a decisão Sernam 1 e verificou em que medida o conjunto da nova situação de facto à luz da decisão — em comparação com a decisão Sernam 1 — era compatível com as Orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1999, C 288, p. 2), nomeadamente face ao princípio do auxílio único.

11      Com a sua Decisão 2006/367/CE, de 20 de outubro de 2004, relativa ao auxílio estatal parcialmente executado pela França a favor da empresa Sernam (JO 2006, L 140, p. 1, a seguir «decisão Sernam 2»), a Comissão concluiu pelo desrespeito da decisão Sernam 1, o que constituía um abuso do auxílio, na aceção do artigo 1.°, alínea g), do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1), e do n.° 43 das Orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade.

12      Observou, porém, que as autoridades francesas tinham cumprido vários dos seus objetivos em conformidade com a decisão Sernam 1 e que o auxílio analisado respondia aos critérios de alteração do plano de reestruturação previstos no ponto 3.2.4 das Orientações comunitárias dos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade. A Comissão confirmou, assim, que o auxílio aprovado na decisão Sernam 1, no valor de 503 milhões de euros, era compatível com o mercado comum sob novas condições.

13      Considerou igualmente que um auxílio adicional no montante de 41 milhões de euros, pago pela recorrente à Sernam e consequência direta da aplicação abusiva do auxílio aprovado pela decisão Sernam 1, devia ser declarado incompatível com o mercado comum e recuperado com juros.

14      O dispositivo da decisão Sernam 2 tem a seguinte redação:

«Artigo 1.°

1.      O auxílio estatal a favor da sociedade Sernam aprovado em maio de 2001, num montante de 503 milhões de euros, é compatível com o mercado comum nas condições definidas nos artigos 3.° e 4.°

2.      O auxílio estatal concedido pela França a favor da sociedade Sernam, num montante de 41 milhões de euros, é incompatível com o mercado comum.

Artigo 2.°

1.      A [República Francesa] deve tomar todas as medidas necessárias para recuperar junto do beneficiário o auxílio referido no n.° 2 do artigo 1.° e já ilegalmente colocado à sua disposição.

2.      A recuperação será efetuada imediatamente e segundo os procedimentos do direito nacional, desde que estes permitam a execução imediata e efetiva da presente decisão. O auxílio a recuperar incluirá juros a partir da data em que foi colocado à disposição do beneficiário e até à data da sua recuperação. Os juros são calculados com base na taxa de referência utilizada para o cálculo do equivalente subvenção no âmbito dos auxílios regionais.

Artigo 3.°

1.      Sob reserva do disposto no n.° 2, deverão ser respeitadas as seguintes condições:

a)      A Sernam apenas poderá desenvolver a sua atividade de expedição de encomendas por via ferroviária (segundo o conceito do ‘train bloc express’, ‘TBE’). A este respeito, a SNCF garantirá que serão oferecidas a qualquer outro operador que o solicite as mesmas condições que oferece à Sernam para a atividade de transporte ferroviário de mercadorias ‘TBE’.

b)      Em contrapartida, durante os dois próximos anos, a contar da data de notificação da presente decisão, a Sernam deverá substituir integralmente os seus meios próprios e serviços de transporte rodoviário por meios e serviços de transporte rodoviário de uma ou várias empresas, jurídica e economicamente independentes da SNCF e selecionadas por um processo aberto, transparente e não discriminatório.

Por meios próprios e serviços de transporte rodoviário da Sernam entende‑se o conjunto dos meios rodoviários — a saber, os veículos de transporte rodoviário — da empresa Sernam em regime de propriedade plena ou em leasing/locação;

As empresas que passem a exercer as atividades rodoviárias da Sernam deverão assegurar o conjunto das prestações de transporte rodoviário com os seus recursos próprios.

2.      Caso a Sernam venda em bloco os seus ativos até 30 de junho de 2005, ao preço de mercado, a uma sociedade sem vínculo jurídico com a SNCF, por meio de um processo transparente e aberto, as condições definidas no n.° 1 não são aplicáveis.

Artigo 4.°

A eventual alienação parcial ou total da Sernam deve efetuar‑se ao preço de mercado e por meio de um processo transparente e aberto a todos os concorrentes. Nessas condições, a restituição do auxílio de 41 [milhões de euros] incumbirá à sociedade Sernam, caso esta continue a existir.

[…]»

4.     Quanto à transmissão dos ativos em bloco da Sernam à Financière Sernam e quanto aos acontecimentos posteriores

15      Na sequência da decisão Sernam 2, as autoridades francesas reuniram com a Comissão em 24 de novembro de 2004 e escreveram‑lhe oficialmente em 21 de dezembro de 2004 para a informar da opção pela venda dos ativos da Sernam em bloco, de acordo com o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2.

16      A recorrente organizou um concurso com a assistência de um banco (a seguir «banco X»). Foram contactados trinta e quatro grupos.

17      Segundo as autoridades francesas, a situação económica da Sernam não permitiu obter propostas de valorização positiva. Todas as propostas apresentadas no âmbito deste processo implicavam um valor fortemente negativo:

–        candidato n.° 1 (proposta preliminar): ‑120 milhões de euros;

–        candidato n.° 2 (proposta preliminar): ‑90,4 milhões de euros;

–        candidato n.° 3 (proposta preliminar): ‑90,4 milhões de euros;

–        candidato n.° 4 (proposta não vinculativa de segunda volta): ‑65,2 milhões de euros;

–        candidato n.° 5 (proposta não vinculativa de segunda volta): ‑56,4 milhões de euros.

18      Não foi feita qualquer oferta firme. Contudo, dois proponentes, o candidato n.° 4 e o candidato n.° 5, este último associado à equipa da direção da Sernam, revelaram um interesse sério no resultado da segunda volta. Foi tomada a decisão de prosseguir as discussões unicamente com o consórcio formado pelo candidato n.° 5 associado à equipa de direção da Sernam (a seguir «consórcio»).

19      O candidato n.° 5 veio a comunicar à recorrente, em 15 de junho de 2005, a sua incapacidade para voltar a fazer uma oferta de aquisição, mesmo condicional, antes de 30 de junho de 2005.

20      A equipa de direção da Sernam, através de uma sociedade ainda por criar e chamada, primeiro, Bidco e, depois, Financière Sernam, decidiu então fazer uma oferta de aquisição autónoma, transmitida à recorrente em 30 de junho de 2005 e aceite em princípio pela direção‑geral da recorrente nesse mesmo dia.

21      O protocolo de acordo entre a recorrente, a Sernam, a SAS Sernam Xpress (uma das 10 filiais a 100% da Sernam, criada em 2002, a seguir «Sernam Xpress») e os dirigentes da futura empresa Financière Sernam foi assinado em 21 de julho de 2005 (a seguir «protocolo de acordo de 21 de julho de 2005»).

22      O processo de cessão decorreu em quatro etapas:

–        a recorrente recapitalizou a Sernam, sua filial a 100%, num montante de 57 milhões de euros;

–        seguidamente, a Sernam procedeu a uma entrada parcial de ativos (a seguir «entrada»), sujeitos ao regime das cisões visado nos artigos L 236‑16 a L 236‑21 do Código Comercial francês, em contrapartida da qual a Sernam recebeu uma quota da Sernam Xpress no valor nominal de 100 euros (uma vez que a remuneração de uma entrada parcial de ativos se faz sob a forma de títulos). Esta entrada respeitava a todos os elementos de ativos, incluindo os 57 milhões de euros da recapitalização, e de passivos da Sernam, com exceção de certos passivos financeiros que representavam um montante global de 38,5 milhões de euros (a seguir, em conjunto, «passivos financeiros»), e que incluíam:

–        a dívida ligada ao empréstimo participativo contratado pela Sernam junto do grupo SNCF em 21 de dezembro de 2001;

–        os elementos de ativos e de passivos relativos à rescisão do contrato «IBM — GPS»;

–        imediatamente após a realização da entrada, a Sernam Xpress procedeu a um aumento de capital de 2 milhões de euros, integralmente subscrito pela recorrente. Na sequência dessa operação, a recorrente detinha a maioria das participações da Sernam Xpress;

–        posteriormente a Sernam e a recorrente cederam à Financière Sernam por um preço de 2 milhões de euros a totalidade das suas participações na Sernam Xpress, correspondentes à totalidade do capital desta última.

23      Por outro lado, estavam previstos um mecanismo de complemento de preço no caso de posterior transferência, total ou parcial, a terceiros, do capital ou dos ativos da sociedade cedida e uma cláusula resolutória no caso de decisão negativa da Comissão nos cinco anos subsequentes à celebração do protocolo de acordo de 21 de julho de 2005.

24      Com a cessão, a recorrente prestou igualmente garantias.

25      O acordo de entrada parcial de ativos entre a Sernam e a Sernam Xpress data de 14 de setembro de 2005. A Financière Sernam foi matriculada no Registo Comercial em 14 de outubro de 2005.

26      As diversas operações do processo de cessão, acima descritas no n.° 22, decorreram no mesmo dia, 17 de outubro de 2005, o dia chamado do «closing».

27      A Sernam foi objeto de liquidação judicial em 15 de dezembro de 2005. Os 41 milhões de euros reembolsáveis à recorrente com base na decisão Sernam 2 foram inscritos no passivo dessa liquidação, tal como os 38,5 milhões de euros de passivos financeiros excluídos da entrada (v. n.° 22, segundo travessão, supra).

28      Em 2006, um fundo de investimento entrou em 51,8% no capital da Sernam Xpress.

29      Em maio de 2011, a Sernam Xpress deu a marca Sernam como entrada na sua filial operacional, a Sernam Services.

30      Em 30 de junho de 2011, a Sernam Xpress foi dissolvida e a Financière Sernam, único sócio, absorveu o seu património (operação dita de «transmissão universal de património»).

31      O grupo Sernam, à data da decisão recorrida, era constituído pela Financière Sernam e pelas filiais da ex‑Sernam Xpress: a Sernam Services e a Aster (anteriormente denominada Sernam Transport Route).

32      Foi movido um processo de recuperação judicial da Financière Sernam e da Sernam Services em 31 de janeiro de 2012. Em 3 de fevereiro de 2012, a filial Aster foi sujeita a liquidação judicial com prossecução temporária da atividade.

33      Considerando que um plano de continuação do grupo Sernam não parecia credível, o administrador judicial nomeado deu abertura à procura de candidatos à retoma.

5.     Quanto ao processo que levou à adoção da decisão recorrida

34      Em 24 de junho de 2005, um primeiro denunciante (a seguir «primeiro denunciante») denunciou à Comissão a má aplicação da decisão Sernam 2.

35      Em 22 de fevereiro de 2006, o primeiro denunciante propôs uma ação por omissão contra a Comissão.

36      Por ofícios de 10 de abril de 2006 e 23 de abril de 2007, a Comissão recebeu outra denúncia de um segundo interessado (a seguir «segundo denunciante»).

37      Os dois denunciantes entendiam, em substância, que a decisão Sernam 2 tinha sido aplicada abusivamente.

38      Com a sua decisão de 16 de julho de 2008, intitulada «Auxílios estatais — França — Auxílio estatal C 37/08 — Aplicação da Decisão Sernam 2 — Convite para apresentação de observações, nos termos do [artigo 108.°, n.° 2, TFUE]» (JO 2009, C 4, p. 5, a seguir «decisão de abertura»), a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE.

39      Em 29 de abril de 2009, o Tribunal Geral declarou o não conhecimento de mérito da ação por omissão proposta pelo primeiro denunciante contra a Comissão (despacho de 29 de abril de 2009, HALTE/Comissão, T‑58/06, EU:T:2009:125).

40      Em 9 de março de 2012, a Comissão adotou a Decisão 2012/398/UE, relativa ao auxílio estatal n.° SA.12522 (C 37/08) — França — Aplicação da Decisão «Sernam 2» (JO L 195, p. 19, a seguir «decisão recorrida»). Essa decisão foi comunicada às autoridades francesas em 10 de março de 2012. As autoridades francesas comunicaram‑na à recorrente em 26 de março de 2012.

6.     Decisão recorrida

41      A título preliminar, a Comissão indicou que o procedimento tinha sido aberto por força do artigo 16.° do Regulamento n.° 659/1999, uma vez que a Comissão tinha indicações de que a República Francesa tinha aplicado de forma abusiva o auxílio autorizado sob condições pela decisão Sernam 2, isto após uma aplicação abusiva do auxílio autorizado, igualmente sob condições, pela decisão Sernam 1.

 Quanto à aplicação abusiva do auxílio de Estado autorizado pela decisão Sernam 2

42      A Comissão entendeu que, visto as autoridades francesas terem confirmado que as condições referidas no artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2 não tinham sido respeitadas, podia limitar‑se a verificar se a República Francesa tinha respeitado as condições previstas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2.

43      A Comissão considerou que muitas exigências feitas pelo artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não tinham sido respeitadas.

44      Em primeiro lugar, a Comissão considerou, no ponto 3.2.1 da decisão recorrida, que a transmissão das atividades não tinha sido efetuada em 30 de junho de 2005.

45      Em segundo lugar, a Comissão entendeu, no ponto 3.2.2 da decisão recorrida, que, visto o preço ser negativo, a transmissão das atividades efetuada não constituía uma venda e que, por essa razão igualmente, o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não tinha sido respeitado.

46      Em terceiro lugar, a Comissão considerou, no ponto 3.2.3 da decisão recorrida, que a transmissão das atividades não constituía uma venda dos ativos, mas sim uma transmissão de toda (ativos e passivos) a Sernam, pois, por um lado, a transmissão consistia numa transferência em bloco dos ativos e dos passivos no interior de um grupo, seguida de uma venda das ações («share deal») da filial que os recebeu (considerandos 108 a 112 da decisão recorrida), e, por outro lado, a transmissão não se tinha limitado aos ativos, antes incluía toda (ativos e passivos) a Sernam (considerandos 113 a 116 da decisão recorrida).

47      Em quarto lugar, a Comissão entendeu, no ponto 3.2.4 da decisão recorrida, que a transmissão não se tinha limitado aos ativos que a Sernam possuía no momento da decisão Sernam 2, mas que a recapitalização de um montante líquido de 57 milhões de euros constituía um acréscimo para os ativos que não estava autorizado pelo artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2.

48      Em quinto lugar, a Comissão entendeu, no ponto 3.2.5 da decisão recorrida, que a transmissão das atividades não tinha ocorrido por meio de um processo transparente e aberto.

49      Em sexto lugar, a Comissão entendeu, no ponto 3.2.6 da decisão recorrida, que a finalidade de uma venda dos ativos não tinha sido respeitada.

50      Em conclusão, a Comissão considerou que o artigo 3.° da decisão Sernam 2 não tinha sido respeitado e que, por conseguinte, o auxílio de 503 milhões de euros tinha sido aplicado de forma abusiva.

51      A Comissão considerou que, por ter sido utilizado pelo beneficiário em violação da decisão Sernam 2, o auxílio de 503 milhões de euros não era compatível com o mercado interno com base na decisão Sernam 2. Considerou que, visto a República Francesa não ter invocado nenhum fundamento de compatibilidade, esse auxílio era incompatível e devia ser recuperado com juros contados desde a data da sua disponibilização junto da Financière Sernam e das suas filiais, nomeadamente a Sernam Services e a Aster, que, segundo a Comissão, prosseguiam a atividade económica beneficiária do auxílio anteriormente exercida pela Sernam e posteriormente pela Sernam Xpress (cujo património tinha sido absorvido pela Financière Sernam na sequência de uma transmissão universal de património em 30 de junho de 2011).

 Quanto à recuperação do auxílio de 41 milhões de euros

52      Nos considerandos 132 a 151 da decisão recorrida, a Comissão verificou se a República Francesa tinha recuperado corretamente o auxílio de 41 milhões de euros declarado incompatível na decisão Sernam 2 inscrevendo‑os no passivo da liquidação da Sernam e se, à luz da jurisprudência da União em matéria de recuperação, se deveria estender essa recuperação à Financière Sernam e às suas filiais, Sernam Services e Aster. A Comissão baseou‑se em particular nos acórdãos de 8 de maio de 2003, Itália e SIM 2 Multimedia/Comissão (C‑399/00 e C‑328/99, Colet., a seguir «acórdão Seleco», EU:C:2003:252); de 29 de abril de 2004, Alemanha/Comissão (C‑277/00, Colet., a seguir «acórdão SMI», EU:C:2004:238); e de 19 de outubro de 2005, CDA Datenträger Albrechts/Comissão (T‑324/00, Colet., a seguir «acórdão CDA», EU:T:2005:364).

53      Em primeiro lugar, nos considerandos 144 a 148 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que a transferência das atividades da Sernam para a Sernam Xpress tinha tido a consequência de a Sernam Xpress ter conservado o gozo efetivo da vantagem concorrencial ligada ao benefício dos auxílios concedidos, pois tinha havido continuidade económica entre as duas sociedades e que essa transferência das atividades da Sernam para a Sernam Xpress correspondia a uma forma de contornar a ordem de recuperação dada à Sernam.

54      Em segundo lugar, recordou, no considerando 149 da decisão recorrida, que, segundo a jurisprudência, a venda de ações de uma sociedade beneficiária de um auxílio ilegal por um acionista a um terceiro não tinha influência na obrigação de recuperação junto da sociedade beneficiária. Por conseguinte, no presente caso, a obrigação de reembolso dos 41 milhões de euros continuava a ser da Sernam Xpress, depois da venda das suas participações sociais à Financière Sernam.

55      Em terceiro lugar, a Comissão entendeu, no considerando 150 da decisão recorrida, que a fusão entre a Sernam Xpress e a Financière Sernam, em 30 de junho de 2011, tinha tido como efeito a transferência do benefício do auxílio de 41 milhões de euros, e, logo, da obrigação de recuperação, para a Financière Sernam e para as suas filiais, nomeadamente a Sernam Services e a Aster, que prosseguiam a atividade da Sernam e da Sernam Xpress.

 Quanto aos novos auxílios concedidos à Sernam Xpress‑Financière Sernam

56      A Comissão considerou que as medidas previstas no protocolo de acordo de 21 de julho de 2005 constituíam novos auxílios de Estado. Essas medidas são a recapitalização de 57 milhões de euros líquidos da Sernam pela recorrente, a remissão de dois créditos no montante total de 38,5 milhões de euros da recorrente sobre a Sernam e quatro garantias da recorrente concedidas à Sernam Xpress‑Financière Sernam.

57      A Comissão expôs primeiro, nos considerandos 154 a 158 da decisão recorrida, as razões pelas quais tinha decidido não aplicar o critério do investidor privado em economia de mercado à qualificação dessas medidas à luz do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

58      Em primeiro lugar, entendeu, no considerando 154 da decisão recorrida, que, numa situação de recuperação do auxílio, não era de aplicar o critério do investidor privado.

59      Em segundo lugar, a Comissão entendeu, no considerando 155 da decisão recorrida, que, no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, a venda de ativos era um equivalente das medidas compensatórias impostas pelo artigo 3.°, n.° 1, dessa decisão. Ora, segundo o n.° 40 das Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade (JO 2004, C 244, p. 2, a seguir «orientações relativas à emergência e à reestruturação»), a cessão de uma atividade deficitária não podia ser considerada uma medida compensatória. A Comissão indicou que o preço negativo revela que se tratava da cessão de uma atividade deficitária que não podia ser o equivalente de uma medida compensatória e que, no presente caso, o preço negativo correspondia a um auxílio operacional à empresa, que, portanto, era por natureza inapto a reduzir as distorções de concorrência.

60      Quanto à qualificação de auxílio de Estado, a Comissão entendeu, no considerando 159 da decisão recorrida, que as medidas tinham sido concedidas por recursos de uma empresa pública, a recorrente. Uma vez que a recorrente constitui um organismo de direito público, um EPIC, sujeito a uma vigilância muito estreita do Estado, a concessão da vantagem também era imputável ao Estado. Visto que a Sernam Xpress e a Financière Sernam exerciam atividades no setor do transporte rodoviário, que está aberto à concorrência na União, a vantagem era suscetível de distorcer a concorrência e afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros. A Comissão referiu que não era necessário distinguir entre as vantagens concedidas à Sernam Xpress e à Financière Sernam, pois ambas se tinham fundido.

61      Uma vez que a República Francesa não invocou quaisquer fundamentos de compatibilidade desses auxílios com o mercado interno, apesar de lhe caber o ónus da prova, a Comissão concluiu daí que esses auxílios eram incompatíveis com o mercado interno e deviam ser recuperados, acrescidos de juros.

62      O dispositivo da decisão recorrida lê‑se como segue:

«Artigo 1.°

1.      Os auxílios estatais num montante de 503 milhões de [euros] concedidos pela [República Francesa] à Sernam SCS (que passou a ser [Sernam] e aprovados pela Comissão através da [decisão Sernam 2] foram executados de forma abusiva. São incompatíveis com o mercado interno. Os referidos auxílios beneficiaram igualmente a Sernam Xpress, bem como a […] Financière Sernam e as suas filiais, Sernam Services e Aster.

2.      O auxílio estatal num montante de 41milhões de [euros], concedido pela [República Francesa] à Sernam SCS e declarado incompatível pela Decisão Sernam 2, beneficiou igualmente a Sernam Xpress, bem como a […] Financière Sernam e as suas filiais, nomeadamente a Sernam Services e a Aster.

3.      A recapitalização de 57 milhões de [euros] da [Sernam] realizada pela SNCF, a remissão de dívidas da [Sernam] operada pela SNCF num montante de 38,5 milhões de [euros] e as garantias concedidas pela SNCF no momento da transferência das atividades da [Sernam] para a […] Financière Sernam, com exceção da garantia concedida aos trabalhadores ferroviários, constituem auxílios estatais incompatíveis com o mercado interno.

Artigo 2.°

1.      A [República Francesa] deve recuperar os auxílios referidos no artigo 1.° junto da Financière Sernam e das suas filiais, Sernam Services e Aster.

2.      Os montantes a restituir incluem os juros desde a data em que foram colocados à disposição do beneficiário até à data da sua efetiva recuperação.

3.      Os juros devem ser calculados numa base composta, em conformidade com o disposto no capítulo V do Regulamento (CE) n.° 794/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004.

Artigo 3.°

1.      A recuperação do auxílio visado no artigo 2.° é imediata e efetiva.

2.      A [República Francesa] deve assegurar a aplicação da presente decisão no prazo de quatro meses a contar da data da respetiva notificação.

3.      No contexto dessa aplicação, a [República Francesa] pode ter em conta eventuais montantes recuperados pela SNCF na sequência da liquidação da [Sernam], nas condições acima indicadas.

Artigo 4.°

1.      No prazo de dois meses a contar da notificação da presente decisão, a [República Francesa] deve apresentar à Comissão as seguintes informações:

a)      A data em que cada medida de auxílio foi posta à disposição do beneficiário e o montante total (capital e juros) a recuperar junto dele em relação a cada uma das medidas de auxílio;

b)      Uma descrição pormenorizada das medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão;

c)      Os documentos comprovativos de que o beneficiário foi intimado a reembolsar o auxílio.

2.      A [República Francesa] manterá a Comissão regularmente informada sobre a evolução das medidas nacionais adotadas para aplicar a presente decisão até estar concluída a recuperação do auxílio referido no artigo 1.° Deve apresentar imediatamente, a simples pedido da Comissão, as informações relativas às medidas já adotadas e previstas para dar cumprimento à presente decisão. Fornecerá também informações pormenorizadas sobre os montantes do auxílio e dos juros já recuperados junto do beneficiário.

Artigo 5.°

A República Francesa é a destinatária da presente decisão.»

7.     Quanto aos factos posteriores à decisão recorrida

63      Na sequência da adoção da decisão recorrida, as autoridades francesas pediram à Comissão, em 23 de março de 2012, que confirmasse que a obrigação de reembolso dos auxílios de Estado que tinha sido imposta às sociedades do grupo Sernam pelo artigo 2.° da decisão recorrida não seria estendida às sociedades dos grupos Geodis (pertencentes ao grupo da recorrente) e BMV, no caso de estas adquirirem uma parte dos ativos das sociedades Sernam no âmbito da sua recuperação judicial.

64      Na sua decisão de 4 de abril de 2012 relativa ao auxílio de Estado SA. 34547 (2012/N) — França — Aquisição dos ativos do grupo Sernam no âmbito da sua recuperação judicial (a seguir «decisão Sernam 4»), a Comissão concluiu que não havia continuidade económica entre o grupo Sernam e os adquirentes de uma parte dos seus ativos, a Geodis e a BMV, e que não se devia estender à Geodis e à BMV a recuperação dos auxílios declarados ilegais e incompatíveis na decisão recorrida.

65      Em 13 de abril de 2012, a Financière Sernam e a Sernam Services foram sujeitas a liquidação judicial. Na mesma data, a Geodis apresentou uma proposta e foi designada a adquirente de ativos do grupo Sernam pelo tribunal de commerce de Nanterre (França).

 Tramitação do processo e pedidos das partes

66      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de junho de 2012, a recorrente interpôs o presente recurso.

67      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de outubro de 2012, a República Francesa pediu para intervir em apoio da recorrente. Por despacho de 26 de novembro de 2012, o presidente da Sexta Secção do Tribunal Geral admitiu essa intervenção. A República Francesa apresentou as suas alegações de intervenção em 11 de fevereiro de 2013.

68      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 14 de fevereiro de 2013, a recorrente pediu a junção de novas provas aos autos. O presidente da Sexta Secção juntou aos autos as novas provas em 26 de fevereiro de 2013. A Comissão apresentou observações sobre a nova prova em 14 de março de 2013. A República Francesa informou que não tinha observações a formular.

69      Tendo a composição das secções do Tribunal Geral sido alterada, o juiz‑relator foi afetado à Sétima Secção, à qual o presente processo foi, consequentemente, distribuído em 23 de setembro de 2013.

70      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 25 de novembro de 2013, a Mory SA, a Mory Team e a Superga Invest pediram para intervir no presente processo, em apoio dos pedidos da Comissão.

71      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 29 de janeiro de 2014, a recorrente pediu tratamento confidencial de certos elementos e passagens dos atos processuais, no caso de ser excecionalmente deferido o pedido dos requerentes de intervenção de acederem a todos os atos processuais. A recorrente apresentou, para o efeito, uma versão não confidencial dos atos processuais em causa.

72      Por despacho de 23 de maio de 2014, o presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral admitiu a intervenção da Mory e da Mory Team, com base no artigo 116.°, n.° 6, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991 e indeferiu o pedido de intervenção da Superga Invest. A decisão do pedido de confidencialidade da recorrente foi reservada para final.

73      Por carta de 23 de outubro de 2014, a título de medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, o Tribunal Geral colocou questões escritas à recorrente, à Comissão e à República Francesa, convidando‑as a responderem por escrito, e convidou a recorrente e a Comissão a juntar certos documentos. As partes deram cumprimento a esse pedido no prazo fixado.

74      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de novembro de 2014, a recorrente pediu pela segunda vez para juntar provas aos autos. O presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral juntou essas provas aos autos em 21 de novembro de 2014, convidando a Comissão e a República Francesa a apresentarem na audiência as suas observações a elas relativas.

75      Por carta apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de novembro de 2014, a recorrente apresentou observações sobre as respostas às questões apresentadas pela Comissão. Por decisão de 3 de dezembro de 2014, o presidente da Sétima Secção do Tribunal Geral decidiu não juntar essa carta aos autos.

76      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas do Tribunal na audiência realizada em 12 de fevereiro de 2015.

77      A recorrente, apoiada pela República Francesa, conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

78      A Comissão conclui pedindo ao Tribunal que se digne:

–        declarar o recurso inadmissível ou, subsidiariamente, improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

79      A Mory e a Mory Team concluem pedindo ao Tribunal que se digne julgar inadmissível o recurso e, a título subsidiário, improcedente.

 Questão de direito

80      Em apoio do seu pedido de anulação, a recorrente invoca seis fundamentos. O primeiro fundamento é relativo a uma violação dos seus direitos de defesa, na medida em que a Comissão tomou uma posição na decisão recorrida a respeito da inaplicabilidade do critério do investidor privado ao presente caso que não constava da decisão de abertura. A esse respeito, a República Francesa alega que os seus próprios direitos de defesa foram igualmente violados, pelos mesmos fundamentos. O segundo fundamento é relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima. O terceiro fundamento é relativo à violação da obrigação de respeito de um prazo razoável e do princípio da segurança jurídica. O quarto fundamento é relativo a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao considerar que a cessão dos ativos em bloco da Sernam não tinha respeitado as condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2. O quinto fundamento é relativo a um erro de direito cometido pela Comissão ao considerar que a obrigação de recuperação do auxílio de Estado de 41 milhões de euros declarado incompatível pela decisão Sernam 2 tinha sido transferida para a Financière Sernam e para as suas filiais. O sexto fundamento é relativo a erro de direito cometido pela Comissão ao considerar que as medidas previstas no protocolo de acordo de 21 de julho de 2005 constituíam novos auxílios de Estado a favor da Sernam Xpress‑Financière Sernam.

81      O Tribunal Geral considera que se deve analisar primeiro os três últimos fundamentos e, seguidamente, os três primeiros fundamentos, relativos a princípios gerais do direito da União, na medida em que muitas questões que estes últimos levantam dependem da apreciação do quarto, quinto e sexto fundamentos.

1.     Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao considerar que a cessão dos ativos em bloco da Sernam não tinha respeitado as condições previstas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2

82      O quarto fundamento da recorrente divide‑se em seis partes. A primeira parte é relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão na medida em que, nos considerandos 97 e 98 da decisão recorrida, entendeu que a cessão dos ativos em bloco da Sernam não tinha ocorrido em 30 de junho de 2005. A segunda parte é relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 99 a 102 da decisão recorrida, que a cessão dos ativos em bloco da Sernam a um preço negativo não constituía uma venda. A terceira parte é relativa a um erro de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 103 a 116 da decisão recorrida, que a operação constituía uma transmissão da «totalidade» da Sernam. A quarta parte é relativa a um erro de direito cometido pela Comissão ao entender, no considerando 117 da decisão recorrida, que a transmissão não era limitada aos ativos da Sernam, tendo sido aumentada em 59 milhões de euros (ou 57 milhões de euros líquidos). A quinta parte é relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 118 e 119 da decisão recorrida, que a venda dos ativos em bloco da Sernam não tinha decorrido por meio de um processo transparente e aberto. A sexta parte é relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 121 a 123 da decisão recorrida, que a finalidade de uma venda dos ativos não tinha sido respeitada.

83      Em matéria de aplicação abusiva de auxílios, resulta da leitura conjugada do artigo 108.°, n.° 2, TFUE, do artigo 1.°, alínea g), do Regulamento n.° 659/1999 e do artigo 16.° deste mesmo regulamento que, em princípio, cabe à Comissão demonstrar que todos ou parte dos auxílios que autorizou por decisão anterior foram utilizados de forma abusiva pelo beneficiário. Com efeito, sem essa demonstração, esses auxílios devem ser considerados cobertos pela sua anterior decisão de aprovação (acórdão de 11 de maio de 2005, Saxonia Edelmetalle e ZEMAG/Comissão, T‑111/01 e T‑133/01, Colet., EU:T:2005:166, n.° 86).

 Quanto à primeira parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 97 e 98 da decisão recorrida, que a cessão dos ativos da Sernam em bloco não tinha ocorrido em 30 de junho de 2005

84      Primeiro, a recorrente critica a Comissão por ter, no considerando 98 da decisão recorrida, deformado o texto da decisão Sernam 2 ao afirmar que a «transferência das atividades da Sernam [...] para a Financière Sernam não ocorre[ra] até 30 de junho de 2005, tal como o exigia a condição imposta pela Decisão Sernam 2». Alega que o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 apenas mencionava a «venda» e não a «transmissão» das atividades propriamente dita. Segundo, a recorrente critica a Comissão por ter entendido, no considerando 97 da decisão recorrida, que a aceitação pelo presidente da SNCF, em 30 de junho de 2005, da proposta firme da Financière Sernam não era suficiente, à luz do direito francês, para concluir a venda. Alega que, no direito francês, o acordo entre o comprador e o vendedor sobre a coisa e o preço, qualquer que seja a forma jurídica, permite celebrar um ato de venda irrevogável, mesmo não tendo ainda sido entregue a coisa nem pago o preço.

85      Nos n.os 97 e 98 da decisão recorrida, a Comissão indicou que, em 30 de junho de 2005, a direção da recorrente apenas tinha aceitado, em princípio, a oferta firme da Financière Sernam. Verificou que o protocolo de acordo que vinculava todas as partes na transação só fora, no entanto, assinado em 21 de julho de 2005 e as diferentes operações de transferência só haviam sido executadas em 17 de outubro de 2005. A Comissão concluiu daí que a transmissão das atividades da Sernam para a Financière Sernam não tinha ocorrido até 30 de junho de 2005, conforme exigia a condição imposta pela decisão Sernam 2, e que só esse facto já era suficiente para concluir que a República Francesa tinha feito uma aplicação abusiva do auxílio autorizado de forma condicional pela decisão Sernam 2.

86      De acordo com jurisprudência constante, para a interpretação de uma disposição de direito da União, há que tomar em consideração não só os seus termos mas também o contexto em que se inscreve e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, Recueil, EU:C:1983:335, n.° 12, e de 21 de fevereiro de 2013, RVS Levensverzekeringen, C‑243/11, Colet., EU:C:2013:85, n.° 23).

87      Resulta igualmente de jurisprudência constante que o dispositivo de um ato é indissociável da sua fundamentação, de modo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os motivos que levaram à sua adoção (acórdão de 15 de maio de 1997, TWD/Comissão, C‑355/95 P, Colet., EU:C:1997:241, n.° 21).

88      Quanto ao primeiro argumento da recorrente, segundo o qual a Comissão teria deformado o texto da decisão Sernam 2, refira‑se que o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 se aplica «[c]aso a Sernam venda em bloco os seus ativos até [30 de junho de 2005]».

89      O considerando 217 da decisão Sernam 2 precisa que, «[e]m contrapartida, caso a Sernam vend[esse] os seus ativos em bloco, a Comissão lembra[va] que as duas condições [do artigo 3.°, n.° 1], relativas à restruturação da empresa, não se aplicar[iam], uma vez que a Sernam deixar[ia] de exercer atividades sob a sua forma jurídica atual e ter[ia] libertado as suas quotas de mercado em proveito do adquirente independente (que poder[ia] de facto prosseguir as suas atividades com os ativos da Sernam)».

90      Por conseguinte, conforme salienta a Comissão, o momento a ter em consideração para verificar se a venda ocorreu era necessariamente, no caso, o da transmissão efetiva dos ativos, uma vez que o objetivo visado pelo artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, à luz do seu considerando 217, era obrigar a Sernam a desfazer‑se de todos os seus ativos e liberar as suas quotas de mercado. Uma interpretação contrária e formalista do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 paralisaria os seus efeitos, com o risco de a transmissão efetiva dos ativos ser diferida por muito tempo depois da conclusão da «venda» no sentido jurídico do termo.

91      Basta, pois, observar que foi acertadamente que a Comissão considerou que as diferentes operações de transmissão só tinham sido executadas no dia do chamado «closing», 17 de outubro de 2005, e que, por conseguinte, a data‑alvo de 30 de junho de 2005 fixada no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não tinha sido respeitada.

92      Assim, é irrelevante o segundo argumento da recorrente, relativo ao momento exato em que foi celebrada a «venda» à luz do direito francês.

93      Por conseguinte, a primeira parte do quarto fundamento deve ser julgada improcedente.

 Quanto à segunda parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 99 a 102 da decisão recorrida, que a cessão dos ativos em bloco da Sernam a um preço negativo não constituía uma venda

94      A recorrente, apoiada pela República Francesa, alega, em substância, que a Comissão cometeu erros de direito e de facto ao entender, nos considerandos 99 a 102 da decisão recorrida, que o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 tinha sido violado, pelo facto de o contrato celebrado entre ela e a Financière Sernam não constituir uma venda, uma vez que o preço era negativo.

95      O considerando 124 da decisão recorrida, igualmente criticado pela recorrente, diz respeito a uma questão diferente da questão a que se referem os considerandos 99 a 102 dessa decisão, pois é relativa à decomposição da operação em duas etapas (a entrada da Sernam na Sernam Xpress, seguida de uma cessão das participações sociais da Sernam Xpress à Financière Sernam) e o facto de a Comissão, em substância, não ter aceitado que essas diferentes operações em conjunto fossem consideradas equivalentes a uma venda dos «ativos em bloco». Visto que o considerando 124 suscita argumentos análogos aos que visam os considerandos 108 a 112 da decisão recorrida, o Tribunal considera que devem ser analisados em conjunto os argumentos da recorrente contra esses diferentes considerandos, no âmbito da terceira parte do presente fundamento (v. n.os 140 a 149, infra).

96      Nos considerandos 99 e 100 da decisão recorrida, a Comissão considerou que uma «venda» consistia numa transferência de propriedade de um bem mediante o pagamento de um preço, o qual deve ser positivo, e que uma transação em que aquele que quer transmitir a propriedade de um ou mais bens oferece dinheiro àquele que os recebe não constitui uma venda, mas sim um tipo de contrato diferente. No considerando 101 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que, no caso, a recorrente tinha pagado 59 milhões de euros, procedendo à recapitalização, respetivamente, da Sernam por 57 milhões de euros e da Sernam Xpress por 2 milhões de euros, e tinha prestado diversas garantias à Financière Sernam. Entendeu que o pagamento de 2 milhões de euros pela Financière Sernam a favor da recorrente e da Sernam neutralizava a recapitalização da Sernam Xpress, mas não os outros elementos da transação. A Comissão concluiu daí, no considerando 102 da decisão recorrida, que o contrato celebrado entre a recorrente e a Financière Sernam não constituía uma venda e que, por isso igualmente, o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não tinha sido respeitado.

97      A esse respeito, a recorrente, apoiada pela República Francesa, invoca, em substância, três argumentos.

98      Primeiro, alega que a utilização do termo genérico «venda», na decisão Sernam 2, era indiferente ao tipo de contrato celebrado, uma vez que o efeito da operação era o esperado, a saber, a transferência da propriedade dos ativos em bloco da Sernam para um terceiro independente da recorrente. Segundo, explica que são os condicionalismos do direito francês, como a proibição de venda a preço negativo, que a obrigaram a estruturar a operação como fez, e a recapitalizar previamente a Sernam, mas que o preço negativo não deixa de ser um preço de mercado, a única condição imposta pelo artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2. Terceiro, a recorrente e a República Francesa invocam precedentes que ilustram que, na sua prática decisória, a Comissão aceitou a qualificação de «venda» para uma cessão de ativos ou de ações realizada a preço negativo.

99      A Comissão contesta esses argumentos e, primeiro, considera que a recorrente admite implicitamente que a operação não é uma venda na aceção do artigo 1582.° do Código Civil francês, na medida em que acionou operações de subtração à proibição de venda a preço negativo prevista no direito francês. Segundo, entende que a transmissão de atividades a preço negativo não tem o mesmo impacto económico que uma venda de ativos a preço positivo, uma vez que, no primeiro caso, um operador é pago para fazer viver uma atividade e uma empresa que deveriam desaparecer e, no outro caso, um bem que tem um valor real, positivo, é cedido para ser explorado de forma economicamente racional. Este ponto tem uma importância essencial, em particular à luz das exigências da disciplina dos auxílios e da finalidade da decisão Sernam 2. Terceiro, a Comissão lembra que, segundo jurisprudência constante, a prática decisória da Comissão noutros processos não pode afetar a validade da decisão impugnada, que só pode ser apreciada à luz das regras objetivas do Tratado. Seguidamente, alega, em substância, que as decisões invocadas pela República Francesa e pela recorrente não são aplicáveis no presente caso, nomeadamente por serem posteriores à realização da operação e por estarem em causa vendas de ações, ao passo que o cenário escolhido no presente caso era o de uma venda de ativos.

100    Em primeiro lugar, há que observar que, com base numa interpretação literal do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, era exigida uma «venda em bloco [dos] ativos» da Sernam e que a única exigência relativa ao preço era a de um preço de mercado por meio de um processo transparente e aberto.

101    Conforme acima resulta do n.° 86, na interpretação da decisão Sernam 2, há que atender não apenas aos seus termos mas também ao seu contexto e aos objetivos prosseguidos pela regulamentação em que se insere.

102    Por conseguinte, a Comissão não se pode basear unicamente em conceitos ou formas jurídicas para daí inferir que não foram respeitadas certas condições de compatibilidade de um auxílio à reestruturação impostas numa das suas decisões. De resto, refira‑se que o conceito jurídico de venda é um conceito próprio de cada Estado‑Membro.

103    Tem razão, portanto, a recorrente quando salienta que o direito dos auxílios de Estado não se preocupa com as formas jurídicas que possam revestir as transações, mas sim com a sua realidade económica.

104    Por conseguinte, improcedem os argumentos formalistas da Comissão baseados no direito francês.

105    Em segundo lugar, há que observar que a recorrente alega de forma convincente que uma recapitalização prévia à venda é um meio de permitir não ser abrangido pela proibição do direito francês de estipular preços negativos nos contratos de venda.

106    A questão de saber qual é o impacto económico, no presente caso, dessa venda a preço negativo será analisada no âmbito da terceira e sexta partes do presente fundamento.

107    Em terceiro lugar, há que salientar que as decisões referidas pela recorrente e pela República Francesa ilustram a possibilidade de vender ações de empresas a «preços negativos», isto é, por meio de recapitalizações prévias pelo vendedor [v., designadamente, as Decisões de 13 de julho de 2009, relativa aos auxílios à reestruturação da Combus AS, e de 28 de agosto de 2009, relativa ao auxílio estatal C 6/09 (ex N 663/08) respeitante às medidas a favor da Austrian Airlines].

108    Assim, há que observar que é errado o raciocínio seguido pela Comissão, nos considerandos 99 a 102 da decisão recorrida, segundo o qual, visto o preço da transmissão ser negativo, não houve venda e, por isso igualmente, o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não foi respeitado.

109    Portanto, há que julgar procedente a segunda parte do quarto fundamento.

 Quanto à terceira parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 103 a 116 da decisão recorrida, que a operação constituía uma transmissão da «totalidade» (ativos e passivos) da Sernam

110    A recorrente apresenta duas alegações em apoio da terceira parte. Em primeiro lugar, critica a Comissão por ter entendido, nos considerandos 103 e 113 a 116 da decisão recorrida, que a transmissão que realizou não era limitada aos ativos, antes abrangia a totalidade (ativos e passivos) da Sernam e que, igualmente por essa razão, a condição relativa à venda dos ativos da Sernam em bloco prevista no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não tinha sido respeitada. Em segundo lugar, critica‑a, em substância, por, nos considerandos 108 a 112 e 124 da decisão recorrida, ter dissociado artificialmente a venda dos ativos da Sernam em bloco em duas operações distintas — uma primeira operação constituída pela entrada parcial de ativos da Sernam na Sernam Xpress e uma segunda operação constituída pela venda das ações da Sernam Xpress à Financière Sernam — apesar de, na realidade, se tratar de uma operação única, totalmente simultânea e indissociável, realizada em «momentos imediatos», no mesmo ato, e que prossegue um único e mesmo objetivo, a saber, a venda dos ativos da Sernam em bloco à Financière Sernam.

 Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de a Comissão ter erradamente entendido, nos considerandos 103 e 113 a 116 da decisão recorrida, que a transmissão realizada pela recorrente não era limitada aos ativos, antes abrangia a totalidade (ativos e passivos) da Sernam

111    A recorrente apresenta, em substância, três argumentos. Em primeiro lugar, entende que a Comissão fez uma leitura errada do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, ao pressupor, no n.° 103 da decisão recorrida, que a venda dos ativos em bloco devia ser unicamente relativa aos ativos da Sernam e excluía os passivos. Em segundo lugar, invoca condicionalismos de direito nacional para explicar que foi necessário juntar certos passivos, nomeadamente os passivos de exploração, unicamente com o objetivo de não ser exercido o direito de oposição dos credores previsto na lei francesa. Em terceiro lugar, a recorrente alega que, ao invés do que afirma a Comissão, no considerando 116 da decisão recorrida, a cessão não tinha por objeto a «totalidade» (ativos e passivos) da Sernam, o que seria confirmado pelas passagens contraditórias da decisão recorrida quanto à delimitação exata do objeto da cessão.

–       Quanto ao primeiro argumento, segundo o qual a Comissão fez uma leitura errada do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, ao pressupor que a venda dos ativos da Sernam em bloco devia ter como objeto unicamente os ativos de Sernam com exclusão dos passivos

112    Primeiro, a recorrente alega que o conceito de venda dos ativos em bloco exigia, por definição, que a venda incluísse a totalidade dos ativos da Sernam e que estes fossem vendidos «em bloco», isto é, todos juntos a um único e mesmo adquirente, mas não implicava que esses ativos fossem necessariamente vendidos sozinhos.

113    Resulta do considerando 103 da decisão recorrida que, «[a]inda que se considere que a transferência das atividades da [Sernam] para a Financière Sernam constitua uma venda, o respeito do artigo 3.°, n.° 2, da Decisão Sernam 2 pressupõe que esta venda incida exclusivamente nos ativos e não na totalidade (ativos e passivos) da [Sernam]» e que «[t]al resulta do [considerando] 217 da Decisão Sernam 2». No considerando 113 da decisão recorrida, a Comissão explicou igualmente que «[o] [considerando] 217 da Decisão Sernam 2 [...] estabelece uma distinção clara entre, por um lado, uma venda dos ativos e, por outro, uma venda da totalidade (ativos e passivos) da [Sernam]».

114    De acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 87, o dispositivo de um ato é indissociável da sua fundamentação, pelo que deve ser interpretado, se necessário, tendo em conta os fundamentos que levaram à sua adoção.

115    Os dois números alternativos do artigo 3.° da decisão Sernam 2 têm a seguinte redação:

«1.      Sob reserva do disposto no n.° 2, deverão ser respeitadas as seguintes condições:

a)      A Sernam apenas poderá desenvolver a sua atividade de expedição de encomendas por via ferroviária (segundo o conceito do ‘train bloc express’, ‘TBE’) […]

b)      Em contrapartida, durante os dois próximos anos, a contar da data de notificação da presente decisão, a Sernam deverá substituir integralmente os seus meios próprios e serviços de transporte rodoviário por meios e serviços de transporte rodoviário de uma ou várias empresas, jurídica e economicamente independentes da SNCF e selecionadas por um processo aberto, transparente e não discriminatório […]

2.      Caso a Sernam venda em bloco os seus ativos até [30 de junho de 2005], ao preço de mercado, a uma sociedade sem vínculo jurídico com a SNCF, por meio de um processo transparente e aberto, as condições definidas no n.° 1 não são aplicáveis.»

116    O considerando 217 da decisão Sernam 2 tem a seguinte redação:

«A Comissão lembra também que as condições da decisão (cessão da atividade rodoviária da Sernam a outras empresas e recentragem das atividades da Sernam no transporte ferroviário) são aplicáveis mesmo em caso de alienação da totalidade da Sernam (ativo e passivo) conforme preveem as autoridades francesas. Em contrapartida, caso a Sernam venda os seus ativos em bloco, a Comissão lembra que as duas condições supramencionadas, relativas à restruturação da empresa, não se aplicarão, uma vez que a Sernam deixará de exercer atividades sob a sua forma jurídica atual e terá libertado as suas quotas de mercado em proveito do adquirente independente (que poderá de facto prosseguir as suas atividades com os ativos da Sernam).»

117    Resulta desta redação que a decisão Sernam 2 opõe claramente a «venda da totalidade da Sernam (ativos e passivos)» à «venda dos ativos em bloco» da Sernam.

118    Por conseguinte, a Comissão considerou acertadamente que a venda dos ativos em bloco, na aceção do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, à luz do considerando 217 da mesma decisão, devia ter como objeto unicamente os ativos e excluir os passivos.

119    Interpretar de forma contrária esta disposição equivaleria a negar a diferença existente entre as duas condições alternativas previstas no artigo 3.°, n.os 1 e 2, da decisão Sernam 2 (e os dois cenários de venda admitidos no considerando 217 dessa decisão). Com efeito, há que referir que, no caso de a venda dos ativos em bloco vir a ser interpretada no sentido de incluir igualmente os passivos, seria ilógico e incoerente ligar condições diferentes ao n.° 1 e ao n.° 2 do artigo 3.° da decisão Sernam 2.

120    Segundo, a recorrente alega que, se fosse necessário opor uma operação à venda de ativos em bloco, seria a venda dos ativos separadamente e não a venda da «totalidade» da Sernam (ativos e passivos), como afirmou a própria Comissão nos processos que deram origem aos acórdãos SMI, n.° 52, supra (EU:C:2004:238, n.os 68 e 70), e CDA, n.° 52, supra (EU:T:2005:364, n.° 73).

121    Há que rejeitar este argumento na medida em que a prática decisória da Comissão noutros processos não pode afetar a validade de uma decisão impugnada, que só pode ser apreciada à luz das regras objetivas do Tratado (acórdão de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C., C‑138/09, Colet., EU:C:2010:291, n.° 21).

122    No presente caso, trata‑se de interpretar a decisão Sernam 2 à luz dos seus próprios fundamentos e não da posição da Comissão noutros processos. Ora, não se pode deixar de observar que a oposição entre venda dos ativos em bloco e venda dos ativos separadamente não surge na decisão Sernam 2.

123    Terceiro, a recorrente alega que, se fosse essa a sua vontade, a Comissão deveria ter precisado expressamente na decisão Sernam 2 que a venda dos ativos em bloco excluía os passivos e, a esse respeito, baseou‑se, na audiência, nas decisões posteriores tomadas no processo dito dos «estaleiros polacos», que eram mais detalhadas quanto às condições impostas — baseou‑se, nomeadamente, nos considerandos 349, 350 e 354 da Decisão da Comissão de 6 de novembro de 2008, relativa ao Auxílio Estatal C 19/05 (ex N 203/05) concedido pela Polónia à Stocznia Szczecińska [a favor do estaleiro naval de Szczecin] (JO 2010, L 5, p. 1), e nos considerandos 401 a 410 da Decisão da Comissão de 6 de novembro de 2008, sobre o auxílio estatal C 17/05 (ex N 194/05 e PL 34/04) concedido pela Polónia à Stocznia Gdynia [ao estaleiro naval de Gdynia] (JO 2010, L 33, p. 1).

124    Ora, para além de a decisão Sernam 2 ser definitiva e não poder ser posta em causa no presente recurso, resulta do seu considerando 217 que a decisão Sernam 2, ao opor as condições ligadas à venda da totalidade da Sernam (ativos e passivos) às condições ligadas à venda dos ativos da Sernam em bloco, era suficientemente clara quanto ao facto de a venda dos ativos em bloco excluir os passivos. De qualquer modo, uma vez que a Comissão tinha de proceder a uma análise individualizada das circunstâncias específicas de cada processo, não está vinculada por outras decisões, ainda menos por decisões posteriores.

125    Portanto, improcede o primeiro argumento.

–       Quanto ao segundo argumento, relativo ao facto de terem sido os condicionalismos do direito nacional que obrigaram a recorrente a juntar certos passivos aos ativos da Sernam (com exceção dos passivos financeiros)

126    A recorrente alega que foi obrigada a juntar os passivos de exploração aos ativos da Sernam unicamente com o objetivo de não ser exercido o direito de oposição dos credores previsto na lei francesa. Alega que o direito francês permite que os credores se oponham às operações de entrada ou de cessão e obtenham o reembolso imediato dos seus créditos ou a constituição de garantias. Além disso, no caso de abertura de um processo de recuperação de empresas posterior, os credores podiam pôr em causa os atos de empobrecimento do património do devedor levados a cabo 18 meses antes da abertura do processo de recuperação de empresas. Assim, segundo a recorrente, se só os ativos da Sernam tivessem sido vendidos, os credores da Sernam ficariam credores de uma sociedade desprovida de qualquer ativo e muito onerada com dívidas, o que os teria privado de qualquer perspetiva de reembolso e, por conseguinte, muito provavelmente ter‑se‑iam oposto à cessão unicamente dos ativos em bloco da Sernam, ou, se tivessem aceitado essa cessão unicamente dos ativos, tê‑la‑iam certamente posto em causa no âmbito da subsequente liquidação que teria ocorrido. Daí resultou, segundo a recorrente, a necessidade de juntar os passivos de exploração a fim de permitir a realização da cessão dos ativos da Sernam.

127    A esse respeito, para além de a recorrente não demonstrar que a venda unicamente dos ativos tivesse privado os credores de qualquer possibilidade de reembolso, na medida em que essa venda em princípio geraria rendimentos para a Sernam, refira‑se que esse tipo de argumento, assente nas especificidades do direito nacional, se baseia na premissa errada de que a Comissão impôs o respeito das condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 apesar de existir uma possibilidade de escolha entre os dois números do artigo 3.° da mesma decisão.

128    Como salienta a Comissão na contestação, se a recorrente e o Estado‑Membro tinham dificuldades na execução do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, devido a obstáculos práticos ou resultantes do direito nacional, tinham várias opções, a saber, aplicar as condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2, comunicar à Comissão essas dificuldades e discutir uma eventual alteração dessa condição de acordo com as orientações relativas à emergência e à reestruturação, ou ainda proceder à recuperação dos auxílios ilegais incompatíveis, se necessário liquidando a Sernam.

129    Por conseguinte, no presente caso, a recorrente não pode invocar condicionalismos existentes no direito nacional para justificar o desrespeito da condição que tinha escolhido.

130    Portanto, improcede o segundo argumento.

–       Quanto ao terceiro argumento, relativo ao facto de a transmissão não ter como objeto, na realidade, a «totalidade» (ativos e passivos) da Sernam

131    Em primeiro lugar, a recorrente alega que, contrariamente à afirmação da Comissão, no considerando 116 da decisão recorrida, a transmissão não tinha por objeto a «totalidade» (ativos e passivos) da Sernam, na medida em que os passivos financeiros e o montante da obrigação de reembolso do auxílio de 41 milhões de euros declarado incompatível pela decisão Sernam 2 não tinham sido cedidos à Financière Sernam. Em segundo lugar, faz parte das passagens contraditórias da decisão recorrida quanto à delimitação exata do objeto da cessão, tais como a «totalidade (ativos e passivos)» no ponto 3.2.3.2 e no considerando 113 dessa decisão, a «totalidade dos ativos e passivos da Sernam [...] com as seguintes exceções» no considerando 114 da mesma decisão, o «essencial dos ativos e passivos» no considerando 115 da decisão recorrida ou ainda a «totalidade (ativos e passivos) da Sernam [...], com algumas exceções» no considerando 116 da decisão recorrida.

132    A Comissão indicou, nos considerandos 114 e 115 da decisão recorrida, o seguinte:

«[A] Financière Sernam, ao adquirir a Sernam Xpress, adquiriu a totalidade dos ativos e passivos da Sernam [...] com as seguintes exceções: por um lado, os ativos foram acrescidos das injeções de 57 milhões de [euros] a favor da [Sernam] e 2 milhões de [euros] a favor da Sernam Xpress [...] e, por outro, os passivos foram reduzidos no montante do empréstimo participativo contraído pela empresa [Sernam] junto do grupo SNCF, [do] passivo relativo à rescisão do contrato ‘IBM — GPS’, e no montante da obrigação de reembolsar o auxílio incompatível de 41 milhões de [euros].

Ora, estes ajustamentos à margem não podem ocultar o facto de o essencial dos ativos e passivos da [Sernam] terem sido efetivamente transferidos, em primeiro lugar, à Sernam Xpress e, seguidamente, para a Financière Sernam.»

133    A Comissão concluiu daí, no considerando 116 da decisão recorrida, que «[a] transferência das atividades não constitu[ía], por conseguinte, uma venda dos ativos, mas sim uma transferência da totalidade (ativos e passivos) da [Sernam], com algumas exceções», e que, «[p]or conseguinte e também por [essa] razão, as condições previstas no artigo 3.°, n.° 2, da Decisão Sernam 2 não [tinham sido] respeitadas».

134    Primeiro, há que referir que a recorrente não contesta que, no âmbito da entrada, juntou a todos os ativos da Sernam quase todos os seus passivos, com exceção de certos passivos financeiros (que representavam um montante total de 38,5 milhões de euros) e da obrigação de reembolso dos 41 milhões de euros de auxílio de Estado declarado ilegal e incompatível pela decisão Sernam 2.

135    Isto resulta igualmente do conjunto dos autos. Com efeito, o protocolo de acordo de 21 de julho de 2005 previa que a Sernam entraria para a Sernam Xpress com «todos os elementos do ativo e do passivo da Sernam com exclusão [dos passivos financeiros]». Resulta igualmente do acordo de entrada parcial de ativos de 14 de setembro de 2005 que foram juntos nomeadamente (no que respeita aos passivos mais significativos) um valor de aquisição negativo («badwill») consequente (valor negativo do fundo de comércio), das provisões para perdas intercalares, das dívidas de exploração, das dívidas diversas e das dívidas ligadas a participações. O parecer conforme 2005‑AC 2, de 22 de julho de 2005, da Comissão das Participações e das Transferências relativo à transferência dos ativos da Sernam pela recorrente para o setor privado refere igualmente o facto de a recorrente ter decidido proceder à «cessão em bloco dos ativos e passivos de exploração da sociedade». Além disso, o relatório do banco X expõe claramente que, «[na] prática, a [s]ociedade [c]edida agrupará a totalidade dos ativos e passivos de exploração da [Sernam] (incluindo todas as filiais e a marca), com exclusão dos passivos financeiros».

136    Segundo, contrariamente ao que alega a recorrente, a exclusão da entrada dos passivos financeiros e da obrigação de reembolso dos 41 milhões de euros de auxílio ilegal e incompatível não é suscetível de pôr em causa a conclusão de que o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não foi respeitado, na medida em que resulta do n.° 118, supra, que só o facto de não se ter limitado a vender unicamente os ativos da Sernam e de ter juntado a maior parte dos passivos bastava para demonstrar uma violação dessa disposição. A esse respeito, refira‑se que algumas variações de redação da decisão recorrida, salientadas pela recorrente, nos considerandos 114, 115 ou 116 dessa decisão, continuam a ser coerentes e não afetam a validade da decisão recorrida.

137    A Comissão não cometeu, portanto, qualquer erro de direito ou de facto quanto ao objeto da transação ao afirmar, no considerando 116 da decisão recorrida, que a transmissão das atividades não constituía uma venda dos ativos, mas sim uma transmissão da totalidade (ativos e passivos) da Sernam, com algumas exceções.

138    Por conseguinte, o terceiro argumento deve ser julgado improcedente.

139    Resulta do exposto que improcede a primeira alegação da recorrente.

 Quanto à segunda alegação, relativa ao facto de a Comissão ter considerado erradamente, nos considerandos 108 a 112 e 124 da decisão recorrida, que a transmissão consistia numa transferência em bloco dos ativos e passivos no interior de um grupo, seguida de uma venda das ações («share deal») da filial que os recebeu

140    Com os seus muitos argumentos, apresentados igualmente no âmbito da segunda parte (v. n.° 95, supra), a recorrente pretende demonstrar, em substância, que a dissociação feita pela Comissão da venda dos ativos da Sernam em bloco em duas etapas (a entrada de Sernam na Sernam Xpress, seguida de uma cessão dos títulos da Sernam Xpress à Financière Sernam) era artificial e não correspondia à realidade da transação única, totalmente simultânea e indissociável, realizada em «momentos imediatos», e que prosseguia um único e mesmo objetivo, a saber, a transferência em bloco da propriedade dos ativos da Sernam à Financière Sernam. Salienta, a esse respeito, que uma entrada parcial de ativos seguida de uma cessão dos títulos da sociedade que os recebeu é qualificada de «venda» no direito francês.

141    Refira‑se que esses argumentos são irrelevantes na medida em que resulta da análise da primeira alegação que, mesmo que se considere a operação realizada, como deseja a recorrente, uma única operação de venda, o «resultado» final dessas duas etapas não corresponde, de qualquer forma, a uma venda apenas dos ativos e que o objeto da venda não foi respeitado, como acertadamente refere a Comissão nos considerandos 103 e 113 a 116 da decisão recorrida.

142    De qualquer forma, refira‑se que a Comissão não cometeu qualquer erro na sua análise, ao considerar que essas duas operações não respeitavam as condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, sejam elas analisadas de forma isolada, como nos considerandos 108 a 112 da decisão recorrida, ou globalmente, como nos considerandos 113 a 116 da decisão recorrida.

143    O que importa é analisar se o efeito das diferentes operações de transmissão era o esperado, a saber, a transmissão efetiva, até 30 de junho de 2005, dos ativos da Sernam em bloco ao preço do mercado a uma sociedade sem vínculos jurídicos com a recorrente através de um processo transparente e aberto. Ora, da leitura da decisão recorrida, verifica‑se que a Comissão apreciou corretamente as etapas da venda à luz dos seus efeitos, tanto individuais como conjugados.

144    Com efeito, resulta da análise da primeira alegação que a Comissão entendeu acertadamente, nos considerandos 109 e 110 da decisão recorrida, que a operação dita «“de entrada parcial de ativos” (na realidade de ativos e passivos) […] não pode ser qualificada como ‘venda de ativos a um terceiro’», nomeadamente por incluir «não só os ativos, mas também todo o passivo, com exceção de determinadas dívidas da [Sernam] para com a sua empresa‑mãe, a [recorrente, e que se tratava], por conseguinte, de uma transferência da totalidade (ativos e passivos) da [Sernam], e não de uma venda dos ativos», e que, «[uma vez que] a transferência ocorreu para uma filial detida a 100%, [...] a Sernam Xpress, [...] tal transferência não foi feita para uma empresa terceira e independente da [recorrente]».

145    A Comissão teve igualmente razão ao entender, nos considerandos 108 e 111 da decisão recorrida, que as ações da Sernam Xpress tinham sido vendidas à Financière Sernam, o que constituía um «share deal» ou venda de ações.

146    Com efeito, tratava‑se de uma venda de ações, ou mais especificamente de participações sociais de uma sociedade fantasma, a Sernam Xpress, na qual tinham entrado previamente todos os ativos da Sernam e os seus passivos de exploração, ou seja, a quase totalidade da Sernam.

147    Por conseguinte, a Comissão não cometeu qualquer erro no considerando 111 da decisão recorrida, ao entender que essa venda de ações também não constituía uma venda dos ativos a um terceiro.

148    Assim, a Comissão não cometeu nenhum erro de facto ou de direito e, acertadamente, analisou na decisão recorrida os efeitos económicos do conjunto da operação e das suas partes constitutivas, para verificar se as condições de compatibilidade decretadas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 tinham sido respeitadas.

149    Em face do exposto, a segunda alegação deve igualmente ser julgada improcedente.

150    Por conseguinte, há que julgar improcedente a terceira parte do quarto fundamento.

 Quanto à quarta parte, relativa a um erro de direito cometido pela Comissão ao entender, no considerando 117 da decisão recorrida, que a transmissão não era limitada aos ativos da Sernam, mas tinha sido aumentada em 57 milhões de euros líquidos

151    A recorrente critica a Comissão por ter entendido, no considerando 117 da decisão recorrida, que a quantia de 57 milhões de euros líquidos tinha sido junta aos ativos da Sernam. Primeiro, alega que a Comissão faz uma confusão entre o objeto da venda (os ativos) e o preço pago por eles e que esse preço negativo de 57 milhões de euros líquidos era um preço de mercado resultante de um processo de concurso aberto, transparente, incondicional e não discriminatório, confirmado por várias peritagens independentes. Segundo, alega que, sabendo perfeitamente que a Sernam era deficitária, a Comissão deveria ter especificado na sua decisão Sernam 2 que proibia uma cessão a preço negativo.

152    No considerando 117 da decisão recorrida, a Comissão entendeu, em substância, que, através das recapitalizações da Sernam e da Sernam Xpress, tinha sido junta aos ativos da Sernam uma quantia líquida de 57 milhões de euros e que essa junção aos ativos não era autorizada pelo artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2.

153    Primeiro, basta observar que a Comissão não faz nenhuma confusão entre o objeto da venda e o preço de venda. Com efeito, a quantia de 57 milhões de euros líquidos, através das recapitalizações sucessivas da Sernam e, posteriormente, da Sernam Xpress, veio somar‑se aos ativos da Sernam e, posteriormente, da Sernam Xpress.

154    Segundo, resulta da análise da terceira parte que a recorrente não tem razão ao entender que a Comissão deveria ter precisado que não pretendia um preço negativo, uma vez que a situação deficitária da Sernam, na medida em que o preço negativo resulta do facto de a obrigação de só vender os ativos da Sernam, sem os passivos, não foi respeitada.

155    Com efeito, a recorrente, em resposta a uma questão do Tribunal na audiência, admitiu que, quando um ativo é cedido individualmente, tem, por definição, um valor que pode ser positivo ou nulo, mas que não pode ser negativo.

156    A esse respeito, a Comissão salienta que, no termo da primeira ronda do concurso, tinha sido pedido aos candidatos uma avaliação dos ativos da Sernam «cash free, debt free», isto é, sem ter em conta a tesouraria e as dívidas, que tinha levado a propostas de preços, todas elas positivas.

157    Isto não é contestado pela recorrente, que responde, porém, que essas propostas preliminares, não vinculativas, mais não eram do que o reflexo de uma simples técnica de avaliação e que isso em nada significava que a atividade fosse cedida sem dívida e sem tesouraria, mas simplesmente que era pedido aos candidatos que apresentassem a sua apreciação do valor da empresa, independentemente dos níveis de endividamento e de tesouraria da sociedade a adquirir, a fim de permitir uma comparação objetiva das propostas entregues.

158    Por conseguinte, como salienta a Comissão, essas avaliações «cash free, debt free» (sem ter em conta a tesouraria e as dívidas) positivas demonstram que, se a recorrente se tivesse limitado a vender os ativos sem os passivos, o seu preço de venda teria sido positivo ou nulo, mas não negativo.

159    Portanto, improcede a quarta parte do quarto fundamento.

 Quanto à quinta parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 118 e 119 da decisão recorrida, que a venda dos ativos da Sernam em bloco não tinha decorrido por meio de um processo transparente e aberto

160    A recorrente, apoiada pela República Francesa, alega que a Comissão cometeu erros nos considerandos 118 e 119 da decisão recorrida. A recorrente, apoiada pela República Francesa, apresenta, em substância, quatro alegações e a República Francesa uma.

161    Antes de tratar dessas alegações, há que recordar que os considerandos 118 e 119 da decisão recorrida têm a seguinte redação:

«As autoridades francesas organizaram, numa primeira fase, um processo transparente e aberto. No entanto, no final desse procedimento, a [recorrente] não tinha recebido qualquer proposta firme.

Na sequência do fracasso do processo transparente e aberto, o contrato relativo às diferentes operações de transferência das atividades da [Sernam] foi celebrado com a […] Financière Sernam. Dado que esta última não tinha participado, enquanto tal e de forma autónoma, no processo transparente e aberto, a transferência das atividades acabou por não se verificar por meio de um processo transparente e aberto.»

 Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de a equipa de direção ter participado no concurso desde a sua origem

162    A recorrente e a República Francesa alegam, em substância, que a proposta da equipa de direção da Sernam constituía o resultado de um processo transparente e aberto, na medida em que a equipa de direção participou no processo de concurso desde a sua origem no interior do consórcio formado com o candidato n.° 5 e apresentou uma única proposta que era inicialmente comum com o candidato n.° 5, depois de o seu parceiro ter comunicado, em 15 de junho de 2005, a sua incapacidade de apresentar uma oferta firme no prazo previsto.

163    Primeiro, há que observar que foi o consórcio formado pelo candidato n.° 5 e pela equipa de direção quem participou inicialmente no concurso e apresentou uma proposta preliminar, e não os seus membros individualmente.

164    Com efeito, há que salientar que tinha sido o conteúdo do projeto apresentado pelo consórcio liderado pelo candidato n.° 5, na globalidade, a ser inicialmente selecionado face ao do candidato n.° 4, no final da segunda volta do concurso. As autoridades francesas deixaram isso bem claro na sua resposta de 6 de janeiro de 2012 às questões da Comissão:

«[Q]uanto à proposta [do candidato n.° 5], assentava em vários grandes princípios, a saber nomeadamente a assunção pela [recorrente] das necessidades de tesouraria da Sernam, estimadas pelo [candidato n.° 5], [num montante significativo], a inexistência de retoma das dívidas financeiras da Sernam ([…] de euros, que, adicionadas à assunção [do montante significativo] de necessidade de tesouraria, levava a um preço negativo de ‑56,4 milhões de euros) e uma parceria de capital com a equipa de direção da Sernam.

As perspetivas de pedido de recapitalização prévia por parte [do candidato n.° 5] eram inferiores às previsíveis numa negociação com [o candidato n.° 4]. [Com efeito, o candidato n.° 4] tinha feito referência de forma implícita à necessidade de uma recapitalização prévia da Sernam pela [recorrente] [num montante mais significativo do que o do candidato n.° 5,] o que, adicionado à assunção das dívidas financeiras, levava a um preço negativo de ‑65,2 milhões de euros.

Em consequência, a [recorrente] tomou a decisão de prosseguir as discussões unicamente com [o candidato n.° 5] e a gestão da Sernam.»

165    Segundo, há que observar que a oferta firme da equipa de direção estava muito distante da oferta de segunda volta feita pelo consórcio liderado pelo candidato n.° 5 e muito mais desfavorável ao vendedor.

166    Resulta da resposta das autoridades francesas acima referida no n.° 164 e das cartas de 29 de março e 7 de abril de 2005 do consórcio (retomando a de 7 de abril os principais termos da sua proposta de 29 de março incorporando as alterações discutidas desde a sua entrega) que a proposta de segunda volta do consórcio estimava num montante significativo, nessa fase, as necessidades de recapitalização pela recorrente, ao passo que a equipa de direção veio a estimá‑las num montante muito superior, isto é, 59 milhões de euros (ou 57 milhões de euros líquidos) na sua proposta final. Como salientou a Comissão na audiência, são esse montante significativo estimado na proposta de segunda volta do consórcio liderado pelo candidato n.° 5 e o montante muito superior de 57 milhões de euros contido na oferta firme da equipa de direção que há que comparar, pois ambos os montantes correspondem às necessidades previsíveis de recapitalização do objetivo pela recorrente. A essas necessidades de tesouraria vinha ainda juntar‑se a remissão de créditos, estimados em montantes relativamente semelhantes na oferta de segunda volta do consórcio e na oferta firme da equipa de direção.

167    Por conseguinte, a oferta negativa de segunda volta do consórcio era no máximo, em abril de 2005 (sem sequer ter em conta a significativa injeção de capital que o candidato n.° 5 se propunha fazer por meio de uma subscrição de um aumento de capital), de cerca de ‑56,4 milhões de euros (proposta «tudo incluído», isto é, a recapitalização e a remissão de créditos pela recorrente), ao passo que a da equipa de direção era de cerca de ‑95,5 milhões de euros, com perímetro idêntico (isto é, os 57 milhões de euros líquidos de recapitalização a que se juntariam os 38,5 milhões de euros de remissão de créditos pela recorrente).

168    Resulta do exposto que decidiu bem a Comissão ao não considerar equivalentes em termos de credibilidade e de solidez a proposta de um investidor financeiro, o candidato n.° 5, que, além disso, propunha injetar um montante significativo no capital da Sernam, e a de 84 quadros e dirigentes que financiavam um pequeno montante, isto é, os 2 milhões de euros do preço, com base nos seus recursos pessoais.

169    Terceiro, a recorrente e a República Francesa salientam que o caráter transparente e aberto de um processo não cessa uma vez selecionado o melhor candidato e, por definição, rejeitados os outros e que as discussões prosseguem com a «última parte interessada».

170    Por um lado, a «última pessoa interessada» do processo de concurso transparente e aberto era o candidato n.° 4. Com efeito, resulta do n.° 164, supra, que a oferta firme da equipa de direção, isto é, a de ‑95,5 milhões de euros, era igualmente menos interessante para o vendedor do que a oferta preliminar de segunda volta do candidato n.° 4, isto é, um preço negativo de ‑65,2 milhões de euros, de perímetro idêntico (isto é, com recapitalização e remissão de créditos pela recorrente). Ora, como salienta a Comissão nos articulados, após a retirada do candidato n.° 5, teria sido necessário tratar com o candidato n.° 4, que fazia parte do processo desde o início e tinha igualmente manifestado o seu interesse no resultado da segunda volta.

171    Por outro lado, a oferta da equipa de direção não pode ser considerada a da «última parte interessada», na medida em que não participou de forma autónoma no processo transparente e aberto.

172    Quarto, a recorrente alega que é irrelevante comparar a oferta firme da equipa de direção com a oferta não vinculativa do consórcio de que fazia parte, pois só a oferta firme é válida, mesmo que não seja a melhor.

173    Este argumento deve ser rejeitado, na medida em que a questão que aqui se coloca é a de saber se a oferta firme da equipa de direção era resultado do processo de concurso, o que implica necessariamente que se analisem as propostas não vinculativas apresentadas no processo de concurso.

174    Assim, o argumento que pretende demonstrar que a equipa de direção participou desde o início no concurso deve ser rejeitado, na medida em que esta não participou de forma autónoma nem apresentou sozinha a proposta que tinha apresentado inicialmente com o candidato n.° 5. A sua proposta não pode, portanto, ser considerada resultante de um processo transparente e aberto.

175    Por conseguinte, improcede a primeira alegação.

 Quanto à segunda alegação, relativa à validade da proposta da Financière Sernam, mesmo apesar de esta não ter sido ainda constituída no momento da apresentação da proposta da equipa de direção

176    A recorrente precisa, por um lado, que a constituição de uma sociedade depois da aceitação da proposta corresponde a uma prática usual em matéria de concursos e, por outro, que as pessoas singulares que constituíam a equipa de direção tinham, por seu turno, existência jurídica própria, suficiente para apresentar uma proposta.

177    Refira‑se que estes argumentos são irrelevantes, na medida em que não resulta da decisão recorrida que a Comissão tivesse criticado a Financière Sernam por falta de personalidade jurídica no processo de concurso, mas sim o facto de a proposta da equipa de direção, e, portanto, da Financière Sernam, não resultar de um processo de concurso transparente e aberto.

178    Por conseguinte, improcede a segunda alegação.

 Quanto à terceira alegação, relativa ao facto de todos os candidatos terem tido a oportunidade de apresentar propostas, terem sido tratados igualmente e terem tido idênticas possibilidades de informação e condições de prazo

179    A recorrente, apoiada pela República Francesa, alega que resulta da prática decisória da Comissão e da jurisprudência que o caráter aberto e transparente de um concurso pressupõe que todas as partes que possam estar interessadas tenham a oportunidade de apresentar propostas e tenham disposto, para tanto, de idênticas possibilidades de informação e condições de prazo, o que não terá sido o caso.

180    Este argumento, baseado na igualdade de tratamento dos participantes, deve ser rejeitado, na medida em que a proposta da equipa de direção não fazia parte desse processo de concurso.

181    Por conseguinte, improcede a terceira alegação.

 Quanto à quarta alegação, relativa à jurisprudência segundo a qual o facto de uma venda de ativos, como no presente caso, ter sido precedida de tentativas infrutíferas com outra sociedade constitui um «indíci[o] susceptíve[l] de provar que o processo seguido era suficientemente aberto e transparente»

182    A recorrente alega que, nos acórdãos SMI, n.° 52, supra (EU:C:2004:238), e CDA, n.° 52, supra (EU:T:2005:364), o facto de uma venda de ativos ter sido precedida de tentativas infrutíferas com outra sociedade constituía um «indíci[o] susceptíve[l] de provar que o processo seguido era suficientemente aberto e transparente» (acórdãos SMI, n.° 52, supra, EU:C:2004:238, n.° 95, e CDA, n.° 52, supra, EU:T:2005:364, n.° 110). Entende ser isso igualmente o que acontece no presente caso, uma vez que a venda à equipa de direção foi precedida de tentativas infrutíferas com o consórcio formado com o candidato n.° 5.

183    Refira‑se que, embora, em certos casos, essas circunstâncias possam constituir um indício de que o processo seguido era suficientemente aberto e transparente, isso não constitui uma prova concludente. No caso, a Comissão não podia limitar‑se à eventual existência de um tal indício para verificar se estava preenchida a condição de um processo transparente e aberto expressamente imposta pelo artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2. Ora, resulta da análise da primeira alegação, nos n.os 162 a 175, supra, que essa condição não estava preenchida.

184    Por conseguinte, improcede a quarta alegação.

 Quanto à alegação da República Francesa, relativa ao facto de o preço negativo de 57 milhões de euros ter siso validado como preço de mercado pelas peritagens apresentadas

185    A República Francesa alega que o preço negativo de 57 milhões de euros foi confirmado pelas peritagens apresentadas, cujo valor a jurisprudência reconhece para determinar se uma venda foi efetuada em condições normais de mercado.

186    Há que considerar irrelevante esta alegação, na medida em que o que aqui está em causa é verificar o respeito do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, quando exige um processo transparente e aberto, e não uma verificação do preço por peritagem.

187    Em face do exposto, improcede a quinta parte do quarto fundamento.

 Quanto à sexta parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 121 a 123 da decisão recorrida, que a finalidade da venda dos ativos não tinha sido respeitada 

188    A recorrente apresenta, em substância, duas alegações. Com a primeira alegação, a recorrente afirma que a finalidade do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 foi respeitada, pois a atividade da Sernam foi interrompida. Com a segunda alegação, considera que o conceito de venda dos ativos em bloco permitia na realidade uma prossecução da atividade.

 Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de a finalidade da venda dos ativos em bloco ter sido respeitada, visto ter sido interrompida a atividade económica da Sernam

189    Resulta dos considerandos 121 e 122 da decisão recorrida que a Comissão considerou que a finalidade de uma venda dos ativos, conforme prevista no considerando 217 da decisão Sernam 2, era liberar as quotas de mercado e os ativos da Sernam e permitir a um terceiro utilizar esses ativos, e que, por conseguinte, a venda dos ativos visava interromper a atividade económica da Sernam. No considerando 123 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que, no presente caso, a Sernam tinha sido integralmente adquirida pelos seus quadros, reagrupada na futura Financière Sernam, e que a continuidade económica era total. Entendeu ainda que a empresa fora libertada de uma parte importante da sua dívida e recebera capitais frescos num montante de 59 milhões de euros, 57 milhões dos quais se mantinham economicamente a cargo da recorrente. A Comissão concluiu daí que, para além de a operação levada a cabo não respeitar as condições previstas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, também não permitia atingir os objetivos prosseguidos por essa decisão e conduzia, pelo contrário, a entidade económica a um reforço suscetível de agravar as distorções de concorrência que as medidas impostas pela decisão Sernam 2 precisamente pretendiam atenuar.

190    Antes de analisar adiante, nos n.os 196 a 211, os diversos argumentos da recorrente, o Tribunal considera que se deve apreciar a finalidade do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, lido à luz dos seus fundamentos.

191    Resulta nomeadamente dos considerandos 200 e 208 a 211 da decisão Sernam 2, que se inserem numa parte intitulada «Prevenção de distorções da concorrência — contrapartidas específicas», que a Comissão considerou primeiro que deviam ser tomadas medidas para atenuar, tanto quanto possível, as consequências desfavoráveis, para os concorrentes, do auxílio de 503 milhões de euros concedido à Sernam, que a limitação ou a redução forçada da presença da empresa nos mercados considerados em que operava representava uma contrapartida para os concorrentes e que as contrapartidas poderiam assumir formas diferentes consoante a empresa operasse ou não num mercado com excesso de capacidade. Além disso, tendo em conta a aplicação abusiva do auxílio verificada na mesma decisão e o aumento da duração do plano de reestruturação, a Comissão entendeu que a Sernam devia oferecer uma contrapartida específica, retirando‑se dos segmentos de mercado com excesso de capacidade, no caso, o segmento da grupagem e do serviço de entregas clássico por via rodoviária, a fim de que a aprovação de parte do auxílio em questão se pudesse justificar. A Comissão salientou que a concessão de auxílios de Estado em mercados em situação de excesso de capacidade estrutural ou mesmo em declínio teria a imediata consequência de permitir a uma empresa que devesse ter cessado as suas atividades na sequência dessas dificuldades declaradas ocupar artificialmente quotas de mercados extremamente disputadas em detrimento de empresas concorrentes com uma situação financeira sólida.

192    Estes fundamentos justificam as condições impostas no artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2, a saber, a aquisição das atividades rodoviárias da Sernam por outras empresas e a diversificação das atividades da Sernam para o transporte ferroviário de mercadorias, cujo objetivo era eliminar a presença da Sernam no mercado com excesso de capacidade a fim de evitar qualquer distorção de concorrência ligada à concessão do auxílio à reestruturação de 503 milhões de euros.

193    Resulta do considerando 217 da decisão Sernam 2, que se insere na mesma parte da prevenção das distorções de concorrência que os considerandos 200 e 208 a 211 acima referidos, que, se a Sernam viesse a vender os seus ativos «em bloco», as duas condições acima referidas, relativas à reestruturação da companhia, «não se aplicar[iam], uma vez que a Sernam deixar[ia] de exercer atividades sob a sua forma jurídica atual e ter[ia] libertado as suas quotas de mercado em proveito do adquirente independente (que poder[ia] de facto prosseguir as suas atividades com os ativos da Sernam)».

194    Como recordou na audiência a Comissão, os dois números do artigo 3.° da decisão Sernam 2, que são expressamente alternativos, condicionavam o auxílio à reestruturação de 503 milhões de euros e tinham o mesmo objetivo de prevenção das distorções de concorrência causadas por esse auxílio. O facto de, no caso de venda dos ativos em bloco, já não ser necessário impor a retirada do setor rodoviário com excesso de capacidade só se pode explicar pelo facto de que, no caso de venda dos ativos da Sernam em bloco, a preço de mercado, a uma sociedade sem vínculos jurídicos com a recorrente, por meio de um processo transparente e aberto, a Sernam desapareceria economicamente do mercado e, com ela, a distorção de concorrência ligada à concessão do auxílio à reestruturação da Sernam. Por conseguinte, há que considerar que a «liberta[ção d]as suas quotas de mercado em proveito do adquirente independente» referida no considerando 217 da decisão Sernam 2 punha fim à distorção de concorrência, isto é, à atividade subvencionada da Sernam.

195    Resulta do exposto que foi com razão que a Comissão considerou, no n.° 122 da decisão recorrida, que a finalidade da venda dos ativos da Sernam em bloco se destinava a interromper a atividade económica da Sernam.

196    Em primeiro lugar, a recorrente, apoiada pela República Francesa, alega que a atividade da Sernam foi interrompida, uma vez que os seus ativos foram cedidos em conjunto ao mesmo adquirente, no mesmo momento, e que a Sernam não foi adquirida na íntegra, como demonstrou no âmbito da terceira parte.

197    Contudo, resulta da análise da terceira parte do quarto fundamento (v. n.os 134 a 137, supra) que a recorrente não se limitou a transferir todos os seus ativos em conjunto a um mesmo adquirente, antes cedeu igualmente a quase totalidade dos seus passivos, violando o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2. O argumento de que não cedeu exatamente a totalidade da Sernam já foi acima rejeitado nos n.os 136 a 137.

198    Em segundo lugar, a recorrente alega que a Sernam deixou de operar sob a sua forma jurídica anterior à cessão, uma vez que era a Financière Sernam quem prosseguia as atividades da Sernam com os ativos cedidos.

199    Resulta, porém, da finalidade da venda dos ativos em bloco imposta pela decisão Sernam 2, que se destinava a fazer desaparecer economicamente uma sociedade deficitária do mercado, que só a mudança de denominação jurídica da Sernam não basta para de considerar provada a interrupção efetiva da sua atividade económica.

200    Em terceiro lugar, a recorrente salienta que não tinha nenhum vínculo jurídico com a equipa de direção, nem, portanto, com a Financière Sernam, e que, por conseguinte, a aquisição da Sernam pelos seus quadros não é um sinal de continuidade económica.

201    Na medida em que esse elemento só por acréscimo é referido, no considerando 123 da decisão recorrida, relativamente ao facto de a totalidade da Sernam ter sido adquirida, esses argumentos são irrelevantes.

202    De qualquer forma, há que salientar que, em 30 de junho de 2005, os dirigentes da Sernam que tinham apresentado a proposta não se tinham ainda demitido das suas funções de presidente‑executivo e de diretor‑geral delegado da Sernam (o artigo 4.° do protocolo de acordo de 21 de julho de 2005 precisava que se demitiriam à data da realização da operação), pelo que ainda faziam parte do grupo da recorrente.

203    Em quarto lugar, a recorrente alega que as quotas de mercado da Sernam foram libertadas a favor da Financière Sernam, que podia prosseguir a atividade com os ativos da Sernam.

204    Contudo, resulta dos autos que a finalidade da transação levada a cabo pela recorrente era ceder a Sernam na totalidade a fim de a manter em vida e a recuperar, por oposição ao objetivo de interromper a sua atividade económica e de libertar as suas quotas de mercado a favor do adquirente dos seus ativos.

205    Primeiro, refira‑se que o comunicado de concurso da recorrente de 29 de novembro de 2004 indicava que a recorrente tinha dado início ao processo de seleção de um adquirente capaz «de assegurar a perenidade das atividades do Sernam» e que a recorrente estaria particularmente atenta «à perenidade das atividades do Sernam [e] à salvaguarda dos empregos». Do mesmo modo, o relatório do banco X à Comissão das Participações e Transferências, de 21 de julho de 2005, indicava que «[a] operação projetada [era] a aquisição da sociedade», e «do grupo Sernam».

206    Segundo, o parecer conforme 2005‑AC 2, de 22 de julho de 2005, da Comissão das Participações e Transferências acima referido evidenciava que «os fundos postos à disposição da nova sociedade se [destinavam] a permitir‑lhe financiar as necessidades ligadas à sua reestruturação para permitir o regresso a uma exploração equilibrada» e que «o novo Sernam dispor[ia] unicamente dos meios que viessem a permitir à empresa, totalmente independente da [recorrente], ultrapassar os primeiros exercícios que continua[vam] a ser difíceis, para encontrar, só por si ou com o de investidores, uma situação de exploração normal».

207    Terceiro, resulta dos autos no seu conjunto, nomeadamente do relatório do banco X e da oferta firme de aquisição apresentada pela equipa de direção, que dois elementos‑chave para dimensionar a oferta de aquisição eram a necessidade de tesouraria da Sernam para financiar o seu plano de recuperação e a recapitalização necessária face às perdas estimadas no período futuro de 2005 a 2008 e que o preço negativo de 59 milhões de euros resultava de um montante extremamente significativo das necessidades de financiamento ligadas à reestruturação da Sernam e de um montante moderado de necessidades de financiamento dos custos de execução das reduções de efetivos previstas no plano de negócios que excedessem os montantes a ser pagos a esse título por força da aplicação da lei e da convenção coletiva aplicável. O relatório do banco X precisa, a esse respeito, que «a proposta da equipa de direção […] é acompanhada, no caso presente, de uma recapitalização considerada indispensável pela equipa de direção para pôr em prática o seu plano de recuperação e para lhe dar a confiança necessária à formulação da sua oferta firme de aquisição, isto é, 59 [milhões de euros]».

208    Quarto, resulta da análise da terceira e quarta partes, supra, que teve razão a Comissão ao afirmar, no considerando 123 da decisão recorrida, que, além do mais, a empresa ficava libertada de uma parte da sua dívida (com efeito as dívidas financeiras não foram juntas à entrada) e tinha recebido capital fresco no valor de 59 milhões de euros, 57 milhões dos quais continuavam a cargo da recorrente.

209    Quinto, refira‑se igualmente que a decisão Sernam 2 previa que, em caso de manutenção da Sernam no mercado, quer no interior do grupo da recorrente quer através da venda da totalidade da Sernam (ativos e passivos), eram aplicáveis as condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 1, e que, nesse caso, a Sernam deveria ter‑se retirado do mercado com excesso de capacidade do transporte rodoviário. Ora, há que observar que a recorrente não alega que as condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 1, foram aplicadas, apesar de ter vendido a quase totalidade da Sernam.

210    Resulta do exposto que não tem razão a recorrente quando alega que a atividade económica da Sernam foi interrompida, uma vez que, na realidade, foi a quase totalidade da Sernam (ativos e passivos) que foi transmitida e mantida em atividade no mercado, com uma forte necessidade de recapitalização a fim de financiar um novo plano de recuperação, e que a operação executada não permitia atingir os objetivos prosseguidos pela decisão Sernam 2, a saber, evitar as distorções de concorrência ligadas à concessão do auxílio à reestruturação aprovado pela decisão Sernam 2, antes pelo contrário levava a um agravamento dessas distorções, reforçando a entidade económica beneficiária desse auxílio, em particular nos mercados com excesso de capacidade.

211    Consequentemente, improcede a primeira alegação.

 Quanto à segunda alegação, relativa ao facto de o conceito de venda dos ativos em bloco permitir, na realidade, a prossecução da atividade da Sernam

212    A recorrente considera em substância que, se a vontade da Comissão na decisão Sernam 2 fosse desmantelar a Sernam, esta deveria ter previsto uma operação diferente da venda de ativos em bloco, que, na realidade, seria consubstancial à prossecução da atividade da Sernam, tanto do ponto de vista jurídico como económico. Por conseguinte, a Comissão deixaria de poder criticar uma certa forma de continuidade da atividade económica entre a Sernam e a Financière Sernam.

213    A título preliminar, há que recordar que, no caso de a recorrente tentar, com esta argumentação, pôr em causa a redação e a relevância do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, os seus argumentos não podem ser aceites, na medida em que a decisão Sernam 2 se tornou definitiva, visto não ter sido impugnada. Assim, não é possível conhecer da sua legalidade no presente recurso. Por conseguinte, são inadmissíveis as alegações de erro na redação da decisão Sernam 2.

214    Na medida em que esses argumentos se destinem a demonstrar que a decisão Sernam 2 autorizava a recorrente a estruturar a operação de venda dos ativos em bloco como fez, com o fundamento de a cessão de ativos em bloco ser na realidade consubstancial à prossecução da atividade, refira‑se que vêm diretamente contra os anteriores argumentos da recorrente segundo os quais a atividade económica da Sernam foi efetivamente interrompida pela operação.

215    Em primeiro lugar, a recorrente alega que resulta dos n.os 68 a 70 do acórdão SMI, n.° 52, supra (EU:C:2004:238), e do n.° 73 do acórdão CDA, n.° 52, supra (EU:T:2005:364), que, tanto do ponto de vista jurídico como económico, a cessão de ativos em bloco é, na realidade, consubstancial à prossecução da atividade, por oposição ao conceito de cessão dos ativos separadamente, a qual implicaria uma cessão total ou parcial da atividade.

216    Primeiro, há que observar que este argumento é irrelevante, pois resulta da análise da terceira parte que, na realidade, foi a totalidade da Sernam que foi cedida, e não só os ativos.

217    Segundo, os pontos invocados pela recorrente dizem respeito aos argumentos apresentados pela Comissão nos órgãos jurisdicionais da União em processos específicos, e não a uma apreciação geral dos órgãos jurisdicionais da União sobre o conceito de venda dos ativos em bloco. Ora, a decisão recorrida deve ser analisada à luz do Tratado e da decisão Sernam 2, e não à luz de argumentos desenvolvidos pela Comissão em contenciosos relativos a outros processos.

218    A esse respeito, já acima se observou no n.° 122 que não existia uma oposição entre «venda dos ativos em bloco» e «venda dos ativos separadamente» na decisão Sernam 2 e que a decisão Sernam 2 era suficientemente clara quanto ao facto de os passivos não deverem ser vendidos no caso de se optar pelo cenário de venda dos ativos em bloco. Por outro lado, de acordo com o considerando 217 da decisão Sernam 2, in fine, o adquirente dos ativos em bloco da Sernam poderia de facto prosseguir as suas próprias atividades com os ativos da Sernam. Embora isso possa dar a aparência de uma prossecução da atividade económica da empresa beneficiária dos auxílios à reestruturação declarados compatíveis pela decisão Sernam 2, refira‑se que devia tratar‑se da atividade de um agente totalmente diferente da Sernam, isto é, do adquirente, que integrasse os ativos de Sernam na sua própria estratégia comercial, sem o que as quotas de mercado da beneficiária não poderiam ser consideradas «libertadas».

219    Terceiro, resulta dos números referidos pela recorrente (acórdãos SMI, n.° 52, supra, EU:C:2004:238, n.os 68 a 70, e CDA, n.° 52, supra, EU:T:2005:364, n.° 73), relativos a questões de contorno da obrigação de recuperação de auxílios de Estado, que, embora a Comissão aí salientasse que, «[p]elo contrário, a Comissão considera que a situação [só coloca problemas especiais] quando os ativos são vendidos ‘em bloco’, de modo a permitir ao adquirente a continuação do exercício da atividade da empresa beneficiária [e que, nesse] caso, a prossecução da atividade subvencionada pode fazer perdurar a distorção da concorrência, de modo que é necessária especial vigilância para evitar que a cessão dos bens da empresa beneficiária possa dar azo a que se contorne substancialmente a obrigação de restituição pondo ‘a salvo’ os ativos vendidos», aí lembrava que, nesse caso, «essa situação de contorno apenas pode ser excluída quando, além de ocorrer ao preço de mercado, a venda ‘em bloco’ dos bens da empresa beneficiária seja efetuada no âmbito de um procedimento incondicional e aberto a todos os concorrentes desta última [e que, desse modo], só [nesse] caso é que os compradores são obrigados a reembolsar os auxílios» (acórdãos SMI, n.° 52, supra, EU:C:2004:238, n.° 70, e CDA, n.° 52, supra, EU:T:2005:364, n.° 73).

220    Ora, o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 previa precisamente um preço de mercado por meio de um processo transparente e aberto. Contudo, resulta da análise da quinta parte que essa exigência também não foi respeitada no presente caso.

221    Em segundo lugar, a recorrente considera que, se o seu objetivo fosse interromper a atividade da Sernam, a Comissão deveria ter especificado que pretendia uma cessão apenas dos ativos corpóreos, com exceção do fundo de comércio, que permite a continuidade da atividade económica.

222    Primeiro, não se pode deixar de observar que, por um lado, o considerando 217 da decisão Sernam 2 não faz nenhuma distinção entre ativos corpóreos e incorpóreos e que, por outro, a decisão recorrida não critica a recorrente por ter juntado os ativos incorpóreos, incluindo o fundo de comércio, mas sim os passivos.

223    Segundo, embora, com o argumento acima referido no n.° 221, a recorrente faça alusão à diferença de aquisição negativa ou «badwill» relativa ao valor negativo do fundo de comércio, resulta dos n.os 139 e 140 das observações das autoridades francesas quanto à decisão de abertura que esse «badwill» é definido como a diferença que pode existir entre o preço de aquisição pago em numerário ou em títulos e o valor dos ativos e passivos exigíveis adquiridos tomados individualmente. As autoridades francesas insistem no facto de o «badwill» não ter sido determinado de forma autónoma, que, na realidade, mais não é do que a consequência, transcrita em termos contabilísticos, do valor de mercado negativo de 57 milhões de euros líquidos resultante do processo de concurso e que o seu montante apareceu a posteriori face ao preço dado pelo mercado pelos «ativos» da Sernam, que, por sua vez, é determinado pela única oferta firme recebida. Ainda segundo as autoridades francesas, o «badwill» «constitui, portanto, o reflexo da antecipação, pelo adquirente, das perdas futuras e dos custos de reestruturação, o que o relatório do [banco X] de resto precisa quando indica que dois elementos‑chave para dimensionar corretamente uma oferta de aquisição são a necessidade de tesouraria da sociedade a fim de financiar o seu plano de recuperação e a recapitalização necessária face às perdas estimadas no período [entre] 2005 e 2008 (p. 47 do relatório)».

224    Por conseguinte, resulta dos autos que aquilo que a recorrente chama «fundo de comércio» não se refere a uma ativo incorpóreo, antes corresponde, na realidade, a uma tradução contabilística dos pedidos de recapitalização da equipa de direção, em grande parte devidos ao facto de ter sido cedida a totalidade da uma empresa que perdia dinheiro, com os seus passivos.

225    Em terceiro lugar, a recorrente entende que, na realidade, a Comissão quis limitar a cessão dos ativos da Sernam em bloco a adquirentes industriais, o que, no entanto, não era indicado na decisão Sernam 2.

226    Contudo, não resulta da decisão recorrida que o facto de o adquirente não ser um industrial do setor tenha sido o que levou a concluir pelo desrespeito do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, conclusão essa que decorreu principalmente do facto de ter sido a totalidade da Sernam a ser cedida sem terem sido respeitadas as condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2, nomeadamente a da retirada do setor com excesso de capacidade.

227    Por conseguinte, improcede igualmente a segunda alegação.

228    Em face do exposto, há que julgar improcedente a sexta parte do quarto fundamento.

 Conclusões quanto ao quarto fundamento

229    A recorrente entende que um único erro no raciocínio da Comissão relativo à violação do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 só pode levar à anulação da decisão recorrida.

230    Resulta da jurisprudência que, na medida em que determinados fundamentos de uma decisão possam, por si só, justificá‑la suficientemente, os vícios de que possam estar feridos outros fundamentos do ato não têm, seja como for, influência no seu dispositivo. Além disso, quando o dispositivo de uma decisão da Comissão se baseia em vários pilares de raciocínio, sendo cada um deles, por si só, suficiente para fundamentar esse dispositivo, esse ato só pode ser anulado, em princípio, se cada um desses pilares estiver ferido de ilegalidade. Neste caso, um erro ou outra ilegalidade que afete apenas um dos pilares do raciocínio não basta para justificar a anulação da decisão controvertida quando esse erro não possa ter uma influência determinante na parte decisória adotada pela instituição autora dessa decisão (v. acórdão de 20 de outubro de 2011, Eridania Sadam/Comissão, T‑579/08, EU:T:2011:608, n.os 56, 57 e jurisprudência aí referida).

231    No caso, refira‑se que, contrariamente ao que alega a recorrente, na medida em que a conclusão pelo desrespeito do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 e, por conseguinte, pela incompatibilidade dos auxílios de Estado no montante de 503 milhões de euros assenta, na decisão recorrida, em vários elementos cada um dos quais suficiente só por si para servir de base a esse dispositivo, há que considerar que o facto de um desses elementos estar errado, no presente caso, o relativo à qualificação de venda, como acima se indica no n.° 108, não basta só por si para anular a decisão recorrida quanto à declaração de execução abusiva do auxílio de Estado no montante de 503 milhões de euros aprovado sob condições pela Comissão na decisão Sernam 2.

232    Por conseguinte, improcede na íntegra o quarto fundamento.

2.     Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro de direito cometido pela Comissão ao considerar que a obrigação de recuperação do auxílio de Estado de 41 milhões de euros, declarado incompatível pela decisão Sernam 2, tinha sido transferida para a Financière Sernam e para as suas filiais

233    A recorrente alega, em substância, que, de acordo com jurisprudência constante, a inscrição no passivo de liquidação da Sernam do auxílio de Estado de 41 milhões de euros declarado incompatível pela decisão Sernam 2 bastava para garantir a eliminação da distorção de concorrência resultante desse auxílio e, a esse respeito, contesta que a obrigação de reembolso desse auxílio tivesse sido transferida para a Financière Sernam e para as suas filiais. Em primeiro lugar, afirma que nenhum dos critérios de continuidade económica na aceção do acórdão Seleco, n.° 52, supra (EU:C:2003:252), está preenchido no presente caso, contrariamente ao que afirma a Comissão nos considerandos 144 a 148 da decisão recorrida. Em segundo lugar, alega que a inscrição dos 41 milhões de euros no passivo de liquidação da Sernam respeitava o artigo 4.° da decisão Sernam 2.

234    A título preliminar, conforme tem o Tribunal de Justiça reiteradamente decidido, a inscrição no quadro de créditos do crédito relativo à restituição dos auxílios em causa só permite preencher a obrigação de recuperação se, no caso de as autoridades estatais não poderem recuperar a totalidade do montante dos auxílios, o processo de insolvência levar à liquidação da empresa beneficiária dos auxílios ilegais, isto é, à cessação definitiva da sua atividade. A esse respeito, há que recordar que a recuperação dos auxílios declarados incompatíveis com o mercado interno visa eliminar a distorção de concorrência causada pela vantagem concorrencial que o beneficiário desses auxílios teve no mercado face aos seus concorrentes, repondo assim a situação anterior ao pagamento desses auxílios. Ora, quando a empresa beneficiária dos auxílios ilegais estiver insolvente e tiver sido criada uma sociedade para continuar algumas das atividades da empresa insolvente, a prossecução dessas atividades pode, quando o auxílio em causa não for recuperado na sua totalidade, prolongar a distorção de concorrência provocada pela vantagem competitiva de que a empresa beneficiou no mercado em comparação com os seus concorrentes. Por conseguinte, essa sociedade recém‑criada pode, se se mantiver essa vantagem, ter de reembolsar o auxílio em questão. É, designadamente, o que acontece quando se verifique que essa sociedade mantém o gozo efetivo da vantagem concorrencial associada ao benefício desses auxílios, em particular, quando procede à aquisição dos ativos da sociedade em liquidação, sem pagar, em contrapartida, um preço conforme com as condições de mercado, ou quando se demonstre que a constituição dessa sociedade teve por efeito contornar a obrigação de restituição dos referidos auxílios. Isto é válido, em particular, quando o pagamento de um preço conforme com as condições de mercado não é suficiente para anular a vantagem concorrencial associada ao benefício dos auxílios ilegais. Nesse caso, o registo do crédito relativo aos auxílios declarados ilegais e incompatíveis com o mercado interno no quadro dos créditos não basta, só por si, para eliminar a distorção de concorrência criada (v. acórdãos de 11 de dezembro de 2012, Comissão/Espanha, C‑610/10, Colet., EU:C:2012:781, n.os 104 a 107 e jurisprudência aí referida, e de 24 de janeiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑529/09, Colet., EU:C:2013:31, n.os 107, 109 e jurisprudência aí referida).

235    De acordo com a jurisprudência em matéria de venda de ativos, para apreciar se a obrigação de recuperação do auxílio pago a uma sociedade em dificuldade é extensível a uma nova sociedade a favor da qual essa antiga sociedade transferiu certos ativos, quando essa transferência permita concluir por uma continuidade económica entre ambas as sociedades, podem ser tidos em consideração os elementos seguintes: o objeto da transferência (ativos e passivos, continuidade da mão de obra, ativos bundled), o preço da transferência, a identidade dos acionistas ou dos proprietários da empresa adquirente e da empresa inicial, o momento em que a transferência ocorreu (depois do início do inquérito, da abertura do procedimento ou da decisão final) ou, ainda, a lógica económica da operação (v., neste sentido, acórdãos Seleco, n.° 52, supra, EU:C:2003:252, n.os 78; de 13 de setembro de 2010, Grécia e o./Comissão, T‑415/05, T‑416/05 e T‑423/05, Colet., EU:T:2010:386, n.° 135; e de 28 de março de 2012, Ryanair/Comissão, T‑123/09, Colet., EU:T:2012:164, n.° 155). Contudo, a Comissão não tem de levar todos esses elementos em conta (v., neste sentido, acórdão Ryanair/Comissão, já referido, EU:T:2012:164, n.° 156).

236    Refira‑se que as partes não contestam essa grelha de análise da continuidade económica, mas sim a sua aplicação ao caso pela Comissão.

 Quanto à primeira alegação, segundo a qual nenhum dos critérios de continuidade económica está preenchido no presente caso

237    A recorrente alega que nenhum dos critérios de continuidade económica na aceção do acórdão Seleco, n.° 52, supra (EU:C:2003:252), a saber, o objeto da transferência, o preço da transferência, a identidade dos acionistas ou dos proprietários da empresa adquirente e da empresa inicial, o momento em que ocorreu a transferência, ou ainda a lógica económica da operação, está preenchido no presente caso, contrariamente à análise feita pela Comissão nos considerandos 144 a 148 da decisão recorrida.

238    O considerando 144 da decisão recorrida tem a seguinte redação:

«No que diz respeito, em primeiro lugar, à transferência de todos os ativos e passivos da Sernam [...], com exceção de três passivos financeiros [...] para a Sernam Xpress, a Comissão observa que tal transferência abrangia a totalidade da empresa (ver Secção 3.2.3.). Por conseguinte, existe uma continuidade económica entre a Sernam [...] e a Sernam Xpress [...] Além disso, a transferência realizou‑se no âmbito de um grupo. Ocorreu após uma decisão final da Comissão que intimava a recuperação do auxílio e a sua única lógica económica consistia em permitir a prossecução das atividades da Sernam [...], sem dever respeitar as condições impostas pelo artigo 3.° da Decisão Sernam 2. Todos os critérios que permitem demonstrar a continuidade económica na aceção da decisão e do acórdão Seleco estão, portanto, presentes.»

 Quanto ao objeto da transferência

239    A recorrente alega que não foi a totalidade da Sernam que foi vendida à Financière Sernam.

240    Contudo, resulta da análise da terceira parte do quarto fundamento, nomeadamente dos n.os 134 a 137, supra, que foi com razão que, no considerando 144 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que tinha sido cedida a totalidade da empresa, em violação do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2.

 Quanto à identidade dos acionistas ou dos proprietários da empresa adquirente e da empresa inicial

241    A recorrente alega que a transferência de todos os ativos e passivos da Sernam não ocorreu dentro de um grupo, contrariamente ao que afirma a Comissão no n.° 144 da decisão recorrida, na medida em que as identidades dos acionistas da Financière Sernam e do acionista da Sernam são diferentes, uma vez que os acionistas da Financière Sernam são a antiga equipa de direção da Sernam, ao passo que o acionista da Sernam era a própria recorrente. A esse respeito, a recorrente salienta que é a Financière Sernam quem, in fine, detém a propriedade e explora os ativos da Sernam, acolhidos na Sernam Xpress. Nestas condições, entende não estar preenchido o critério da identidade dos acionistas ou dos proprietários da empresa adquirente e da empresa inicial, na aceção do acórdão Seleco, n.° 52, supra.

242    Há que rejeitar este argumento, na medida em que se trata, neste ponto do raciocínio da Comissão, de apreciar a continuidade económica entre a Sernam e a Sernam Xpress. Com efeito, foi só após ter apurado uma continuidade económica entre a Sernam e a Sernam Xpress (nos considerandos 144 a 148 da decisão recorrida) que a Comissão concluiu que o benefício do auxílio incompatível tinha sido, in fine, transmitido para a Financière Sernam, no considerando 150 da decisão recorrida, devido à sua fusão com a Sernam Xpress.

243    Por conseguinte, a Comissão recordou acertadamente, no considerando 144 da decisão recorrida, que a entrada da Sernam na Sernam Xpress tinha decorrido no interior do grupo da recorrente.

 Quanto ao momento da transferência

244    Quanto ao momento da transferência dos ativos em bloco, a recorrente alega que, nos acórdãos Seleco, n.° 52, supra (EU:C:2003:252), SMI, n.° 52, supra (EU:C:2004:238), e CDA, n.° 52, supra (EU:T:2005:364), as operações destinadas a «contornar» alegadas pela Comissão tinham sido efetuadas durante o processo formal de inquérito ou num momento em que as autoridades nacionais competentes esperavam que a Comissão abrisse um processo de inquérito. Ora, no caso, a cessão dos ativos em bloco da Sernam ocorreu após a adoção da decisão Sernam 2, no prazo imposto pelo seu artigo 3.°, n.° 2, e segundo as modalidades previstas nessa disposição, o que exclui a possibilidade de ter sido efetuada com o intuito de se subtrair à recuperação do auxílio.

245    Resulta do considerando 144 da decisão recorrida que a Comissão referiu que a transferência de todos os ativos e passivos tinha ocorrido após a decisão final Sernam 2, cujo artigo 2.° impunha a recuperação do auxílio de 41 milhões de euros.

246    Há que observar que o momento da execução de uma decisão que implica a possibilidade de uma venda de ativos em bloco do beneficiário do auxílio, bem como uma obrigação de recuperação de um auxílio ilegal e incompatível, se apresenta pelo menos tão propício para contornar essa obrigação de recuperação como a fase do procedimento formal de investigação. Com efeito, embora a abertura de um procedimento formal de investigação nos termos do artigo 108.°, n.° 2, TFUE resulte de dúvidas quanto à existência e à compatibilidade de um auxílio de Estado, a adoção de uma decisão de recuperação de um auxílio de Estado remove qualquer dúvida a esse respeito.

247    Por outro lado, resulta da análise da primeira, terceira, quarta e quinta partes do quarto fundamento que a operação realizada não respeitava o prazo (v. n.os 84 a 93, supra) nem as modalidades (v. n.os 110 a 187, supra) previstas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2.

 Quanto à lógica económica da operação

248    No que respeita à lógica económica da operação, primeiro, a recorrente, apoiada pela República Francesa, alega que era obrigada a libertar‑se de uma empresa deficitária dentro do respeito das exigências fixadas pela decisão Sernam 2.

249    Segundo, salienta que o recurso à sociedade «fantasma» Sernam Xpress não resultava de uma vontade de contornar a obrigação de restituição dos auxílios, tendo unicamente por finalidade permitir a aquisição em bloco dos ativos da Sernam pela Financière Sernam, tendo em conta a necessidade de garantir, de acordo com a decisão Sernam 2, que o adquirente dos ativos não tinha nenhuma ligação à recorrente. A esse respeito, baseia‑se num parecer de direito francês, redigido por um professor de direito francês, para demonstrar que a entrada dita «parciais de ativos» era a única operação que permitia juntar os passivos de exploração aos ativos sem ter de pedir o acordo individual dos credores (a fim de beneficiar do efeito de transmissão universal do património dessa operação). Ora, a exigência de independência da adquirente face à recorrente impedia que se procedesse a uma entrada parcial de ativos diretamente na Financière Sernam, sem o que a recorrente se teria tornado, em remuneração da sua entrada (remuneração sob a forma de títulos), acionista da Financière Sernam. Isso explica por que razão tinha sido necessário primeiro efetuar a entrada parcial de ativos na Sernam Xpress, depois ceder as participações desta à Financière Sernam.

250    Nos considerandos 144 e 147 da decisão recorrida, a Comissão entendeu que a única lógica económica era permitir a prossecução das atividades da Sernam sem ter de respeitar as condições impostas pelo artigo 3.° da decisão Sernam 2.

251    Primeiro, já acima se observou no n.° 247 que resultava da análise da primeira, terceira, quarta e quinta partes do quarto fundamento que as condições referidas no artigo 3.° da decisão Sernam 2 não tinham sido respeitadas. Do mesmo modo, resulta da análise da sexta parte do quarto fundamento (v., designadamente, n.os 189 a 211, supra) que, visto a atividade económica da Sernam não ter sido interrompida, a finalidade do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não foi respeitada.

252    Segundo, resulta dos n.os 127 a 129, supra, que a recorrente não pode invocar condicionalismos de direito nacional para justificar o facto de contornar as condições impostas pelo artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2. Em particular, refira‑se que a sua argumentação, no n.° 249, supra, se baseia na alegada necessidade de juntar os passivos aos ativos da Sernam. Ora, resulta dos n.os 113 a 119, supra, que os passivos não deviam ser juntos à venda dos ativos em bloco na aceção do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2.

 Quanto ao preço da transferência

253    Quanto ao preço da transferência, primeiro, a recorrente, apoiada pela República Francesa, alega que o preço negativo pago pelos ativos em bloco da Sernam pela Financière Sernam era um preço de mercado, resultado de um concurso transparente e aberto, contrariamente ao que afirma a Comissão nos considerandos 145 e 146 da decisão recorrida. Pelos mesmos fundamentos, a recorrente considera irrelevante a referência, no considerando 145 da decisão recorrida, a um equilíbrio contratual entre ela e a Financière Sernam. A recorrente e a República Francesa entendem que, portanto, nenhuma restituição pode ser imposta ao recetor dos ativos em causa, isto é, a Sernam Xpress, nem ao seu adquirente, no caso, a Financière Sernam, e alegam que era ao vendedor, isto é, a Sernam, que se devia exigir o reembolso.

254    O considerando 145 da decisão recorrida tem a seguinte redação:

«A Comissão observa ainda que a transferência para Sernam Xpress não se processou de acordo com as condições de mercado. A transferência para a Sernam Xpress teve lugar a um preço negativo e não ocorreu na sequência de um processo transparente e aberto (ver secção 3.2.5.) [da decisão recorrida]). Ao preço negativo de 57 milhões de [euros], que é concebido como um auxílio ao funcionamento que permite cobrir as perdas da Sernam Xpress relativas aos anos de 2005 a 2008, acresce a remissão da dívida da [Sernam] com a [recorrente], num montante de 38,5 milhões de [euros] (ver [considerando] 27 [da decisão recorrida]) […] Através da injeção de capital de 57 milhões de [euros], a [recorrente] permitiu que a Sernam Xpress, pelo menos em relação ao período de 2005 a 2008, honrasse a totalidade das suas dívidas. Se, em contrapartida, a [recorrente] tivesse vendido apenas os ativos a um preço positivo, as dívidas da [Sernam] para com terceiros só teriam sido honradas num montante correspondente às receitas da venda. Este é um [indício] suplementar de que o equilíbrio contratual entre a [recorrente] e a Financière Sernam não corresponde às condições de mercado.»

255    Há que rejeitar o argumento de que o preço negativo pago no presente caso era um preço de mercado resultante de um concurso transparente e aberto, na medida em que resulta da análise da quinta parte do quarto fundamento que a proposta da equipa de direção não pode ser considerada o resultado de um processo transparente e aberto. A crítica, com os mesmos fundamentos, da referência ao equilíbrio contratual entre a recorrente e a Financière Sernam deve, portanto, ser igualmente rejeitada.

256    Resulta igualmente do n.° 207, supra, que a oferta de retoma da equipa de direção tinha sido dimensionada para financiar um novo plano de recuperação da Sernam e a recapitalização necessária para enfrentar as perdas estimadas para o futuro período de 2005 a 2008. Assim, foi igualmente com razão que a Comissão salientou, no considerando 145 da decisão recorrida, que o preço negativo de 57 milhões de euros tinha sido concebido como um auxílio operacional que permitia cobrir as perdas da Sernam Xpress nos anos de 2005 a 2008, ao qual se junta a remissão do crédito da recorrente sobre a Sernam no montante de 38,5 milhões de euros.

257    Segundo, a recorrente invoca em várias partes e fundamentos da petição o facto de o preço negativo de 57 milhões de euros líquidos ter sido confirmado por várias peritagens independentes e, a esse respeito, baseia‑se no relatório de 21 de julho de 2005 realizado pelo departamento de auditoria do banco X, o seu banco de aconselhamento que organizou o concurso, no relatório de um gabinete de auditoria (a seguir «gabinete de auditoria Y») de 3 de junho de 2005 (atualizado em 2008), pedidos por ela, no relatório de 18 de julho de 2005 de outro banco, o banco Z, pedido pela Comissão de Participações e Transferências, e no parecer 2005‑AC 2 da Comissão de Participações e Transferências, de 22 de julho de 2005, que, face à concordância das peritagens, concluiu que o projeto de cessão surgia como «a solução que, não deixando de assegurar possibilidades realistas de sucesso ao novo Sernam, fic[ava] mais barato à recorrente».

258    A esse respeito, há que recordar que a venda dos ativos em bloco, de acordo com o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, deveria ser feita ao preço de mercado «por meio de um processo transparente e aberto». Do mesmo modo, o artigo 4.° da decisão Sernam 2 precisava que «[a] eventual alienação parcial ou total da Sernam dev[ia] efetuar‑se ao preço de mercado e por meio de um processo transparente e aberto a todos os concorrentes». Assim, a Comissão tinha exigido na decisão Sernam 2 que o preço de mercado resultasse de um concurso transparente e aberto, o que não foi respeitado no presente caso (v. n.os 160 a 187, supra).

259    De qualquer forma, dois dos relatórios em causa, o relatório do gabinete de auditoria Y e o relatório do banco Z, dizem unicamente respeito à questão da aplicação do critério do investidor privado, isto é, a comparação entre os custos da cessão projetada e os custos de uma eventual liquidação da Sernam, e não são relevantes para a questão de saber se o preço pago pelos ativos e passivos da Sernam era um preço de mercado. Do mesmo modo, a passagem invocada do parecer da Comissão de Participações e Transferências é relativa à comparação entre custos de cessão e custos de liquidação da Sernam. Por outro lado, quanto às conclusões do departamento de auditoria do banco X de 21 de julho de 2005, há que observar que é uma peritagem realizada depois da apresentação da proposta da equipa de direção e com base nessa proposta (e no plano de negócios 2005‑2008 feito pela equipa de direção).

260    Assim, a recorrente não tem razão quando alega que as peritagens apresentadas confirmavam a ideia de que o preço de cessão era um preço de mercado.

261    Terceiro, a recorrente critica a Comissão por ter considerado, nas duas últimas frases do considerando 145 da decisão recorrida, que, se tivesse vendido unicamente os ativos a um preço positivo, as dívidas da Sernam face a terceiros só teriam sido pagas no limite do rendimento da venda. Alega que, uma vez que a venda dos ativos em bloco exige, no direito nacional, a transferência não só das dívidas mas igualmente dos trabalhadores, nos termos do artigo L 1224‑1 do Código do Trabalho, nenhum adquirente seria suscetível de propor um preço positivo pela aquisição desses ativos em bloco.

262    O argumento da recorrente dirigido contra as duas últimas frases do considerando 145 da decisão recorrida é inoperante. Com efeito, a Comissão apresentou a afirmação criticada pela recorrente por acréscimo face às outras considerações contidas no início do mesmo considerando como um «indício suplementar» de que o equilíbrio contratual entre a recorrente e a Financière Sernam não correspondia às condições de mercado. Na medida em que se considerou que a Comissão tinha razão ao dar por provado, no início do considerando 145 da decisão recorrida, que o preço negativo da transferência para a Sernam Xpress não resultava de um processo transparente e aberto, os argumentos relativos às duas últimas frases desse considerando não são suscetíveis de levar à anulação da decisão recorrida.

263    Quarto, a recorrente critica a Comissão por ter entendido, no considerando 146 da decisão recorrida, que o preço negativo de 57 milhões de euros era mais alto do que a melhor oferta recebida no concurso infrutífero, que tinha sido um preço negativo de 56,4 milhões de euros (oferta de segunda volta do candidato n.° 5), e alega a esse respeito que essa oferta de segunda volta não era uma proposta vinculativa e não deve, portanto, ser tida em conta.

264    Resulta do n.° 167, supra, que teve razão a Comissão ao afirmar, no considerando 146 da decisão recorrida, que a oferta negativa de 57 milhões de euros era menos interessante do que a oferta negativa de segunda volta de 56,4 milhões de euros apresentada pelo consórcio liderado pelo candidato n.° 5. A esse respeito, os argumentos da recorrente de que a manifestação de interesse do consórcio constituído com o candidato n.° 5 não deve ser tida em conta a título de comparação, por ser não vinculativa, contrariamente à proposta da equipa de direção, são inoperantes, na medida em que resulta da análise da quinta parte do quarto fundamento que a oferta da equipa de direção também não pode ser tida em conta, pois não resulta de um processo de concurso transparente e aberto.

265    Resulta do exposto (v. n.os 237 a 264, supra) que foi acertadamente que a Comissão chegou à conclusão, no considerando 148 da decisão recorrida, que a transferência das atividades da Sernam para a Sernam Xpress tinha tido a consequência de a Sernam Xpress ter conservado o benefício efetivo da vantagem concorrencial ligada ao benefício dos auxílios concedidos, pois tinha havido continuidade económica entre as duas sociedades.

266    Por outro lado, a República Francesa invoca a jurisprudência em matéria de venda de ações, segundo a qual, quando uma empresa que beneficiou de um auxílio de Estado é comprada ao preço do mercado, isto é, ao preço mais alto que um investidor privado em condições normais de concorrência estivesse disposto a pagar por essa sociedade na situação em que se encontrava, nomeadamente depois de ter beneficiado de auxílios de Estado, considera‑se que o elemento de auxílio foi avaliado ao preço do mercado e incluído no preço de compra. Nessas condições, não se pode considerar que o comprador beneficiou de uma vantagem face aos outros operadores no mercado. Contudo, em princípio, sempre que uma sociedade beneficiária de um auxílio tenha sido vendida ao preço de mercado, o preço de venda reflete as consequências do auxílio anterior e é o vendedor da referida sociedade que conserva o benefício do auxílio. Nesse caso, o restabelecimento da situação anterior deve, em primeiro lugar, ser garantido pelo reembolso do auxílio pelo vendedor (v., neste sentido, acórdão de 20 de setembro de 2001, Banks, C‑390/98, Colet., EU:C:2001:456, n.os 77 e 78). A República Francesa considera que impor à empresa vendida, isto é, a Sernam Xpress, que reembolse o auxílio ilegal e incompatível acabaria por penalizar o adquirente dessa empresa, isto é, a Financière Sernam, que, ao pagar essa empresa ao preço do mercado, já teria pagado o auxílio ilegal e incompatível. Segundo a República Francesa, isso equivaleria a fazer o adquirente das ações da empresa vendida pagar duas vezes esse auxílio ilegal e incompatível.

267    Ora, por um lado, conforme resulta dos considerandos 138 e 149 e da nota de pé de página n.° 32 da decisão recorrida, a jurisprudência faz uma distinção entre o adquirente das ações e a sociedade beneficiária de um auxílio ilegal cujas ações são vendidas. Com efeito, resulta de jurisprudência constante que a venda de ações de uma sociedade beneficiária de um auxílio ilegal por um acionista a um terceiro não tem influência na obrigação de recuperação (v., neste sentido, acórdão Seleco, n.° 52, supra, EU:C:2003:252, n.° 83) e que, se a empresa à qual tenham sido concedidos auxílios de Estado ilegais conservar a sua personalidade jurídica e continuar a exercer, por si própria, as atividades subvencionadas pelos auxílios de Estado, é geralmente essa empresa quem conserva a vantagem concorrencial ligada a esses auxílios, pelo que é ela quem tem de reembolsar um montante igual ao desses auxílios. Por conseguinte, não se pode pedir que o comprador reembolse esses auxílios (v., neste sentido, acórdão SMI, n.° 52, supra, EU:C:2004:238, n.° 81).

268    Por conseguinte, a Comissão teve razão, no considerando 149 da decisão recorrida, ao inferir dessa jurisprudência que a venda das participações sociais da Sernam Xpress à Financière Sernam não tinha tido a consequência de libertar a Sernam Xpress da obrigação de reembolsar o auxílio de 41 milhões de euros.

269    As críticas da República Francesa e da recorrente relativas ao facto de esse raciocínio equivaler a fazer o adquirente das ações pagar duas vezes o preço de um auxílio ilegal e incompatível devem ser rejeitadas. Com efeito, como salienta a Comissão, essa distinção entre o adquirente das ações e a sociedade vendida pode ter consequências práticas, pois, nesse caso, o adquirente das ações não é, salvo circunstâncias particulares, devedor do auxílio concedido à empresa comprada enquanto detiver a empresa comprada sob a forma de sociedade de responsabilidade limitada.

270    Por outro lado, contrariamente ao que sugere a argumentação da República Francesa, não foi transferida para a Financière Sernam a obrigação de reembolso do auxílio ilegal e incompatível de 41 milhões de euros enquanto adquirente das participações sociais da Sernam Xpress, mas enquanto sua sucessora jurídica devido à fusão de 30 de junho de 2011 com a Sernam Xpress, por força do efeito de transmissão universal de património ligada a essa operação (v. considerando 150 da decisão recorrida). Tendo a Comissão feito prova bastante da continuidade económica entre a Sernam e a Sernam Xpress (v. n.os 237 a 265, supra), e visto a recorrente não impugnar a fusão entre a Sernam Xpress e a Financière Sernam, esse raciocínio deve ser confirmado.

271    Por último, a República Francesa alega que o critério do investidor privado está preenchido no presente caso, pois, como expôs nas suas cartas de 8 de outubro de 2008 e 5 de maio de 2009, o custo da venda dos ativos da Sernam em bloco à Financière Sernam foi inferior aos custos que a recorrente teria suportado no caso de liquidação judicial da Sernam.

272    Refira‑se, porém, que esses argumentos da República Francesa relativos ao critério do investidor privado não têm qualquer ligação com a obrigação de recuperação dos 41 milhões de euros, antes dizem respeito à qualificação dos auxílios ditos «novos» na decisão recorrida, à luz do artigo 107.°, n.° 1, TFUE. Estes argumentos são, portanto, irrelevantes no âmbito do presente fundamento.

273    Por conseguinte, de acordo com a jurisprudência recordada no acórdão Comissão/Espanha, n.° 234, supra (EU:C:2012:781), a Comissão considerou acertadamente que, no presente caso, a simples inscrição do auxílio declarado ilegal e incompatível pela decisão Sernam 2 no passivo de liquidação não era suficiente para eliminar a distorção de concorrência causada por esse auxílio.

274    Improcede, portanto, a primeira alegação da recorrente.

 Quanto à segunda alegação, relativa ao facto de a inscrição da quantia de 41 milhões de euros no passivo de liquidação de Sernam respeitar o artigo 4.° da decisão Sernam 2

275    A recorrente alega que a inscrição do montante do auxílio declarado ilegal e incompatível pela decisão Sernam 2 no passivo de liquidação da Sernam respeitava o artigo 4.° da decisão Sernam 2, que dispunha que, em caso de venda parcial ou integral da Sernam ao preço do mercado e por meio de um processo transparente e aberto a todos os seus concorrentes, o reembolso do auxílio de 41 milhões de euros ficaria a cargo da «sociedade Sernam se esta continua[sse] a existir». A recorrente alega que o artigo 4.° da decisão Sernam 2 não faz nenhuma referência à interrupção da atividade económica da Sernam e se limita a distinguir consoante a sociedade Sernam continue ou não a existir.

276    No considerando 135 da decisão recorrida, a Comissão afirma que «[o] artigo 4.° [da decisão Sernam 2] estabelece uma distinção consoante o facto de haver ou não uma interrupção da atividade económica da Sernam [e que, no] caso da cessação dessa atividade, não é necessário recuperar o [montante do] auxílio junto dos que adquiriram os ativos ao preço de mercado no quadro de um processo transparente e aberto».

277    De acordo com a jurisprudência referida no acórdão Comissão/Espanha, n.° 234, supra (EU:C:2012:781), o auxílio deve ser recuperado junto da sociedade que prossegue a atividade económica da empresa que inicialmente beneficiou da vantagem ligada à concessão de auxílios de Estado e que, portanto, conserva o seu benefício efetivo.

278    Num contexto de recuperação de auxílios de Estado, a alusão feita à continuação da existência da Sernam, no artigo 4.° da decisão Sernam 2, só podia fazer alusão à manutenção da atividade económica da Sernam.

279    Assim, a recorrente não tem razão quando alega que a inscrição dos 41 milhões de euros no passivo de liquidação da Sernam respeitava o artigo 4.° da decisão Sernam 2, na medida em que resulta da análise da primeira alegação que a Sernam continuava a existir economicamente no interior da Sernam Xpress e, posteriormente, da Financière Sernam.

280    Improcede, portanto, a segunda alegação.

281    Daqui resulta que há que julgar integralmente improcedente o quinto fundamento.

3.     Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro de direito cometido pela Comissão ao considerar que as medidas previstas no protocolo de acordo de 21 de julho de 2005 relativo à cessão dos ativos de Sernam em bloco constituíam novos auxílios de Estado a favor da Sernam Xpress‑Financière Sernam

282    Em substância, o sexto fundamento divide‑se em duas partes. No âmbito da primeira parte, a recorrente critica a Comissão por ter declarado, nos considerandos 154 a 158 da decisão recorrida, que o critério do investidor privado numa situação de venda a preço negativo era inaplicável para a qualificação de auxílio de Estado das medidas do protocolo de acordo de 21 de julho de 2005, isto é, a recapitalização de 57 milhões de euros líquidos, a remissão de créditos de 38,5 milhões de euros e as garantias (a seguir «medidas controvertidas»). No âmbito da segunda parte, a recorrente critica a Comissão por ter entendido, nos considerandos 159 a 171 da decisão recorrida, que as medidas controvertidas conferiam uma vantagem à Sernam Xpress‑Financière Sernam.

 Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao declarar o critério do investidor privado inaplicável no presente caso

283    A recorrente, apoiada pela República Francesa, considera, em substância, que o critério do investidor privado era aplicável às medidas controvertidas, na medida em que resulta da jurisprudência que, para determinar se a privatização de uma empresa por um preço de venda negativo contém elementos de auxílio de Estado, há que apreciar se, em circunstâncias semelhantes, um investidor privado de uma dimensão que possa ser comparada com a dos organismos que gerem o setor público poderia ter sido levado a efetuar entradas de capital dessa dimensão no âmbito da venda dessa empresa ou se teria optado pela sua liquidação (v., neste sentido, acórdão de 28 de janeiro de 2003, Alemanha/Comissão, C‑334/99, Colet., EU:C:2003:55, n.° 133 e jurisprudência aí referida) (a seguir «critério do investidor privado do tipo “Gröditzer”»).

284    A recorrente e a República Francesa entendem que, no presente caso, nenhum auxílio de Estado foi concedido no âmbito da cessão realizada, uma vez que o seu custo global era inferior aos custos previsíveis de uma liquidação da Sernam, conforme demonstraram através dos elementos apresentados à Comissão no procedimento administrativo.

285    Os argumentos da recorrente, apoiada pela República Francesa, são dirigidos, em substância, contra os dois fundamentos invocados pela Comissão nos considerandos 154 e 155 da decisão recorrida, para rejeitar a aplicabilidade do critério do investidor privado do tipo «Gröditzer», conforme acima descrito no n.° 283.

286    O primeiro fundamento de não aplicação do critério do investidor privado está exposto no considerando 154 da decisão recorrida. A Comissão considerou aí que, numa situação de recuperação do auxílio, não era de aplicar o princípio do investidor privado, uma vez que o Estado atua na recuperação de um auxílio com base nas obrigações que lhe incumbem por força do direito da União e não como Estado acionista.

287    O segundo fundamento da não aplicação do critério do investidor privado está exposto no considerando 155 da decisão recorrida. A Comissão considerou aí, em substância, que, no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, a venda de ativos era um equivalente das medidas compensatórias impostas pelo artigo 3.°, n.° 1, e que, segundo o n.° 40 das orientações relativas à emergência e à reestruturação, a cessão de uma atividade deficitária não podia ser considerada uma medida compensatória. A Comissão referiu que o preço negativo acordado entre a recorrente e a Financière Sernam revelava a cessão de uma atividade deficitária, que não podia ser o equivalente de uma medida compensatória. Daí concluiu que, no presente caso, o preço negativo correspondia a um auxílio operacional à empresa, que era, portanto, inapto para reduzir as distorções de concorrência.

288    Resulta do considerando 155 da decisão recorrida que a Comissão invoca, para não aplicar o critério do investidor privado, o contexto particular do caso, relativo à execução incorreta, pela recorrente, de uma medida compensatória que condicionava a compatibilidade do auxílio à reestruturação de 503 milhões de euros. O Tribunal considera que se deve primeiro analisar os argumentos da recorrente relativos a esse segundo fundamento de não aplicação do critério do investidor privado.

289    No que respeita ao segundo fundamento de não aplicação do critério do investidor privado, no considerando 155 da decisão recorrida, a recorrente apresenta, em substância, duas alegações. Considera, em primeiro lugar, que a venda dos ativos em bloco não constituía uma alternativa às medidas compensatórias do artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2 e, em segundo lugar, que a execução de uma medida compensatória que condiciona a compatibilidade de um auxílio não obsta à aplicabilidade do critério do investidor privado, na medida em que nunca é o Estado enquanto poder público quem tem de executar uma medida compensatória.

290    Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o conceito de auxílio de Estado, como definido pelo Tratado, é um conceito jurídico e deve interpretar‑se com base em elementos objetivos. Por essa razão, o juiz da União deve, em princípio, tendo em conta tanto os elementos concretos do litígio submetido à sua apreciação como o caráter técnico ou complexo das apreciações feitas pela Comissão, exercer uma fiscalização exaustiva no que respeita à questão de saber se uma medida se enquadra no âmbito de aplicação do artigo 107.°, n.° 1, TFUE (v. acórdão de 22 de dezembro de 2008, British Aggregates/Comissão, C‑487/06 P, Colet., EU:C:2008:757, n.° 111 e jurisprudência aí referida).

291    Segundo jurisprudência, resulta do princípio da igualdade de tratamento entre as empresas públicas e privadas que os capitais colocados pelo Estado, direta ou indiretamente, à disposição de uma empresa, em circunstâncias que correspondem às condições normais do mercado, não podem ser qualificados de auxílios de Estado (acórdão de 16 de maio de 2002, França/Comissão, C‑482/99, Colet., EU:C:2002:294, n.° 69 e jurisprudência aí referida). Esta apreciação é feita, no que respeita às empresas públicas, pela aplicação, em princípio, do critério do investidor privado (acórdão de 5 de junho de 2012, Comissão/EDF, C‑124/10 P, Colet., EU:C:2012:318, n.° 78 e jurisprudência aí referida).

292    O Tribunal de Justiça já decidiu no sentido de que a aplicabilidade do critério do investidor privado depende, em definitivo, de o Estado‑Membro em causa conferir na sua qualidade de acionista, e não na qualidade de poder público, uma vantagem económica a uma empresa que lhe pertence (acórdãos Comissão/EDF, n.° 291, supra, EU:C:2012:318, n.° 81, e de 3 de abril de 2014, Comissão/Países Baixos e ING Groep, C‑224/12 P, Colet., EU:C:2014:213, n.° 31). Com efeito, as intervenções do Estado destinadas a cumprir as suas obrigações como poder público não podem ser comparadas às de um investidor privado em economia de mercado (acórdão de 15 de dezembro de 2009, EDF/Comissão, T‑156/04, Colet., EU:T:2009:505, n.° 228). Em particular, podem ser relevantes a esse respeito a natureza e objeto dessa medida, o contexto em que se inscreve e ainda o objetivo prosseguido e as regras a que essa medida está sujeita (v., neste sentido, acórdão Comissão/EDF, já referido, EU:C:2012:318, n.° 86).

 Quanto à primeira alegação dirigida contra o considerando 155 da decisão recorrida, relativa ao facto de a venda dos ativos em bloco não constituir uma alternativa às medidas compensatórias do artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2

293    A recorrente invoca três argumentos em apoio desta alegação.

294    Primeiro, a recorrente considera que a venda de todos os ativos da Sernam não pode ser considerada um equivalente das medidas compensatórias do artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2, a saber, uma recentragem sobre a atividade de «Train bloc express» (a seguir «TBE») e uma libertação das atividades de transporte rodoviário.

295    A esse respeito, refira‑se que o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 corresponde à execução de uma das duas condições alternativas de compatibilidade do auxílio à reestruturação impostas no artigo 3.° da decisão Sernam 2, a título de medidas de prevenção das distorções de concorrência criadas pelo auxílio à reestruturação e a fim de oferecer contrapartidas específicas aos concorrentes. Isso resulta nomeadamente do título do ponto dedicado à fundamentação das condições do artigo 3.° da decisão Sernam 2, que é o ponto 6.3.7, intitulado «Prevenção de distorções da concorrência — contrapartidas específicas», em que figuram os considerandos 200 a 217 da decisão Sernam 2, já acima referidos nos n.os 191 e 193.

296    O artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 é uma alternativa equivalente às condições do n.° 1 do mesmo artigo, uma vez que estas se aplicam «[s]ob reserva do disposto no n.° 2». Conforme acima resulta do n.° 194, nos termos do considerando 217 da decisão Sernam 2, a libertação das quotas de mercado da Sernam a favor do adquirente independente, através da venda dos ativos da Sernam em bloco a um preço de mercado por meio de um processo transparente e aberto, visa o mesmo objetivo compensatório das distorções de concorrência que a retirada do mercado rodoviário com excesso de capacidade. Com efeito, nesse caso, ter‑se‑á posto completamente fim à atividade subvencionada da Sernam.

297    Portanto, não tem razão a recorrente quando alega que, no presente caso, a venda de todos os ativos da Sernam em bloco a um mesmo adquirente não pode ser considerada um equivalente das medidas de recentragem sobre a atividade de TBE e de libertação das atividades de transporte rodoviário.

298    Segundo, a recorrente alega que, segundo o considerando 217 da decisão Sernam 2, era a continuação da Sernam sob a sua forma jurídica anterior à cessão que justificava o respeito das medidas compensatórias do artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2.

299    Resulta, porém, dos n.os 191 e 192, supra, que esse argumento não pode ser aceite, pois é a manutenção da atividade económica do beneficiário do auxílio à reestruturação no mercado que justifica o respeito das condições enunciadas no artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2 e não apenas o facto de a sua personalidade jurídica se manter.

300    Terceiro, a recorrente considera que, se a Comissão tivesse concebido a venda dos ativos da Sernam em bloco como um equivalente das medidas compensatórias impostas pelo artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2, deveria ter precisado nessa decisão que não era possível uma cessão a preço negativo, na medida em que tinha perfeito conhecimento da situação financeira da Sernam e deveria esperar essa eventualidade.

301    Este argumento deve igualmente ser rejeitado. Na medida em que a condição relativa à venda dos ativos em bloco excluía os passivos, a eventualidade de obter um preço negativo no presente caso estava excluída por definição, conforme acima resulta dos n.os 154 a 158.

302    Portanto, improcede a primeira alegação dirigida contra o considerando 155 da decisão recorrida (v. n.° 287, supra).

 Quanto à segunda alegação dirigida contra o considerando 155 da decisão recorrida, relativa ao facto de a execução de uma medida compensatória caber ao beneficiário do auxílio, ou ainda ao Estado acionista, mas não ao Estado poder público

303    A recorrente alega que, de qualquer forma, no caso da execução de uma medida compensatória ordenada por uma decisão da Comissão, é a empresa que beneficiou do auxílio à reestruturação que suporta o custo de uma medida compensatória, e não o Estado enquanto poder público.

304    A recorrente e a República Francesa alegam igualmente que, quando uma empresa pública decide vender uma das suas filiais ou os seus ativos no todo ou em parte, nos termos de uma decisão da Comissão, essa empresa pública, e, se for caso disso, através dela, o Estado, atua na sua qualidade de acionista. Por conseguinte, tendo em conta a sua natureza, o seu objeto e o seu objetivo, as medidas controvertidas constituem um investimento comparável ao de um investidor privado.

305    No presente caso, não se pode deixar de observar que, contrariamente ao que alegam a recorrente e a República Francesa, a venda dos ativos da Sernam em bloco nos termos do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não era uma decisão que um investidor privado tivesse sido levado a tomar em condições «normais» de mercado, com uma perspetiva de maximização de ganho ou de minimização de perdas em conformidade com a racionalidade económica.

306    Com efeito, a lógica subjacente às medidas compensatórias decretadas no artigo 3.° da decisão Sernam 2 visava evitar qualquer distorção excessiva de concorrência induzida pela concessão do auxílio à reestruturação declarado compatível sob condições pela decisão Sernam 2.

307    Essas medidas compensatórias podiam, portanto, obrigar tanto o beneficiário do auxílio como o seu acionista a uma solução não ótima do ponto de vista da pura rentabilidade financeira, o que um investidor privado numa situação dita «normal» de mercado não encararia.

308    A venda dos ativos da Sernam em bloco a título de medidas compensatórias pressupunha, no presente caso, que fossem vendidos ativos com valor positivo, que o beneficiário não teria necessariamente sido levado a ceder em função de considerações de racionalidade económica.

309    Portanto, a lógica compensatória da venda dos ativos da Sernam em bloco, recordada no considerando 155 da decisão recorrida, era diferente da lógica de um operador privado que tenta maximizar os seus ganhos ou, no caso, minimizar as suas perdas.

310    Por outro lado, resulta da análise da terceira, quarta e sexta partes do quarto fundamento, supra, que, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, não estava em causa vender uma sociedade inteira e deficitária, mas unicamente ativos com valor económico positivo. No caso, a proposta da equipa de direção incluía exigências de recapitalização, de remissão de créditos e de garantias da parte do vendedor uma vez que a totalidade da Sernam tinha sido vendida, com uma necessidade de financiamento. As medidas controvertidas resultam, pois, diretamente da violação do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 e não têm, portanto, nenhuma relação com a aplicação do critério do investidor privado.

311    Improcede, portanto, a segunda alegação dirigida contra o considerando 155 da decisão recorrida.

312    Nestas condições, deixa de ser necessário analisar os outros argumentos relativos ao primeiro fundamento apresentado pela Comissão para justificar a inaplicabilidade do critério do investidor privado, relativo ao contexto dito «de recuperação» dos auxílios de Estado.

313    Em face do exposto, há que julgar improcedente a primeira parte do sexto fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa ao facto de nenhuma das medidas controvertidas ser constitutiva de uma vantagem a favor da Sernam Xpress‑Financière Sernam

314    A recorrente contesta, em substância, que a recapitalização e a remissão de créditos tenham conferido vantagens à Sernam Xpress‑Financière Sernam. Quanto às garantias, antes de mais, alega falta de fundamentação na medida em que a decisão recorrida nada diz sobre a questão de saber se essas garantias derrogam as condições normais de cessão por um vendedor privado. Seguidamente, alega, a título subsidiário, que cada garantia foi prestada por um vendedor privado. Por último, alega, em substância, que essas garantias não conferiram vantagens à Sernam Xpress‑Financière Sernam, pois eram de baixo montante e não foram acionadas.

315    Primeiro, a recorrente entende que a recapitalização da Sernam para efeitos de cessão dos seus ativos em bloco não conferiu nenhuma vantagem à Financière Sernam nem a qualquer das empresas, uma vez que essa cessão foi realizada a preço de mercado.

316    Há que observar que, na decisão recorrida, a Comissão não se pronunciou sobre a questão de uma vantagem para a Financière Sernam como adquirente das participações da Sernam Xpress, mas sim como sucessora da Sernam Xpress, na sequência da sua fusão.

317    Com efeito, a esse respeito, a Comissão precisou, no considerando 159 da decisão recorrida, que, «[d]ado que [a Sernam Xpress e a Financière Sernam] se fundiram posteriormente, não [era] necessário distinguir entre as vantagens concedidas a uma ou a outra». Aplicou este raciocínio a todas as medidas controvertidas, incluindo a recapitalização.

318    Além disso, o considerando 172 da decisão recorrida diz o seguinte:

«No ponto 164 da Decisão de início do procedimento, a Comissão tinha colocado a questão de saber se o preço negativo ‘pago’ pela Financière Sernam correspondia ao valor de mercado. A este respeito, a Comissão observa que, entretanto, verificou‑se a fusão entre a Sernam Xpress e a Financière Sernam e que um eventual auxílio à Financière Sernam consubstanciado num preço negativo demasiado elevado não ultrapassaria os 57 milhões de [euros] de auxílio que a Sernam Xpress recebeu como novo auxílio. Assim, deixa de ser necessário pronunciar‑se sobre a questão de um eventual auxílio ao comprador.»

319    Quanto à Sernam, a sua recapitalização representa uma vantagem financeira incontestável face aos seus concorrentes. Por outro lado, resulta da análise da primeira parte do sexto fundamento que, especificamente no presente caso, a Comissão teve razão ao não comparar o comportamento do Estado ao de um investidor privado em condições normais de mercado. Assim, a vantagem financeira representada por essa recapitalização deve ser considerada um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE.

320    Por outro lado, resulta do quinto fundamento que existe uma continuidade económica entre a Sernam e a Sernam Xpress e que, por conseguinte, a vantagem ligada à recapitalização foi transferida para a Sernam Xpress. De qualquer forma, mesmo admitindo que o preço de venda tivesse sido um preço de mercado, isso não obsta a que a Sernam Xpress, que já acima se demonstrou continuar a exercer as atividades da Sernam objeto dos auxílios de Estado concedidos, conserva o benefício da vantagem resultante de todos os auxílios de Estado em causa, entre os quais a recapitalização de 57 milhões de euros líquidos (v., neste sentido, acórdão SMI, n.° 52, supra, EU:C:2004:238, n.os 80 e 81).

321    Assim, verifica‑se que foi acertadamente que a Comissão entendeu, no considerando 160 da decisão recorrida, que, «[a]través da recapitalização da Sernam [...] num montante de 57 milhões de [euros efetuada pela recorrente], a Sernam [...] recebeu uma vantagem financeira considerável, de que não disp[unham] os seus concorrentes» e que «[essa] vantagem foi posteriormente transferida em conjunto com os outros ativos e passivos, para a Sernam Xpress».

322    Segundo, a recorrente alega que a Comissão cometeu um erro de direito e um erro de facto ao afirmar, no considerando 162 da decisão recorrida, que a remissão de créditos no montante de 38,5 milhões de euros da recorrente a favor da Sernam conferia uma vantagem à Sernam Xpress ou à Financière Sernam, pelo facto de ter inscrito a dívida no passivo de liquidação da Sernam e de não ser credora da Sernam Xpress ou da Financière Sernam.

323    Há que rejeitar este argumento, na medida em que a recorrente era credora da Sernam e resulta da análise do quinto fundamento que existe uma continuidade económica entre a Sernam e a Sernam Xpress e, posteriormente, na sequência da sua fusão, entre a Sernam Xpress e a Financière Sernam. Nestas circunstâncias, inscrever esses créditos no passivo de liquidação da Sernam equivale a conceder uma vantagem à Sernam Xpress e, depois, à Financière Sernam.

324    Terceiro, a recorrente alega que a Comissão não fundamentou o seu raciocínio, nos considerandos 163 a 171 da decisão recorrida, a propósito das garantias prestadas pela recorrente com a cessão dita dos «ativos em bloco» da Sernam, pois a decisão recorrida nada diz sobre a questão de saber se essas garantias derrogam as condições normais de cessão por um operador privado. A esse respeito, a recorrente precisa que as cessões (sejam elas cessões de ativos ou de empresas) são sistematicamente acompanhadas de garantias e que a questão que se coloca na apreciação dessas garantias como auxílios de Estado é a de saber se fazem parte do comportamento de um operador privado em economia de mercado (no caso, «um vendedor privado» em economia de mercado). A recorrente considera que as garantias de passivo só podem constituir um auxílio de Estado se forem prestadas em condições inaceitáveis para um vendedor privado em economia de mercado.

325    De acordo com a comunicação da Comissão relativa à aplicação dos artigos [107.° TFUE] e [108.° TFUE] aos auxílios estatais sob forma de garantias (JO 2000, C 71, p. 14), à semelhança de outras potenciais formas de auxílio, as garantias prestadas diretamente pelo Estado e as garantias prestadas por empresas sob a influência dominante das autoridades públicas podem constituir auxílios de Estado.

326    Antes de mais, há que observar que a Comissão fundamentou a sua rejeição da aplicação do critério do investidor privado, nos considerandos 152 a 158 da decisão recorrida, de forma global, relativamente a todas as medidas controvertidas. Assim, não era necessário que a Comissão acrescentasse uma fundamentação específica sobre as garantias. Assim, não se verifica qualquer falta de fundamentação a esse respeito. Além disso, a vantagem representada por cada uma dessas garantias a favor da Sernam Xpress (e, por causa da fusão, a favor da Financière Sernam) está devidamente fundamentada nos considerandos 164 a 171 da decisão recorrida.

327    Seguidamente, resulta dos n.os 293 a 313, supra, que a Comissão decidiu bem ao não aplicar o critério do investidor privado às medidas controvertidas, das quais fazem parte as garantias. Por conseguinte, não colhem os argumentos da recorrente formulados a título subsidiário e que pretendem demonstrar que cada garantia foi concedida por um vendedor privado.

328    Por último, os outros argumentos da recorrente destinados a impugnar o facto de cada uma das garantias ter podido conferir uma vantagem à Sernam Xpress‑Financière Sernam devem ser rejeitados, pelas seguintes razões.

 Quanto à garantia relativa à adaptação do sítio de Valenton e da garantia relativa ao aumento das rendas de novos locais de exploração

329    A recorrente salienta que a garantia relativa à adaptação do sítio de Valenton, necessária à exploração do TBE, sob pena de uma coima de 1 milhão de euros se houvesse um atraso na realização dos trabalhos, e a garantia relativa ao aumento das rendas de novos locais de exploração, por um diferencial máximo de 3 milhões de euros e por um período limitado de três anos, eram de montante limitado e não foram acionadas.

330    Antes de mais, a Comissão entendeu acertadamente, no considerando 164 da decisão recorrida, que essas garantias conferiam uma vantagem, pois, sem elas, a Sernam Xpress‑Financière Sernam teriam tido de suportar por si próprias esses custos.

331    Seguidamente, quanto à argumentação da recorrente baseada no montante moderado dos auxílios em causa, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, o valor relativamente baixo de um auxílio ou a dimensão relativamente modesta da empresa beneficiária não excluem, a priori, a eventualidade de serem afetadas as trocas entre Estados‑Membros (v. acórdão de 24 de julho de 2003, Altmark Trans e Regierungspräsidium Magdeburg, C‑280/00, Colet., EU:C:2003:415, n.° 81 e jurisprudência aí referida; v., igualmente, neste sentido, acórdão de 4 de abril de 2001, Regione Autonoma Friuli‑Venezia Giulia/Comissão, T‑288/97, Colet., EU:T:2001:115, n.° 44 e jurisprudência aí referida).

332    Por último, há que referir igualmente que, de acordo com o ponto 2.1.2 da comunicação sobre os auxílios estatais sob forma de garantias, acima referida no n.° 325, o facto de essas garantias não terem sido pagas é irrelevante para a qualificação de vantagem, visto que o auxílio é concedido no momento em que é prestada a garantia e não no momento em que é mobilizada ou dá origem a pagamentos.

333    Quanto ao restante, há que rejeitar o argumento da recorrente de que a garantia relativa à adaptação do sítio de Valenton decorria da sua vontade de recuperar outro sítio, na medida em que a recorrente podia exigir a mudança para Valenton (França) sem para tanto prestar uma garantia sobre a execução dos trabalhos de adaptação desse sítio.

 Quanto à garantia de perenidade do TBE e do seu acesso

334    Quanto à garantia de perenidade do TBE e do seu acesso, a recorrente alega que não tinha nenhum caráter exclusivo nem conferia, portanto, qualquer vantagem à Sernam Xpress face aos seus concorrentes.

335    Refira‑se, porém, que a Comissão entendeu acertadamente, no considerando 165 da decisão recorrida, que essa garantia diminuía significativamente o risco da Sernam Xpress‑Financière Sernam, o que constitui uma vantagem. A esse respeito, há que referir que a recorrente não alega que outras empresas utilizam o TBE na prática. Por outro lado, resulta do considerando 163 da decisão recorrida que essa garantia deu origem a um pagamento efetivo de 3 milhões de euros da recorrente à Sernam Xpress, o que não é contestado. Assim, a existência de uma vantagem a favor da Sernam Xpress face aos seus concorrentes não deixa qualquer dúvida.

 Quanto à prorrogação de três anos da garantia de reclassificação dos empregados no interior do grupo da recorrente

336    A recorrente considera que o considerando 169 da decisão recorrida, segundo o qual a prorrogação por três anos da garantia de reclassificação dos empregados no interior do seu grupo faria com que fosse mais atrativo continuar a ser empregado da Sernam Xpress, é uma petição de princípio sem qualquer fundamentação.

337    Contudo, não se pode deixar de observar que a Comissão fundamentou suficientemente, nos considerandos 169 e 171 da decisão recorrida, a existência de uma vantagem para a Sernam Xpress assente no facto de essa garantia tornar mais atrativo o facto de continuar a ser empregado da Sernam Xpress durante esse período e de permitir à Sernam Xpress manter empregados sem ter de suportar custos adicionais. A vantagem não consistia, portanto, na totalidade dos salários pagos, mas sim no diferencial correspondente ao aumento de salários que a Sernam Xpress teria de dar para conservar esses empregados, na falta dessa garantia.

338    Daí resulta que deve ser julgada improcedente a segunda parte do sexto fundamento.

339    Resulta do exposto que improcede na íntegra o sexto fundamento.

4.     Quanto ao primeiro fundamento da recorrente e quanto ao fundamento da República Francesa, relativos a uma violação dos respetivos direitos de defesa

340    Com o seu primeiro fundamento, a recorrente critica a Comissão, em substância, por ter tomado, na decisão recorrida, uma posição que não constava da decisão de abertura e sobre a qual não lhe foi possível apresentar utilmente as suas observações. Refere‑se aos considerandos 154 a 158 da decisão recorrida, segundo os quais não era de aplicar o princípio do investidor privado no presente caso.

341    A República Francesa alega, num fundamento autónomo, que essa divergência entre a decisão de abertura e a decisão recorrida constitui igualmente uma violação dos seus próprios direitos de defesa.

342    A Comissão contesta os argumentos da recorrente e considera que o fundamento invocado pela República Francesa é manifestamente inadmissível e, de qualquer forma, improcedente.

343    Quando se verifica que um argumento cuja ligação ao objeto do litígio é discutível deve, de qualquer forma, ser julgado inadmissível por outro motivo ou improcedente, o juiz pode rejeitar esse argumento sem se pronunciar sobre a questão de saber se o interveniente exorbitou do seu papel de apoio aos pedidos de uma das partes principais (v. acórdão de 15 de junho de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, Colet., EU:T:2005:219, n.° 155 e jurisprudência aí referida).

344    No caso, por razões de economia processual, o Tribunal considera que se deve analisar o fundamento invocado pela República Francesa relativo à violação dos seus direitos de defesa, sem conhecer previamente da causa de não conhecimento de mérito arguida pela Comissão a respeito da admissibilidade desse fundamento, uma vez que esses argumentos não permitem, pelos fundamentos adiante expostos, demonstrar que a Comissão, na decisão recorrida, violou os direitos de defesa do Estado‑Membro. Seguidamente será analisado o primeiro fundamento da recorrente, que critica a mesma divergência entre a decisão de abertura e a decisão recorrida.

 Quanto ao fundamento da República Francesa, relativo à violação dos seus direitos de defesa

345    A República Francesa critica, em substância, o facto de, na decisão de abertura mas também em todo o procedimento administrativo, até à sua última fase, a Comissão nunca ter considerado nem mesmo dado a entender que o critério do investidor privado era, por princípio, inaplicável no presente caso. Afirma que as autoridades francesas não tiveram a possibilidade de apresentar observações sobre a questão da aplicabilidade do critério do investidor privado conforme enunciado no acórdão Alemanha/Comissão, n.° 283, supra (EU:C:2003:55), ao presente caso e foram, pelo contrário, interrogadas principalmente sobre as condições de aplicação da comparação entre os custos de cessão dos ativos da Sernam e os custos da sua liquidação. Afirma que, na decisão recorrida, a Comissão sustentou, de forma súbita e inesperada, que essa comparação era irrelevante para o caso, uma vez que o critério do investidor privado não era aplicável às circunstâncias específicas do caso. Ao não comunicar à República Francesa a alteração radical da sua apreciação durante o processo, a Comissão não deu à República Francesa as condições para contradizer, no procedimento formal de investigação, a posição da instituição a respeito da qualificação de auxílios de Estado na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE das medidas do protocolo de acordo de 21 de julho de 2005 relativas à venda dos ativos da Sernam em bloco.

346    Nas suas observações sobre as alegações de intervenção da República Francesa, a recorrente indicou que apoiava o fundamento desta última, relativo à violação dos seus direitos de defesa como Estado‑Membro.

347    Resulta da jurisprudência que o respeito do direito de defesa em qualquer processo contra uma pessoa e suscetível de levar à adoção de um ato desfavorável constitui um princípio fundamental do direito da União e deve ser garantido mesmo na falta de regulamentação específica (v. acórdão de 21 de março de 1990, Bélgica/Comissão, C‑142/87, Colet., EU:C:1990:125, n.° 46 e jurisprudência aí referida). O Tribunal de Justiça já declarou que esse princípio exige que o Estado‑Membro em causa tenha as condições de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos em que a Comissão baseia a sua apreciação (v., neste sentido e por analogia, acórdão Bélgica/Comissão, já referido, EU:C:1990:125, n.° 47).

348    De acordo com o artigo 6.° do Regulamento n.° 659/1999, quando a Comissão decide abrir o procedimento formal de investigação, a decisão de abertura pode limitar‑se a recapitular os elementos relevantes de facto e de direito, incluir uma avaliação provisória da medida estatal em causa a fim de determinar se tem o caráter de auxílio e expor as razões que levam a duvidar da sua compatibilidade com o mercado interno (acórdãos de 23 de outubro de 2002, Diputación Foral de Guipúzcoa e o./Comissão, T‑269/99, T‑271/99 e T‑272/99, Colet., EU:T:2002:258, n.° 104, e de 22 de outubro de 2008, TV2/Danmark e o./Comissão, T‑309/04, T‑317/04, T‑329/04 e T‑336/04, Colet., EU:T:2008:457, n.° 138).

349    Refira‑se que o procedimento formal de investigação permite aprofundar e esclarecer as questões suscitadas na decisão de abertura (acórdão de 4 de março de 2009, Itália/Comissão, T‑424/05, EU:T:2009:49, n.° 69).

350    Resulta do artigo 7.° do Regulamento n.° 659/1999 que, no termo do procedimento formal de investigação, a análise da Comissão pode ter evoluído, uma vez que pode vir a decidir a final que a medida não constitui um auxílio ou que as dúvidas sobre a sua incompatibilidade foram removidas. Daí resulta que a decisão final pode apresentar certas divergências com a decisão de abertura, sem que estas com isso viciem a decisão final (acórdãos Itália/Comissão, n.° 349, supra, EU:T:2009:49, n.° 69, e de 16 de dezembro de 2010, Países Baixos e NOS/Comissão, T‑231/06 e T‑237/06, Colet., EU:T:2010:525, n.° 50).

351    No presente caso, há que observar que, na decisão de abertura, a Comissão indicou, nomeadamente nos n.os 131 a 133 e 166 dessa decisão, que, para determinar se a recapitalização e a remissão de créditos constituíam auxílios de Estado, tencionava aplicar o critério do investidor privado do tipo «Gröditzer» procedendo à comparação dos custos da operação executada nos termos do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 com os que para a recorrente resultariam de uma liquidação da Sernam.

352    Contudo, em primeiro lugar, refira‑se que os n.os 141 e 142 da decisão de abertura evidenciavam claramente o caráter preliminar desse raciocínio quanto à qualificação de auxílio novo, como ilustra a utilização do termo «nesta fase». O facto de outras passagens serem mais afirmativas não é suscetível de desmentir esta conclusão, sobretudo à luz da finalidade da decisão de abertura e do caráter preliminar da análise aí efetuada.

353    Assim, embora a Comissão tenha considerado necessário recolher informações relativas aos custos de liquidação da Sernam, a conclusão, no n.° 140 da decisão de abertura, de que se deverá determinar se o custo total de recapitalização era mais alto ou mais baixo do que o custo hipotético de liquidação da Sernam deve ser enquadrada no contexto do procedimento formal de investigação e dos seus objetivos, a saber, permitir aos interessados apresentarem a sua posição e à Comissão ficar completamente esclarecida sobre todos os dados do processo antes de tomar a sua decisão. O procedimento formal de investigação não pode ter outro alcance que não este acima descrito nem, nomeadamente, o de decidir definitivamente, ainda antes da adoção da decisão final, sobre certos elementos do processo (v., neste sentido, acórdão de 1 de julho de 2010, ThyssenKrupp Acciai Speciali Terni/Comissão, T‑62/08, Colet., EU:T:2010:268, n.os 174, 175 e jurisprudência aí referida).

354    Em segundo lugar, visto a questão do critério do investidor privado ter sido referida na decisão de abertura, a fim de apreciar se a recapitalização e a remissão de créditos constituíam uma vantagem na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, o Estado‑Membro teve a possibilidade, portanto, de apresentar todos os argumentos que explicassem por que razão o critério devia ser aplicado, sobretudo à luz do contexto específico do caso. A Comissão salienta a esse respeito que não havia precedentes de aplicação do critério do investidor privado num contexto de execução de uma decisão de compatibilidade condicional.

355    Refira‑se igualmente que, no n.° 161 da decisão de abertura, a Comissão mencionou que poderiam decorrer das garantias da SNCF outros recursos suplementares à disposição da Sernam Xpress, nomeadamente sob a forma de vantagem financeira.

356    Por conseguinte, face à decisão de abertura, a República Francesa teve a possibilidade de conhecer o raciocínio que levou a Comissão a considerar provisoriamente que a recapitalização, a remissão de créditos e as garantias podiam constituir auxílios novos incompatíveis e dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre os elementos em que a Comissão baseou a sua apreciação.

357    Em terceiro lugar, de nenhuma disposição relativa aos auxílios de Estado ou da jurisprudência resulta que a Comissão tenha de ouvir o beneficiário de recursos de Estado quanto à apreciação jurídica que faz sobre a medida em causa ou que tenha de informar o Estado‑Membro em questão — e, a fortiori, o beneficiário do auxílio — da sua posição antes de adotar a decisão, quando os interessados e o Estado‑Membro tenham sido notificados para apresentarem as suas observações (acórdão de 1 de julho de 2010, Itália/Comissão, T‑53/08, Colet., EU:T:2010:267, n.° 123).

358    Em quarto lugar, à luz da fundamentação da inaplicabilidade do critério do investidor privado no presente caso, isto é, o contexto de recuperação de auxílios de Estado, no considerando 154 da decisão recorrida, e o facto de o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 ser uma medida equivalente às medidas compensatórias do n.° 1 que não foi respeitada, no considerando 155 da decisão recorrida, há que observar que, na fase da decisão de abertura, a Comissão tinha ainda de verificar se o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 e a recuperação do auxílio ilegal e incompatível de 41 milhões de euros tinham sido corretamente aplicados. Assim, no momento da decisão de abertura, a Comissão não tinha ainda a possibilidade de determinar que o critério do investidor privado seria inaplicável ao presente caso.

359    Daí resulta que há que julgar improcedente o fundamento relativo à violação dos direitos de defesa da República Francesa.

 Quanto ao primeiro fundamento da recorrente, relativo à violação dos seus direitos de defesa

360    A recorrente, apoiada pela República Francesa, apresenta, em substância, duas alegações. Com a sua primeira alegação, a recorrente afirma que a divergência entre a decisão de abertura e a decisão recorrida, acima referida no n.° 345, constitui uma violação dos seus direitos de defesa. Com a segunda alegação, afirma que essa divergência constitui uma violação do seu direito de apresentar observações como parte interessada, sobre um elemento essencial que permitiu concluir que as modalidades de cessão constituíam auxílios de Estado.

361    Quanto aos direitos processuais da recorrente, há que recordar que, de qualquer forma, são menos extensos do que os da República Francesa como Estado‑Membro a que respeita o procedimento formal de investigação, de acordo com o artigo 108.°, n.° 2, TFUE. A este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que os interessados diferentes do Estado‑Membro em causa, como, neste caso, a recorrente, apenas têm, no procedimento relativo ao controlo dos auxílios de Estado, a faculdade de enviar à Comissão todas as informações destinadas a esclarecê‑la na sua ação futura, não podendo exigir a participação num debate contraditório com a Comissão, como o que é aberto ao referido Estado‑Membro (v., neste sentido, acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, Colet., EU:C:2011:732, n.os 180, 181 e jurisprudência aí referida). O direito de informação que assiste aos interessados não excede o de ser ouvido pela Comissão. Em particular, não se pode estender ao direito geral de expressão sobre todos os pontos potencialmente capitais suscitados no procedimento formal de investigação (v. acórdão de 30 de novembro de 2009, França/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, Colet., EU:T:2009:474, n.° 149 e jurisprudência aí referida).

362    Tendo em conta estes princípios, verifica‑se que a recorrente, longe de poder invocar os direitos de defesa reconhecidos às pessoas contra quem está aberto um processo, apenas tem o direito de ser associada ao procedimento administrativo na medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso (acórdãos de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, Colet., EU:T:1998:140, n.° 60, e de 6 de março de 2003, Westdeutsche Landesbank Girozentrale e Land Nordrhein‑Westfalen/Comissão, T‑228/99 e T‑233/99, Colet., EU:T:2003:57, n.° 125).

363    Improcede, portanto, a alegação da recorrente de violação dos seus direitos de defesa.

364    Quanto à alegação da recorrente de violação dos seus direitos como parte interessada, refira‑se que teve a faculdade de apresentar comentários à Comissão quanto à decisão de abertura, que identificava precisamente as medidas controvertidas como potenciais auxílios de Estado incompatíveis, faculdade de que fez uso. Por conseguinte, a recorrente foi suficientemente informada da existência de um procedimento de investigação e foi‑lhe dada a possibilidade de apresentar todas as observações que entendesse úteis como parte interessada.

365    Na medida em que a divergência observada entre a decisão de abertura e a decisão recorrida não constitui uma violação dos direitos de defesa da República Francesa e a recorrente alega, em substância, os mesmos argumentos da República Francesa, há que observar que essa divergência entre a decisão de abertura e a decisão recorrida também não constitui uma violação dos seus direitos processuais como parte interessada no processo.

366    Improcede, portanto, a alegação de violação do direito da recorrente de apresentar observações úteis como parte interessada.

367    Em face do exposto, há que julgar improcedente o primeiro fundamento da recorrente.

5.     Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação do princípio da proteção da confiança legítima

368    A recorrente apresenta, em substância, três alegações. Com a primeira alegação, a recorrente afirma que o artigo 3.°, n.° 2, e o artigo 4.° da decisão Sernam 2 lhe criaram fundadas esperanças sobre o facto de estar autorizada a proceder como fez na cessão dos ativos e na recuperação dos 41 milhões de euros do auxílio declarado incompatível pela decisão Sernam 2. Com a segunda alegação, a recorrente afirma que o pedido de informação da Comissão sobre os pormenores dos custos de liquidação da Sernam, em 14 de março de 2006, lhe reforçou a convicção de que o critério do investidor privado iria ser aplicado à cessão dos ativos em bloco da Sernam e que, por conseguinte, esta estava isenta de auxílios de Estado. Com a sua terceira alegação, a recorrente contesta em substância os considerandos 126 e 177 a 182 da decisão recorrida.

 Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de o artigo 3.°, n.° 2, e o artigo 4.° da decisão Sernam 2 terem criado fundadas esperanças a respeito da recorrente quanto ao facto de estar autorizada a proceder como fez na cessão dos ativos e na recuperação dos 41 milhões de euros

369    A recorrente alega que o artigo 3.°, n.° 2, e o artigo 4.° da decisão Sernam 2 constituíam «princípios sem o menor equívoco» e «posições tomadas» que baseavam a sua confiança legítima no facto de estar autorizada a executá‑los como fez.

370    Segundo jurisprudência constante, o direito de invocar o princípio da proteção da confiança legítima é reconhecido a qualquer litigante no qual uma instituição da União tenha feito surgir esperanças fundadas [acórdão de 11 de março de 1987, Van den Bergh en Jurgens e Van Dijk Food Products (Lopik)/CEE, 265/85, EU:C:1987:121, n.° 44]. Exige a reunião de três pressupostos cumulativos. Em primeiro lugar, a Administração da União tem de ter fornecido ao interessado garantias precisas, incondicionais e concordantes, emanadas de fontes autorizadas e fiáveis. Em segundo lugar, essas garantias têm de ser capazes de criar uma expectativa legítima no espírito daquele a quem se dirigem. Em terceiro lugar, as garantias dadas devem ser conformes com as normas aplicáveis (v. acórdão de 30 de junho de 2005, Branco/Comissão, T‑347/03, Colet., EU:T:2005:265, n.° 102 e jurisprudência aí referida; acórdãos de 23 de fevereiro de 2006, Cementbouw Handel & Industrie/Comissão, T‑282/02, Colet., EU:T:2006:64, n.° 77, e de 30 de junho de 2009, CPEM/Comissão, T‑444/07, Colet., EU:T:2009:227, n.° 126).

371    Refira‑se que o artigo 1.° da decisão Sernam 2 (v. n.° 14, supra) dispõe expressamente que o auxílio de Estado a favor da Sernam, aprovado em maio de 2001 no valor de 503 milhões de euros, é compatível com o mercado comum nas condições previstas nos artigos 3.° e 4.° da mesma decisão.

372    Resulta dos n.os 118, 278 e 279, supra, que o artigo 3.°, n.° 2, e o artigo 4.° da decisão Sernam 2 eram suficientemente compreensíveis quanto ao facto de a venda dos ativos da Sernam em bloco não autorizar a cessão dos seus passivos e que, se continuasse a existir no mercado a Sernam ou outra entidade que a continuasse economicamente, incumbir‑lhe‑ia o reembolso dos 41 milhões de euros, mesmo no caso de preço de mercado por meio de um processo transparente e aberto a todos os seus concorrentes. Resulta ainda da análise do quarto e quinto fundamentos que a recorrente aplicou mal essas duas disposições da decisão Sernam 2.

373    Por conseguinte, o artigo 3.°, n.° 2, e o artigo 4.° da decisão Sernam 2 não eram suscetíveis de fundar qualquer confiança legítima da recorrente em que poderia juntar os passivos da Sernam aos ativos e limitar‑se a inscrever no passivo de liquidação da Sernam os 41 milhões de euros apesar de existir uma continuidade económica entre a Sernam e a Sernam Xpress.

374    Além disso, o artigo 3.°, n.° 2, e o artigo 4.° da decisão Sernam 2 impunham condições e, portanto, não eram suscetíveis de dar garantias precisas e incondicionais quanto ao facto de essas condições serem consideradas respeitadas. Como acertadamente assinala a Comissão, esta alegação não é relativa à confiança legítima enquanto tal, mas antes à verificação do respeito das condições de compatibilidade impostas na decisão Sernam 2.

375    Daí resulta que improcede a primeira alegação.

 Quanto à segunda alegação, relativa ao conteúdo do pedido de informações sobre os pormenores dos custos de liquidação da Sernam, de 14 de março de 2006

376    A recorrente alega que o pedido de informação da Comissão sobre os pormenores dos custos de liquidação da Sernam, em 14 de março de 2006, lhe reforçou a ideia de que a Comissão iria aplicar o critério do investidor privado do tipo «Gröditzer» em matéria de vendas a preço negativo e que, por conseguinte, a cessão dos ativos da Sernam em bloco estava isenta de auxílios de Estado.

377    Primeiro, refira‑se que a carta de 14 de março de 2006 se insere numa diligência de verificação do respeito das condições da decisão Sernam 2 e é posterior à operação organizada pela recorrente para executar o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2. Por conseguinte, essa carta não era suscetível de fundar uma confiança legítima da recorrente no facto de a sua operação, anterior a essa carta, não incluir novos auxílios de Estado.

378    Segundo, contrariamente ao que alega a recorrente, essa indicação na carta de 14 de março de 2006 em caso algum era suscetível de lhe dar garantias precisas, incondicionais e concordantes de que, por um lado, a Comissão iria aplicar efetivamente o critério do investidor privado na decisão final e, por outro, seria considerado preenchido no presente caso. Com efeito, era um simples pedido de informações da Comissão que se inseria numa diligência de verificação, e não uma análise acabada e definitiva das medidas em causa.

379    Por conseguinte, improcede a segunda alegação.

 Quanto à terceira alegação, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro nos considerandos 126 e 177 a 182 da decisão recorrida

380    A recorrente alega em substância que a Comissão cometeu um erro nos considerandos 177 a 182 da decisão recorrida, ao rejeitar que as diligências das autoridades francesas com a Comissão tivessem criado na República Francesa ou nos beneficiários do auxílio uma confiança legítima quanto à conformidade da transação com a decisão Sernam 2.

381    O Tribunal considera que se devem analisar igualmente no âmbito da presente alegação certos argumentos suscitados no âmbito da sexta parte do quarto fundamento, contra o considerando 126 da decisão recorrida, que se sobrepõem em grande parte aos suscitados no âmbito da presente alegação.

382    A recorrente apresenta, em substância, três argumentos em apoio da sua terceira alegação.

383    Resulta dos considerandos 126 e 177 a 182 da decisão recorrida que a Comissão, em substância, rejeitou o facto de ter surgido uma confiança legítima na conformidade da operação realizada com a decisão Sernam 2 e o direito da União com base nas iniciativas das autoridades francesas, tais como a sua visita à Comissão em 24 de novembro de 2004, a sua carta de 21 de dezembro de 2004 e outros contactos com ela. Entendeu, nos considerandos 178 a 181, que as informações comunicadas pela República Francesa se limitavam a informar da opção de vender os ativos em bloco sem descrever os elementos essenciais da operação de transferência dos ativos da Sernam e que, de qualquer forma, as autoridades francesas não podiam pretender beneficiar de uma confiança legítima sem a ter informado espontaneamente, em 21 de dezembro de 2004 ou depois, desses elementos substanciais. A Comissão acrescentou, nos considerandos 126 e 182 da decisão recorrida, que, se as autoridades francesas tinham dificuldades em executar a decisão Sernam 2, deveriam tê‑la contactado a fim de, com o seu acordo, chegarem a uma solução com outro esquema, ao abrigo do princípio da cooperação leal previsto no artigo 4.°, n.° 3, TUE, e da secção 3.2.3 das orientações relativas à emergência e à reestruturação, segundo a qual um Estado‑Membro não se pode desviar do plano de reestruturação sem notificação e aprovação prévia da Comissão.

384    Em primeiro lugar, a recorrente alega contactos com a Comissão que teriam fundado a sua confiança legítima em que a operação realizada respeitava a decisão Sernam 2.

385    Quanto ao contacto telefónico de 8 de novembro de 2004 entre o diretor‑geral da Agência de Participações do Estado (APE) e o diretor‑geral da Direção‑Geral (DG) da Energia e dos Transportes, não se pode deixar de observar que a recorrente não invoca nenhum relato dessa troca e que também não existe no processo qualquer relatório oficial dessa troca. Isto também se impõe no que respeita à reunião entre o diretor dos assuntos gerais da DG da Energia e dos Transportes e a delegação APE‑SNCF de 24 de novembro de 2004 e ao contacto telefónico de julho de 2005 entre o presidente da SNCF e o diretor da DG da Energia e dos Transportes. As breves alusões a esses contactos contidas nos autos não permitem ter uma visão clara e exaustiva das trocas havidas nem concluir que tivesse sido dada às autoridades francesas qualquer autorização quanto aos elementos controvertidos da operação.

386    Em segundo lugar, a recorrente invoca a carta das autoridades francesas à Comissão de 21 de dezembro de 2004. Ora, resulta da leitura desse documento que a Comissão teve razão ao entender, no considerando 179 da decisão recorrida, que não lhe permitia prever a forma exata pela qual as autoridades francesas iriam executar a decisão Sernam 2, pois os elementos essenciais e controvertidos da transação não constavam dela, a saber, o facto de a cessão assentar numa transferência intragrupo dos ativos e dos passivos no interior de outra entidade jurídica (a Sernam Xpress), seguida de uma cessão dessa outra entidade («share deal»); a maior parte dos passivos seriam transferidos com os ativos e que só a ordem de recuperação relativa ao auxílio de 41 milhões de euros e os créditos da SNCF no montante de 38,5 milhões de euros ficariam no passivo de liquidação da Sernam; ou, ainda, a República Francesa estava disposta a recapitalizar a Sernam e a Sernam Xpress em caso de oferta de aquisição a preço negativo.

387    Com efeito, nenhum destes elementos figura expressamente nessa carta. Como salienta a Comissão, «pelo contrário, na carta de 21 de dezembro de 2004, sugere‑se que a cessão seria realizada sem distinção entre os passivos e a um preço positivo, uma vez que indica que ‘[a]ssim que a cessão for realizada, o produto resultante será utilizado para o reembolso dos passivos da pessoa coletiva Sernam, nomeadamente o auxílio incompatível, no quadro dos procedimentos nacionais habituais’».

388    Em terceiro lugar, a recorrente critica os considerandos 126 e 182 da decisão recorrida com o fundamento de que a decisão Sernam 2 foi corretamente aplicada e que não houve nenhuma alteração do plano de reestruturação. Esta argumentação deve ser rejeitada na medida em que resulta da análise do quarto fundamento que, na realidade, o artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2 não foi respeitado. Ora, esta condição de compatibilidade do auxílio fazia parte integrante do plano de reestruturação aprovado pela decisão Sernam 2. Assim, as autoridades francesas, de acordo com o n.° 52 das orientações relativas à emergência e à reestruturação, deveriam ter pedido à Comissão que aceitasse alterações ao plano de reestruturação.

389    Improcede, portanto, a terceira alegação.

390    Em face do exposto, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

6.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação da obrigação de respeito de um prazo razoável e do princípio da segurança jurídica

391    A recorrente alega, em substância, que, ao adotar a decisão recorrida mais de sete anos depois da realização da operação dita «de venda dos ativos em bloco», a Comissão violou a obrigação de respeito de um prazo razoável, o artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, conjugado com o seu artigo 52.°, n.° 3, e o princípio da segurança jurídica. No essencial, os seus argumentos podem dividir‑se em três alegações.

392    A título preliminar, há que recordar que a observância de um prazo razoável na condução dos procedimentos administrativos em matéria de política da concorrência constitui um princípio geral do direito da União, cujo respeito é assegurado pelos tribunais da União e que é reproduzido, como componente do direito a uma boa administração, pelo artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais (acórdão de 13 de janeiro de 2004, JCB Service/Comissão, T‑67/01, Colet., EU:T:2004:3, n.° 36).

393    Todavia, a violação do princípio do prazo razoável só justifica a anulação da decisão tomada no termo de um procedimento administrativo em matéria de concorrência se se verificar também uma violação dos direitos de defesa da empresa em causa. Com efeito, quando não se demonstre que o decurso excessivo de tempo afetou a capacidade de as empresas em causa se defenderem efetivamente, o desrespeito do princípio do prazo razoável não tem influência na validade do procedimento administrativo e só pode, portanto, ser considerado causa de um dano suscetível de ser invocado perante o juiz da União. De qualquer forma, há que recordar que, na fase de investigação a que se refere o artigo 108.°, n.° 2, TFUE, os interessados, como a recorrente no presente caso, longe de poderem invocar o direito de defesa reconhecido às pessoas contra quem está aberto um procedimento, gozam unicamente do direito a serem associados ao procedimento administrativo numa medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (v., neste sentido, acórdão Eridania Sadam/Comissão, n.° 230, supra, EU:T:2011:608, n.os 80 e 81 e jurisprudência aí referida).

 Quanto à primeira alegação, relativa ao prazo de três anos decorrido depois da venda dos ativos da Sernam em bloco até à abertura do procedimento formal de investigação, em 16 de julho de 2008

394    A recorrente critica, em substância, a Comissão pelo prazo excessivo de três anos decorrido depois da venda dos ativos da Sernam em bloco até à abertura de um procedimento formal de investigação, em 16 de julho de 2008. A recorrente invoca vários elementos para demonstrar a informação rápida da Comissão sobre as modalidades da cessão dos ativos da Sernam que aplicou, tais como a denúncia apresentada pelo primeiro denunciante logo em junho de 2005, a entrevista dada pelo presidente da SNCF no Les Echos em 26 de julho de 2005 e a informação por telefone do diretor da DG da Energia e dos Transportes quanto às modalidades de cessão logo em julho de 2005. Por outro lado, alega que foi proposta uma ação por omissão contra a Comissão em 22 de fevereiro de 2006 e que, já em 11 de abril de 2006, a Comissão estava na posse de todas as informações e documentos necessários à sua análise.

395    Como já foi recordado, o respeito pela Comissão de um prazo razoável na adoção de decisões no final de procedimentos administrativos em matéria de política de concorrência constitui um princípio da boa administração (v., neste sentido, acórdãos de 27 de novembro de 2003, Regione Siciliana/Comissão, T‑190/00, Colet., EU:T:2003:316, n.° 136 e jurisprudência aí referida, e JCB Service/Comissão, n.° 392, supra, EU:T:2004:3, n.° 36).

396    Segundo a jurisprudência, o facto de a fase de investigação preliminar ter sido desencadeada por uma denúncia e não por uma notificação não leva a permitir que a Comissão prolongue de forma discricionária a fase preliminar de investigação. Assim, já se considerou que, na medida em que tem competência exclusiva para apreciar a compatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno, a Comissão é obrigada, no interesse de uma boa administração das regras fundamentais do Tratado relativas aos auxílios de Estado, a proceder a um exame diligente e imparcial de uma denúncia da existência de um auxílio incompatível com o mercado interno e que não pode, portanto, prolongar indefinidamente o exame preliminar de medidas estatais objeto de uma denúncia relativa a um auxílio de Estado. Segundo jurisprudência constante, o caráter razoável da duração desse procedimento administrativo deve apreciar‑se em função das circunstâncias próprias de cada caso, nomeadamente do seu contexto, das diferentes etapas processuais que a Comissão deve seguir, da complexidade do processo e da sua importância para as diferentes partes interessadas (v., neste sentido, acórdão de 20 de setembro de 2011, Regione autonoma della Sardegna e o./Comissão, T‑394/08, T‑408/08, T‑453/08 e T‑454/08, Colet., EU:T:2011:493, n.os 98, 99 e jurisprudência aí referida).

397    No presente caso, resulta dos autos que a Comissão analisou imediatamente as informações na sua posse a respeito das denúncias relativas à aplicação abusiva do auxílio, de acordo com o artigo 10.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, aplicável mutatis mutandis aos auxílios abusivos, de acordo com o artigo 16.° desse regulamento, e não ficou inativa durante o período de três anos anterior à decisão de abertura.

398    As principais etapas foram as seguintes:

–        questões da Comissão às autoridades francesas por cartas de 30 de setembro de 2005 e resposta das autoridades francesas em 2 de novembro de 2005;

–        questões da Comissão às autoridades francesas por carta de 14 de março de 2006 e resposta das autoridades francesas em 11 de abril de 2006;

–        por cartas de 10 de abril de 2006 e 23 de abril de 2007, uma segunda parte interessada apresentou igualmente uma denúncia à Comissão;

–        questões da Comissão às autoridades francesas por carta de 8 de setembro de 2006 e respostas das autoridades francesas em 10 de outubro de 2006;

–        reunião entre as autoridades francesas e a Comissão em 14 de maio de 2007; as autoridades francesas responderam às questões da Comissão por carta de 25 de julho de 2007;

–        reunião entre a Comissão e as autoridades francesas em 18 de abril de 2008 e, no seguimento dessa reunião, memorando das autoridades francesas de 6 de maio de 2008 com respostas às questões formuladas nessa reunião.

399    Contrariamente ao que afirma a recorrente, a Comissão não tinha conhecimento completo do processo em 11 de abril de 2006, uma vez que entendeu, nas suas novas questões de 8 de setembro de 2006, que as duas respostas recebidas das autoridades francesas e os novos elementos que lhe tinham sido fornecidos suscitavam questões adicionais.

400    Por outro lado, esse prazo não se afigura exagerado à luz da complexidade factual e jurídica do processo.

401    Improcede, portanto, a primeira alegação.

 Quanto à segunda alegação, relativa ao prazo de mais de três anos decorrido entre a abertura do procedimento formal de investigação, em 16 de julho de 2008, e o pedido de informações de 29 de novembro de 2011

402    A recorrente critica a Comissão, em substância, pelo período de mais de três anos decorrido entre a abertura do procedimento formal de investigação, em 16 de julho de 2008, e o pedido de informações de 29 de novembro de 2011. Primeiro, a recorrente alega que os últimos comentários das autoridades francesas quanto às observações do primeiro denunciante relativas à decisão de abertura do procedimento tinham sido transmitidas em 7 de maio de 2009, isto é, dois anos e meio antes da adoção da decisão recorrida. Segundo, no que respeita ao pedido de informações de 29 de novembro de 2011, a recorrente considera estranho que as questões colocadas fossem unicamente relativas aos custos de liquidação da Sernam, problemática que viria a ser abandonada três meses mais tarde, quando foi adotada a decisão recorrida, bem como o período de seis anos de que a Comissão necessitou para pedir uma cópia das propostas de aquisição dos ativos em bloco da Sernam recebidas no processo de concurso.

403    Em primeiro lugar, há que referir que, na sequência da abertura do procedimento formal, em 16 de julho de 2008, as principais etapas do processo foram as seguintes:

–        em 8 de outubro de 2008, 13 de novembro de 2008, 6 e 9 de fevereiro de 2009, as autoridades francesas, o primeiro denunciante, a recorrente e o fundo de investimento que entrou no capital da Sernam Xpress, sucessivamente, apresentaram observações sobre a decisão de abertura; a Comissão transmitiu as observações recebidas à República Francesa em 25 de março de 2009;

–        em 5 de maio de 2009, as autoridades francesas apresentaram as suas observações sobre as observações do primeiro denunciante (recebidas pela Comissão em 7 de maio de 2009);

–        em 25 de novembro de 2009, a Comissão transmitiu um novo pedido de informações às autoridades francesas, que responderam em 14 de janeiro de 2010;

–        Em 15 de março de 2011, o segundo denunciante solicitou à Comissão que adotasse atos de instrução destinados a verificar as condições de aplicação da decisão Sernam 2; a Comissão respondeu‑lhe em 18 de maio de 2011;

–        em 29 de novembro de 2011 e 13 de janeiro de 2012, a Comissão colocou novamente questões às autoridades francesas, que responderam, respetivamente, em 6 e 25 de janeiro de 2012;

–        em 9 de março de 2012, foi adotada a decisão recorrida.

404    Refira‑se que o período de mais de três anos decorrido entre a abertura do procedimento formal de investigação e o pedido de informações de novembro de 2011, criticado pela recorrente, foi interrompido pelas diversas observações recebidas sobre a decisão de abertura e pelo pedido de informações de 25 de novembro de 2009.

405    Assim, a Comissão teve de explorar e analisar as observações recebidas sobre a decisão de abertura, nomeadamente certos documentos juntos às observações da República Francesa de 8 de outubro de 2008, tais como o relatório do gabinete de auditoria Y atualizado e o relatório redigido por um professor de direito francês, relativo ao direito nacional.

406    Dada a complexidade factual e jurídica do processo, esse período de análise não parece exagerado. Com efeito, o contexto do caso era particular, na medida em que a Comissão já por duas vezes tinha tido de analisar os auxílios concedidos de forma ilegal e já tinha verificado a aplicação abusiva dos auxílios declarados compatíveis na decisão Sernam 1. Além disso, as operações de cessão a analisar eram complexas e a Comissão teve de analisar não só a execução das condições de compatibilidade da decisão Sernam 2, a questão da recuperação dos 41 milhões de euros de auxílio declarado incompatível pela decisão Sernam 2 e da continuidade económica entre várias entidades mas também a questão dos auxílios novos contidos no protocolo de acordo de 21 de julho de 2005.

407    Por outro lado, nem a recorrente nem a República Francesa alegam que durante o procedimento administrativo se tivessem queixado da sua demora.

408    Em segundo lugar, primeiro, refira‑se que a Comissão fez bem em esperar antes de pedir uma cópia das propostas recebidas no concurso. Com efeito, podia considerar suficientes, inicialmente, as explicações das autoridades francesas relativas a essas propostas que tinham sido anteriormente transmitidas, nomeadamente nas cartas de 11 de abril de 2006 e 6 de maio de 2008, as suas observações sobre a decisão de abertura de 8 de outubro de 2008 e as suas observações de 5 de maio de 2009. Segundo, o facto de as questões colocadas no pedido de informações de 29 de novembro de 2011 terem sido relativas, nomeadamente mas não unicamente, aos custos de liquidação da Sernam, problemática que viria a ser abandonada três meses mais tarde com a adoção da decisão recorrida, não basta para demonstrar uma violação do princípio do prazo razoável, na medida em que a Comissão não ficou inativa e teve razão ao querer afinar a sua reflexão sobre essa questão.

409    Daí resulta que improcede a segunda alegação e que, portanto, não há que declarar violado um direito de os processos serem tratados num prazo razoável.

 Quanto à terceira alegação, relativa à violação do princípio da segurança jurídica, que impõe à Comissão que proceda com diligência, e à violação do artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais

410    Primeiro, a recorrente alega que a duração excessiva do procedimento viola o artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais. A esse respeito, salienta, na réplica, que essa disposição, conjugada com o artigo 52.°, n.° 3, dessa Carta, impõe que seja garantidas soluções efetivas no caso de violação de um direito fundamental, como o de obter uma decisão num prazo razoável. Ora, a não aplicação de quaisquer sanções e o fim do procedimento constituem uma das modalidades possíveis de eliminar as consequências da violação do princípio do prazo razoável na aceção do artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais.

411    Resulta do n.° 409, supra, que, no presente caso, não há que declarar uma violação de um direito de ter os processos tratados num prazo razoável. Assim, improcede igualmente a alegação de violação do artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais, conjugado com o artigo 52.°, n.° 3, da mesma Carta.

412    Segundo, a recorrente alega que a duração excessiva do procedimento violou o princípio da segurança jurídica, que impõe que a Comissão proceda com diligência.

413    Segundo a jurisprudência, o princípio da segurança jurídica exige que as normas do direito da União sejam claras e precisas, a fim de os interessados poderem orientar‑se nas situações e nas relações jurídicas do foro do ordenamento jurídico da União (v. acórdão de 30 de abril de 2014, Tisza Erőmű/Comissão, T‑468/08, EU:T:2014:235, n.° 221 e jurisprudência aí referida).

414    Uma vez que a recorrente se limita a alegar que a duração do procedimento violou o princípio da segurança jurídica sem apresentar qualquer argumento preciso, resulta do n.° 409, supra, que esta alegação é improcedente, na medida em que não resulta dos autos que a Comissão tenha violado o seu dever de respeito de um prazo razoável.

415    A esse respeito, refira‑se que, desde a decisão de abertura de 16 de julho de 2008, a recorrente tinha a garantia de que a Comissão iria tomar uma decisão final quanto às questões do respeito das condições da decisão Sernam 2, do reembolso do auxílio de 41 milhões de euros declarado incompatível pela decisão Sernam 2 e dos novos auxílios de Estado. Não pode, pois, alegar que as normas de direito da União a esse respeito não eram claras e precisas.

416    Na eventualidade de, ao considerar estranho que as questões colocadas no pedido de informações de 29 de novembro de 2011 tenham sido unicamente relativas aos custos de liquidação da Sernam, problemática posteriormente abandonada, a recorrente com isso pretender alegar uma violação do princípio da segurança jurídica, basta observar que esse pedido de informações, tal como o de 14 de março de 2006, não viola o princípio da segurança jurídica nem o princípio da confiança legítima, conforme acima resulta dos n.os 376 a 379, uma vez que se insere no âmbito do procedimento formal de investigação e que, se a recorrente tinha a garantia de que iria ser tomada uma decisão, nomeadamente a respeito da qualificação das medidas do protocolo de acordo de 21 de julho de 2005 à luz do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, não podia pedir para conhecer antecipadamente a apreciação jurídica que a Comissão iria fazer afinal sobre essas medidas.

417    Improcede, portanto a terceira alegação.

418    Daqui resulta que o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente.

419    Resulta do exposto que há que negar provimento ao recurso na íntegra e que, por razões de economia processual, não é necessário conhecer previamente da sua admissibilidade (acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, Colet., EU:C:2002:118, n.os 51 e 52, e Regione autonoma della Sardegna/Comissão, n.° 343, supra, EU:T:2005:219, n.° 155).

 Quanto às despesas

420    Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No presente caso, tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas da Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

421    A República Francesa suportará as respetivas despesas por força do artigo 138.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

422    A Mory e a Mory Team suportarão as suas próprias despesas, nos termos do artigo 138.°, n.° 3, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso da Société nationale des chemins de fer français (SNCF).

2)      A SNCF suportará, para além das suas próprias despesas, as despesas da Comissão Europeia.

3)      A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

4)      A Mory e a Mory Team suportarão as suas próprias despesas.

van der Woude

Wiszniewska‑Białecka

Ulloa Rubio

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de dezembro de 2015.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

1.  Quanto à recorrente e à Sernam na época dos factos

2.  Quanto à decisão Sernam 1

3.  Quanto à decisão Sernam 2

4.  Quanto à transmissão dos ativos em bloco da Sernam à Financière Sernam e quanto aos acontecimentos posteriores

5.  Quanto ao processo que levou à adoção da decisão recorrida

6.  Decisão recorrida

Quanto à aplicação abusiva do auxílio de Estado autorizado pela decisão Sernam 2

Quanto à recuperação do auxílio de 41 milhões de euros

Quanto aos novos auxílios concedidos à Sernam Xpress‑Financière Sernam

7.  Quanto aos factos posteriores à decisão recorrida

Tramitação do processo e pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto ao quarto fundamento, relativo a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao considerar que a cessão dos ativos em bloco da Sernam não tinha respeitado as condições previstas no artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2

Quanto à primeira parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 97 e 98 da decisão recorrida, que a cessão dos ativos da Sernam em bloco não tinha ocorrido em 30 de junho de 2005

Quanto à segunda parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 99 a 102 da decisão recorrida, que a cessão dos ativos em bloco da Sernam a um preço negativo não constituía uma venda

Quanto à terceira parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 103 a 116 da decisão recorrida, que a operação constituía uma transmissão da «totalidade» (ativos e passivos) da Sernam

Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de a Comissão ter erradamente entendido, nos considerandos 103 e 113 a 116 da decisão recorrida, que a transmissão realizada pela recorrente não era limitada aos ativos, antes abrangia a totalidade (ativos e passivos) da Sernam

—  Quanto ao primeiro argumento, segundo o qual a Comissão fez uma leitura errada do artigo 3.°, n.° 2, da decisão Sernam 2, ao pressupor que a venda dos ativos da Sernam em bloco devia ter como objeto unicamente os ativos de Sernam com exclusão dos passivos

—  Quanto ao segundo argumento, relativo ao facto de terem sido os condicionalismos do direito nacional que obrigaram a recorrente a juntar certos passivos aos ativos da Sernam (com exceção dos passivos financeiros)

—  Quanto ao terceiro argumento, relativo ao facto de a transmissão não ter como objeto, na realidade, a «totalidade» (ativos e passivos) da Sernam

Quanto à segunda alegação, relativa ao facto de a Comissão ter considerado erradamente, nos considerandos 108 a 112 e 124 da decisão recorrida, que a transmissão consistia numa transferência em bloco dos ativos e passivos no interior de um grupo, seguida de uma venda das ações («share deal») da filial que os recebeu

Quanto à quarta parte, relativa a um erro de direito cometido pela Comissão ao entender, no considerando 117 da decisão recorrida, que a transmissão não era limitada aos ativos da Sernam, mas tinha sido aumentada em 57 milhões de euros líquidos

Quanto à quinta parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 118 e 119 da decisão recorrida, que a venda dos ativos da Sernam em bloco não tinha decorrido por meio de um processo transparente e aberto

Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de a equipa de direção ter participado no concurso desde a sua origem

Quanto à segunda alegação, relativa à validade da proposta da Financière Sernam, mesmo apesar de esta não ter sido ainda constituída no momento da apresentação da proposta da equipa de direção

Quanto à terceira alegação, relativa ao facto de todos os candidatos terem tido a oportunidade de apresentar propostas, terem sido tratados igualmente e terem tido idênticas possibilidades de informação e condições de prazo

Quanto à quarta alegação, relativa à jurisprudência segundo a qual o facto de uma venda de ativos, como no presente caso, ter sido precedida de tentativas infrutíferas com outra sociedade constitui um «indíci[o] susceptíve[l] de provar que o processo seguido era suficientemente aberto e transparente»

Quanto à alegação da República Francesa, relativa ao facto de o preço negativo de 57 milhões de euros ter siso validado como preço de mercado pelas peritagens apresentadas

Quanto à sexta parte, relativa a erros de direito e de facto cometidos pela Comissão ao entender, nos considerandos 121 a 123 da decisão recorrida, que a finalidade da venda dos ativos não tinha sido respeitada

Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de a finalidade da venda dos ativos em bloco ter sido respeitada, visto ter sido interrompida a atividade económica da Sernam

Quanto à segunda alegação, relativa ao facto de o conceito de venda dos ativos em bloco permitir, na realidade, a prossecução da atividade da Sernam

Conclusões quanto ao quarto fundamento

2.  Quanto ao quinto fundamento, relativo a um erro de direito cometido pela Comissão ao considerar que a obrigação de recuperação do auxílio de Estado de 41 milhões de euros, declarado incompatível pela decisão Sernam 2, tinha sido transferida para a Financière Sernam e para as suas filiais

Quanto à primeira alegação, segundo a qual nenhum dos critérios de continuidade económica está preenchido no presente caso

Quanto ao objeto da transferência

Quanto à identidade dos acionistas ou dos proprietários da empresa adquirente e da empresa inicial

Quanto ao momento da transferência

Quanto à lógica económica da operação

Quanto ao preço da transferência

Quanto à segunda alegação, relativa ao facto de a inscrição da quantia de 41 milhões de euros no passivo de liquidação de Sernam respeitar o artigo 4.° da decisão Sernam 2

3.  Quanto ao sexto fundamento, relativo a um erro de direito cometido pela Comissão ao considerar que as medidas previstas no protocolo de acordo de 21 de julho de 2005 relativo à cessão dos ativos de Sernam em bloco constituíam novos auxílios de Estado a favor da Sernam Xpress‑Financière Sernam

Quanto à primeira parte, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao declarar o critério do investidor privado inaplicável no presente caso

Quanto à primeira alegação dirigida contra o considerando 155 da decisão recorrida, relativa ao facto de a venda dos ativos em bloco não constituir uma alternativa às medidas compensatórias do artigo 3.°, n.° 1, da decisão Sernam 2

Quanto à segunda alegação dirigida contra o considerando 155 da decisão recorrida, relativa ao facto de a execução de uma medida compensatória caber ao beneficiário do auxílio, ou ainda ao Estado acionista, mas não ao Estado poder público

Quanto à segunda parte, relativa ao facto de nenhuma das medidas controvertidas ser constitutiva de uma vantagem a favor da Sernam Xpress‑Financière Sernam

Quanto à garantia relativa à adaptação do sítio de Valenton e da garantia relativa ao aumento das rendas de novos locais de exploração

Quanto à garantia de perenidade do TBE e do seu acesso

Quanto à prorrogação de três anos da garantia de reclassificação dos empregados no interior do grupo da recorrente

4.  Quanto ao primeiro fundamento da recorrente e quanto ao fundamento da República Francesa, relativos a uma violação dos respetivos direitos de defesa

Quanto ao fundamento da República Francesa, relativo à violação dos seus direitos de defesa

Quanto ao primeiro fundamento da recorrente, relativo à violação dos seus direitos de defesa

5.  Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação do princípio da proteção da confiança legítima

Quanto à primeira alegação, relativa ao facto de o artigo 3.°, n.° 2, e o artigo 4.° da decisão Sernam 2 terem criado fundadas esperanças a respeito da recorrente quanto ao facto de estar autorizada a proceder como fez na cessão dos ativos e na recuperação dos 41 milhões de euros

Quanto à segunda alegação, relativa ao conteúdo do pedido de informações sobre os pormenores dos custos de liquidação da Sernam, de 14 de março de 2006

Quanto à terceira alegação, relativa ao facto de a Comissão ter cometido um erro nos considerandos 126 e 177 a 182 da decisão recorrida

6.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação da obrigação de respeito de um prazo razoável e do princípio da segurança jurídica

Quanto à primeira alegação, relativa ao prazo de três anos decorrido depois da venda dos ativos da Sernam em bloco até à abertura do procedimento formal de investigação, em 16 de julho de 2008

Quanto à segunda alegação, relativa ao prazo de mais de três anos decorrido entre a abertura do procedimento formal de investigação, em 16 de julho de 2008, e o pedido de informações de 29 de novembro de 2011

Quanto à terceira alegação, relativa à violação do princípio da segurança jurídica, que impõe à Comissão que proceda com diligência, e à violação do artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais

Quanto às despesas


* Língua do processo: francês.