Language of document : ECLI:EU:T:2024:336

Edição provisória

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada)

29 de maio de 2024 (*)

«Função pública — Funcionários — Processo disciplinar — Sanção disciplinar — Repreensão — Atos contrários à dignidade da função — Artigos 12.° e 21.° do Estatuto — Competência do autor do ato — Dever de fundamentação — Princípio da boa administração — Imparcialidade — Artigo 41.° da Carta dos Direitos Fundamentais»

No processo T‑766/22,

Maria Canel Ferreiro, residente em Overijse (Bélgica), representada por N. Maes, advogada,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por M. Bauer e I. Demoulin, na qualidade de agentes,

recorrido,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada),

composto por: O. Porchia, presidente, M. Jaeger, L. Madise (relator), P. Nihoul e S. Verschuur, juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos,

visto as partes não terem requerido a marcação de audiência no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, nos termos do artigo 106.°, n.° 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 270.° TFUE, a recorrente, Maria Canel Ferreiro, pede a anulação, primeiro, do «inquérito administrativo EN‑2101» (a seguir «inquérito administrativo») e do relatório do referido inquérito administrativo do Conselho da União Europeia de 28 de maio de 2021 (a seguir «relatório de inquérito»), segundo, da Decisão do Conselho de 25 de novembro de 2021 que lhe aplicou a sanção disciplinar de repreensão (a seguir «decisão recorrida») e, terceiro, da decisão de 1 de setembro de 2022 que indeferiu a sua reclamação (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»).

 Antecedentes do litígio

2        A recorrente foi contratada na qualidade de funcionária na Comissão Europeia em 2006. Em 1 de setembro de 2013, foi transferida para o Conselho, onde foi colocada na Secretaria do Serviço Jurídico.

3        A partir de 1 de abril de 2019 e até 15 de junho de 2021, a recorrente ocupou um lugar de assistente na qualidade de funcionária verificadora na Unidade «Orçamento e Finanças» do serviço médico‑social do Conselho.

4        Em 19 de fevereiro de 2021, A, superior hierárquica da recorrente, dirigiu a C, diretor‑geral do desenvolvimento organizacional e serviços do Secretariado‑Geral do Conselho, um projeto de nota de gestão pondo em evidência, nomeadamente, as dificuldades de comunicação da recorrente e as tensões daí decorrentes nas suas relações de trabalho com os seus colegas e superiores. No mesmo dia, o projeto de nota foi transmitido à recorrente para observações.

5        Em 23 de fevereiro de 2021, a recorrente enviou a A uma mensagem de correio eletrónico que punha em causa a exatidão das suas observações constantes do projeto de nota de gestão, considerando que este constituía uma prova do assédio de que teria sido vítima por parte de A. A referida mensagem de correio eletrónico seguiu com cópia a C e B, a diretora da Unidade «Recursos Humanos» da DG «Desenvolvimento organizacional e serviços».

6        Em 3 de março de 2021, a recorrente enviou a A as suas observações sobre o projeto de nota de gestão.

7        Em 13 de março de 2021, depois de A ter convidado a recorrente a retirar as acusações de assédio constantes do correio eletrónico de 23 de fevereiro de 2021, esta enviou‑lhe uma nova mensagem de correio eletrónico, pondo em dúvida a veracidade das afirmações que tinha feito na sua nota de gestão, bem como as suas capacidades de gestão.

8        Em 23 de março de 2021, na sua qualidade de autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN»), C conferiu mandato à Unidade «Conselheiros Jurídicos da Administração» para conduzir um inquérito administrativo relativo à recorrente, destinado a determinar se:

–        na organização das suas férias anuais em 2020, incumpriu os seus deveres estatutários, nomeadamente os enunciados nos artigos 12.° e 60.° do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), bem como os deveres que lhe incumbem por força da Decisão n.° 1/2014 do Secretário‑Geral do Conselho, de 1 de janeiro de 2014, que estabelece modalidades de aplicação das disposições estatutárias em matéria de férias relativas aos funcionários no ativo no Secretariado‑Geral do Conselho;

–        na sua conduta em relação a A, através de comunicações por correio eletrónico em 2021, violou as obrigações que lhe incumbem por força do Estatuto, em especial as enunciadas no seu artigo 12.°

9        Em 24 de março de 2021, a recorrente foi informada da abertura do inquérito administrativo.

10      Em 8 de abril de 2021, a recorrente foi ouvida pelos investigadores.

11      Em 26 de abril de 2021, os investigadores enviaram à recorrente duas questões escritas, convidando‑a a comentar duas frases relativas, respetivamente, à sua mensagem de correio eletrónico de 23 de fevereiro de 2021 e à sua mensagem de correio eletrónico de 13 de março de 2021, ambas dirigidas a A, contendo acusações de assédio. Por mensagem de correio eletrónico do mesmo dia, a recorrente precisou que já tinha apresentado a sua posição a esse respeito e nada acrescentou às suas explicações anteriores.

12      Após terem recolhido as observações das testemunhas, em 5 de maio de 2021, os investigadores enviaram à recorrente a parte «Factos e circunstâncias» do projeto de relatório de inquérito. Não tendo recebido observações da recorrente no prazo previsto, por nota de 25 de maio de 2021, os investigadores informaram‑na de que o relatório final seria transmitido à AIPN para decisão.

13      Por nota interna de 28 de maio de 2021, os investigadores enviaram a C o relatório de inquérito, concluindo, por um lado, que a recorrente não tinha violado nenhuma disposição estatutária na organização das suas férias anuais em 2020 e, por outro, que, «tendo em conta os atos em causa, e em especial as comunicações [da recorrente] a [A] por correio eletrónico em 2021, [a recorrente] [tinha violado] — pelo menos — os artigos 12.° e 21.° do Estatuto».

14      Em 10 de junho de 2021, a recorrente foi informada da possibilidade de consultar as conclusões do inquérito administrativo reproduzidas no relatório de inquérito e nos seus anexos no secretariado de C. A recorrente consultou esses documentos e tomou conhecimento de todos os elementos do processo em 21 de junho de 2021.

15      Em 19 de outubro de 2021, a AIPN instaurou um processo disciplinar contra a recorrente, sem consulta do Conselho de Disciplina.

16      Em 25 de novembro de 2021, a Comissão adotou a decisão recorrida, que foi notificada à recorrente em 8 de fevereiro de 2022.

17      Em 2 de maio de 2022, o recorrente apresentou uma reclamação ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto, contra a decisão recorrida.

18      Em 2 de maio de 2018, a AIPN adotou a decisão de indeferimento da reclamação.

 Pedidos das partes

19      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        anular a decisão de indeferimento da reclamação;

–        «anular o inquérito administrativo e o relatório de inquérito»;

–        condenar o Conselho nas despesas.

20      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso por ser parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade do terceiro pedido, dirigido contra o inquérito administrativo e o relatório de inquérito

21      O Conselho alega a inadmissibilidade do pedido de anulação na parte em que é dirigido contra o inquérito administrativo e o relatório de inquérito.

22      A este respeito, há que lembrar que só são lesivos os atos ou as medidas que produzem efeitos jurídicos obrigatórios suscetíveis de afetar direta e imediatamente os interesses do recorrente, alterando de modo caracterizado, a sua situação jurídica. Quando se esteja perante atos ou decisões cuja elaboração se efetua em várias fases, nomeadamente no termo de um procedimento interno, só constituem, em princípio, atos recorríveis as medidas que fixem definitivamente a posição da Administração no termo desse procedimento, com exclusão das medidas interlocutórias cujo objetivo é preparar a decisão final. Os atos preparatórios de uma decisão não são lesivos e só no momento do recurso da decisão tomada no termo do procedimento pode o recorrente invocar a irregularidade dos atos anteriores com ele estreitamente conexos (v., neste sentido, Acórdão de 2 de fevereiro de 2022, LU/BEI, T‑536/20, não publicado, EU:T:2022:40, n.os 37 a 39 e jurisprudência referida).

23      No caso, o inquérito administrativo teve por objetivo verificar a existência de um incumprimento das obrigações que incumbem aos funcionários por força do Estatuto. O relatório que encerra o inquérito contém apenas, a este respeito, uma recomendação dirigida à AIPN, relativa às conclusões a extrair do inquérito. Por conseguinte, tanto o inquérito administrativo como o relatório de inquérito constituem medidas intermédias que não prejudicam a posição final adotada pela AIPN, como resulta, aliás, do artigo 6.°, n.° 1, da Decisão n.° 73/2006 relativa à condução e ao processo dos inquéritos administrativos e ao Conselho de Disciplina no Secretariado‑Geral do Conselho, adotada em aplicação do regime disciplinar previsto no artigo 86.° do Estatuto, bem como das regras e procedimentos estabelecidos no anexo IX do Estatuto. Por conseguinte, nem o inquérito administrativo nem o relatório de inquérito podem ser considerados atos lesivos para a recorrente.

24      Em face do exposto, há que julgar inadmissível o terceiro pedido, dirigido contra o inquérito administrativo e o relatório de inquérito.

 Quanto ao primeiro e segundo pedidos, relativos à anulação da decisão recorrida e da decisão de indeferimento da reclamação

 Considerações preliminares

25      Em apoio do seu pedido de anulação, a recorrente invoca quatro fundamentos.

26      No primeiro fundamento, que se divide em duas partes, a recorrente alega, por um lado, que os investigadores excederam o mandato que lhes tinha sido confiado pela AIPN e, por outro, que não tiveram objetividade e imparcialidade a seu respeito.

27      O segundo fundamento é relativo a ilegalidades na adoção da decisão de indeferimento da reclamação.

28      Com o seu terceiro fundamento, a recorrente alega a violação dos seus direitos de defesa.

29      A recorrente invoca igualmente um quarto fundamento, relativo à falta de prova de infração aos artigos 12.° e 21.° do Estatuto. Os argumentos invocados pela recorrente no âmbito do quarto fundamento podem ser agrupados, em substância, em quatro partes. Assim, a recorrente alega que:

–        primeiro, a decisão recorrida não contém fundamentação relativa aos factos constitutivos da violação do artigo 21.° do Estatuto;

–        segundo, em todo o caso, a infração ao artigo 21.° do Estatuto não está demonstrada;

–        terceiro, a decisão recorrida não contém fundamentação que indique qual era a «comunicação depreciativa» contrária ao artigo 12.° do Estatuto;

–        quarto, de qualquer forma, a infração ao artigo 12.° do Estatuto não está demonstrada.

30      No caso, refira‑se que o segundo fundamento invocado pela recorrente tem especificamente por objeto ilegalidades que entende ferirem o procedimento de reclamação, tais como a incompetência do autor da decisão de indeferimento da reclamação para adotar essa decisão e a violação do princípio da imparcialidade, uma vez que a decisão de indeferimento da reclamação foi adotada pelo autor da decisão recorrida.

31      Ora, resulta da jurisprudência que o recorrente deve poder submeter à fiscalização do juiz da União Europeia a legalidade da decisão de indeferimento da sua reclamação quando invoca um fundamento especificamente relativo ao procedimento de reclamação. Com efeito, se, em tal hipótese, a recorrente só pudesse impugnar a decisão inicial, ficaria excluída qualquer possibilidade de impugnação relativa ao procedimento pré‑contencioso, fazendo‑a assim perder o benefício de um procedimento que tem por objeto permitir e favorecer um acordo no diferendo surgido entre o agente e a administração e impor à autoridade de que depende esse agente que reexamine a sua decisão, no respeito das regras, à luz das eventuais objeções do mesmo (v., neste sentido, Acórdão de 19 de junho de 2015, Z/Tribunal de Justiça, T‑88/13 P, EU:T:2015:393, n.os 143 a 146).

32      Nestas condições, o Tribunal Geral considera que há que examinar, antes de mais, o segundo fundamento, antes de se pronunciar sobre os fundamentos dirigidos contra a decisão recorrida. Com efeito, quando este fundamento seja procedente e o Tribunal anule a decisão de indeferimento da reclamação, cabe à administração reexaminar a reclamação, velando pela regularidade do procedimento pré‑contencioso. Nessa hipótese, os pedidos dirigidos contra a decisão recorrida devem ser julgados inadmissíveis, por serem prematuros, uma vez que esta decisão só pode ser sujeita à fiscalização jurisdicional se tiver sido previamente objeto de uma reapreciação no âmbito de um procedimento pré‑contencioso regular (v., neste sentido, Acórdão de 16 de maio de 2017, CW/BEI, T‑742/16, não publicado, EU:T:2017:338, n.os 59 a 61 e jurisprudência referida).

33      Os primeiro, terceiro e quarto fundamentos são dirigidos tanto contra a decisão recorrida como contra a decisão de indeferimento da reclamação. No exame dos pedidos de anulação na medida em que se baseiam nesses fundamentos, há que partir do princípio de que um recurso, ainda que formalmente interposto contra o indeferimento da reclamação, tem por efeito submeter à apreciação do julgador o ato lesivo contra o qual foi apresentada a reclamação, salvo no caso de o indeferimento da reclamação ter um alcance diferente do ato contra o qual a reclamação foi apresentada (v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2020, WH/EUIPO, T‑138/19, não publicado, EU:T:2020:316, n.° 33 e jurisprudência referida). O indeferimento da reclamação pode, face ao seu conteúdo, não ter caráter puramente confirmativo do ato recorrido, nomeadamente quando a administração procede a uma reapreciação da sua situação em função de elementos de direito ou de facto novos, ou quando altera ou completa a decisão inicial. Nestes casos, o indeferimento da reclamação constitui um ato sujeito à fiscalização jurisdicional, que o toma em consideração na apreciação da legalidade do ato recorrido, ou mesmo que o considera um ato lesivo que se substitui a este último (v. Acórdãos de 10 de outubro de 2019, Colombani/SEAE, T‑372/18, não publicado, EU:T:2019:734, n.° 19 e jurisprudência referida, e de 8 de julho de 2020, WH/EUIPO, T‑138/19, não publicado, EU:T:2020:316, n.° 35 e jurisprudência referida).

34      No caso, a decisão de indeferimento da reclamação confirma a substância da decisão recorrida, sem alterar o seu sentido ou alcance, nem proceder a um reexame da situação da recorrente à luz de novos elementos de direito ou de facto.

35      Por conseguinte, a legalidade da decisão recorrida deve ser examinada tendo em consideração a fundamentação que figura na decisão de indeferimento da reclamação (v., neste sentido, Acórdão de 6 de julho de 2022, MZ/Comissão, T‑631/20, não publicado, EU:T:2022:426, n.° 21 e jurisprudência referida).

 Quanto ao segundo fundamento, relativo às ilegalidades que afetam a adoção da decisão de indeferimento da reclamação

36      Este segundo fundamento divide‑se em duas partes. A primeira parte é relativa à incompetência do autor da decisão de indeferimento da reclamação e, a segunda, à violação do artigo 41.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

–       Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à incompetência do autor da decisão de indeferimento da reclamação

37      A recorrente alega que C, diretor‑geral do desenvolvimento organizacional e serviços do Secretariado‑Geral do Conselho, era incompetente para adotar a decisão de indeferimento da sua reclamação. A este respeito, alega, por um lado, que resulta do artigo 1.°, alínea f), da Decisão n.° 16/2017 do secretário‑geral do Conselho, que delega poderes de decisão e de assinatura no que respeita à aplicação do Estatuto e do Regime Aplicável aos Outros Agentes, que as decisões tomadas ao abrigo do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto estavam excluídas da delegação de poderes de decisão concedida pelo secretário‑geral ao diretor‑geral da Administração, que passou a ser designado diretor‑geral do desenvolvimento organizacional e serviços do Conselho.

38      Por outro lado, a recorrente sustenta que não está demonstrado que, à data da apresentação da sua reclamação, a saber, em 2 de maio de 2022, estivesse em vigor a Decisão n.° 23/22 do secretário‑geral do Conselho, que altera a Decisão n.° 16/2017, a fim de assegurar a continuidade em caso de vacatura do lugar de secretário‑geral, delegando no diretor‑geral do desenvolvimento organizacional e serviços do Conselho a competência para adotar, nomeadamente, as decisões em aplicação do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto.

39      O Conselho contesta os argumentos da recorrente.

40      Importa recordar que, por força do artigo 2.°, n.° 1, do Estatuto, cada instituição determina quais as autoridades que nela exercem os poderes conferidos pelo Estatuto à AIPN.

41      Em aplicação desta disposição, o Conselho adotou a Decisão (UE) 2017/262 do Conselho, de 6 de fevereiro de 2017, que determina, no Secretariado‑Geral do Conselho, qual a autoridade investida do poder de nomeação e a autoridade competente para a contratação de pessoal e que revoga a Decisão 2013/811/UE (JO 2017, L 39, p. 4). Resulta do artigo 1.°, alínea c), da Decisão n.° 2017/262 que os poderes atribuídos pelo Estatuto à AIPN são exercidos pelo secretário‑geral que, em conformidade com o artigo 1.°, n.° 2, da mesma decisão, está autorizado a delegá‑los, no todo ou em parte, no diretor do desenvolvimento organizacional e serviços.

42      Assim, pela Decisão n.° 16/2017, o secretário‑geral delegou os poderes de decisão que lhe tinham sido atribuídos pela Decisão n.° 2017/262 no diretor do desenvolvimento organizacional e serviços, salvo, nomeadamente, no que dizia respeito à aplicação do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto [artigo 1.°, alínea f), da Decisão n.° 16/2017].

43      Todavia, com vista à cessação das suas funções, o secretário‑geral do Conselho, D, adotou a Decisão n.° 23/22, que alterou a Decisão n.° 16/2017, acrescentando‑lhe o artigo 1.°‑A, que prevê o seguinte: «[E] m caso de vacatura para o lugar de secretário‑geral, até à entrada em funções do secretário‑geral nomeado nos termos do artigo 240.°, n.° 2, [TFUE] na sequência de uma vacatura, todos os poderes conferidos ao secretário‑geral pela Decisão [n.°] 2017/262 são delegados no diretor‑geral do desenvolvimento organizacional e nos serviços, com exceção dos poderes previstos no artigo 1.°, n.° 1, alínea g) [...]». Há que precisar que os poderes previstos no referido artigo 1.°, n.° 1, alínea g), da Decisão n.° 16/2017, excluídos do âmbito dos poderes delegados no diretor‑geral do Desenvolvimento organizativo e Serviços, diziam respeito às decisões relativas às «reafetações e [às] transferências no interesse do serviço a que se refere o artigo 2.° no âmbito das direções‑gerais que não a Direção‑Geral da Administração».

44      Assim, a Decisão n.° 23/22 alterou o alcance dos poderes de decisão delegados pelo secretário‑geral no diretor do desenvolvimento organizacional e serviços, delegando‑lhe, numa situação excecional de vacatura do lugar de secretário‑geral, quase todos os poderes deste último, incluindo a adoção das decisões em aplicação do artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto.

45      Nos termos do seu artigo 2.°, a Decisão n.° 23/22 devia entrar em vigor na data da sua assinatura.

46      A recorrente sustenta que não está demonstrada a data da assinatura da Decisão n.° 23/22, que condiciona a sua entrada em vigor em conformidade com o seu artigo 2.° Considera que também não está provado que estivesse preenchido o pressuposto da sua aplicação, a saber, a vacatura do lugar do secretário‑geral.

47      Quanto à data da assinatura da Decisão n.° 23/22, há que observar que, na tréplica, o Conselho apresentou uma versão assinada da Decisão n.° 23/22, acompanhada do roteiro que demonstrava que a referida decisão tinha sido efetivamente assinada pelo secretário‑geral do Conselho em 29 de abril de 2022.

48      Quanto à vacatura do lugar do secretário‑geral do Conselho, resulta do segundo ponto da nota ao Comité dos Representantes Permanentes (Coreper) de 5 de abril de 2022 que a demissão do secretário‑geral do Conselho, D., produziu efeitos em 30 de abril de 2022. Além disso, a nova secretária‑geral do Conselho só entrou em funções em 1 de novembro de 2022.

49      Há que lembrar que a recorrente apresentou a sua reclamação em 2 de maio de 2022 e que a AIPN a indeferiu em 1 de setembro de 2022.

50      Daí resulta que, no momento da adoção da decisão de indeferimento da reclamação, a Decisão n.° 23/22 estava em vigor e, por conseguinte, a decisão de indeferimento da reclamação era da competência de C na sua qualidade de diretor‑geral do desenvolvimento organizacional e serviços.

51      Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do segundo fundamento.

–       Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à violação do artigo 41.°, n.° 1, da Carta

52      A recorrente alega que, mesmo no caso de C ser competente para adotar a decisão de indeferimento da reclamação ao abrigo da subdelegação formal, deveria ter tomado as medidas necessárias para cumprir os deveres de boa administração e de imparcialidade decorrentes do artigo 41.°, n.° 1, da Carta, nomeadamente subdelegando o exame da sua reclamação noutro diretor‑geral. O facto de C não se ter abstido de se pronunciar sobre a reclamação apresentada contra a sua própria decisão disciplinar privou a recorrente do seu direito a uma reconsideração imparcial da decisão tomada a seu respeito, garantido pelo artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto.

53      O Conselho contesta os argumentos da recorrente.

54      Há que lembrar que o direito a que os seus processos sejam tratados pelas instituições da União de forma imparcial, garantido pelo artigo 41.°, n.° 1, da Carta, é um princípio geral do direito da União e que, segundo a jurisprudência, o princípio da boa administração implica, nomeadamente, a obrigação de a instituição competente examinar com cuidado e imparcialidade todos os elementos relevantes do caso concreto (v., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2022, JS/CUR, T‑270/20, não publicado, EU:T:2022:651, n.° 145 e jurisprudência referida).

55      O artigo 90.°, n.° 2, preceitua que qualquer pessoa referida no Estatuto pode apresentar à AIPN uma reclamação contra um ato que lhe cause prejuízo, quer por a dita autoridade ter tomado uma decisão, quer por se ter abstido de tomar uma medida imposta pelo Estatuto.

56      Por um lado, à semelhança do Conselho, há que observar que o artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto de modo nenhum impõe que uma autoridade diferente da AIPN que adotou o ato lesivo conheça da reclamação apresentada contra esse ato. Em contrapartida, daí resulta que o legislador da União previu uma situação em que a mesma autoridade toma uma decisão que causa prejuízo ao funcionário e, em seguida, decide sobre a reclamação apresentada a seu respeito.

57      Por outro lado, no que respeita à própria natureza do procedimento de reclamação, o Tribunal de Justiça declarou, nomeadamente, que este não constituía um processo de recurso, antes tinha por objetivo obrigar a autoridade de que dependia o funcionário a reconsiderar a sua decisão à luz das eventuais objeções deste (v., neste sentido, Acórdão de 21 de outubro de 1980, Vecchioli/Comissão (101/79, EU:C:1980:243, n.° 31). O Tribunal de Justiça considerou, assim, que o autor da decisão lesiva para o recorrente podia participar na deliberação do órgão colegial sobre a reclamação apresentada contra essa decisão. Aliás, nas suas Conclusões proferidas no processo que deu origem ao Acórdão de 21 de outubro de 1980, Vecchioli/Comissão (101/79, EU:C:1980:243), o advogado‑geral J.‑P. Warner tinha sublinhado que a reclamação não tinha o caráter de um recurso dirigido a uma autoridade superior à autoridade de que emanava o ato impugnado. Segundo o advogado‑geral, o artigo 90.°, n.° 2, do Estatuto tem por objetivo permitir aos funcionários pedir que uma decisão que lhes cause prejuízo seja reconsiderada à luz das considerações que expõem. Ainda segundo o advogado‑geral, é irrelevante a este respeito que, na sequência da determinação da autoridade competente, efetuada em conformidade com o artigo 2.° do Estatuto, a autoridade que deve examinar novamente a questão seja ou não a mesma que a autoridade que tomou a decisão (v., neste sentido, Conclusões do advogado‑geral J.‑P. Warner no processo Vecchioli/Comissão, 101/79, EU:C:1980:212).

58      Por outro lado, no Acórdão de 8 de julho de 2020, WH/EUIPO (T‑138/19, não publicado, EU:T:2020:316, n.° 63), o Tribunal Geral declarou que a pessoa que adotou, na qualidade de AIPN, uma decisão que causa prejuízo a um funcionário não era obrigada a abster‑se de participar no processo decisório relativo à reclamação apresentada por esse funcionário contra a decisão em causa.

59      Resulta do exposto que, mesmo que, no caso, o exame da reclamação não tenha sido submetido a um órgão colegial, tendo em conta a natureza do procedimento de reclamação, não se pode concluir por uma violação do artigo 41.°, n.° 1, da Carta pelo simples facto de a decisão de indeferimento da reclamação ter sido adotada, em conformidade com as regras de organização interna do Conselho, pela mesma pessoa que tinha adotado a decisão objeto dessa reclamação. Por outro lado, a recorrente não alegou a existência de outras circunstâncias suscetíveis de pôr em causa a imparcialidade da pessoa que se pronunciou sobre a sua reclamação.

60      Daí resulta que improcede a segunda parte do segundo fundamento e, com ela, o segundo fundamento na íntegra, bem como o pedido de anulação que, com base neste fundamento, é dirigido contra a decisão de indeferimento da reclamação.

 Quanto às primeira e terceira partes do quarto fundamento, relativas a uma violação do dever de fundamentação

61      No âmbito das primeira e terceira partes do quarto fundamento, a recorrente alega, em primeiro lugar, que, além de uma referência às conclusões que figuram no relatório de inquérito, a decisão recorrida não contém fundamentação relativa à violação do artigo 21.° do Estatuto e, em segundo lugar, que a referida decisão também não indica a comunicação depreciativa suscetível de constituir uma infração ao artigo 12.° do Estatuto.

62      Sem responder diretamente aos argumentos da recorrente relativos à violação do dever de fundamentação, o Conselho responde que resulta dos n.os 36 a 38 do relatório de inquérito que, nas mensagens de correio eletrónico de 23 de fevereiro e de 13 de março de 2021, a recorrente proferiu afirmações injuriosas e agressivas em relação a A. Este comportamento constitui, por um lado, uma violação do artigo 21.° do Estatuto e, por outro, uma violação do artigo 12.° do Estatuto, uma vez que as acusações de assédio sem início de prova, dirigidas pela recorrente contra a sua superior hierárquica, constituíam a expressão de uma grande agressividade suscetível de prejudicar a honra e a honorabilidade profissional de A.

63      Há que lembrar que o dever de fundamentação visa, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para apreciar o fundado do ato lesivo e a oportunidade de interpor recurso para o juiz da União e, por outro, permitir a este último exercer a sua fiscalização da legalidade do ato (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2019, DK/SEAE, T‑217/18, não publicado, EU:T:2019:571, n.° 146 e jurisprudência referida). A suficiência da fundamentação deve ser apreciada à luz não só do seu teor mas também do contexto factual e jurídico no qual se inscreve a adoção do ato impugnado. (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2019, DK/SEAE, T‑217/18, não publicado, EU:T:2019:571, n.° 147 e jurisprudência referida).

64      No caso, no primeiro considerando da decisão recorrida, a AIPN declara que, «segundo [a]s conclusões [do inquérito administrativo] [a recorrente], através dos seus atos, em especial através das suas comunicações a [A] por correio eletrónico em 2021, violou, pelo menos, os artigos 12.° e 21.° do Estatuto».

65      A este respeito, não se pode deixar de observar que a exposição dos factos imputados pela AIPN à recorrente se limita a reproduzir parcialmente o ponto 105 do relatório de inquérito, que figura na parte «Conclusões finais» do referido relatório. Todavia, este ponto constitui apenas uma breve síntese das considerações dos investigadores que figuram nas partes anteriores do relatório de inquérito. Citada fora do seu contexto, a passagem acima referida não é suscetível de revelar com exatidão os factos imputados à recorrente.

66      Com efeito, por um lado, uma referência geral às «comunicações [...] por correio eletrónico em 2021», que não é acompanhada de nenhuma explicação relativa ao conteúdo dessas comunicações, não permite compreender quais as afirmações da recorrente a respeito de A que a AIPN considerou constitutivas de uma infração ao artigo 12.° ou ao artigo 21.° do Estatuto. Por outro lado, a utilização dos termos «em especial» dá a entender que a decisão recorrida pune a recorrente por comportamentos diferentes das comunicações eletrónicas em relação a A em 2021, sem dar mais precisões a esse respeito.

67      A AIPN também não forneceu à recorrente explicações a respeito dos factos que lhe eram imputados na decisão de indeferimento da reclamação, apesar de, na sua reclamação, a recorrente ter sustentado, por um lado, que ignorava qual o comportamento específico suscetível de constituir a violação do artigo 21.° do Estatuto, dado que a qualidade do seu trabalho nunca tinha sido posta em causa por A, e, por outro, que as suas interrogações relativas às mensagens de correio eletrónico cujo envio violou o artigo 12.° do Estatuto tinham ficado sem resposta. Além de a decisão de indeferimento da reclamação ignorar os argumentos da recorrente que figuram na reclamação relativos à violação do dever de fundamentação a respeito da violação dos artigos 12.° e 21.° do Estatuto, no que respeita aos factos imputáveis à recorrente, esta decisão limita‑se, também ela, no seu n.° 7, a reiterar parcialmente a redação do ponto 105 do relatório de inquérito.

68      Como acima resulta do n.° 23, o relatório de inquérito enuncia uma recomendação feita à AIPN sobre as conclusões a extrair do inquérito administrativo e não prejudica a posição final adotada por esta última. Com efeito, a AIPN é obrigada a examinar o relatório de inquérito e a tomar as medidas que considere adequadas, fundamentando a sua decisão. Contudo, visto que a decisão recorrida remete para o referido relatório de inquérito, ao qual a recorrente tinha acesso, há que verificar se a decisão recorrida, lida em conjugação com esse relatório de inquérito, contém fundamentação que cumpra as exigências jurisprudenciais acima recordadas no n.° 63.

69      Refira‑se, a este respeito, que, no que respeita às comunicações por correio eletrónico em 2021, na sua contestação, o Conselho alega que resulta dos n.os 36 a 38 do relatório de inquérito que os atos imputados à recorrente consistiam no envio das mensagens de correio eletrónico de 23 de fevereiro e 13 de março de 2021, nas quais esta tinha feito afirmações injuriosas e agressivas em relação a A acusando‑a de assédio.

70      Há que observar que, no n.° 36 do relatório de inquérito, os inspetores explicam que «o tom, o conteúdo, a forma e a natureza da comunicação da [recorrente] com [A] foram muitas vezes inapropriados» e citam uma passagem da mensagem de correio eletrónico de 23 de fevereiro de 2021 (enviada às 14 h 31) e uma passagem da mensagem de correio eletrónico de 13 de março de 2021 (enviada às 11 h 49).

71      Por outro lado, nos n.os 37 e 38 do relatório de inquérito, os investigadores explicam que consideram que a recorrente formulou contra A acusações graves de assédio e que essas acusações, se fossem abusivas, poderiam conduzir a sanções disciplinares, nos termos do artigo 3.°, n.° 4, da Decisão 15/2015 do Secretário‑Geral, relativa ao assédio moral e sexual no trabalho no Secretariado‑Geral do Conselho.

72      Quanto à violação do artigo 12.° do Estatuto, resulta do ponto 91 do relatório de inquérito que a forma de comunicar da recorrente com a sua superior hierárquica em 2021 foi considerada «indelicada, vexatória e humilhante», bem como «a raiar a insubordinação», e, portanto, constitutiva de uma violação do referido artigo 12.°

73      No que respeita à violação do artigo 21.° do Estatuto, resulta de uma leitura conjugada dos pontos 59 e 97 do relatório de inquérito que, porquanto esta disposição impõe ao funcionário uma obrigação de assistir e de aconselhar os seus superiores, foi considerado «inaceitável que [a recorrente] acusasse irrefletidamente [A] de assédio — sem apresentar um verdadeiro início de prova, corroborado por uma mínima evidência; e [que] [era] igualmente inaceitável que [a recorrente] fizesse de tais acusações um objeto de negociação, propondo retirá‑las se a [A] retirasse a sua nota de gestão».

74      Contudo, não obstante estes diferentes comentários relativos à comunicação inapropriada da recorrente ao longo da sua colaboração com A, não resulta de forma clara do relatório de inquérito quais os elementos, que figuram especificamente nas mensagens de correio eletrónico de 23 de fevereiro e 13 de março de 2021, que fundamentaram as conclusões dos investigadores relativas à violação dos artigos 12.° e 21.° do Estatuto. Por conseguinte, mesmo embora a decisão recorrida não tenha sido adotada num contexto completamente desconhecido da recorrente, esta sustenta com razão que a decisão recorrida, conjugada com o referido relatório de inquérito, não contém fundamentação suficiente na aceção da jurisprudência acima referida no n.° 63, relativa às suas comunicações eletrónicas dirigidas a A em 2021.

75      Além disso, como acima resulta do n.° 66, a utilização, na decisão recorrida, dos termos «em especial» dá a entender que esta decisão também pune a recorrente por comportamentos diferentes das comunicações eletrónicas dirigidas a A em 2021, sem dar mais precisões a esse respeito.

76      Há que observar que resulta do ponto 105 do relatório de inquérito, que figura na secção «Conclusões finais», que, «[t]endo em conta os atos em causa, e em especial as comunicações da [recorrente] dirigidas a [A] por correio eletrónico em 2021, os inspetores concluem que [a recorrente] violou — pelo menos — os artigos 12.° e 21.° do Estatuto». Assim, à semelhança da decisão recorrida, as conclusões finais do relatório de inquérito dão a entender que os comportamentos imputados à recorrente a título da violação das disposições do Estatuto em causa abrangem efetivamente outros atos além das comunicações da recorrente dirigidas a A por correio eletrónico em 2021. Ao mesmo tempo, a leitura do relatório de inquérito no seu conjunto não permite compreender em que consistem os «atos em causa» diferentes das comunicações por correio eletrónico mencionadas no n.° 105 do referido relatório, que, segundo as conclusões finais do relatório de inquérito, são imputados à recorrente a título da violação das suas obrigações estatutárias.

77      Há que observar que, segundo os próprios termos do relatório de inquérito, os investigadores foram encarregados pelo seu mandato de conduzir um inquérito administrativo destinado a determinar «se, na sua conduta relativamente a [A], através de comunicações por correio eletrónico em 2021, [a recorrente] [tinha violado] as obrigações que lhe incumbem por força do Estatuto» (n.os 1, 8 e 75 do relatório de inquérito). A este respeito, sublinha‑se, no n.° 36 desse relatório de inquérito, que «o mandato apenas diz respeito [à] pessoa [de A] e só: [i] em 2021 (não em 2020); e [ii] por meio de comunicações por correio eletrónico.» Ao mesmo tempo, o relatório remete várias vezes para as atitudes e ações agressivas da recorrente para com outros colegas e ainda para os comportamentos da recorrente para com A, diferentes das mensagens de correio eletrónico em 2021.

78      A título de exemplo, nos n.os 40 e 57 do relatório de inquérito, os investigadores referem‑se às críticas da recorrente relativas à gestão por A da sua unidade e à forma como a recorrente comunicou com ela presencialmente. Afirmam, por um lado, que a atitude da recorrente «passa muito depressa para a denúncia agressiva da gestão que [A] faz da sua unidade e para o desprezo pelas suas decisões, instruções, pedidos e conselhos» e, por outro, que «[a recorrente] levantou muito fortemente a voz contra [A] e várias vezes não lhe deu a possibilidade de manifestar os seus pontos de vista de forma serena e racional», mas que, «[p]elo contrário, considerou‑a antecipadamente um gestor que não entra na substância dos problemas e tende a negligenciar a verdadeira razão dos disfuncionamentos que caracterizam a sua unidade».

79      Por outro lado, no seu ponto 59, o relatório de inquérito remete para as notações relativas a 2019 e 2020 e conclui que é «intolerável que [a recorrente] reaja às notações de 2019 e 2020 com desprezo e se permita deixar de trabalhar em certos processos (por [serem] mais adaptados a outros colegas) ou recusar a sua colaboração (por as instruções não serem claras)».

80      Por último, no ponto 62 do relatório de inquérito, os investigadores constatam que a recorrente «torna extremamente difícil o trabalho dos seus colegas» e que o processo «contém abundante documentação que demonstra que, a partir de 2020, [a recorrente] inundou as caixas de correio eletrónico dos seus superiores com mensagens (por vezes longas) que complicavam inutilmente a gestão dos processos; ou mensagens em que importuna[va] interlocutores em diferentes serviços».

81      Resulta dos n.os 59 e 60 do relatório de inquérito que os investigadores consideravam, «com base no seu mandato», poder avaliar os comportamentos acima mencionados, nomeadamente, no n.° 79. É certo que as constatações efetuadas nos diferentes pontos do relatório de inquérito quanto à extensão do mandato podem, enquanto tais, à luz dos pontos 39 e 88 do referido relatório, explicar‑se no sentido de que exprimem a posição de o facto de o mandato estar limitado às comunicações por correio eletrónico da recorrente com A em 2021 não impedir os investigadores de analisarem outras ações e comunicações da recorrente para apreciarem corretamente o teor das mensagens de correio eletrónico em questão. No entanto, a contradição entre, por um lado, os limites do mandato assim definidos e, por outro, as conclusões finais do relatório, tal como acima explicitadas no n.° 76, faz com que subsistam incertezas quanto à determinação dos atos visados nas conclusões finais desse relatório e seguidamente punidos na decisão recorrida. Assim, a decisão recorrida não permite distinguir claramente entre os comportamentos punidos e os factos tidos em conta enquanto elementos de contexto.

82      No que respeita à violação do artigo 21.° do Estatuto, é certo que o ponto 97 do relatório de inquérito, conjugado com os pontos 59 e 64 do referido relatório, faz referência aos comportamentos da recorrente em relação a «outros na cadeia hierárquica» ou ao facto de «se permitir perturbar o desenvolvimento das condições normais de trabalho», nomeadamente recusando «a execução de certas tarefas», de se atribuir o papel de «sheriff», ou mesmo de reagir com «desprezo» às notações de 2019 e 2020. Contudo, estas fórmulas sucintas e gerais não permitem identificar com precisão quais os comportamentos suscetíveis de constituir uma violação do artigo 21.° do Estatuto nem por que razões.

83      Tendo em conta todas estas considerações, há que declarar que, uma vez que a fiscalização do juiz sobre o mérito da decisão recorrida só pode ser levada a cabo se os factos imputados a um funcionário como violação das suas obrigações estatutárias forem identificados, a falta de precisões sobre os factos imputados à recorrente impede o Tribunal Geral de fiscalizar o mérito da decisão recorrida.

84      Por conseguinte, há que julgar procedentes a primeira e terceira partes do quarto fundamento e anular a decisão recorrida, sem que seja necessário conhecer de outros fundamentos invocados pela recorrente contra a referida decisão.

 Quanto às despesas

85      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho, no essencial, sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com o pedido da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção Alargada)

decide:

1)      É anulada a decisão do Conselho da União Europeia de 25 de novembro de 2021, que aplica uma repreensão a Maria Canel Ferreiro.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      O Conselho é condenado nas despesas.

Porchia

Jaeger

Madise

Nihoul

 

      Verschuur

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de maio de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.