Language of document : ECLI:EU:T:2018:910

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

12 de dezembro de 2018 (*)

«Concorrência — Acordos, decisões e práticas concertadas — Mercado do perindopril, medicamento destinado ao tratamento de doenças cardiovasculares, nas suas versões original e genéricas — Decisão que declara a existência de uma infração aos artigos 101.o e 102.o TFUE — Acordos que visam atrasar, ou mesmo impedir, a entrada no mercado de versões genéricas do perindopril — Participação de uma filial na infração praticada pela sociedade‑mãe — Imputação da infração — Responsabilidade solidária — Limite máximo da coima»

No processo T‑677/14,

Biogaran, com sede em Colombes (França), representada por T. Reymond, O. de Juvigny e J. Jourdan, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por F. Castilla Contreras, T. Vecchi e B. Mongin e, em seguida, por Castilla Contreras, B. Mongin e C. Vollrath, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE e que visa, a título principal, a anulação da Decisão C(2014) 4955 final da Comissão, de 9 de julho de 2014, relativa a um processo nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE [processo AT.39612 — Perindopril (Servier)], na parte em que é aplicável à recorrente, e, a título subsidiário, a redução do montante da coima que lhe foi aplicada nesta decisão,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção),

composto por S. Gervasoni (relator), presidente, L. Madise e R. da Silva Passos, juízes,

secretário: G. Predonzani, administradora

vista a fase escrita do processo e após a audiência de 5 de outubro de 2017,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Quanto ao perindopril

1        O grupo Servier, formado pela Servier SAS e por várias filiais (a seguir, consideradas individualmente ou em conjunto, «Servier»), desenvolveu o perindopril, medicamento indicado na medicina cardiovascular, principalmente destinado a combater a hipertensão e a insuficiência cardíaca, através de um mecanismo de inibição da enzima de conversão da angiotensina (a seguir «ECA»).

2        O ingrediente farmacêutico ativo (a seguir «IPA») do perindopril, ou seja, a substância química biologicamente ativa que produz os efeitos terapêuticos visados, apresenta‑se sob a forma de um sal. O sal utilizado inicialmente era a erbumina (ou tert‑butilamina), que apresenta uma forma cristalina devido ao processo utilizado pela Servier para a sua síntese.

1.      Patente relativa à molécula

3        A patente relativa à molécula do perindopril (patente EP0049658, a seguir «patente 658») foi depositada no Instituto Europeu de Patentes (IEP) em 29 de setembro de 1981. A patente 658 devia expirar em 29 de setembro de 2001 mas a sua proteção foi alargada em vários Estados‑Membros da União Europeia, entre os quais o Reino Unido, até 22 de junho de 2003, como o permitia o Regulamento (CEE) n.o 1768/92 do Conselho, de 18 de junho de 1992, relativo à criação de um certificado complementar de proteção para os medicamentos (JO 1992, L 182, p. 1). Em França, a proteção da patente 658 foi alargada até 22 de março de 2005 e, em Itália, até 13 de fevereiro de 2009.

2.      Patentes secundárias

4        Em 1988, a Servier também depositou no IEP várias patentes relativas aos processos de produção da molécula do perindopril que expiravam em 16 de setembro de 2008: as patentes EP0308339, EP0308340, EP0308341 e EP0309324 (a seguir, respetivamente, «patente 339», «patente 340», «patente 341» e «patente 324»).

5        Em 2001, a Servier depositou no IEP novas patentes relativas à erbumina e aos seus processos de produção, entre as quais a patente EP1294689 (designada «patente beta», a seguir «patente 689»), a patente EP1296948 (designada «patente gamma», a seguir «patente 948») e a patente EP1296947 (designada «patente alpha», a seguir «patente 947»). A patente 947, relativa à forma cristalina alpha da erbumina e ao seu processo de preparação, foi depositada em 6 de julho de 2001 e concedida pelo IEP em 4 de fevereiro de 2004.

3.      Perindopril de segunda geração

6        A partir de 2002, a Servier começou a desenvolver um perindopril de segunda geração, produzido a partir de um sal distinto da erbumina, a arginina. Este perindopril arginina devia apresentar melhorias em termos de duração de conservação, passando de dois para três anos, de estabilidade, permitindo um único tipo de embalagem para todas as zonas climáticas, e de armazenamento, não necessitando de qualquer condição específica.

7        A Servier apresentou um pedido de patente europeia para o perindopril arginina (patente EP1354873B, a seguir «patente 873») em 17 de fevereiro de 2003. A patente 873 foi concedida em 17 de julho de 2004, com uma data de expiração fixada em 17 de fevereiro de 2023. A introdução do perindopril arginina nos mercados da União iniciou‑se em 2006.

B.      Quanto à recorrente

8        A Biogaran (a seguir «recorrente» ou «Biogaran»), filial a 100 % dos Laboratoires Servier SAS, os próprios filiais da Servier SAS, e fundada em 1996, é uma sociedade de genéricos cuja atividade de distribuição é quase exclusivamente limitada a França.

C.      Quanto às atividades da Niche relativas ao perindopril

9        A sociedade de genéricos Niche Generics Ltd (a seguir «Niche») assumiu todas as obrigações e responsabilidades que incumbem à Bioglan Generics Ltd em virtude do acordo de desenvolvimento e de licença que esta tinha celebrado em 26 de março de 2001 com a Medicorp Technologies India Ltd (a seguir «Medicorp»), a qual sucedeu a Matrix Laboratories Ltd (a seguir «Matrix»), com vista a comercializar uma forma genérica do perindopril (a seguir «acordo Niche‑Matrix»). O acordo Niche‑Matrix estipulava que as duas sociedades comercializariam o perindopril genérico na União, sendo precisado que a Matrix estava principalmente responsável pelo desenvolvimento e pelo fornecimento do IPA do perindopril, enquanto a Niche estava principalmente responsável pelas diligências exigidas com vista à obtenção das autorizações de introdução no mercado (AIM), assim como pela estratégia comercial.

10      A Matrix forneceu em abril de 2003 um lote piloto de IPA de perindopril, bem como o processo permanente da substância ativa correspondente com vista à preparação dos pedidos de AIM pela Niche.

11      A Unichem Laboratories Ltd (a seguir «Unichem»), sociedade‑mãe da Niche, era, por sua vez, responsável pela produção do perindopril sob a sua forma farmacêutica final, em virtude de um acordo de desenvolvimento e de fabrico dos comprimidos de perindopril celebrado em 27 de março de 2003 com a Medicorp, atual Matrix, que se obrigava a desenvolver o IPA do perindopril e a fornecer‑lho.

D.      Quanto aos litígios relativos ao perindopril

1.      Litígios no IEP

12      Dez sociedades de genéricos, entre as quais a Niche, deduziram oposição à patente 947 no IEP em 2004, com vista à obtenção da sua revogação na íntegra, invocando fundamentos relativos à falta de novidade e à atividade inventiva e ao caráter insuficiente da descrição da invenção. No entanto, a Niche retirou‑se do processo de oposição em 9 de fevereiro de 2005.

13      Em 27 de julho de 2006, a Divisão de Oposição do IEP confirmou a validade da patente 947, na sequência de pequenas alterações das reivindicações iniciais da Servier (a seguir «decisão do IEP de 27 de julho de 2006»). Sete sociedades interpuseram recurso dessa decisão. Por decisão de 6 de maio de 2009, a Câmara de Recurso Técnica do IEP anulou a decisão do IEP de 27 de julho de 2006 e revogou a patente 947. O pedido de revisão apresentado pela Servier contra esta decisão foi indeferido em 19 de março de 2010.

14      Em 11 de agosto de 2004, a Niche apresentou igualmente oposição contra a patente 948 no IEP, mas retirou‑se do processo em 14 de fevereiro de 2005.

2.      Litígios nos órgãos jurisdicionais nacionais

15      A validade da patente 947 foi, além disso, contestada pelas sociedades de genéricos nos órgãos jurisdicionais de alguns Estados‑Membros, nomeadamente nos Países Baixos e no Reino Unido.

16      No Reino Unido, a Servier intentou em 25 de junho de 2004 uma ação de contrafação na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal de Patentes), Reino Unido], contra a Niche, invocando as suas patentes 339, 340 e 341, tendo esta apresentado pedidos de autorização de introdução no mercado (AIM) no Reino Unido para uma versão genérica do perindopril, desenvolvida em parceria com a Matrix Laboratories Ltd (a seguir «Matrix») em virtude de um acordo celebrado em 26 de março de 2001 (a seguir «acordo Niche‑Matrix»). Em 9 de julho de 2004, a Niche notificou à Servier um pedido reconvencional de declaração de nulidade da patente 947.

17      A audiência na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal de Patentes)], relativa ao fundamento da alegada contrafação, acabou por ser fixada para 7 e 8 de fevereiro de 2005, mas durou apenas meio‑dia, devido à transação celebrada entre a Servier e a Niche em 8 de fevereiro de 2005, que pôs termo ao contencioso entre estas duas partes.

18      A Matrix foi mantida informada pela Niche do desenrolar desse processo contencioso e foi igualmente associada ao mesmo mediante depoimentos na High Court of Justice (England & Wales), Chancery Division (patents court) [Tribunal Superior de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Secção da Chancelaria (Tribunal de Patentes)], em nome da Niche. Por outro lado, a Servier enviou uma carta formal de advertência à Matrix em 7 de fevereiro de 2005, acusando‑a de violar as patentes 339, 340 e 341 e ameaçando‑a com a propositura de uma ação de contrafação.

19      No outono de 2004, a Servier, por outro lado, começou a considerar a possibilidade de aquisição da Niche. Para o efeito, a Servier mandou elaborar uma auditoria prévia, cuja primeira fase terminou em 10 de janeiro de 2005, data em que apresentou uma proposta preliminar não vinculativa de aquisição do capital de Niche por um montante compreendido entre 15 e 45 milhões de libras esterlinas (GBP). Na sequência da segunda fase da auditoria prévia, realizada em 21 de janeiro de 2005, a Servier informou oralmente a Niche em 31 de janeiro de 2005 de que já não pretendia proceder à sua aquisição.

E.      Quanto às resoluções amigáveis

1.      Quanto aos acordos celebrados entre a Niche, a Unichem, a Matrix e a Servier

20      A Servier celebrou uma série de transações em matéria de patentes com várias sociedades de genéricos com as quais tinha litígios relativos às patentes.

21      Em 8 de fevereiro de 2005, a Servier celebrou com a Niche e a Unichem uma transação (a seguir «transação» ou «transação entre a Servier e a Niche»). O âmbito de aplicação territorial do acordo abrangia todos os países em que as patentes 339, 340, 341 e 947 existiam (artigo 3.o do acordo).

22      Na transação, a Niche e a Unichem obrigaram‑se a não produzir, mandar produzir, deter, importar, fornecer, propor fornecer ou dispor de perindopril genérico produzido segundo o processo desenvolvido pela Niche e que a Servier considerava que violava as patentes 339, 340 e 341, tais como validadas no Reino Unido, segundo um processo substancialmente semelhante ou segundo qualquer outro processo suscetível de violar as patentes 339, 340 e 341 (a seguir «processo controvertido») até à expiração local destas patentes (artigo 3.o do acordo) (a seguir «cláusula de não comercialização»). Em contrapartida, o acordo estipulava que seriam livres de comercializar o perindopril produzido a partir do processo controvertido sem violar essas patentes, após o expirar das referidas patentes (artigos 4.o e 6.o do acordo). Além disso, a Niche estava a obrigada a anular, rescindir ou suspender, até à data de expiração das patentes, todos os seus contratos já celebrados relativos ao perindopril produzido a partir do processo controvertido, assim como os pedidos de AIM deste perindopril (artigo 11.o do acordo). Por outro lado, a Niche e a Unichem obrigaram‑se a não apresentar qualquer pedido de AIM do perindopril produzido a partir do processo controvertido e a não ajudar qualquer terceiro a obter tal AIM (artigo 10.o do acordo). Por último, não deviam intentar ações de declaração de invalidade ou de declaração de não contrafação contra as patentes 339, 340, 341, 947, 689 e 948 até à sua expiração, salvo a título de defesa no âmbito de uma ação de contrafação de patente (artigo 8.o do acordo). Além disso, a Niche aceitou retirar as suas oposições contra as patentes 947 e 948 no IEP (artigo 7.o do acordo).

23      Em contrapartida, a Servier obrigou‑se, por um lado, a não intentar a ação de contrafação contra a Niche ou os seus clientes e a Unichem, com base nas patentes 339, 340, 341 e 947, relativamente a qualquer ato de alegada contrafação ocorrido antes da celebração do acordo Niche (artigo 5.o do acordo) (a seguir «cláusula de não reivindicação»), e, por outro, a pagar à Niche e à Unichem uma quantia de 11,8 milhões de GBP em dois pagamentos (artigo 13.o do acordo). Esta quantia representa a contrapartida dos compromissos da Niche e da Unichem e dos «custos substanciais e responsabilidades potenciais que poderiam ser suportados pela Niche e pela Unichem devido à cessação do seu programa de desenvolvimento do perindopril produzido segundo o processo [controvertido]».

24      Por outro lado, também em 8 de fevereiro de 2005, a Servier celebrou com a Matrix uma transação (a seguir «transação Matrix») que abrangia todos os países em que as patentes 339, 340, 341 e 947 existiam, com exceção de um Estado não membro do Espaço Económico Europeu (EEE) [secção 1, n.o 1, alínea xiii), do acordo].

25      Na transação Matrix, a Matrix obrigou‑se a não produzir, mandar produzir, deter, importar, fornecer, propor fornecer ou dispor de perindopril produzido segundo o processo controvertido, até à expiração local dessas patentes (artigos 1.o e 2.o do acordo). Em contrapartida, o acordo estipulava que a Matrix seria livre de comercializar o perindopril produzido a partir do processo controvertido sem violar estas patentes, após expirarem as referidas patentes (artigo 4.o do acordo). Além disso, a Matrix estava obrigada a anular, rescindir ou suspender, até à data de expiração das patentes, todos os seus contratos já celebrados relativos ao perindopril produzido a partir do processo controvertido, assim como os pedidos de AIM deste perindopril, o mais tardar em 30 de junho de 2005 (artigos 7.o e 8.o do acordo). Por outro lado, obrigou‑se a não apresentar qualquer pedido de AIM do perindopril produzido a partir do processo controvertido e a não ajudar nenhum terceiro a obter tal AIM (artigo 6.o do acordo). Por último, a Matrix não devia intentar qualquer ação de declaração de invalidade ou de declaração de não contrafação contra as patentes 339, 340, 341, 947, 689 e 948 até à sua expiração, salvo a título de defesa no âmbito de uma ação de contrafação de patente (artigo 5.o do acordo).

26      Em contrapartida, a Servier obrigou‑se, por um lado, a não intentar uma ação de contrafação contra a Matrix, baseada nas patentes 339, 340, 341 e 947, relativamente a qualquer alegado ato de contrafação ocorrido antes da celebração da transação Matrix (artigo 3.o do acordo), e, por outro, a pagar à Matrix uma quantia de 11,8 milhões de GBP em dois pagamentos (artigo 9.o do acordo). Esta quantia representava a contrapartida dos compromissos da Matrix e dos «custos substanciais e responsabilidades potenciais que poderiam ser suportados pela Matrix devido à cessação do seu programa de desenvolvimento do perindopril produzido segundo o processo [controvertido]».

2.      Quanto ao acordo celebrado entre a Niche e a Biogaran

27      Em 8 de fevereiro de 2005 (dia da celebração da transação entre a Servier e a Niche), foi celebrado um acordo de licença e de fornecimento entre a Niche e a Biogaran relativamente à transferência da Niche para a Biogaran de três processos de produtos (ou seja «todas as informações e/ou dados detidos pela Niche referentes aos produtos e necessários para a obtenção das AIM») e de uma autorização existente de introdução no mercado em troca do pagamento à Niche, pela Biogaran, do montante de 2,5 milhões de GBP (a seguir «acordo Biogaran»).

28      Nos termos do acordo Biogaran, a Niche obrigava‑se a transferir para a Biogaran o processo de produto relativo ao produto A para efeitos de uma utilização exclusiva pela Biogaran com vista à obtenção das AIM em França, no Reino Unido e num país que não pertence ao EEE e de uma utilização não exclusiva para o resto do mundo. Quanto aos outros dois processos de produtos, relativos ao produto B e ao produto C, a transferência dos processos foi efetuada com uma base não exclusiva em qualquer parte do mundo. No que respeita ao produto B em particular, a Niche aceitou transferir a sua AIM relativa a França para a Biogaran. O acordo Biogaran previa que, após ter obtido as suas AIM, a Biogaran devia encomendar à Niche os produtos em causa (artigo 2.2 do acordo). Nos termos do artigo 2.5 do acordo, a Niche obrigava‑se a fornecer à Biogaran todos os elementos e todos os dados que lhe pertenciam ou que estavam sob o seu controlo e que constituíam o processo de produto necessário para a obtenção das AIM correspondentes. Além disso, a Biogaran estava obrigada a desenvolver todos os esforços razoáveis para garantir que as encomendas do produto ou dos produtos eram efetuadas no momento adequado, a fim de permitir à Niche manter um regime de produção constante durante todo o período de duração deste acordo (artigo 4.1 do acordo). Em contrapartida, o acordo Biogaran estipulava que este acordo seria automaticamente rescindido se as AIM não fossem obtidas num prazo de 18 meses (artigo 14.4 do acordo). De igual modo, o acordo previa que nenhuma parte teria direito a uma indemnização em caso de rescisão conforme aos artigos 14.2 e 14.4 do acordo.

29      Em contrapartida dos processos de produtos, o artigo 2.3 do acordo Biogaran previa o pagamento pela Biogaran do montante de 2,5 milhões de GBP e fixava modalidades de pagamento que obrigavam a Biogaran a pagar à Niche 1,5 milhões de GBP em 14 de fevereiro de 2005, o mais tardar, e 1 milhão de GBP em 5 de outubro de 2005, o mais tardar, em datas idênticas às estabelecidas pela transação entre a Servier e a Niche para o pagamento de 11,8 milhões de GBP.

F.      Quanto à investigação setorial

30      Em 15 de janeiro de 2008, a Comissão das Comunidades Europeias decidiu abrir uma investigação sobre o setor farmacêutico com fundamento no disposto no artigo 17.o do Regulamento (CE) n.o 1/2003 do Conselho, de 16 de dezembro de 2002, relativo à execução das regras de concorrência estabelecidas nos artigos [101.o] e [102.o TFUE] (JO 2003, L 1, p. 1), com o objetivo de identificar, por um lado, as causas da redução da inovação no referido setor, medida pelo número de novos medicamentos que entram no mercado, e, por outro, as razões da entrada tardia no mercado de determinados medicamentos genéricos.

31      A Comissão publicou um relatório preliminar sobre os resultados da sua investigação em 28 de novembro de 2008, seguida de uma consulta pública. Em 8 de julho de 2009, adotou uma comunicação que tinha por objeto a síntese do seu relatório de investigação sobre o setor farmacêutico. Nesta comunicação, a Comissão referiu, nomeadamente, que se deviam continuar a controlar as resoluções amigáveis dos litígios em matéria de patentes celebradas entre as sociedades de medicamentos originais e as sociedades de genéricos, a fim de compreender melhor a utilização que era feita destes acordos e identificar os acordos que atrasam a entrada dos medicamentos genéricos no mercado em prejuízo dos consumidores da União e que podem constituir infrações às regras da concorrência. Em seguida, a Comissão apresentou seis relatórios anuais relativos ao controlo dos acordos de resolução amigável ligados às patentes.

G.      Quanto ao processo administrativo e à decisão recorrida

32      Em 24 de novembro de 2008, a Comissão realizou inspeções sem aviso prévio nas instalações das sociedades em causa. A Comissão dirigiu pedidos de informações a várias sociedades em janeiro de 2009.

33      Em 2 de julho de 2009, a Comissão adotou uma decisão de abertura do processo contra a Servier e a recorrente, assim como outras sociedades de genéricos.

34      Em agosto de 2009 e posteriormente de dezembro de 2009 a maio de 2012, a Comissão dirigiu novos pedidos de informações tanto à Servier como à Niche. Na sequência de duas recusas da Servier em comunicar as informações relativas ao acordo Biogaran, a Comissão adotou uma decisão baseada no disposto no artigo 18.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1/2003, pedindo que uma série de informações lhe fosse comunicada. A resposta a este pedido foi apresentada em 7 de novembro de 2011.

35      Em 27 de julho de 2012, a Comissão adotou uma comunicação de acusações, dirigida a várias sociedades, entre as quais a recorrente, que lhe respondeu em 14 de janeiro de 2013.

36      A audição das sociedades em causa, entre as quais a recorrente, realizou‑se de 15 a 18 de abril de 2013.

37      Em 18 de dezembro de 2013, a Comissão deu acesso aos elementos de prova recolhidos ou divulgados mais amplamente após a comunicação de acusações e enviou uma exposição dos factos, a que a recorrente respondeu em 21 de janeiro de 2014.

38      O auditor apresentou o seu relatório final em 7 de julho de 2014.

39      Em 9 de julho de 2014, a Comissão adotou a Decisão C (2014) 4955 final, relativa a um processo de aplicação dos artigos 101.o e 102.o TFUE [processo AT.39612 — Perindopril (Servier)] (a seguir «decisão recorrida»).

40      O artigo 1.o da decisão recorrida estabelece que a Unichem, incluindo a sua filial Niche, e a Servier, incluindo a sua filial Biogaran, violaram o artigo 101.o TFUE ao participarem num transação de litígios em matéria de patentes contra pagamento compensatório, que abrangia todos os Estados‑Membros, com exceção da Croácia e da Itália, para o período iniciado em 8 de fevereiro de 2005, salvo no que respeita à Letónia (período iniciado em 1 de julho de 2005), a Bulgária e a Roménia (período iniciado em 1 de janeiro de 2007) e Malta (período iniciado em 1 de março de 2007), e que termina em 15 de setembro de 2008, salvo no que respeita aos Países Baixos (período cessante em 1 de março de 2007) e ao Reino Unido (período cessante em 6 de julho de 2007).

41      A Comissão considerou que o acordo Biogaran tinha constituído um incentivo adicional destinado a convencer a Niche a não entrar no mercado e revelava a participação direta da Biogaran na infração cometida pela Servier, sua sociedade‑mãe.

42      Com efeito, a Comissão entendeu, nos considerandos 1349 a 1354 da decisão recorrida, que, além da transferência de valor líquido, a Servier tinha fornecido à Niche um incentivo adicional através do acordo Biogaran. A Comissão sublinhou que, em 8 de fevereiro de 2005, ou seja, na mesma data da celebração da transação entre a Servier e a Niche, esta também tinha celebrado o acordo Biogaran e que, no âmbito deste contrato, a Biogaran tinha pago à Niche 2,5 milhões de GBP em contrapartida da transferência dos processos de produtos e de uma AIM relativa a produtos farmacêuticos não relacionados com o perindopril.

43      Nos termos do artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da decisão recorrida, é aplicada à Servier e à Biogaran, conjunta e solidariamente, uma coima no montante de 131 532 600 euros. Por outro lado, a Biogaran está obrigada, por força do artigo 8.o da mesma decisão, a não repetir a infração assim constatada e punida e qualquer ato ou comportamento que tenha um objeto ou um efeito idêntico ou semelhante.

II.    Tramitação do processo e pedidos das partes

44      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de setembro de 2014, a recorrente interpôs o presente recurso.

45      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular os artigos 1.o, 7.o e 8.o da decisão recorrida, na medida em que respeitam à recorrente;

–        a título subsidiário, fazer uso da sua competência de plena jurisdição para reduzir muito substancialmente o montante da coima aplicada à recorrente;

–        conceder à recorrente o benefício de qualquer anulação, total ou parcial, da decisão recorrida no âmbito do recurso interposto pela Servier e dela retirar todas as consequências no âmbito da sua competência de plena jurisdição;

–        condenar a Comissão nas despesas.

46      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

III. Quanto à admissibilidade

A.      Quanto ao terceiro pedido, através do qual a recorrente pede que lhe seja concedido o benefício de qualquer anulação da decisão recorrida no âmbito do recurso interposto pela Servier

47      A título preliminar, cabe recordar que, nos termos do artigo 21.o do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e do artigo 44.o, n.o 1, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral de 2 de maio de 1991, a petição deve conter o objeto do litígio e a exposição sumária dos fundamentos do pedido.

48      Segundo jurisprudência constante, essa indicação deve ser suficientemente clara e precisa para permitir ao demandado preparar a sua defesa e ao Tribunal pronunciar‑se sobre o pedido. O mesmo deve acontecer em relação a qualquer pedido, que deve ser acompanhado dos fundamentos e argumentos suscetíveis de permitir, tanto ao demandado como ao juiz, apreciar a sua procedência (v. Acórdão de 7 de julho de 1994, Dunlop Slazenger/Comissão, T‑43/92, EU:T:1994:79, n.o 183 e jurisprudência referida). Assim, para que uma ação seja admissível, é necessário que os elementos essenciais de facto e de direito em que esta se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de um modo coerente e compreensível, do texto da própria petição. A este respeito, ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para determinadas passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força das disposições atrás recordadas, devem constar da petição. Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os elementos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (v. Acórdão de 17 de setembro de 2007, Microsoft/Comissão, T‑201/04, EU:T:2007:289, n.o 94 e jurisprudência referida). A fortiori, o reenvio geral, numa petição, para os fundamentos e os argumentos invocados em apoio de outro recurso, mesmo que interposto no âmbito de um processo conexo, não responde à exigência acima referida (Acórdão de 24 de março de 2011, Legris Industries/Comissão, T‑376/06, não publicado, EU:T:2011:107, n.o 32).

49      No caso em apreço, há que considerar que a remissão geral, numa petição, sem qualquer outra precisão ou explicação, para os fundamentos e os argumentos invocados em apoio do recurso interposto no âmbito do processo que deu origem ao acórdão do mesmo dia, Servier e o./Comissão (T‑691/14), não responde à exigência acima referida.

50      Além disso, admitindo que, com o terceiro pedido da petição, a recorrente decidiu invocar a jurisprudência segundo a qual o juiz da União deve conceder a uma sociedade o benefício de uma anulação decretada a favor de outra quando constituem uma mesma entidade económica (Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Comissão/Tomkins, C‑286/11 P, EU:C:2013:29, n.os 43 e 44), o que invocou na réplica, este pedido não pode ser deferido. Com efeito, com o Acórdão Servier e o./Comissão (T‑691/14), proferido no mesmo dia, o Tribunal Geral negou provimento ao recurso na medida em que respeitava ao acordo de resolução amigável entre a Servier e a Niche. Assim, a recorrente não pode invocar a seu favor o benefício de uma anulação da decisão recorrida no âmbito do recurso interposto pela Servier.

51      Resulta do exposto que o terceiro pedido da recorrente, que visa fazer seus os pedidos e os articulados da Servier, deve ser julgado improcedente.

B.      Quanto à admissibilidade de determinados anexos da contestação e de provas apresentadas nesse articulado

1.      Argumentos das partes

52      A título preliminar, a recorrente alega na réplica que a Comissão apresentou na contestação novos documentos e argumentos em apoio da tese desenvolvida na decisão recorrida. Com efeito, a contestação (que contém 40 páginas) baseia‑se, em parte, em elementos factuais novos, principalmente com a finalidade de estabelecer a decisão recorrida, que apenas dedica 6 páginas num total de 919 a questionar a Biogaran. Ao basear‑se na jurisprudência, a recorrente alega que a utilização de elementos novos no processo judicial viola os direitos da defesa.

53      A recorrente pediu que determinados anexos da contestação fossem declarados inadmissíveis, com o fundamento de que 23 deles estavam em inglês e não tinham sido objeto de qualquer tradução na língua do processo, o francês.

54      A Comissão nega ter apresentado novos elementos de prova em apoio da legalidade da decisão recorrida e ter incumprido o seu dever de fundamentação. Com efeito, a existência do nexo entre o acordo Biogaran e a resolução amigável está explicada detalhadamente nos considerandos 561 a 569 e 1351 a 1354 da decisão recorrida.

55      Segundo a Comissão, as três circunstâncias que confirmam a existência de um nexo entre o acordo Biogaran e a transação não podem ser qualificadas de «novas», na medida em que figuram na decisão recorrida ou se deduzem das constatações da própria decisão. Antes de mais, o papel preponderante de M. nas negociações da Niche com a Servier é evocado nos considerandos 532 e 538 da decisão recorrida. Em seguida, as discussões relativas à vontade de Niche de obter um montante mais elevado do que o concedido à Matrix são referidas no considerando 577 da decisão recorrida. Por último, o papel desempenhado pela Biogaran nas relações entre a Servier e a sociedade de genéricos Lupin Ltd é igualmente referido no considerando 979 da decisão recorrida.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

56      A recorrente alega que a Comissão, em violação do princípio do respeito dos direitos da defesa, apresentou na contestação novos documentos e argumentos em apoio das teses desenvolvidas na decisão recorrida para sanar uma fundamentação insuficiente.

57      Importa recordar a este respeito que, no âmbito de um recurso de anulação, a Comissão não pode apresentar, em apoio da decisão recorrida, novos elementos de prova da acusação que não tenham sido tidos em conta nessa decisão. Todavia, o Tribunal de Justiça e o Tribunal Geral reconheceram que o autor de uma decisão impugnada podia prestar esclarecimentos durante o processo contencioso a fim de completar uma fundamentação já em si mesma suficiente, uma vez que podem ser úteis à fiscalização interna dos fundamentos da decisão, exercida pelo juiz da União, na medida em que permitem à instituição explicar as razões que estão na base da sua decisão (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de novembro de 2000, Finnboard/Comissão, C‑298/98 P, EU:C:2000:634, n.o 46; de 13 de julho de 2011, ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão, T‑144/07, T‑147/07 a T‑150/07 e T‑154/07, EU:T:2011:364, n.os 146 a 149; e de 27 de setembro de 2012, Ballast Nedam/Comissão, T‑361/06, EU:T:2012:491, n.o 49).

58      No caso, a Comissão não violou o seu dever de fundamentação nem os direitos de defesa da recorrente ao apresentar precisões na contestação. Com efeito, os elementos factuais avançados na contestação e qualificados pela recorrente como «novos» limitam‑se a demonstrar a tese da Comissão sobre a existência de um nexo entre o acordo Biogaran e a resolução amigável e resultam claramente da decisão recorrida.

59      Antes de mais, no que respeita à questão de saber se a Comissão podia apresentar indícios complementares relativos à participação de determinados funcionários da Biogaran e da Servier nas negociações do acordo Biogaran e da resolução amigável, importa observar que o correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2005 referido várias vezes na decisão recorrida (considerandos 566 e 1351) e reproduzido no anexo B.10 da contestação) demonstra, por um lado, que M. tinha desempenhado para a Niche um papel na negociação dos dois acordos (v., igualmente considerando 538 da decisão recorrida) e, por outro, que L., diretora jurídica do grupo Servier, destinatária de uma cópia deste correio eletrónico, participava nas discussões. Resulta deste mesmo correio eletrónico que uma vez que a pessoa que negociou o acordo Biogaran por conta da recorrente era igualmente a signatária da carta de notificação enviada pela Servier à Matrix em 7 de fevereiro de 2005, um dia antes da celebração da resolução amigável.

60      Em seguida, no que respeita às negociações entre a Matrix e a Niche e a pretensão da Niche de obter um montante superior ao da Matrix, a Comissão alega corretamente que estes elementos resultam do considerando 577 da decisão recorrida.

61      Por último, quanto ao alegado papel desempenhado por um dirigente da Biogaran na celebração da resolução amigável entre a Servier e a sociedade de genéricos Lupin, a Comissão tem o direito de responder na contestação aos argumentos da recorrente, quando esta pretende demonstrar que a tese da Comissão enferma de erro de direito, ou seja, que a decisão recorrida visava imputar à Biogaran a responsabilidade dos atos da Servier (v., neste sentido, Acórdãos de 13 de julho de 2011, ThyssenKrupp Liften Ascenseurs/Comissão, T‑144/07, T‑147/07 a T‑150/07 e T‑154/07, EU:T:2011:364, n.os 146 a 149, e de 27 de setembro de 2012, Ballast Nedam/Comissão, T‑361/06, EU:T:2012:491, n.os 49 e 50). Com efeito, a Comissão refere o papel de B., presidente fundador da Biogaran, no acordo entre a Servier e a Lupin, para demonstrar que a Biogaran podia ser considerada responsável pela sua participação direta na infração e não pelos atos imputados à sua sociedade‑mãe.

62      Quanto à admissibilidade de determinados anexos da defesa, a recorrente alega que os documentos em questão são redigidos em inglês e não são acompanhados de traduções para a língua do processo, ou seja, o francês.

63      Nos termos do artigo 35.o, n.o 3, primeiro e segundo parágrafos, do Regulamento do Processo de 2 de maio de 1991, em vigor no momento da apresentação da contestação, a língua do processo é utilizada, nomeadamente, nos escritos e intervenções orais das partes, incluindo as peças processuais e documentos anexos, e qualquer peça processual ou documento apresentados ou juntos em anexo redigidos em língua diferente devem ser acompanhados de tradução na língua do processo. O artigo 7.o, n.o 5, segundo parágrafo, das Instruções ao secretário do Tribunal Geral de 5 de julho de 2007 prevê que, quando peças anexas a um ato processual não forem acompanhadas por uma tradução na língua do processo, o secretário pede à parte em questão que proceda à respetiva regularização, se se verificar que essa tradução é necessária para a boa marcha do processo. Resulta dos n.os 64 e 68 das Instruções práticas às partes perante o Tribunal Geral de 24 de janeiro de 2012 (JO 2012, L 68, p. 23) que, se a contestação não estiver em conformidade com os requisitos de forma relativos à tradução na língua do processo de uma peça redigida numa língua diferente da língua do processo, é fixado um prazo razoável para a sua regularização.

64      Tendo em conta estas disposições, há que considerar que, na falta de um pedido de uma parte neste sentido, somente quando a tradução na língua do processo for necessária para a boa marcha do processo é que incumbe ao secretário pedir à parte que proceda à mesma (v., neste sentido, Acórdão de 15 de junho de 2010, Mediaset/Comissão, T‑177/07, EU:T:2010:233, n.o 37).

65      No caso em apreço, importa observar que a recorrente não pediu expressamente ao Tribunal Geral para solicitar à Comissão a tradução para francês, língua do processo no presente processo, dos anexos da contestação redigidos em inglês. Apenas contestou a admissibilidade destes anexos alegando que não estavam redigidos na língua do processo. Todavia, a Comissão, por carta de 28 de setembro de 2015, num prazo razoável após a apresentação da contestação, notificou à Secretaria do Tribunal Geral a tradução para francês dos referidos anexos. Além disso, a recorrente pôde pronunciar‑se sobre estes articulados na audiência. Por conseguinte, em todo caso, não sendo necessário determinar se essa tradução era necessária para a boa marcha do processo, a exceção de inadmissibilidade suscitada pela recorrente contra os anexos em causa deve ser julgada improcedente.

66      Assim, há que julgar improcedentes as questões prévias de inadmissibilidade invocadas pela recorrente.

IV.    Quanto ao mérito

67      A recorrente invoca três fundamentos em apoio dos seus pedidos. Alega, em primeiro lugar, que a decisão recorrida não demonstra a sua participação em qualquer infração às regras de concorrência. Em segundo lugar, contesta a apreciação factual da Comissão quanto à existência de uma vantagem incentivadora adicional resultante do acordo Biogaran. Em terceiro lugar, alega que a Comissão cometeu um erro de direito ao aplicar‑lhe uma coima. Importa apreciar antes de mais o segundo fundamento, em seguida, o primeiro fundamento e, por último, o terceiro fundamento.

A.      Quanto ao fundamento relativo à desvirtuação dos factos, na medida em que a decisão recorrida considera erradamente que o acordo Biogaran serviu de incentivo adicional para encorajar a Niche a celebrar a resolução amigável com a Servier

68      Com este fundamento, a recorrente contesta a apreciação que a Comissão efetuou sobre os factos em causa, a qual a levou a considerar a existência de uma restrição de concorrência.

1.      Argumentos das partes

a)      Quanto ao erro de apreciação na análise do nexo entre o acordo Biogaran e a resolução amigável

1)      Quanto à cronologia das negociações dos acordos

69      A recorrente alega que o histórico das negociações dos dois acordos difere, mesmo que a assinatura do acordo Biogaran e a da transação entre a Servier e a Niche tenham tido lugar no mesmo dia. Com efeito, vários documentos contemporâneos demonstram que a Biogaran tinha começado a negociar o acordo Biogaran em 2002, quase dois anos antes do início das discussões relativas à resolução amigável. A recorrente contesta assim a alegação segundo a qual os dois acordos teriam sido negociados durante o mesmo período, tal como resulta do considerando 1351 da decisão recorrida.

70      O facto de a recorrente ter começado a negociar o acordo Biogaran ainda antes de se ter iniciado o litígio entre a Servier e a Niche demonstra a existência, para a Biogaran, de um interesse autónomo, próprio e distinto em assinar este acordo, independentemente da resolução amigável.

71      A recorrente alega que a celebração dos dois acordos no mesmo dia não revela a existência de um nexo, mas apenas o facto de o litígio entre a Servier e a Niche ter tido como efeito colateral o bloqueio das negociações preexistentes entre a Niche e a Biogaran, que retomaram em fevereiro de 2005, alguns dias antes da assinatura da transação.

72      A Comissão alega que demonstrou, na decisão recorrida, que a cronologia das negociações confirmava a existência de um nexo entre a transação e o acordo Biogaran.

73      Em primeiro lugar, a Niche confirmou, numa declaração de 15 de junho de 2011, que a transação e o acordo Biogaran tinham sido negociados ao mesmo tempo. Em segundo lugar, as negociações anteriores entre a Niche e a Biogaran não incidiram sobre o produto A e apenas se estenderam em fevereiro de 2005 a outras moléculas. O alcance do acordo foi, assim, estendido no último momento, o que é confirmado por um correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2005 enviado pelo advogado da Biogaran à Niche. Em terceiro lugar, os contactos entre a Biogaran e a Niche continuaram a ocorrer em agosto de 2004, ou seja, mais de um mês após o início do contencioso no Reino Unido. Mesmo que estes contactos não tenham tido êxito, as negociações entre a Biogaran e a Niche retomaram apenas nas negociações da resolução amigável, apesar de o contencioso entre a Servier e Niche ainda estar em curso. Por conseguinte, afigura‑se que as negociações sobre o produto A não estiveram paralisadas devido ao contencioso que tinha começado em junho de 2004.

2)      Quanto ao nexo jurídico entre a transação e o acordo Biogaran

74      Segundo a recorrente, contrariamente ao que afirma a Comissão no considerando 1190 da decisão recorrida, o acordo assinado pela Biogaran não estava «sujeito» à aceitação, pela Niche, das condições da transação. Com efeito, nenhum destes dois acordos tinha vinculado ou condicionado a sua assinatura ou a sua execução à do outro.

75      Por outro lado, a recorrente sublinha que os dois acordos são regulados por leis diferentes e não estão sujeitos aos mesmos tribunais. De igual modo, os dois acordos não vinculam as mesmas pessoas jurídicas no grupo Servier e não foram assinados no mesmo local, uma vez que o acordo Biogaran foi assinado em Paris (França), enquanto a transação foi assinado entre a Niche e a Servier em Londres (Reino Unido).

76      Além disso, a recorrente precisa que as datas de pagamento previstas pelos dois acordos eram apenas parcialmente idênticas, na medida em que os pagamentos da Biogaran relativos ao fornecimento permitido pela licença foram posteriores.

77      A recorrente acrescenta que a tese da Comissão relativa à existência de um nexo entre os dois acordos baseia‑se largamente nas declarações efetuadas pela Niche, pelo que a ambiguidade destas declarações devia ter levado a Comissão a explorá‑las com prudência. A Comissão simplesmente afastou as declarações que contrariavam as suas teses, apenas por serem posteriores à comunicação de acusações e, por isso, supostamente menos probatórias do que as declarações efetuadas anteriormente no âmbito do processo administrativo.

78      A Comissão alega que os dois acordos, negociados simultaneamente, foram celebrados no mesmo dia e previam pagamentos escalonados exatamente nas mesmas datas no que respeita à transferência dos processos de produtos, transferência que constituía a razão de ser do pagamento de 2,5 milhões de GBP. Alega que a Niche confirmou explicitamente várias vezes no decurso do processo administrativo, nomeadamente em resposta à comunicação de acusações, que o acordo Biogaran lhe tinha sido proposto pela Servier a fim de dar à Niche a totalidade da compensação acordada em troca da celebração da transação global. A Comissão refere um projeto de resolução amigável entre a Servier e a Niche no qual a menção manuscrita «ramipril» foi colocada à frente da menção «2,5 milhões». Segundo a Comissão, estes elementos provam que o montante do preço pago pela Servier em troca dos compromissos assumidos pela Niche inclui o pagamento de 2,5 milhões de GBP previsto no âmbito do processo do ramipril, ou seja, o acordo Biogaran.

79      A Comissão reconhece que a Niche acrescentou, na sua resposta à comunicação de acusações, que o acordo Biogaran era um verdadeiro acordo comercial com uma verdadeira contrapartida. Não obstante, no mesmo documento, a Niche alegou que, ainda que não fosse uma prática comercial normal, ocasionalmente podia suceder serem assinados acordos em relação a vários produtos simultaneamente. Além disso, a Comissão sublinha que as declarações da Niche efetuadas num momento em que a Niche tinha conhecimento das acusações que lhe eram imputadas não têm o mesmo valor probatório que as declarações efetuadas anteriormente, in tempore non suspecto.

80      A Comissão alega igualmente que o correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2005 enviado pelo advogado da Biogaran à Niche, relativo ao montante em jogo, corrobora a existência de um nexo entre os dois acordos. As partes acordaram um montante a pagar pela Biogaran à Niche e, em seguida, discutiram o conteúdo do acordo Biogaran. O objetivo principal do acordo foi, assim, fornecer um incentivo adicional à Niche, e não celebrar um acordo comercial, assim como a Biogaran sugere no n.o 75 da petição. Com efeito, este acordo não demonstra o interesse da Biogaran por estes produtos, nem qualquer incentivo para comercializar os produtos que apenas foram incluídos no final da negociação no perímetro do acordo.

81      Por outro lado, a Comissão considera que, embora os acordos Biogaran e de resolução amigável não tenham tido os mesmos signatários, os mesmos negociadores participaram, em parte, nas negociações. De igual modo, o projeto de acordo Biogaran circulou no grupo Servier e a diretora jurídica do grupo, L., era destinatária de uma cópia do correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2005 enviado pela Biogaran à Niche, apesar de este correio eletrónico ser relativo a um contrato que devia ser celebrado pela Biogaran, e era igualmente destinatária de uma cópia do acordo celebrado entre a Niche e a Biogaran de 20 de julho de 2004 relativo às cápsulas de produto A.

3)      Quanto à intenção de incentivar a Niche

82      A recorrente alega que a Comissão não estabeleceu, na decisão recorrida, que a Biogaran tinha tido a intenção de incentivar a Niche a assinar a resolução amigável. De igual modo, a Comissão também não explica os motivos que alegadamente levaram a Servier a recorrer à intermediação da Biogaran para efetuar este pagamento adicional de 2,5 milhões de GBP, quando a própria Servier se tinha obrigado a pagar diretamente à Niche o montante de 11,8 milhões de GBP.

83      A Comissão alega que, na celebração das suas respetivas resoluções amigáveis com a Servier, a Niche e a Matrix discutiram a repartição dos montantes entre si. Um documento interno da Matrix de setembro de 2005 demonstra que os montantes que são objeto das resoluções amigáveis foram negociados e divididos de forma igual entre a Niche e a Matrix, ao passo que a Matrix pretendia receber mais do que a Niche (considerando 577 da decisão recorrida). A celebração de um acordo separado entre a Biogaran e a Niche teria claramente permitido aumentar a contribuição paga pelo grupo Servier à Niche deixando de parte a Matrix. Por outro lado, a Niche confirmou que o pagamento fazia parte da «total overall compensation» (sistema de remuneração global) de 15,7 milhões de GBP negociado entre a Servier e a Niche.

84      A Comissão acrescenta que não tinha necessidade de demonstrar que a Biogaran tinha a intenção de incentivar a Niche a assinar a resolução amigável. Com efeito, a intenção das partes não constitui um elemento necessário para determinar o caráter restritivo do acordo. Além disso, a Comissão considera que estabeleceu o caráter indissociável dos dois acordos celebrados respetivamente pela Biogaran e pela sua sociedade‑mãe, a Servier, com a Niche. Uma vez que a Biogaran e a Servier constituem um única entidade económica não foi necessário demonstrar que, nesta entidade, cada um dos seus componentes tinha o objetivo de incentivar a Niche a assinar a transação.

85      A Comissão alega que o dispositivo do acordo Biogaran, segundo o qual as partes não podiam reclamar o reembolso dos montantes pagos em caso de não obtenção das AIM, não se destinava a incentivar a Biogaran a solicitar as AIM.

86      Com efeito, antes de mais, as obrigações contratuais da Biogaran não incluíam a obrigação de solicitar as AIM com base nos processos transferidos (artigos 2.2 e 3 do acordo Biogaran).

87      Em seguida, se a Biogaran não tivesse obtido a AIM em 18 meses e, em conformidade com os artigos 14.2 e 14.4 do acordo Biogaran, se o acordo tivesse sido automaticamente rescindido, o pagamento já efetuado à Niche não seria reembolsável.

88      Além disso, a Biogaran não estava obrigada a qualquer exclusividade no que respeita aos processos de produtos e, por conseguinte, podia facilmente ter evitado estar ligada à Niche, bastando‑lhe não solicitar AIM com base nos processos, uma vez que a Biogaran a isso não estava obrigada. Aliás, foi o que aconteceu, uma vez que a Biogaran celebrou outro acordo com a sociedade A. para a aquisição de vários processos, igualmente relativos ao produto A em diferentes dosagens. A Comissão observa que o acordo celebrado com a sociedade A., contrariamente ao acordo Biogaran, previa que esta sociedade A. devia reembolsar os pagamentos transferidos pela Biogaran em caso de não obtenção da AIM. Tal diferença entre os dispositivos destes dois acordos sugere que a Niche não tinha a garantia de que a Biogaran ia pedir as AIM e abastecer‑se junto da Niche na sequência do acordo Biogaran. Com efeito, na medida em que o pagamento deveria, em todo caso, ser efetuado à Niche antes de ser possível saber se a Biogaran ia obter as AIM, a Niche não tinha a garantia de que a Biogaran ia solicitar as AIM e abastecer‑se junto da Niche.

89      Por último, a Comissão alega que as explicações da Biogaran relativas ao pagamento do montante de 2,5 milhões de GBP são pouco credíveis. Com efeito, a Biogaran não foi capaz de justificar de que modo tinha podido pagar tal montante, nem como um incentivo para pedir as AIM, nem como um meio de garantir uma segunda fonte de abastecimento do produto A, nem como um meio de obter «processos de garantia» escolhidos aleatoriamente (exceto o produto A), e como tinha podido assumir o risco de esse pagamento ser perdido. De igual forma, a Comissão questiona a estrutura pouco habitual do acordo Biogaran, nomeadamente o caráter não reembolsável do pagamento. Com efeito, o acordo Biogaran distingue‑se do acordo celebrado com a sociedade A., que estipulava que, em caso de não obtenção das AIM, a sociedade A. devia reembolsar o pagamento recebido.

b)      Quanto à consideração do interesse comercial da recorrente em celebrar o acordo Biogaran

90      A recorrente alega que o acordo Biogaran era justificado pela vontade comercialmente legítima e pró‑concorrencial da Biogaran de garantir várias fontes de abastecimento para lançar e desenvolver produtos no mercado dos genéricos, e mais particularmente o produto A, dirigindo‑se à Niche, parceira há muito tempo que detinha os processos e as capacidades de abastecimento exigidas. O facto de o pagamento de 2,5 milhões de GBP constituir a contrapartida legítima dos direitos adquiridos no âmbito do acordo Biogaran é confirmado pela circunstância de este montante não ser tido em conta pela Comissão na decisão recorrida para efeitos do cálculo do montante da coima aplicada à Niche.

91      A Comissão rejeita a tese de garantia das fontes de abastecimento invocada pela recorrente, que qualifica de «pouco credível», com o fundamento de que a Biogaran não efetuou qualquer diligência para obter as AIM.

1)      Quanto ao produto A

92      A recorrente sublinha que, tendo em conta o sucesso comercial do produto A, a obtenção dos direitos necessários ao lançamento do genérico deste medicamento representava um desafio importante para a Biogaran. Assim, para garantir o seu abastecimento, a Biogaran pretendeu obter dois processos junto de diferentes agentes do mercado, celebrando dois acordos, o primeiro com a sociedade A. em dezembro de 2004, o segundo com a Niche em fevereiro de 2005. A recorrente sublinha que o facto de dotar‑se de várias fontes de abastecimento é uma prática comum das sociedades de genéricos que se explica pelas dificuldades técnicas e regulamentares existentes durante o desenvolvimento de um genérico.

93      A recorrente considera que, no caso em apreço, a garantia de duas fontes de abastecimento foi pertinente por duas razões. Por um lado, o processo do produto A 10 mg da Niche revelou‑se bastante fraco na parte analítica, o que poderia atrasar a avaliação pelas autoridades competentes (anexo A. 17 da petição). Por outro, a medida de instrução adotada pela Agence française de sécurité sanitaire des produits de santé (Afssaps) [Agência francesa da segurança sanitária dos produtos de saúde] em julho de 2005 contra vários processos da sociedade A. lançou a dúvida sobre a sua validade (anexo A. 18 da petição).

94      Por outro lado, a garantia de uma segunda fonte de abastecimento do produto A junto da Niche apresentou várias vantagens em relação ao acordo celebrado com a sociedade A. Por um lado, o acordo Biogaran permitiu à Biogaran obter processos para o produto A em comprimidos e o produto A 10 mg, que não estavam abrangidos pelo acordo com a sociedade A.; por outro, o acordo com a Niche abriu perspetivas de mercado no Reino Unido e num país que não pertence à EEE numa época em que a Biogaran procurava desenvolver‑se no estrangeiro.

95      Contudo, a recorrente privilegiou os processos da sociedade A., uma vez que permitiam uma entrada mais rápida no mercado, tendo a sociedade A. apresentado os seus processos de AIM antes da Niche.

96      A recorrente alega que os desafios financeiros justificavam a sua estratégia de abastecimento. Com efeito, desde o seu lançamento em França, este produto genérico gerou um volume de negócios de mais de 79 milhões de euros (de 83 milhões de euros, segundo a atualização referida na réplica). Tendo em conta estes elementos, a recorrente alega que devia garantir o seu abastecimento do produto A para justificar o pagamento à Niche de 2,5 milhões de GBP e para não se limitar apenas ao volume de negócios gerado pela venda do produto B.

97      Por último, a recorrente acrescenta que o pagamento deste montante à Niche justificava‑se ainda mais por a Niche lhe ter concedido a exclusividade dos processos de produtos em França, no Reino Unido e num país que não pertence ao EEE, o que não sucedia com outros acordos não exclusivos celebrados pela Biogaran. Neste contexto, a comparação efetuada pela decisão recorrida com estes outros acordos é inoperante.

98      A Comissão  considera que a auditoria realizada pela Biogaran após a celebração do acordo Biogaran, que revelou as supostas fragilidades do processo da Niche, não serve a causa da recorrente. Com efeito, este argumento demonstra que a Biogaran não dispunha, antes de celebrar este acordo, de elementos sobre o desempenho do produto A da Niche e assumiu o risco de pagar 2,5 milhões de GBP quando o processo do produto A potencialmente não tinha valor. Embora esta auditoria sobre a qualidade dos processos da Niche pudesse justificar a garantia de uma segunda fonte de abastecimento junto da sociedade A., não permite explicar o motivo pelo qual a recorrente pretendeu pagar um preço mais elevado do que pelo processo da sociedade A. Com efeito, a Biogaran pagou à sociedade A. 330 000 euros no total no âmbito dos dois acordos relativos ao produto A, um montante bastante inferior ao montante pago à Niche.

99      A Comissão sublinha que a possibilidade de a Niche fornecer os comprimidos e a dosagem de 10 mg não podia justificar o acordo em causa. Com efeito, dois meses após o acordo, enquanto a Biogaran tinha a possibilidade de apresentar o processo da Niche às autoridades competentes, celebrou um segundo acordo com a sociedade A. para o produto A em comprimidos.

100    Além disso, a Comissão contesta o argumento da recorrente relativo ao facto de a Biogaran ter sido encorajada a celebrar o acordo Biogaran devido a uma investigação iniciada em julho de 2005 pela Afssaps contra a sociedade A. Com efeito, este evento não influenciou a Biogaran, uma vez que ocorreu posteriormente ao acordo Biogaran.

101    Por outro lado, a Biogaran não apresentou prova da utilidade do acordo Biogaran no âmbito do seu projeto de expansão para o estrangeiro.

102    A Comissão sublinha que, embora a Biogaran tenha gerado um volume de negócios de mais de 79 milhões de euros após 2007, os lucros realizados com o produto A de Niche são equivalentes a 0 (considerando 567 da decisão recorrida). Neste contexto, a Comissão contesta a alegação segundo a qual a Biogaran devia dotar‑se de uma segunda fonte de abastecimento junto da Niche.

103    Por último, a Comissão contesta o argumento segundo o qual a exclusividade conferida pelo acordo Biogaran torna inoperante a comparação com outros acordos. Com efeito, a comparação permite demonstrar que nenhum dos outros acordos prevê um pagamento não reembolsável. Segundo a Comissão, o pagamento estava perdido de antemão e a Biogaran não efetuou qualquer esforço para o rentabilizar. De igual modo, a exclusividade não tinha qualquer valor se o desenvolvimento do produto não estivesse suficientemente avançado ou se existissem outros obstáculos regulamentares.

2)      Quanto ao produto B

104    A recorrente alega que o acordo Biogaran lhe permitiu comercializar o produto B 10 mg e realizar um volume de negócios de 150 000 euros (211 000 euros segundo a atualização que figura na réplica). A comercialização deste produto foi confiada à Almus, um dos principais grossistas distribuidores em França.

105    A Comissão alega que o acordo anteriormente celebrado entre a Biogaran e a Bioglan (atual Niche) relativo ao produto B previa que o pagamento pelo Biogaran era reembolsável em caso de não obtenção das AIM, o que não era o caso com o acordo Biogaran. Além disso, a Niche não forneceu qualquer garantia, por tal acordo, de transferir a AIM que tinha obtido em 2001 em França, transferência que exigia uma renovação da AIM que a Niche não tinha pedido às autoridades competentes.

106    Quanto ao contrato de comercialização confiado à Almus e à sua fidelização, a Comissão alega que o produto B não permitiu celebrar este contrato, na medida em que o produto B era apenas uma das 23 moléculas abrangidas pelo referido contrato.

3)      Quanto ao produto C

107    A recorrente alega que podia comercializar o produto C desde 2000 graças a vários acordos celebrados com a Disphar. Todavia, decidiu garantir outras fontes de abastecimento devido à incerteza quanto à renovação do acordo de abastecimento com a Disphar e à vontade de se desenvolver no estrangeiro. Por fim, a Biogaran não utilizou os processos de produtos concedidos pela Niche, devido à renovação do acordo celebrado com a Disphar.

108    Assim, o facto de que, no que respeita a dois dos três produtos, a Biogaran não obteve a AIM com base nos processos transferidos pela Niche não permitia sugerir a existência de um nexo entre o acordo Biogaran e a resolução amigável. Isto revela simplesmente a vontade da Biogaran de garantir várias fontes de abastecimento em conformidade com a prática no setor em causa.

109    A Comissão considera que não é credível que a Biogaran tenha pago um montante tão significativo apenas pela oportunidade de ter um processo de produto que nunca utilizou. Com efeito, a Biogaran também não insistiu junto da Niche para que a transferência do processo tivesse lugar antes de o acordo em causa ser automaticamente rescindido devido à não obtenção das AIM.

2.      Apreciação do Tribunal

a)      Observações preliminares

110    A título preliminar, importa sublinhar que a Comissão, na decisão recorrida, considerou o acordo Biogaran um incentivo oferecido à Niche pela Servier, além do que resulta da transação entre a Servier e a Niche, para convencer a Niche a renunciar aos seus esforços para entrar no mercado do perindopril. O acordo Biogaran é, segundo a Comissão, um componente da infração representada por essa transação, constitutiva de uma restrição da concorrência por objetivo. Assim, apenas pode ter um caráter ilícito se a transação entre a Servier e a Niche tiver o mesmo caráter. Nestas circunstâncias, é necessário expor, para efeitos da apreciação do presente recurso, o contexto jurídico da transação a que o acordo Biogaran estava associado.

111    A este respeito, importa observar que a resolução amigável de um litígio em matéria de patentes pode não ter qualquer impacto negativo na concorrência. Tal sucede, por exemplo, se as partes estiverem de acordo em relação ao facto de a patente controvertida não ser válida e previrem, por isso, a entrada imediata da sociedade de genéricos no mercado.

112    No caso em apreço, o acordo celebrado entre a Servier e a Niche não está abrangido por esta categoria, uma vez que inclui cláusulas de não impugnação de patentes e de não comercialização de produtos, as quais têm, em si mesmas, um caráter restritivo da concorrência. Com efeito, a cláusula de não impugnação afeta o interesse público de eliminar qualquer obstáculo à atividade económica que pode decorrer de uma patente concedida erradamente (v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 1986, Windsurfing International/Comissão, 193/83, EU:C:1986:75, n.o 92) e a cláusula de não comercialização implica a exclusão do mercado de um dos concorrentes do titular da patente.

113    Todavia, a inclusão de tais cláusulas pode ser legítima, mas apenas na medida em que se baseia no reconhecimento, pelas partes, da validade da patente em causa (e, acessoriamente, do caráter contrafeito dos produtos genéricos em causa).

114    A presença de cláusulas de não comercialização e de não impugnação cujo alcance se limita ao da patente em causa é, em contrapartida, problemática quando a sujeição da sociedade de genéricos a estas cláusulas não se baseia no reconhecimento pela mesma da validade da patente. Como afirma corretamente a Comissão, «mesmo que as limitações constantes do acordo [à] autonomia comercial da sociedade de genéricos não excedam o âmbito de aplicação material da patente, constituem uma violação do artigo 101.o [TFUE] quando não podem ser justificadas e não resultam da avaliação, pelas partes, do mérito do próprio direito exclusivo» (considerando 1137 da decisão recorrida).

115    A este respeito, importa observar que a existência de um «pagamento compensatório», ou seja, de um pagamento da sociedade de medicamentos originais à sociedade de genéricos, é duplamente suspeita no âmbito de uma transação. Com efeito, em primeiro lugar, importa recordar que a patente visa recompensar o esforço criador do inventor permitindo‑lhe obter um lucro justo pelo seu investimento e que uma patente válida deve assim, em princípio, permitir uma transferência de valor para o seu titular — por exemplo, através de um acordo de licença — e não o contrário. Em segundo lugar, a existência de um pagamento compensatório introduz uma suspeita quanto ao facto de a resolução amigável assentar no reconhecimento, pelas partes no acordo, da validade da patente em causa.

116    No entanto, a mera presença de um pagamento compensatório não permite concluir pela existência de uma restrição por objetivo. Com efeito, não está excluído que alguns pagamentos contrários, quando são inerentes à resolução amigável do litígio em causa, sejam justificados. Em contrapartida, na hipótese de um pagamento compensatório não justificado ocorrer na celebração da resolução amigável, deve considerar‑se que a sociedade de genéricos foi incentivada por este pagamento a sujeitar‑se às cláusulas de não comercialização e de não impugnação e há que concluir pela existência de uma restrição por objetivo. Nesta hipótese, as restrições à concorrência introduzidas pelas cláusulas de não comercialização e de não impugnação já não estão ligadas à patente e à resolução amigável, mas explicam‑se pelo pagamento de uma vantagem que incentiva a sociedade de genéricos a renunciar aos seus esforços concorrenciais.

117    Importa observar que, embora nem a Comissão nem o juiz da União sejam competentes para decidir da validade da patente, não deixa de ser verdade que estas instituições podem, no âmbito das suas respetivas competências e sem decidirem da validade intrínseca da patente, concluir pela existência de uma utilização anormal desta, que não está relacionada com o seu objeto específico (v., neste sentido, Acórdãos de 29 de fevereiro de 1968, Parke, Davis e Co., 24/67, EU:C:1968:11, p. 109 e 110, e de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper, 15/74, EU:C:1974:114, n.os 7 e 8; v., igualmente, por analogia, Acórdãos de 6 de abril de 1995, RTE e ITP/Comissão, C‑241/91 P e C‑242/91 P, EU:C:1995:98, n.o 50, e de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.o 104 a 106).

118    Ora, incentivar um concorrente a aceitar as cláusulas de não comercialização e de não impugnação, na aceção acima descrita no n.o 116, ou, seu corolário, sujeitar‑se a tais cláusulas devido a um incentivo, constituem uma utilização anormal da patente.

119    Como referiu corretamente a Comissão no considerando 1137 da decisão recorrida, «o direito das patentes não prevê o direito de pagar aos seus concorrentes reais ou potenciais para que permaneçam fora do mercado ou para que não contestem uma patente antes de entrarem no mercado». De igual modo, ainda segundo a Comissão, «os titulares de patentes não estão autorizados a pagar às sociedades de genéricos para as manter fora do mercado e reduzir os riscos devidos à concorrência, quer no âmbito de uma transação em matéria de patentes quer por outro meio» (considerando 1141 da decisão recorrida). Por último, a Comissão acrescentou corretamente que «pagar ou incentivar de qualquer outra forma os concorrentes potenciais a permanecerem fora do mercado não faz[ia] parte de nenhum direito ligado às patentes e não correspond[ia] a nenhum dos meios previstos pelo direito das patentes para fazer respeitar as patentes» (considerando 1194 da decisão recorrida).

120    Quando é constatada a existência de um incentivo, as partes deixam de poder invocar o seu reconhecimento, no âmbito da resolução amigável, da validade da patente. O facto de a validade da patente ser confirmada por uma instância jurisdicional ou administrativa é, a este respeito, irrelevante.

121    Assim, é o incentivo, e não o reconhecimento pelas partes na resolução amigável da validade da patente, que deve ser considerado a verdadeira causa das restrições à concorrência introduzidas pelas cláusulas de não comercialização e de não impugnação (v. n.o 112, supra), as quais, sendo neste caso desprovidas de legitimidade, apresentam, deste modo, um grau de nocividade para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência suficiente para que uma qualificação de restrição por objetivo possa ser aceite.

122    Perante tal incentivo, os acordos em causa devem, assim, ser encarados como acordos de exclusão do mercado, nos quais quem permanece tem o dever de indemnizar quem sai. Ora, tais acordos consistem, na realidade, numa compra de concorrência e, por conseguinte, devem ser qualificados como restrições por objetivo à concorrência, conforme resulta do Acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers (C‑209/07, EU:C:2008:643, n.os 8 e 31 a 34), e das Conclusões da advogada‑geral V. Trstenjak no processo Beef Industry Development Society e Barry Brothers (C‑209/07, EU:C:2008:467, n.o 75), referidos, nomeadamente, nos considerandos 1139 e 1140 da decisão recorrida. Além disso, a exclusão de concorrentes do mercado é uma forma extrema de repartição de mercado e de limitação da produção (Acórdão de 8 de setembro de 2016, Lundbeck/Comissão, T‑472/13, em sede de recurso, EU:T:2016:449, n.o 435) que apresenta, num contexto como o dos acordos controvertidos, um grau de nocividade ainda mais elevado por as sociedades excluídas serem sociedades de genéricos cuja entrada no mercado é, em princípio, favorável à concorrência e, por outro lado, contribui para o interesse geral de assegurar cuidados de saúde a um custo inferior. Por último, esta exclusão é confirmada, nos acordos controvertidos, pela impossibilidade de a sociedade de genéricos contestar a patente controvertida.

123    Resulta do exposto que, no âmbito dos acordos de resolução amigável de litígios relativos às patentes, a qualificação de restrição à concorrência por objetivo pressupõe que na transação estejam simultaneamente presentes uma vantagem incentivadora em relação à sociedade de genéricos e uma limitação correlativa dos esforços desta para fazer concorrência à sociedade de medicamentos originais. Quando estas duas condições estão preenchidas, há que concluir por uma restrição de concorrência por objetivo atendendo ao grau de nocividade para o bom funcionamento do jogo normal da concorrência do acordo assim celebrado.

124    Por Acórdãos proferidos no mesmo dia, Servier e o./Comissão (T‑691/14) e Niche Generics/Comissão (T‑701/14), o Tribunal Geral declarou estes dois requisitos estavam reunidos, em particular que a Comissão tinha considerado, corretamente, que o montante de 11,8 milhões de GBP pago à Niche pela Servier em virtude da transação celebrado entre estas duas sociedades era um incentivo destinado a excluir a Niche do mercado e que este acordo constituía uma restrição da concorrência por objetivo.

125    Por conseguinte, o fundamento invocado na audiência pela Biogaran, em resposta à questão escrita do Tribunal Geral relativa à transação, segundo o qual este acordo não é constitutivo de uma violação do artigo 101.o TFUE, deve ser julgado improcedente, não sendo necessário apreciar a sua admissibilidade.

b)      Quanto à existência de uma vantagem incentivadora constituída pelo acordo Biogaran

126    A Biogaran alega que o acordo Biogaran não constitui um incentivo adicional para encorajar a Niche a celebrar a transação, mas um acordo comercial autónomo, celebrado segundo as condições do mercado.

127    A este respeito, resulta do artigo 2.o do Regulamento n.o 1/2003, assim como de jurisprudência constante que, no domínio do direito da concorrência, em caso de litígio sobre a existência de uma infração, compete à Comissão apresentar a prova das infrações por ela verificadas e produzir os elementos probatórios adequados à demonstração juridicamente satisfatória da existência dos factos constitutivos da infração (Acórdãos de 17 de dezembro de 1998, Baustahlgewebe/Comissão, C‑185/95 P, EU:C:1998:608, n.o 58, e de 8 de julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, C‑49/92 P, EU:C:1999:356, n.o 86; v., igualmente, Acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.o 91 e jurisprudência referida).

128    Nesse contexto, a existência de dúvidas no espírito do juiz deve aproveitar à empresa destinatária da decisão que declara uma infração. O juiz não pode, pois, concluir que a Comissão fez prova bastante da existência da infração em causa se subsistir ainda no seu espírito uma dúvida sobre essa questão, nomeadamente no quadro de um recurso que visa a anulação de uma decisão que aplica uma coima (v. Acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.o 92 e jurisprudência referida).

129    Com efeito, é necessário ter em conta a presunção de inocência, tal como resulta, nomeadamente do artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Atenta a natureza das infrações em causa, bem como a natureza e o grau de severidade das sanções que se podem ligar a estas, a presunção de inocência aplica‑se, designadamente, aos processos relativos a violações das regras de concorrência aplicáveis às empresas suscetíveis de conduzir à aplicação de coimas ou de sanções pecuniárias compulsórias (v. Acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.o 93 e jurisprudência referida).

130    Além disso, há que ter em conta o prejuízo não insignificante para a reputação que representa, para uma pessoa singular ou coletiva, a constatação de que está envolvida numa infração às regras da concorrência (v. Acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.o 95 e jurisprudência referida).

131    Assim, é necessário que a Comissão apresente provas precisas e concordantes para demonstrar a existência da infração e para fundamentar a convicção firme de que as infrações alegadas constituem restrições da concorrência na aceção do artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v. Acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.o 96 e jurisprudência referida).

132    Há que sublinhar que cada uma das provas apresentadas pela Comissão não tem de corresponder necessariamente a estes critérios em relação a cada elemento da infração. Com efeito, o conjunto de indícios invocado pela instituição, apreciado globalmente, pode preencher este requisito (v. Acórdão de 12 de abril de 2013, CISAC/Comissão, T‑442/08, EU:T:2013:188, n.o 97 e jurisprudência referida).

133    A existência de uma prática ou de um acordo anticoncorrencial deve talvez mesmo ser inferida de um determinado número de coincidências e de indícios que, considerados no seu todo, podem constituir, na falta de outra explicação coerente, a prova de uma violação das regras de concorrência (Acórdão de 7 de janeiro de 2004, Aalborg Portland e o./Comissão, C‑204/00 P, C‑205/00 P, C‑211/00 P, C‑213/00 P, C‑217/00 P e C‑219/00 P, EU:C:2004:6, n.o 57).

134    Por exemplo, embora um paralelismo de comportamento não possa, por si só, ser identificado a uma prática concertada, pode constituir, todavia, um indício sério, quando leva a condições de concorrência que não correspondem às condições normais do mercado (Acórdão de 14 de julho de 1972, Farbenfabriken Bayer/Comissão, 51/69, EU:C:1972:72, n.o 25).

135    De igual modo, a presença de um acordo acessório, segundo a expressão utilizada pela Comissão no considerando 1190 da decisão recorrida, é suscetível de constituir, quanto à resolução amigável de um litígio em matéria de patentes, um indício sério da existência de um incentivo e, por conseguinte, de uma restrição de concorrência por objetivo.

136    A este respeito, importa observar que o acordo Biogaran foi considerado pela Comissão um «acordo acessório», segundo a expressão utilizada pela Comissão no considerando 1190 da decisão recorrida. Nos considerandos 1349 e 1351 da referida decisão, a Comissão efetivamente considerou que, através do acordo Biogaran, que estava, em seu entender, ligado à transação, a Servier forneceu à Niche um incentivo adicional para a encorajar a celebrar a resolução amigável e que a existência de tal incentivo resultava de determinados elementos que indicam que o acordo Biogaran não tinha sido celebrado em condições comerciais de concorrência plena.

137    Há que precisar que um acordo acessório é um acordo comercial comum «associado» a uma transação de um litígio que inclui cláusulas que têm, em si mesmas, um caráter restritivo. Tal associação existe nomeadamente quando os dois acordos são celebrados no mesmo dia, quando estão juridicamente ligados, estando o caráter vinculativo de um dos acordos condicionado à celebração de outro acordo, ou ainda quando, tendo em conta o contexto em que são celebrados, a Comissão está em condições de estabelecer que são indissociáveis.  Pode acrescentar‑se que, quanto mais importante for a proximidade temporal entre a celebração dos acordos, mais fácil será para a Comissão estabelecer este caráter indissociável. O facto de a transação e o acordo acessório serem celebrados no mesmo dia ou de existir um vínculo contratual entre estes é revelador de que estes acordos fazem parte do mesmo conjunto contratual. Com efeito, caso tais acordos não fossem celebrados no mesmo dia (e na falta de vínculo contratual entre estes), uma das partes na negociação concedia à outra parte tudo o que esta pretendesse sem qualquer certeza de vir a receber a contrapartida esperada. Esta ligação temporal ou jurídica entre os dois acordos constitui igualmente um indício de que estes foram objeto de uma negociação comum.

138    Ora, o acordo acessório é um acordo comercial comum que pode existir de forma autónoma sem que a resolução amigável de um litígio esteja em causa. Reciprocamente, a celebração de uma transação não impõe a celebração concomitante de um acordo comercial. Assim, a associação dos dois acordos não é necessária. Além disso, não pode ser justificada pela resolução amigável de um litígio, uma vez que o acordo acessório não tem por objeto chegar a tal resolução mas realizar uma transação comercial.

139    Por outro lado, o acordo acessório implica transferências de valor, de natureza financeira ou não, entre as partes. Pode implicar, nomeadamente, transferências de valor do titular da patente para a sociedade de genéricos. Assim, existe o risco de a associação de um acordo comercial a uma transação que inclui cláusulas de não comercialização e de não impugnação, as quais, em si mesmas, têm caráter restritivo da concorrência, visar, na realidade, a pretexto de uma transação comercial, que eventualmente assume a forma de um esquema contratual complexo, incentivar a sociedade de genéricos a sujeitar‑se, através de uma transferência de valor prevista pelo acordo acessório, a estas cláusulas.

140    Por conseguinte, a circunstância de um acordo comercial que normalmente não tem por objeto a resolução amigável de um litígio e mediante o qual é realizada uma transferência de valor da sociedade de medicamentos originais para a sociedade de genéricos estar associado, nas condições acima expostas no n.o 137, a uma transação de um litígio que inclui cláusulas restritivas da concorrência constitui um indício sério da existência de um pagamento compensatório.

141    Todavia, o indício sério referido no número anterior não é suficiente e, por isso, a Comissão deve confirmá‑lo através da apresentação de outros elementos concordantes que permitam concluir pela existência de um pagamento compensatório. Tal pagamento, no contexto específico dos acordos acessórios, corresponde à parte do pagamento efetuado pela sociedade de medicamentos originais que excede o valor «normal» do bem trocado (ou, eventualmente, à parte do valor «normal» do bem trocado que excede o pagamento realizado pela sociedade de genéricos).

142    No presente litígio, para concluir que o acordo Biogaran tinha servido de incentivo adicional a favor da Niche, a Comissão referiu, no considerando 1351 da decisão recorrida, com base em vários indícios, que este acordo «não [tinha] sido celebrado em condições comerciais de plena concorrência» e que «não era uma prática comercial normal».

143    A este respeito, há que observar que o conceito de «condições de concorrência normais», a que se assemelha o de «condições normais do mercado», mesmo que não seja utilizado em matéria de cartéis, não é desconhecido no direito da concorrência, uma vez que é certamente utilizado no domínio específico dos auxílios estatais, para determinar se um Estado atuou como um investidor privado (Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, EU:C:2010:480, n.o 68), ou seja, se a vantagem concedida às empresas em causa constitui a remuneração normal de uma contrapartida obtida pelo Estado. Assim, este conceito pode constituir, por analogia, um parâmetro de referência pertinente quando se trata de determinar se duas empresas que concluíram uma transação comercial o fizeram com base em considerações limitadas ao valor económico do bem trocado, por exemplo, às suas perspetivas de rentabilidade, e, assim, às condições normais do mercado.

144    Na presença de indícios ou de elementos de prova fornecidos pela Comissão que lhe permitem considerar que o acordo acessório não foi celebrado em condições normais de mercado, as partes nos acordos podem apresentar a sua versão dos factos, comprovando as suas alegações com os elementos que estão em condições de fornecer e que permitem considerar que o acordo comercial, ainda que associado à transação, é justificado por razões diferentes da exclusão de um concorrente através de um pagamento compensatório. As partes nos acordos podem, assim, invocar que o acordo acessório foi celebrado em condições do mercado apresentando elementos adequados relativos, por exemplo, às utilizações industriais e comerciais do setor ou a circunstâncias específicas do caso em apreço.

145    Atendendo aos elementos de que dispõe e, eventualmente, à falta de explicação ou à falta de explicação plausível fornecidas pelas partes nos acordos, a Comissão pode ter fundamento para concluir, no termo de uma apreciação global, que o acordo acessório não foi celebrado em condições normais de mercado, ou seja, que o pagamento efetuado pela sociedade de medicamentos originais excede o valor do bem trocado (ou que o valor do bem cedido à sociedade de genéricos excede o pagamento efetuado por esta). A Comissão pode, assim, concluir que existe um pagamento compensatório.

146    Ora, um pagamento compensatório, se não tiver por objetivo compensar os custos inerentes à resolução amigável, constitui uma vantagem incentivadora (v. n.os 116, supra). Tal é o caso de um pagamento resultante de um acordo acessório que não tem por objetivo a transação num litígio mas sim a realização de uma transação comercial (v. n.o 138, supra).

147    Todavia, as partes nos acordos podem ainda invocar o caráter insignificante da vantagem em causa, cujo montante é insuficiente para ser considerado correspondente a um incentivo significativo para aceitação das cláusulas restritivas de concorrência previstas pelo acordo de resolução.

148    Importa agora aplicar às circunstâncias específicas do presente litígio os princípios expostos nos números anteriores.

149    No caso em apreço, é pacífico que a Biogaran pagou o montante de 2,5 milhões de GBP à Niche. Este pagamento resultava do acordo Biogaran, em virtude do qual a Niche se obrigava a transferir para a Biogaran os processos de produtos, assim como uma AIM referente aos produtos não relacionados com o perindopril.

150    Embora, no plano formal, o acordo Biogaran e a transação entre a Servier e a Niche sejam atos jurídicos distintos, regulados por leis diferentes e que não estão sujeitos aos mesmos órgãos jurisdicionais, vários elementos estabelecem a existência de um nexo entre estes dois acordos.

151    A Comissão observa corretamente, no considerando 1351 da decisão recorrida, que a cronologia dos acordos é um dos elementos que permitem concluir pela existência de tal nexo entre os mesmos. Com efeito, estes acordos foram celebrados no mesmo dia. Além disso, as datas dos pagamentos fixados pelos dois acordos eram as mesmas, ou seja, o mais tardar em 14 de fevereiro de 2005 e em 5 de outubro de 2005, sendo posteriores apenas os pagamentos relativos ao abastecimento de medicamentos previsto pelo acordo Biogaran.

152    A Comissão afirmou igualmente com razão que o acordo Biogaran tinha sido negociado ao mesmo tempo que a transação, com base, nomeadamente, na declaração da Niche de 15 de junho de 2011. Embora a Niche tenha matizado esta declaração posteriormente, no fim do procedimento administrativo, apresentando vários documentos que referem discussões respeitantes à licença cerca de dois anos antes do início das discussões relativas à resolução amigável, esta posição da Niche, num momento em que esta sociedade tinha conhecimento das acusações que lhe são imputadas, não tem a mesma força probatória das suas declarações anteriores.

153    Em seguida, embora a Comissão não negue que a Biogaran e a Niche mantiveram efetivamente contactos quanto ao produto A ainda antes de o diferendo entre a Servier e a Niche ter início, nenhum elemento dos autos permite provar a alegação formulada pela recorrente segundo a qual este diferendo tinha como efeito paralisar as negociações entre a Niche e Biogaran. A este respeito, um correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2005 demonstra que, à data, as negociações para a celebração do acordo Biogaran estavam bastante adiantadas, apesar de o contencioso entre a Niche e a Servier ainda estar em curso e apenas ter sido resolvido em 8 de fevereiro de 2005. A simultaneidade das negociações constitui um indício forte da existência de um nexo entre os dois acordos.

154    Por outro lado, embora os dois acordos não tenham os mesmos signatários e tenham sido assinados, respetivamente, em Paris, no que respeita ao acordo Biogaran, e em Londres, no que respeita à transação entre a Servier e a Niche, tiveram, em parte, os mesmos negociadores. Por um lado, M., um dos diretores da Niche, participou nas negociações dos dois acordos. Por outro, resulta do correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2005, enviado pelo advogado da Biogaran ao diretor da Niche, que a pessoa que negociou o acordo com a Niche por conta da Biogaran era também a signatária da carta de notificação enviada pela Servier à Matrix em 7 de fevereiro de 2005, na véspera da celebração da resolução amigável entre a Servier e a Matrix. Como afirma a Comissão, é provável que esta pessoa tenha conhecimento da resolução amigável com a Niche, tendo em conta as ligações existentes entre a transação entre a Servier e a Niche e a transação Matrix. Uma cópia deste mesmo correio eletrónico foi enviada à diretora jurídica do grupo Servier, apesar de dizer respeito a um contrato relativo à Biogaran.

155    Por último, a Comissão alega, com razão, que o facto de os pagamentos da Biogaran relativos ao abastecimento de medicamentos, e não à transferência de processos de produtos, transferência que constituía a razão de ser do acordo Biogaran, serem posteriores confirma a existência de uma ligação entre os acordos. Com efeito, é a transferência de processos que constitui a própria essência do acordo de licença e não o fornecimento de produtos pela Niche. Assim, a simultaneidade dos pagamentos do montante e 2,5 milhões de GBP, em contrapartida dos processos de produtos, e o montante de 11,8 milhões de GBP, previsto pela resolução amigável, confirma a existência de uma ligação entre os dois acordos.

156    Resulta dos desenvolvimentos anteriores (n.os 150 a 155, supra) que o acordo Biogaran constitui um acordo acessório, ligado à transação. O facto de este acordo, através do qual ocorre uma transferência de valor a favor da Niche, estar associado à transação no litígio entre a Servier e a Niche, mesmo que este acordo acessório se apresente como um acordo comercial comum, que não tem por objeto a resolução amigável de um litígio, constitui um indício sério de que a transferência de valor em causa não é apenas a contrapartida do bem trocado no âmbito do acordo acessório, mas implica igualmente um pagamento compensatório (na aceção desta expressão em matéria de acordos acessórios).

157    Além disso, a Comissão teve em conta vários indícios concordantes que confirmam a conclusão da existência de um pagamento compensatório.

158    Antes de mais, a Comissão, para defender que as contrapartidas obtidas pela Biogaran não podiam ser avaliadas no montante de 2,5 milhões de GBP, afirmou, com razão, que este montante era muito superior ao montante pago pela Biogaran a outra sociedade de genéricos, a sociedade A., para adquirir vários processos relativos ao produto A sob forma de comprimidos em diferentes doses. Com efeito, a Biogaran pagou à sociedade A. o total de 330 000 euros a título dos dois acordos relativos ao produto A, ou seja, um montante muito inferior ao montante de 2,5 milhões de GBP, mesmo que este incluísse igualmente o produto B e o produto C.

159    Em seguida, a Comissão precisou, igualmente com razão, que a inexistência de cláusula, no acordo Biogaran, ao contrário do acordo com a sociedade A., permitia à Biogaran reclamar o reembolso dos montantes pagos à Niche em caso de não obtenção das AIM, era um indício de que o acordo não se destinava a incentivar a Biogaran a solicitar estas AIM e não tinha a natureza de um acordo comercial comum.

160    Por último, a Comissão podia afirmar com razão que a Niche tinha indicado várias vezes, no procedimento administrativo, que o acordo Biogaran lhe tinha sido proposto pela Servier a fim de conceder‑lhe a totalidade da compensação acordada em troca da celebração da transação global com a Servier. Resulta igualmente de um projeto de transação entre a Servier e a Niche, anexado à contestação, que contém a lista dos pagamentos a efetuar, que estava previsto um pagamento de 2,5 milhões de GBP a favor da Niche relativamente ao ramipril, um dos produtos visados pelo acordo Biogaran. Como alega a Comissão com razão, também resulta do correio eletrónico de 4 de fevereiro de 2005, já referido (v., nomeadamente, n.o 154, supra), que as partes no acordo Biogaran concordaram com o pagamento de 2,5 milhões de GBP mesmo antes de a contrapartida para a Biogaran de tal montante ter sido negociada e decidida pelos cocontratantes. De resto, a própria Niche sublinhou no procedimento administrativo, antes de regressar a esta declaração, que o acordo Biogaran não assentava numa prática comercial comum e que o montante do pagamento era um elemento da resolução amigável (considerando 562 da decisão recorrida).

161    Ora, a recorrente não apresenta qualquer elemento preciso que permita demonstrar que a aquisição, pelo montante de 2,5 milhões de GBP, dos processos de produtos de Niche podia ser razoavelmente considerada constitutiva de um investimento rentável (v., para prosseguir a analogia com o conceito de «investidor privado em economia de mercado» iniciada no n.o 143, supra, o n.o 84 do Acórdão de 12 de dezembro de 2000, Alitalia/Comissão, T‑296/97, EU:T:2000:289, no qual é indicado que o comportamento de um investidor privado em economia de mercado é orientado por perspetivas de rentabilidade) ou, pelo menos, capaz de proporcionar ao adquirente destes processos de produtos rendimentos suscetíveis de compensar o seu custo elevado de aquisição.

162    Além disso, nenhum elemento do processo permite explicar de que forma os processos da Niche podiam proporcionar ao seu adquirente lucros suscetíveis de compensar tal custo de aquisição. A este respeito, importa sublinhar que o volume de negócios total realizado pela Biogaran na sequência do acordo ascendeu apenas a um montante compreendido entre 100 000 e 200 000 euros.

163    Além disso, há que observar que não resulta de nenhum elemento do processo que, antes de celebrar o acordo Biogaran, a recorrente tinha exigido que a Niche lhe transmitisse todos os dados necessários para garantir que o preço pedido pelos processos de produtos em causa não era sobrevalorizado tendo em conta a sua previsível rentabilidade.

164    Resulta do exposto, atendendo a todos os elementos discutidos no Tribunal Geral, que a Comissão fez prova bastante da existência de um pagamento compensatório que não era inerente à resolução amigável do litígio em causa (v. n.o 146, supra). Por conseguinte, concluiu validamente que o pagamento à Niche, no âmbito do acordo Biogaran, de um montante de 2,5 milhões de GBP constituía, uma vantagem incentivadora suplementar e não uma transação em condições normais do mercado.

165    Por último, importa observar, tendo em conta as considerações expostas nos números anteriores, que não está demonstrado o caráter insignificante da vantagem em causa, cujo montante seria, assim, insuficiente para ser entendido como um incentivo significativo para aceitação das cláusulas restritivas de concorrência previstas no acordo de resolução (v. n.o 147, supra).

166    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos outros argumentos da recorrente.

167    Em primeiro lugar, na resposta à exposição dos factos, a Biogaran alegou que «a inexistência de reembolso dos montantes [que tinha] pago […] em caso de não obtenção das AIM era deliberada por parte da Niche e visava [que a Biogaran fizesse] o necessário para obter tais AIM a fim de gerar um volume de negócios lucrativo para a Niche».

168    Todavia, este argumento, reproduzido pela Biogaran no seu recurso, não pode ser julgado procedente. Com efeito, a estrutura deste acordo não criou qualquer garantia de que a Biogaran iria pedir as AIM e abastecer‑se junto da Niche, uma vez que o pagamento à Niche devia ser efetuado antes de saber se a Biogaran iria obter as AIM. A Comissão sublinha, com razão, que as obrigações contratuais da Biogaran não incluíam a obrigação de pedir as AIM com base nos processos transferidos (artigos 2.2 e 3 do acordo Biogaran). Além disso, mesmo que a Biogaran não obtivesse as AIM num prazo de 18 meses a partir da data de entrada em vigor do acordo, este devia ser automaticamente rescindido e nenhuma parte tinha direito a uma indemnização. Além disso, a Biogaran não estava obrigada a qualquer exclusividade, uma vez que podia pedir as AIM com base em processos distintos dos transferidos provenientes da Niche.

169    Embora a Biogaran tenha referido, na sua resposta à exposição dos factos, outros acordos que assinou, que não continham qualquer cláusula de reembolso, estes acordos continham pagamentos em vários prazos de vencimento e os pagamentos eram consideravelmente inferiores ao pagamento único de 2,5 milhões de GBP em causa no presente processo.

170    Em segundo lugar, a recorrente alega que o acordo Biogaran visava garantir‑lhe uma segunda fonte de abastecimento do produto A.

171    Este argumento deve ser julgado improcedente.

172    Com efeito, a recorrente já tinha assinado um acordo de abastecimento do produto A com a sociedade A. em dezembro de 2004, antes do acordo em causa. De igual modo, na sequência de uma auditoria de março de 2005 sobre o processo de produto da Niche relativo ao produto A sob a forma de comprimidos de 10 mg, cuja forma e a dosagem não estavam abrangidas pelo acordo com a sociedade A., a Biogaran constatou que o processo era muito fraco na parte analítica. Assim, a Comissão alega com razão que, à luz destes elementos, é surpreendente a Biogaran ter aceitado pagar um montante consideravelmente mais elevado por este processo do que pelo processo da sociedade A. Embora a Biogaran tenha precisado que o produto A lhe gerou um volume de negócios de mais de 79 milhões de euros desde 2007, resulta do considerando 569 da decisão recorrida, que a Biogaran não contesta, que o volume de negócios global realizado pela Biogaran com o acordo Biogaran foi inferior a 200 000 euros.

173    Em terceiro lugar, no que respeita ao processo do produto B, a Biogaran não contesta que em 2001 celebrou com a Bioglan (atualmente Niche) um acordo comercial relativo à molécula de produto B 5 e 10 mg que, contrariamente ao acordo Biogaran, previa um pagamento reembolsável em caso de não obtenção das AIM. Há que salientar que a circunstância de o acordo Biogaran não previa tal garantia de reembolso, tal como previsto no acordo anterior celebrado entre a Bioglan e a Biogaran, confirma que a transferência do processo do produto B não corresponde a uma transação efetuada em condições normais do mercado.

174    Em quarto lugar, no que respeita ao processo do produto C, a Biogaran reconhece que o processo de produto da Niche não foi utilizado e que a Biogaran manteve a sua relação comercial com a Disphar. De igual modo, este processo apenas foi transferido em janeiro de 2007, quando o acordo Biogaran já tinha sido rescindido, sem obtenção das AIM, e após a Niche já ter recebido a totalidade do pagamento, não reembolsável. A Comissão alega, com razão, que não é credível que a Biogaran tenha pago um montante tão significativo quando já tinha um contrato de abastecimento há vários anos com a Disphar e que a mera circunstância de a renovação do acordo Disphar ser incerta não justificava tal transação.

175    Além disso, mesmo admitindo que a Biogaran tivesse prosseguido igualmente objetivos legítimos ao adquirir os processos de produtos da Niche, cabe recordar a mera circunstância de um acordo prosseguir igualmente objetivos legítimos não é suficiente para obstar a uma qualificação de restrição de concorrência por objetivo (v., neste sentido, Acórdãos de 8 de novembro de 1983, IAZ International Belgium e o./Comissão, 96/82 a 102/82, 104/82, 105/82, 108/82 e 110/82, EU:C:1983:310, n.o 25; de 6 de abril de 2006, General Motors/Comissão, C‑551/03 P, EU:C:2006:229, n.o 64; e de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.o 21).

176    Por último, a recorrente alega que a Comissão não demonstrou a existência de intenções anticoncorrenciais por parte da Biogaran.

177    A este respeito, resulta do considerando 577 da decisão recorrida, que a Biogaran não contesta seriamente, que os pagamentos previstos pelos acordos de resolução amigável celebrados pela Servier com a Niche e com a Matrix foram negociados e divididos de forma igual entre a Niche e a Matrix, quando esta pretendia receber mais do que a Niche. A Comissão alega com razão que o acordo Biogaran permitia, a pretexto de uma transação aparentemente comum, aumentar a contribuição paga pelo grupo Servier à Niche deixando de parte a Matrix. Aliás, a Niche confirmou que o montante de 2,5 milhões de GBP fazia parte da «total overall compensation» de 15,7 milhões de GBP negociada entre a Niche e a Servier (considerando 560 da decisão recorrida). Embora a Comissão não apresente elementos de prova suplementares sobre as razões que levaram a Servier a recorrer à Biogaran para incentivar a Niche, os elementos que reuniu constituem um conjunto de indícios probatórios sobre a existência de um nexo indissociável entre o pagamento de 2,5 milhões de GBP e o pagamento principal efetuado pela Servier à Niche no âmbito da resolução amigável.

178    Em todo caso, há que observar que a intenção das partes não constitui um elemento necessário para determinar o caráter restritivo de um tipo de coordenação entre empresas (Acórdão de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.o 118).

179    Resulta do exposto que a Comissão pôde concluir com razão que o pagamento à Niche, no âmbito do acordo Biogaran, de um montante de 2,5 milhões de GBP constituía uma vantagem incentivadora suplementar.

180    Importa acrescentar que o incentivo suplementar é suficientemente decisivo na medida em que determinou a decisão da Niche de não entrar no mercado do perindopril. Com efeito, a Comissão afirmou, no considerando 577 da decisão recorrida, sem ser seriamente contestada, que os montantes que são objeto das resoluções amigáveis celebradas respetivamente pela Servier com a Niche e com a Matrix estavam originalmente divididos de forma igual, mas que o pagamento da Biogaran à Niche acabou por permitir aumentar a contribuição paga pelo grupo Servier a esta sociedade sem que a Matrix se tenha apercebido. Além disso, a própria Niche confirmou que o pagamento adicional fazia parte da «total overall compensation» que tinha negociado com a Servier. À luz destes elementos, há que concluir que, sem o acordo Biogaran, a Niche provavelmente não teria celebrado a transação. Por conseguinte, foi a ação conjugada da Servier e da sua filial que permitiu a materialização de uma restrição de concorrência.

181    Esta constatação permite assim, por si só, concluir pela existência de uma restrição de concorrência por objetivo na qual a Biogaran participou diretamente. A circunstância de a Biogaran não ser um concorrente da Niche no momento dos factos, mesmo admitindo que está provada, é irrelevante para efeitos desta conclusão. Como o Tribunal de Justiça declarou, uma sociedade pode participar num cartel sem ser necessariamente ativa no mercado afetado pela restrição de concorrência (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 34).

182    O argumento da recorrente, relativo ao facto de o acordo Biogaran não incluir uma cláusula anticoncorrencial, não pode ser invocado a respeito dos elementos anteriores. Com efeito, esta declaração não teve como efeito retirar ao acordo a sua verdadeira natureza restritiva, na medida em que a razão de ser deste acordo é servir de complemento à resolução amigável que contém tais cláusulas.

183    Por último, a circunstância de a Comissão não ter tido em conta o pagamento de 2,5 milhões de GBP no cálculo do montante da coima aplicada à Niche não é suscetível de estabelecer que o acordo Biogaran não constituía uma transferência de valor suplementar destinado a incentivar a Niche a celebrar a resolução amigável. Com efeito, a Comissão, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, precisou que a tomada em consideração deste montante não era necessária para garantir o efeito dissuasivo da coima aplicada à Niche, tendo em conta, nomeadamente, a dimensão modesta e a situação da Niche. Mesmo admitindo que a não tomada em consideração deste montante no cálculo do montante da coima da Niche resulta de um simples esquecimento da Comissão, esta omissão é, em todo caso, irrelevante para a declaração, validamente efetuada na referida decisão, de que o acordo Biogaran confirmava a restrição de concorrência decorrente da transação.

184    Resulta do exposto que o presente fundamento deve ser julgado improcedente.

B.      Quanto ao fundamento relativo a erros de direito cometidos, na medida em que a decisão recorrida não demonstra a participação da Biogaran em qualquer infração às regras da concorrência

1.      Argumentos das partes

a)      Quanto ao caráter ilícito do acordo Biogaran

185    A recorrente alega que o acordo Biogaran não possui, em si mesmo, segundo reconhece a Comissão, nenhum caráter ilícito. Com efeito, as cláusulas deste acordo não foram objeto de qualquer crítica na decisão recorrida, que, de resto, apenas lhes consagra seis páginas. Assim, a Biogaran foi punida por um acordo que não inclui qualquer restrição de concorrência, de modo que a mera assinatura pela Biogaran não poderia ser punida com fundamento no artigo 101.o TFUE. A responsabilidade da Biogaran está estritamente ligada ao caráter alegadamente ilícito da resolução amigável, da qual não era signatária, mesmo que a decisão recorrida reconheça, no considerando 1351, que «o acordo de resolução amigável e o acordo Biogaran são atos jurídicos distintos».

186    Com base nas Conclusões do advogado‑geral N. Wahl no processo AC‑Treuhand/Comissão (C‑194/14 P, EU:C:2015:350), a recorrente alega que, para ser parte num cartel que tem um objetivo ou efeitos restritivos de concorrência, é ainda necessário que a empresa visada possa representar uma pressão concorrencial para os outros participantes no cartel, o que não sucede no caso em apreço, uma vez que a Biogaran não era um concorrente da Niche no momento da ocorrência dos factos.

187    A Comissão considera que o acordo Biogaran não pode ser apreciado independentemente da resolução amigável da qual é inseparável. Já demonstrou, na decisão recorrida, nos considerandos 1351 e 3011, que este acordo tinha servido de suporte para transferir para a Niche um montante suplementar de 2,5 milhões de GBP em contrapartida dos compromissos assumidos pela Niche na resolução amigável entre a Servier e a Niche.

188    Este pagamento previsto no acordo Biogaran constitui uma participação direta da Biogaran no cartel, mesmo que as cláusulas deste acordo não estejam em causa. A Comissão acrescenta que este montante constitui um incentivo adicional oferecido à Niche para a convencer a aderir à resolução amigável. A circunstância deste montante ter sido pago no âmbito de um acordo de licença não lhe retira o seu caráter de complemento ao pagamento de 11,8 milhões de GBP efetuado no âmbito da resolução amigável. De igual modo, a circunstância de o acordo Biogaran ser relativo a moléculas distintas das que foram objeto da resolução amigável e de poder ter alguma utilidade operacional, o que nunca foi demonstrado, não retira ao pagamento a sua natureza de incentivo direto.

b)      Quanto à imputação à filial da responsabilidade dos atos da sociedademãe

189    A recorrente alega que a decisão recorrida lhe imputa a responsabilidade de uma alegada infração ligada à celebração pela sua sociedade‑mãe de um acordo do qual não era parte e de cujo conteúdo não tinha conhecimento. Tal abordagem é contrária ao princípio da responsabilidade pessoal, que, em conformidade com a jurisprudência, deve ser interpretada estritamente. Com efeito, tendo em conta a sua personalidade jurídica própria, a recorrente alega que não podia ser considerada responsável pela infração alegadamente cometida pela Servier, salvo se fosse demonstrado que era coautora ou beneficiária do alegado cartel.

190    A recorrente sublinha que referiu, nas suas respostas à comunicação de acusações, que tinha atuado de forma autónoma no mercado, através de dirigentes, de locais, de marcas, de atividades e de ativos distintos dos da Servier, que atua enquanto laboratório de medicamentos originais, ao passo que a Biogaran é, pelo contrário, uma sociedade de genéricos. Sublinha que, não sendo nem a sociedade‑mãe nem o acionista da Niche ou da Servier, não tinha, por isso, qualquer direito ou meio de controlo sobre a política ou a estratégia comercial das partes na transação alegadamente contrário ao artigo 101.o TFUE.

191    A recorrente acusa a este respeito a Comissão de ter aplicado, em violação do princípio da legalidade, uma presunção de responsabilidade da filial pelos atos da sociedade‑mãe, violando assim o princípio da personalidade das penas garantido pelo artigo 6.o, n.o 2, da Convenção Europeia de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, e pelo artigo 48.o da Carta dos Direitos Fundamentais.

192    A Comissão nega que, na decisão recorrida, não decidiu imputar à filial a responsabilidade dos atos da sociedade‑mãe. Alega que a Biogaran é considerada responsável pela sua participação direta na infração cometida pela Servier. Foi a ação conjugada da Servier (assinatura da resolução amigável) e da sua filial (assinatura do acordo de licença) que permitiu bloquear a entrada no mercado dos produtos genéricos da Niche, em benefício do grupo Servier na sua totalidade.

193    A Comissão sublinha que não alegou que a Biogaran era responsável a título da falta de controlo ou de vigilância. Teve em conta a responsabilidade da Biogaran a título da sua participação direta na infração e teve em conta a sua pertença ao grupo Servier para considerar a responsabilidade solidária da sua sociedade‑mãe.

194    A Comissão alega que o comportamento de uma filial pode ser imputado à sociedade‑mãe nomeadamente quando, mesmo tendo uma personalidade jurídica distinta, esta filial não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas aplica, no essencial, instruções que lhe são dadas pela sociedade‑mãe. Acrescenta que, caso uma sociedade‑mãe detenha 100 % do capital da sua filial que cometeu uma infração ao direito da concorrência, existe uma presunção ilidível segundo a qual a referida sociedade‑mãe exerce efetivamente uma influência determinante no comportamento da sua filial. Segundo a Comissão, em tal contexto, a sociedade‑mãe e a filial devem ser consideradas solidariamente responsáveis do pagamento de uma coima por esta infração.

195    A Comissão acrescenta que, embora a transação entre a Servier e a Niche e o acordo Biogaran sejam atos distintos, são, no entanto, indissociáveis na medida em que ambas têm por objeto fornecer no mesmo dia um pagamento substancial à Niche em contrapartida de compromissos de não entrada no mercado do perindopril (considerandos 1351 e 3011 da decisão recorrida). As duas entidades prosseguiram o mesmo objeto, a sua conduta estava unida e atuaram como uma única entidade económica, não apenas no mercado, mas igualmente para efeitos da infração.

196    A Comissão considera que o contexto do acordo Biogaran permitiu estabelecer que a Biogaran não podia ignorar que o pagamento se inseria no âmbito da resolução amigável, cujo objetivo era a eliminação da Niche do mercado do perindopril. O acordo Biogaran é um componente do plano comum da entidade económica única e o facto de o acordo Biogaran não reproduzir as cláusulas de não comercialização e de não impugnação da resolução amigável não tem como efeito retirar ao acordo Biogaran a sua verdadeira natureza, ou seja, um incentivo suplementar destinado a excluir a Niche do mercado do perindopril.

c)      Quanto ao conhecimento, por parte da Biogaran, dos comportamentos ilícitos da Servier

197    A recorrente sublinha que, à época dos factos, não tinha conhecimento do teor da resolução amigável e, assim, não podia prever o caráter anticoncorrencial desta transação.

198    Com base na jurisprudência, a recorrente considera que, «para considerar uma empresa como responsável por uma infração única e continuada, exige‑se o conhecimento (provado ou presumido) dos comportamentos ilícitos dos outros participantes na infração». A Comissão afastou‑se erradamente do padrão de prova considerado pela jurisprudência, na medida em que afirmou na decisão recorrida que não era «necessário provar o conhecimento por parte da Biogaran da natureza anticoncorrencial do acordo de resolução amigável».

199    Além disso, a recorrente considera que, em conformidade com a jurisprudência, a existência de uma ligação objetiva entre a infração e o acordo não é suficiente para permitir à Comissão imputar a infração à Biogaran. A Comissão devia estabelecer que a empresa estava consciente da existência da infração ou que podia razoavelmente prevê‑la. A Comissão desvirtuou os factos e violou a jurisprudência referida, considerando que a «Biogaran estava em condições de compreender que o acordo Biogaran esta ligado à transação».

200    A recorrente acrescenta que, admitindo que a Comissão pode demonstrar que os acordos estavam ligados e que a Biogaran não podia ignorar esta ligação, isto não significa que a recorrente tinha conhecimento da mesma ou que podia razoavelmente prever o teor da resolução amigável. A este respeito, a decisão recorrida não demonstrou que a Biogaran tinha conhecimento do objetivo alegadamente anticoncorrencial da resolução amigável e das características essenciais desta resolução, conhecimento que não pode ser presumido.

201    A recorrente sublinha que não podia conhecer a natureza alegadamente ilícita da resolução amigável, na medida em que não existia à época dos factos (2005) precedente de que tal transação era ilícita. Com base num parecer de Sir F. Jacobs, a recorrente alega que ninguém podia imaginar à época dos factos a grelha de análise apresentada pela Comissão na comunicação de acusações.

202    A recorrente invoca, por último, a inadmissibilidade de determinados argumentos que foram invocados pela Comissão, na fase da contestação, em apoio da alegação segundo a qual a Biogaran não podia ignorar os «comportamentos materiais» da Servier.

203    A Comissão alega que a Biogaran podia razoavelmente prever os comportamentos materiais previstos pelos outros participantes na prática colusiva e que estava disposta a aceitar o risco. Com efeito, a Comissão considera que a consciência ou o conhecimento de uma parte no acordo da participação numa infração ao artigo 101.o TFUE não pode ser interpretado da mesma forma quando o seu parceiro na operação de exclusão é a sua sociedade‑mãe. Com efeito, em tal caso, a filial não pode atuar num quadro distinto do definido pela sua sociedade‑mãe, nomeadamente, no caso em apreço, a implementação de uma estratégia antigenéricos de grande dimensão. Neste contexto, a Biogaran podia, assim, ter razoavelmente previsto que um pagamento a um produtor de produtos genéricos prestes a entrar no mercado não podia ter um objetivo distinto da exclusão deste produtor do mercado. O pagamento não tinha qualquer explicação plausível distinta da vontade de oferecer à Niche um incentivo suplementar para celebrar a transação.

204    A Comissão alega igualmente que a consciência do caráter ilícito da operação é ainda mais exata, uma vez que os advogados da Servier estiveram envolvidos na preparação do acordo Biogaran ou eram os seus destinatários. Além disso, as acusações de difamação formuladas pela Sandoz AG contra a Biogaran em 2008 testemunham a implicação desta na estratégia anticoncorrencial da Servier. De igual modo, o facto de a Biogaran ter desempenhado um papel de intermediário em 2006 na execução de uma resolução amigável alegadamente anticoncorrencial entre a Servier e a Lupin confirma a alegação da Comissão segundo a qual a Biogaran tinha consciência dos comportamentos materiais da Servier.

205    Por último, a Comissão invoca as negociações entre a Niche e a Matrix relativas aos montantes que lhes foram pagos pela Servier em contrapartida da resolução amigável, para defender que a Biogaran não podia ignorar o objetivo prosseguido simultaneamente pela resolução amigável e o acordo Biogaran. Com efeito, a Niche confirmou que o pagamento fazia parte da «total overall compensation» de 15,7 milhões de GBP negociada entre a Niche e a Servier.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

206    Há que recordar os motivos determinantes que a Comissão teve em conta, na decisão recorrida, para chegar à conclusão de que, por um lado, o acordo Biogaran tinha sido um incentivo suplementar para que a Niche celebrasse a transação, a qual podia ser qualificada de restrição de concorrência por objetivo (considerandos 1369 e 3011 da decisão recorrida), e, por outro, a Biogaran podia ser conjunta e solidariamente responsável com a Servier em relação à totalidade do período desta infração (considerandos 3006, 3012 e 3145 da decisão recorrida).

207    A Comissão considerou que o montante pago pela Biogaran à Niche em contrapartida da aquisição de processos de produtos constituía um incentivo suplementar oferecido à Niche, que contribuía para a exclusão da Niche do mercado do perindopril. Segundo a Comissão, o compromisso da Niche de não entrar no mercado do perindopril foi tornado possível por um incentivo que assumiu a forma, por um lado, de um pagamento pela Servier no âmbito da resolução amigável com a Niche e, por outro, de um pagamento complementar efetuado diretamente pela Biogaran, filial da Servier, no âmbito do acordo Biogaran.

208    A recorrente contesta estas apreciações. Alega que a Comissão violou o princípio da responsabilidade pessoal ao imputar‑lhe a responsabilidade de um acordo celebrado pela sua sociedade‑mãe. Alega que o acordo Biogaran não constitui uma infração ao artigo 101.o TFUE e que não tinha conhecimento nem dos comportamentos da sua sociedade‑mãe nem do caráter ilícito da resolução amigável celebrada entre a sua sociedade‑mãe e a Niche.

209    A título preliminar, importa sublinhar que, contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão, na decisão recorrida, não imputou à Biogaran os atos imputados à sua sociedade‑mãe. No considerando 1349 da decisão recorrida, a Comissão considerou que a Servier tinha fornecido à Niche um incentivo suplementar através do acordo Biogaran. No considerando 3011 da referida decisão, a Comissão precisou que, mesmo que não fosse necessário provar o conhecimento pela Biogaran da natureza anticoncorrencial da transação, vários elementos demonstravam que a Biogaran estava em condições de compreender que o acordo Biogaran estava ligado à transação e que, através deste acordo, a Biogaran tinha diretamente participado na infração. Tal como a Comissão afirma na contestação, não pretendeu de forma alguma imputar à Biogaran os atos imputados à sua sociedade‑mãe.

210    Com efeito, a Comissão referiu, no considerando 3007 da decisão recorrida, que a Servier detinha 100 % da sua filial no momento da assinatura do acordo e formava, assim, uma empresa única com a sua filial. De igual modo, a Comissão teve em conta a responsabilidade solidária da Biogaran, na medida em que o acordo Biogaran e a transação tinham sido «celebrados entre as mesmas empresas», ou seja, o grupo Servier, por um lado, e a Niche e a Unichem, por outro (considerando 1351 e nota de pé de página n.o 1898 da decisão recorrida).

211    A este respeito, o Tribunal Geral conclui que o juiz da União, até à data, não se pronunciou sobre a questão de saber em que condições a Comissão pode considerar a responsabilidade solidária de uma filial quando, como sucede no caso em apreço, esta filial participou diretamente no comportamento ilícito da sua sociedade‑mãe.

212    Resulta de jurisprudência constante que o conceito de empresa abrange qualquer entidade que exerça uma atividade económica, independentemente do seu estatuto jurídico e do seu modo de financiamento. A este respeito, o Tribunal de Justiça precisou, por um lado, que o conceito de empresa, situado neste contexto, deve ser entendido no sentido de que designa uma unidade económica, mesmo que, do ponto de vista jurídico, essa unidade económica seja constituída por várias pessoas singulares ou coletivas, e, por outro, que, quando uma tal entidade económica infringe as regras da concorrência, incumbe‑lhe, de acordo com o princípio da responsabilidade pessoal, responder por essa infração (v. Acórdão de 20 de janeiro de 2011, General Química e o./Comissão, C‑90/09 P, EU:C:2011:21, n.os 34 a 36 e jurisprudência aí referida).

213    No caso especial em que uma sociedade‑mãe detém 100 % do capital da sua filial que cometeu uma infração ao direito da concorrência, existe uma presunção ilidível de que essa sociedade‑mãe exerce efetivamente tal influência (Acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.o 60). Assim, basta que a Comissão prove que a totalidade do capital de uma filial é detida pela sua sociedade‑mãe para se presumir que esta exerce uma influência decisiva na política comercial dessa filial (Acórdão de 29 de março de 2011, ArcelorMittal Luxembourg/Comissão e Comissão/ArcelorMittal Luxembourg e o., C‑201/09 P e C‑216/09 P, EU:C:2011:190, n.o 98).

214    É o que sucede no caso em apreço. A Biogaran era uma filial a 100 % da Servier no momento da celebração do acordo Biogaran e a presunção daí decorrente não foi ilidida (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2009, Akzo Nobel e o./Comissão, C‑97/08 P, EU:C:2009:536, n.os 60 a 65). Com efeito, importa sublinhar que a Biogaran não demonstrou que determinou a sua política comercial de forma autónoma em relação à Servier. Os elementos de prova acima discutidos sobre a existência de uma ligação indissociável entre os dois acordos confirmam a influência determinante da Servier no comportamento da Biogaran e a utilização efetiva deste poder. A fim de ilustrar a autonomia da Biogaran em relação à Servier, a recorrente alega que os dirigentes da Biogaran nunca exerceram funções na Servier. Todavia, este elemento não permite ilidir a presunção de uma influência determinante efetivamente exercida pela Servier sobre a Biogaran (v., neste sentido, Acórdão de 16 de setembro de 2013, Roca/Comissão, T‑412/10, EU:T:2013:444, n.o 76). Quanto às outras circunstâncias alegadas pela recorrente, segundo as quais atua no mercado de forma autónoma, mediante locais, marcas e ativos distintos dos da Servier, além disso na qualidade de sociedade de genéricos, ilustram apenas que a Biogaran é uma pessoa coletiva distinta da Servier, mas não são suscetíveis de ilidir a presunção de que a Servier exerce uma influência determinante sobre a Biogaran.

215    Assim, no momento da celebração do acordo Biogaran e da transação entre a Servier e a Niche, a Biogaran era a filial da Servier e constituía com a sua sociedade‑mãe uma única empresa na aceção do direito da concorrência.

216    Por conseguinte, a Comissão podia, com razão, em aplicação do conceito de «empresa», considerar que a Servier e a Biogaran eram solidariamente responsáveis pelos comportamentos que lhes foi imputado, uma vez que se presume que os atos cometidos por qualquer uma delas foram cometidos por uma única empresa (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, EU:T:2002:70, n.os 524 e 525, e de 12 de dezembro de 2007, Akzo Nobel e o./Comissão, T‑112/05, EU:T:2007:381, n.o 62; v., igualmente, neste sentido e por analogia, Acórdãos de 6 de março de 1974, Istituto Chemioterapico Italiano e Commercial Solvents/Comissão, 6/73 e 7/73, EU:C:1974:18, n.o 41, e de 16 de novembro de 2000, Metsä‑Serla e o./Comissão, C‑294/98 P, EU:C:2000:632, n.os 26 a 28).

217    O facto de, no presente litígio, a violação do artigo 101.o TFUE declarada pela Comissão resultar parcialmente do comportamento da sociedade‑mãe e parcialmente do comportamento da filial, enquanto, nas situações de responsabilidade solidária entre uma sociedade‑mãe e a sua filial mais frequentemente submetidas ao juiz da União, a infração resulta apenas do comportamento da filial, não põe em causa esta conclusão.

218    Com efeito, embora seja possível imputar a uma sociedade‑mãe a responsabilidade de uma infração cometida pela sua filial e, por conseguinte, considerar essas duas sociedades solidariamente responsáveis pela infração cometida pela empresa que constituem, sem violar o princípio da responsabilidade pessoal, o mesmo sucede a fortiori quando a infração cometida pela entidade económica constituída por uma sociedade‑mãe e pela sua filial resulta do concurso de comportamentos dessas duas sociedades.

219    Como acertadamente afirmou a Comissão, a decisão recorrida podia visar a Servier pela infração cometida pela Biogaran enquanto corresponsável, mesmo se nenhum elemento demonstrasse que a Servier tinha estado envolvida na infração. Por maioria de razão, a decisão recorrida podia ser dirigida à Servier enquanto sociedade‑mãe e à sua filial, solidariamente responsáveis, uma vez que ambas sociedades tinha participado de forma direta na infração.

220    Assim, a Comissão considerou erradamente que o acordo Biogaran e a transação entre a Servier e a Niche tinham sido celebrados entre as mesmas empresas, ou seja, o grupo Servier, por um lado, e a sociedade Niche, por outro, e que a violação ao artigo 101.o TFUE devia ser imputada ao grupo Servier, o que justificava a responsabilidade solidária da Servier enquanto sociedade‑mãe e da sua filial Biogaran, cujos respetivos comportamentos tinham concorrido para a realização da infração. Esta conclusão é ainda mais necessária na medida em que os comportamentos das duas sociedades apresentam uma ligação estreita, devido a vínculos indissociáveis, demonstrados pela Comissão, entre o acordo Biogaran e a transação entre a Servier e a Niche.

221    A Biogaran alega em vão que não deve ser considerada responsável solidária pela infração, com o fundamento de que não tinha conhecimento dos comportamentos da sua sociedade‑mãe.

222    Em primeiro lugar, esta alegação assenta no postulado errado de que foi imputada à Biogaran a responsabilidade de uma infração que a sua sociedade‑mãe tinha cometido. Ora, como foi dito, este postulado carece de fundamento de facto e de direito.

223    Em segundo lugar, cabe recordar a influência determinante que uma sociedade‑mãe exerce sobre a sua filial detida a 100 % permite presumir que os atos da filial são realizados em nome e por conta da sociedade‑mãe e, por conseguinte, da empresa que constituem. Tendo o Tribunal Geral considerado, como resulta da resposta ao fundamento anterior, que o Biogaran não tinha prosseguido um real interesse comercial ao celebrar o acordo Biogaran, nem que tinha executado uma estratégia autónoma, fora do controlo da sua sociedade‑mãe, a Comissão podia considerar que o acordo Biogaran, enquanto incentivo suplementar para a Niche aceitar a resolução amigável, era um dos componentes da infração em que a Biogaran tinha participado diretamente, não sendo necessário demonstrar que a Biogaran tinha conhecimento dos comportamentos ou de um plano conjunto da Servier ou das características da infração.

224    Por outro lado, a recorrente invoca erradamente o Acórdão de 2 de outubro de 2003, Aristrain/Comissão (C‑196/99 P, EU:C:2003:529, n.o 99). Com efeito, este processo não tinha por objeto a relação entre uma sociedade‑mãe e a sua filial detida a 100 %, mas a detenção do capital social de duas sociedades comerciais distintas por uma mesma pessoa ou uma mesma família, circunstância que foi considerada insuficiente pelo juiz da União, enquanto tal, para demonstrar a existência, entre essas duas sociedades, de uma unidade económica que tem a consequência de, em virtude do direito da concorrência da União, os comportamentos de uma e da outra poderem ser imputados a essa unidade económica. De igual modo, as referências aos Acórdãos de 8 de julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão (T‑99/04, EU:T:2008:256); de 30 de novembro de 2011, Quinn Barlo e o./Comissão (T‑208/06, EU:T:2011:701); e de 10 de outubro de 2014, Soliver/Comissão (T‑68/09, EU:T:2014:867), não são relevantes, uma vez que são externas ao contexto da relação sociedade‑mãe‑filial e de uma unidade económica.

225    Em terceiro lugar, se, como alega a recorrente, a Comissão tivesse que provar o conhecimento pela filial dos comportamentos da sociedade‑mãe para imputar a infração ao grupo, o conceito de unidade económica seria afetado. Seria necessário demonstrar, em relação a cada componente da infração resultante de comportamentos de uma ou outra destas duas sociedades, que a filial tinha conhecimento dos objetivos prosseguidos pela sociedade‑mãe, quando o próprio conceito de empresa na aceção do direito da concorrência da União postula, através da presunção de exercício de uma influência determinante da sociedade‑mãe sobre a filial que detém a 100 %, que a filial atua no âmbito dos objetivos prosseguidos pela sociedade‑mãe, sob a direção e o controlo desta. Como o Tribunal de Justiça declarou, a condição para se imputar a todos os componentes da empresa os diversos comportamentos ilícitos que constituem o conjunto de um cartel está preenchida quando cada empresa tenha contribuído para a sua execução, mesmo que de forma subordinada, acessória ou passiva (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de janeiro de 2017, Duravit e o./Comissão, C‑609/13 P, EU:C:2017:46, n.os 117 a 126, e de 8 de julho de 2008, AC‑Treuhand/Comissão, T‑99/04, EU:T:2008:256, n.o 133).

226    Se a tese da recorrente fosse aceite, a declaração das infrações do direito da concorrência nos grupos de sociedades seria mais difícil, apesar de a presunção de controlo pela sociedade‑mãe da filial que detém a 100 % se destinar a evitar que os comportamentos ilícitos apenas sejam imputados às filiais que são diretamente responsáveis e, por isso, escapam a uma repressão a nível do grupo. Com efeito, bastaria uma sociedade‑mãe partilhar os comportamentos ilícitos entre a própria e a sua filial e alegar que a filial não tinha conhecimento dos comportamentos da sociedade‑mãe para que o componente da infração resultante da participação direta da filial na infração fosse imputado apenas à filial. Daí resultaria uma menor eficácia do combate contra as práticas anticoncorrenciais, que não pode ser justificada pelo respeito do princípio da responsabilidade pessoal das infrações.

227    Resulta do exposto que a argumentação da recorrente de que a Comissão lhe imputa erradamente, em violação do princípio da responsabilidade pessoal, a responsabilidade de comportamentos ilícitos da sua sociedade‑mãe carece de fundamento de facto e de direito. A Comissão não só não imputou à Biogaran a infração imputada à sua sociedade‑mãe, uma vez que a infração apenas foi imputada ao grupo Servier, como também considerou acertadamente que não era necessário demonstrar que a Biogaran tinha conhecimento dos comportamentos da sua sociedade‑mãe.

228    Contrariamente ao que a recorrente alegou na audiência em apoio do fundamento que invocou nessa ocasião, relativo a uma fundamentação insuficiente e a uma contradição de fundamentos que viciam a decisão recorrida, a referida decisão está isenta de tais vícios. Com efeito, resulta claramente dessa decisão, em particular dos seus considerandos 1349, 3007 e 3011, que a Comissão considerou que a entidade responsável pela infração era a empresa, na aceção do artigo 101.o TFUE, constituída pela Servier e a sua filial Biogaran detida a 100 % e que não era necessário provar que a Biogaran tinha conhecimento da natureza anticoncorrencial da resolução amigável para imputar a responsabilidade da infração à «empresa». Embora seja verdade, como afirmou a Biogaran na audiência, que a Comissão, nos seus articulados, referiu que era possível presumir que a Biogaran tinha conhecimento dos comportamentos da Servier e que tal análise é questionável, na medida em que, em princípio, não se pode presumir que uma filial tem conhecimento dos comportamentos da sua sociedade‑mãe, tal fundamento não figura na decisão recorrida, que se limita a presumir que a Biogaran, filial a 100 % da Servier, atua sob a influência e o controlo da Servier e a declarar que os elementos demonstram a participação direta da Biogaran numa infração cometida pela entidade económica única em causa.

229    Por acréscimo, admitindo que a Comissão tinha que demonstrar que a Biogaran tinha conhecimento dos comportamentos da Servier e do caráter ilícito da transação entre a Servier e a Niche, resulta dos autos que a Comissão fez disso prova bastante.

230    Importa recordar, antes de mais, que uma empresa pode igualmente ter participado diretamente apenas numa parte dos comportamentos anticoncorrenciais que constituem a infração única e continuada, mas ter tido conhecimento de todos os outros comportamentos ilícitos projetados ou adotados por outros participantes no cartel na prossecução dos mesmos objetivos, ou pode razoavelmente tê‑los previsto e ter estado disposta a aceitar o risco. Nesse caso, a Comissão pode igualmente imputar a essa empresa a responsabilidade pelo conjunto dos comportamentos anticoncorrenciais que constituem essa infração e, consequentemente, pela infração no seu todo (v. Acórdãos de 24 de junho de 2015, Fresh Del Monte Produce/Comissão e Comissão/Fresh Del Monte Produce, C‑293/13 P e C‑294/13 P, EU:C:2015:416, n.o 158 e jurisprudência referida; e de 26 de janeiro de 2017, Duravit e o./Comissão, C‑609/13 P, EU:C:2017:46, n.o 119).

231    Em contrapartida, se uma empresa participou diretamente num ou mais comportamentos anticoncorrenciais que constituem uma infração única e continuada, mas não foi provado que, com o seu próprio comportamento, pretendia contribuir para todos os objetivos comuns prosseguidos pelos outros participantes no cartel e tinha conhecimento de todos os outros comportamentos ilícitos projetados ou adotados pelos referidos participantes na prossecução dos mesmos objetivos, ou que podia razoavelmente prevê‑los e estava disposta a aceitar o risco, a Comissão só lhe pode imputar a responsabilidade pelos comportamentos em que participou diretamente e pelos comportamentos projetados ou adotados pelos outros participantes na prossecução dos mesmos objetivos que ela prosseguia e de que comprovadamente tinha conhecimento ou que podia razoavelmente prever e estava disposta a aceitar o risco (v. Acórdãos de 24 de junho de 2015, Fresh Del Monte Produce/Comissão e Comissão/Fresh Del Monte Produce, C‑293/13 P e C‑294/13 P, EU:C:2015:416, n.o 159 e jurisprudência referida; e de 26 de janeiro de 2017, Duravit e o./Comissão, C‑609/13 P, EU:C:2017:46, n.o 120).

232    No caso em apreço, a Comissão demonstrou que a Biogaran tinha conhecimento de que o acordo Biogaran se destinava a contribuir para a realização do objetivo de exclusão da Niche do mercado. Através dos elementos que reuniu, referidos no considerando 1351 da decisão recorrida, relativos ao caráter incentivador do acordo Biogaran, e que não foi validamente posto em causa pela Biogaran no âmbito do fundamento relativo à desvirtuação dos factos, a Comissão, sublinhando igualmente que a Biogaran, filial a 100 % da Servier, não tinha podido atuar de forma autónoma, demonstrou que o acordo Biogaran apenas podia ser analisado como um incentivo suplementar para a Niche, incentivo cuja natureza não podia ser ignorada pela Biogaran.

233    Como resulta da apreciação do fundamento relativo à desvirtuação dos factos, a Biogaran não apresentou qualquer explicação plausível que justificasse a celebração deste acordo conjuntamente com a transação entre a Servier e a Niche. Também não pode validamente alegar que não tinha conhecimento da natureza ilícita desses acordos. Com efeito, o objetivo de excluir a Niche do mercado, alcançado em troca de pagamentos substanciais, tinha um caráter restritivo evidente para os negociadores de tais acordos.

234    Resulta do exposto que o presente fundamento deve ser julgado improcedente, sem que seja necessário ter em consideração os argumentos apresentados pela Comissão na sua contestação, relativos a factos posteriores à assinatura do acordo Biogaran.

C.      Quanto ao fundamento relativo ao facto de a Comissão ter cometido um erro de direito ao aplicar uma coima à Biogaran

1.      Argumentos das partes

a)      Quanto ao caráter inédito, imprevisível e complexo do processo

235    Com base no princípio da legalidade dos crimes e das penas consagrado no artigo 7.o da Convenção de Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais e no artigo 49.o da Carta dos Direitos Fundamentais, a recorrente alega que a Comissão só pode aplicar sanções a práticas definidas como infração à época dos factos. De igual modo, acrescenta que, em conformidade com a prática decisória da Comissão, uma coima não pode ser aplicada quando a natureza das infrações constatadas é relativamente nova e quando não existia, à época dos factos, um precedente que estabelecesse claramente o caráter ilícito do tipo de comportamento em causa ou ainda quando se trata de uma nova abordagem em termos de princípios enunciados.

236    Por outro lado, a recorrente considera que a Comissão não podia aplicar uma coima por práticas cuja qualificação não era evidente à época dos factos. Com efeito, a decisão recorrida assenta numa crítica inédita e imprevisível da transação entre a Servier e a Niche. A recorrente alega que não existia precedente à época dos factos, e, por conseguinte, que a Biogaran não podia duvidar que tal transação seria qualificada de ilícita.

237    A Comissão  sublinha que o enunciado das infrações previstas no artigo 101.o TFUE sugere de forma literal que as práticas em causa, ou seja, a exclusão do mercado de um concorrente em troca de uma transferência de valor, são anticoncorrenciais. A Comissão remete para as secções pertinentes da decisão recorrida a fim de afirmar que era pacífico no momento dos acordos que as práticas destinadas a excluir os concorrentes do mercado seriam provavelmente consideradas anticoncorrenciais (considerando 3092 da decisão recorrida).

238    A Comissão alega que as discussões mantidas na empresa Servier à época dos factos sobre a compatibilidade da resolução amigável com o direito da concorrência demonstram claramente um conhecimento do caráter potencialmente anticoncorrencial dos acordos.

239    Por último, o facto de os consultores jurídicos das partes nos acordos não terem identificado um risco de infração não pode ter como efeito isentar a empresa de uma coima, uma vez que esta não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do referido comportamento.

b)      Quanto ao caráter desproporcionado da coima

240    A recorrente alega, em todo caso, que o montante da coima é manifestamente desproporcionado tendo em conta o papel menor desempenhado pela Biogaran na realização da alegada infração. Com base na jurisprudência, sublinha que o facto de uma empresa não ter participado em todos os elementos constitutivos de um cartel ou de ter desempenhado um papel menor nos aspetos em que participou deve ser tido em conta na apreciação da gravidade da infração e, eventualmente, na determinação do montante da coima.

241    Entende que, ao impor uma sanção sem ter em conta a contribuição limitada da Biogaran para a alegada infração, a Comissão violou manifestamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento. Com efeito, a gravidade da coima viola o princípio da igualdade de tratamento, que exige que as situações comparáveis não sejam tratadas de maneira diferente e que as situações diferentes não sejam tratadas da maneira igual, a não ser que o tratamento seja objetivamente justificado.

242    Assim, ao aplicar à Biogaran solidariamente a integralidade da coima aplicada à sua empresa‑mãe, apesar de as circunstâncias objetivas que caracterizam a participação das duas sociedades não serem comparáveis, a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento. Com efeito, enquanto a Servier é punida por um comportamento anticoncorrencial, a Comissão pune a Biogaran por um ato que não é, por si só, restritivo da concorrência. Além disso, admitindo que o acordo Biogaran se insere no âmbito da transação alegadamente anticoncorrencial, a transferência de valor em benefício da Niche criticada pela Comissão era de 13,8 milhões de euros de GBP, quando a Biogaran contribuiu com apenas 2,5 milhões de GBP.

243    Por outro lado, a recorrente sublinha que o montante de coima que lhe foi aplicada por ter participado indiretamente num acordo alegadamente anticoncorrencial é de tal forma desproporcionado que excede largamente o montante total acumulado das sanções pecuniárias aplicadas às outras cinco sociedades de genéricos (nomeadamente, 96,6 milhões de euros), que participaram diretamente nos acordos de resolução amigável controvertidos.

244    Por último, a decisão enferma de um erro de direito na medida em que tem em conta, no que respeita à Biogaran, o valor das vendas da sua sociedade‑mãe (476 milhões de euros), apesar de a mesma não ter realizado qualquer venda. Assim, a recorrente alega que, em conformidade com o princípio da igualdade de tratamento, a Comissão deveria ter aplicado à Biogaran o raciocínio que aplicou às outras sociedades de genéricos. Com efeito, se a Comissão tivesse tido em conta o valor transferido a título do acordo assinado pela Biogaran, ou seja, 2,5 milhões de GBP, o montante da coima aplicada à Biogaran teria sido dividido por mais de 150.

245    A Comissão contesta que a Biogaran não atua enquanto entidade independente e distinta do grupo Servier. A Biogaran atuou enquanto parte integrante do grupo Servier e, assim, é a empresa Servier no seu conjunto que é considerada responsável pela infração. A Comissão acrescenta que a Biogaran desempenhou um papel causal tão importante como a sua sociedade‑mãe.

246    Por último, a Comissão considera que a comparação entre as coimas das sociedades de genéricos e a coima da Biogaran é irrelevante, uma vez que a Biogaran atuou como parte da mesma empresa que a Servier no presente processo. Atuou como produtor do produto original que pretende manter como seu monopólio, numa posição diferente daquela das sociedades de genéricos que aceitaram não entrar no mercado em troca de um pagamento significativo.

c)      Quanto ao limite máximo de 10 % da coima

247    A recorrente alega que a Comissão violou o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 ao condenar solidariamente a Biogaran no pagamento de uma coima de 131,5 milhões de euros, ou seja, cerca de 18 % do seu volume de negócios total, por alegadamente ter «incentivado» a Niche a celebrar a transação.

248    Com base na jurisprudência, a Comissão alega que o limite máximo do montante da coima deve ser calculado com base no volume de negócios de todas as sociedades que constituem a entidade económica única que atua como empresa na aceção do artigo 101.o TFUE. Por conseguinte, a Comissão não cometeu um erro ao ter em conta o volume de negócios do grupo Servier.

249    Por último, a Comissão alega que não é possível aplicar o método de cálculo das coimas das sociedades de genéricos à coima da Biogaran. Com efeito, a Biogaran atuou em apoio do titular da patente e contribuiu para pagar a um produtor de genéricos com vista a incentivá‑lo a não entrar no mercado da sua sociedade‑mãe, o que não é comparável ao papel desempenhado pelos produtores de genéricos.

2.      Apreciação do Tribunal Geral

a)      Quanto ao caráter inédito, imprevisível e complexo do processo

250    Resulta da jurisprudência que o princípio da legalidade dos crimes e das penas exige que a lei defina claramente as infrações e as penas que as punem. Este pressuposto está preenchido quando a pessoa interessada puder saber, a partir da redação da disposição em causa e, se necessário, recorrendo à interpretação que lhe é dada pelos tribunais, quais os atos e omissões pelos quais responde penalmente (v. Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 40 e jurisprudência aí referida).

251    O princípio da legalidade dos crimes e das penas não pode, pois, ser interpretado no sentido de que proscreve a clarificação gradual das regras da responsabilidade penal, pela interpretação judiciária casuística, desde que o resultado seja razoavelmente previsível no momento em que a infração foi cometida, atendendo, designadamente, à interpretação então acolhida na jurisprudência relativa à disposição legal em causa (v. Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 41 e jurisprudência aí referida).

252    O alcance do conceito de previsibilidade depende em larga medida do conteúdo do texto em questão, do domínio que abrange, bem como do número e da qualidade dos seus destinatários. A previsibilidade da lei não se opõe a que a pessoa em causa recorra a aconselhamento especializado a fim de avaliar, com um grau razoável nas circunstâncias do caso, as consequências que podem resultar de um determinado ato. Em especial, é o que acontece com os profissionais habituados a ter de dar provas de grande prudência no exercício da sua profissão e dos quais se pode esperar uma avaliação particularmente cuidada dos riscos que o ato comporta (v. Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 42 e jurisprudência aí referida).

253    Importa acrescentar que o recurso aos conselhos de profissionais se revela ainda mais evidente quando está em causa, como sucedeu no caso em apreço, a preparação e redação de um acordo de licença, que ocorre no âmbito da resolução amigável de um litígio.

254    Neste contexto, embora, no momento das infrações consideradas provadas na decisão controvertida, os órgãos jurisdicionais nacionais da União ainda não tivessem tido a oportunidade de se pronunciarem especificamente sobre uma transação do tipo das que foram celebradas pela Servier, a Niche e a Biogaran, esta devia ter previsto, eventualmente após ter recorrido a aconselhamento especializado, que o seu comportamento poderia ser declarado incompatível com as normas da concorrência do direito da União, atendendo, designadamente, ao amplo alcance dos conceitos de «acordo» e de «prática concertada» que resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, Acórdão de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 43).

255    A Biogaran podia, em particular, admitir que o facto de a sua sociedade‑mãe ter sujeitado a Niche a cláusulas de não comercialização e de não impugnação, só por si restritivas da concorrência, retirava qualquer legitimidade à introdução de tais cláusulas numa transação em questões de patentes. Com efeito, tal introdução já não se baseava no reconhecimento pelas partes nos acordos da validade da patente e, portanto, revelava uma utilização anormal da patente, não relacionada com o seu objeto específico (Acórdão proferido no mesmo dia, Servier e o./Comissão, T‑691/14). Por outro lado, a recorrente podia igualmente admitir que o facto de dar um incentivo suplementar à Niche através do acordo Biogaran era suscetível de reforçar os efeitos restritivos do acordo celebrado pela sua sociedade‑mãe. Assim, a recorrente podia razoavelmente prever que estava a adotar um comportamento abrangido pela proibição prevista no artigo 101.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de outubro de 2015, AC‑Treuhand/Comissão, C‑194/14 P, EU:C:2015:717, n.o 46, e de 8 de setembro de 2016, Lundbeck/Comissão, T‑472/13, pendente de recurso, EU:T:2016:449, n.o 764).

256    Além disso, há que observar que, antes da data da celebração dos dois acordos, a jurisprudência pronunciou‑se sobre a possibilidade de aplicação do direito da concorrência nos domínios caracterizados pela presença de direitos de propriedade intelectual (v., neste sentido, Acórdão de 8 de setembro de 2016, Xellia Pharmaceuticals e Alpharma/Comissão, T‑471/13, não publicado, pendente de recurso, EU:T:2016:460, n.os 314 e 315).

257    Assim, o Tribunal de Justiça tem considerado, desde 1974, que, embora o artigo 101.o não afete a existência dos direitos reconhecidos pela legislação de um Estado‑Membro em matéria de propriedade industrial, as condições de exercício dos referidos direitos podiam, todavia, ser abrangidas pelas proibições previstas nesse artigo e que tal podia ser o caso sempre que o exercício do referido direito fosse suscetível de constituir o objeto, o meio ou a consequência de um cartel (Acórdão de 31 de outubro de 1974, Centrafarm e de Peijper, 15/74, EU:C:1974:114, n.os 39 e 40).

258    Em seguida, desde o Acórdão de 27 de setembro de 1988, Bayer e Maschinenfabrik Hennecke (65/86, EU:C:1988:448), é claro que as transações em litígios relativos às patentes podem ser qualificadas de acordos na aceção do artigo 101.o TFUE.

259    Por outro lado, há que sublinhar que, pelos acordos controvertidos, a Niche, a Servier e a Biogaran decidiram, na realidade, celebrar acordos de exclusão do mercado (Acórdão proferido neste dia, Servier e o./Comissão, T‑691/14). Ora, embora seja verdade que apenas num acórdão proferido posteriormente à adoção dos acordos controvertidos é que o Tribunal de Justiça declarou que os acordos de exclusão do mercado, nos quais quem permanecia indemnizava quem saía, constituíam uma restrição de concorrência por objetivo, precisou, todavia, que esse tipo de acordos colidia «de forma manifesta» com a conceção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência, segundo a qual qualquer operador económico deve determinar de forma autónoma a política que pretende seguir no mercado (Acórdão de 20 de novembro de 2008, Beef Industry Development Society e Barry Brothers, C‑209/07, EU:C:2008:643, n.os 8 e 32 a 34). Ao celebrar um acordo como o acordo Biogaran, a recorrente não podia, assim, ignorar o caráter anticoncorrencial do seu comportamento.

260    É certo que, embora, devido ao facto de o acordo entre a Niche e a Servier ter sido celebrado sob a forma de uma transação relativa a uma patente e de o acordo Biogaran se apresentar como um acordo de licença e de abastecimento, o caráter ilícito destes acordos pudesse não se revelar de forma clara a um observador externo como a Comissão, o mesmo não sucedia em relação às partes no acordo.

261    Em face de todas estas considerações, há que concluir que a Biogaran, mesmo que não tivesse atividade no mercado do perindopril afetado pela restrição de concorrência, podia razoavelmente prever que a proibição prevista no artigo 101.o TFUE lhe era aplicável.

262    Esta conclusão não pode ser posta em causa pelos outros argumentos apresentados pela recorrente.

263    Em primeiro lugar, embora a recorrente faça referência à existência de um parecer jurídico que tinha solicitado a Sir Jacobs, não apresenta elementos suficientes para que se possa concluir que existia uma incerteza real quanto ao caráter ilícito do acordo Biogaran e da transação entre a Servier e a Niche em relação às regras da União em matéria de direito da concorrência. Com efeito, apesar de o parecer de Sir Jacobs reconhecer o caráter novo da análise da Comissão e que tal «grelha de análise» nunca tinha sido aplicada pelos órgãos jurisdicionais da União, considera que a doutrina da Comissão é, no essencial, fundada.

264    Por outro lado, este parecer jurídico não contesta o facto de o artigo 101.o TFUE sugerir de forma literal que as práticas em causa, nomeadamente, a exclusão de um concorrente, são incompatíveis com o direito da concorrência. Aliás, a Comissão afirmou com razão, no considerando 597 da decisão recorrida, que a questão da compatibilidade dos acordos controvertidos com o direito da concorrência tinha suscitado interrogações da parte da Servier.

265    Em segundo lugar, o argumento relativo à existência de uma prática da Comissão segundo a qual a Comissão não aplica coimas ou se limita a aplicar coimas simbólicas quando aprecia questões jurídicas complexas que nunca foram resolvidas pelos órgãos jurisdicionais da União não pode ser julgado procedente. Com efeito, apesar da novidade de algumas das questões suscitadas no âmbito do presente processo, a Biogaran não podia ignorar no caso em apreço a natureza anticoncorrencial do plano estratégico da Servier (n.os 229 a 234, supra), nem o facto de que, sendo detida a 100 % pela Servier, os seus comportamentos na qualidade de filial poderiam ser imputados à empresa constituída pela Servier e pela sua filial. De igual modo, a Comissão precisa com razão, no n.o 80 da tréplica, que a extensão da decisão e a duração do procedimento administrativo refletem certamente a complexidade dos factos, mas não valem como prova do caráter imprevisível da infração

266    Em todo caso, segundo a jurisprudência, a Comissão dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do cumprimento das normas da concorrência. O facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infrações não pode privá‑la da possibilidade de aumentar esse nível, dentro dos limites indicados no Regulamento n.o 1/2003, se isso for necessário para assegurar a execução da política de concorrência da União. A aplicação eficaz das regras da União em matéria de concorrência exige, pelo contrário, que a Comissão possa, em qualquer altura, adaptar o nível das coimas às necessidades dessa política (Acórdão de 8 de setembro de 2016, Lundbeck/Comissão, T‑472/13, pendente de recurso, EU:T:2016:449, n.o 773).

267    Em terceiro lugar, a recorrente não pode invocar a circunstância de o seu consultor jurídico ter qualificado de forma juridicamente errada o seu comportamento, no qual se baseia a declaração da infração. Com efeito, o erro cometido pelo consultor da empresa arguida não pode ter o efeito de a isentar da aplicação de uma coima, na medida em que esta não podia ignorar o caráter anticoncorrencial do referido comportamento (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2013, Schenker & Co. e o., C‑681/11, EU:C:2013:404, n.o 37).

268    Em quarto lugar, contrariamente ao que alega a recorrente, as cláusulas do acordo Biogaran apenas podiam ser entendidas pelos signatários desse acordo como uma restrição suplementar da concorrência. Com efeito, mesmo embora a recorrente alegue que as cláusulas do acordo «não estão em causa», estava em condições de compreender que o acordo, tendo em conta que incluía cláusulas atípicas em comparação com outros acordos de licença e não previa contrapartida real ao pagamento, não tinha outro objetivo senão incentivar um concorrente potencial da Servier a não entrar no mercado do perindopril e, por conseguinte, constituía uma infração ao direito da concorrência.

269    Resulta do exposto que a presente alegação deve ser julgada improcedente.

b)      Quanto ao caráter desproporcionado da coima

270    Importa observar que as críticas da Biogaran ao montante da coima que lhe foi aplicada solidariamente com a sua sociedade‑mãe, que em seu entender é desproporcionada, assentam nos postulados de que foi imputada à Biogaran a infração cometida pela sua sociedade‑mãe e que foi punida a este título enquanto pessoa coletiva distinta da Servier, apesar de os seus comportamentos terem sido menos graves do que os da sua sociedade‑mãe e de a sua participação na infração ser muito mais limitada do que a desta última.

271    Ora, estes postulados são errados, como resulta da resposta ao primeiro fundamento do recurso.

272    Com efeito, como acertadamente alega a Comissão, a Biogaran não atua como entidade independente e distinta do grupo Servier, mas como parte integrante desse grupo, sob o controlo da sua sociedade‑mãe. Embora a Comissão tenha concluído pela participação direta da Biogaran na infração e salientado o caráter decisivo do acordo Biogaran na materialização dos efeitos restritivos da transação entre a Servier e a Niche, não foi por isso que considerou a Biogaran responsável pela infração enquanto pessoa coletiva autónoma distinta do grupo Servier. Com efeito, a coima controvertida é aplicada à empresa, na aceção do artigo 101.o TFUE, constituída pela filial e pela sua sociedade‑mãe, que são solidariamente responsáveis pela infração e pelo pagamento da coima correspondente, e não visa punir os comportamentos anticoncorrenciais atribuíveis a cada uma destas duas sociedades enquanto pessoas coletivas distintas.

273    A solidariedade no pagamento da coima pela filial e pela sociedade‑mãe, na qual se baseia o dispositivo da decisão recorrida, que, no seu artigo 7.o, n.o 1, alínea b), visa a Servier e a Biogaran, solidariamente responsáveis pelo pagamento de 131 532 600 euros, não pode ser interpretada no sentido de que se imputa à Biogaran a responsabilidade de uma infração cometida pela sua sociedade‑mãe.

274    Com efeito, cabe recordar que a solidariedade pelo pagamento da coima é apenas uma manifestação de um efeito de pleno direito do conceito de empresa, que designa a entidade que pode ser punida pela Comissão devido a uma infração às normas do direito da concorrência da União (Acórdãos de 10 de abril de 2014, Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.o 57, e de 10 de abril de 2014, Areva e o./Comissão, C‑247/11 P e C‑253/11 P, EU:C:2014:257, n.os 122 a 124). Assim, as sociedades podem ser condenadas solidariamente no pagamento da coima na medida em que podem ser consideradas pessoalmente responsáveis pela participação na infração cometida pela empresa única que compõem (Acórdão de 10 de abril de 2014, Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.o 49).

275    Além disso, é indiferente que as responsabilidades pessoais das sociedades pela sua participação na prática da infração sejam idênticas ou não, uma vez que, durante o período da infração, constituíam uma empresa única (Acórdão de 3 de março de 2011, Areva e o./Comissão, T‑117/07 e T‑121/07, EU:T:2011:69, n.o 206). O poder de aplicar sanções da Comissão não pode, além disso, alargar‑se à determinação das quotas‑partes que incumbem a cada um dos codevedores solidários no âmbito da sua relação interna (Acórdãos de 10 de abril de 2014, Comissão e o./Siemens Österreich e o., C‑231/11 P a C‑233/11 P, EU:C:2014:256, n.o 58, e de 10 de abril de 2014, Areva e o./Comissão, C‑247/11 P e C‑253/11 P, EU:C:2014:257, n.o 151). De resto, a Biogaran referiu na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, que a sua sociedade‑mãe tinha pago a totalidade do montante da coima referida no artigo 7.o, n.o 1, alínea b), da decisão recorrida.

276    Ao aplicar a coima à entidade económica única constituída pela sociedade‑mãe e pela sua filial detida a 100 % e tendo em conta o valor das vendas realizadas pelo grupo Servier, a Comissão respeitou a jurisprudência constante do juiz da União e não cometeu qualquer erro de direito (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de março de 2015, Dole Food e Dole Fresh Fruit Europe/Comissão, C‑286/13 P, EU:C:2015:184, n.os 145 a 148 e jurisprudência aí referida, e de 23 de janeiro de 2014, Evonik Degussa e AlzChem/Comissão, T‑391/09, não publicado, EU:T:2014:22, n.os 129 a 135).

277    Pelos mesmos motivos, a recorrente também não pode alegar que a coima lhe foi aplicada em violação do princípio da igualdade de tratamento.

278    Com efeito, uma vez que nem a Biogaran nem a Servier foram punidas pelos seus comportamentos enquanto pessoas coletivas distintas, a comparação efetuada entre a situação da Servier e a da Biogaran é irrelevante.

279    De igual modo, não tendo a Biogaran sido condenada solidariamente no pagamento da coima enquanto parte integrante da entidade económica que constitui com a Servier, a sua situação não pode ser comparada à das sociedades de genéricos destinatárias da decisão recorrida. Embora a coima aplicada ao grupo Servier seja baseada no valor das vendas deste grupo, as coimas aplicadas a essas sociedades não podiam ser calculadas com base no mesmo parâmetro, uma vez que essas sociedades não estavam no mercado no momento das práticas que lhes são imputadas (Acórdão proferido neste dia, Servier e o./Comissão, T‑691/14).

280    A alegação apresentada pela Biogaran na audiência, relativa ao facto de a Niche não ter sido punida a título do acordo Biogaran, por a Comissão não ter tido em conta o pagamento de 2,5 milhões de GBP no cálculo da coima da Niche, também não pode ser julgada procedente. Com efeito, apenas foi apresentada, relativamente ao princípio da igualdade de tratamento, na audiência e, por isso, não é admissível, pois nada justifica a apresentação nesta fase do processo. Além disso, conforme referido, a Biogaran, filial da Servier, não estava numa situação comparável à das sociedades de genéricos que, como a Niche, celebraram um acordo com a Servier. Por último, o facto, admitindo‑o demonstrado, de a Niche não ter sido punida pela Comissão não pode isentar a Biogaran da responsabilidade que assumiu na infração cometida pela empresa de que é membro.

281    Resulta do exposto que a presente alegação deve ser julgada improcedente.

c)      Quanto ao limite máximo de 10 % da coima

282    A recorrente alega que a Comissão violou o artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 ao aplicar‑lhe uma coima cujo montante é superior a 10 % do seu volume de negócios anual e que se baseia no valor das vendas da sua sociedade‑mãe, a Servier (ou seja, 476 milhões de euros), quando a mesma não realizou qualquer venda.

283    A este respeito, cabe recordar o limite máximo previsto no artigo 23.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1/2003 deve ser calculado com base no volume de negócios acumulado de todas as sociedades que constituem a entidade económica única que atua enquanto empresa na aceção do artigo 101.o TFUE (v. Acórdãos de 8 de maio de 2013, Eni/Comissão, C‑508/11 P, EU:C:2013:289, n.o 109 e jurisprudência referida, e de 11 de julho de 2013, Team Relocations e o./Comissão, C‑444/11 P, não publicado, EU:C:2013:464, n.os 172 e 173 e jurisprudência aí referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2013, Groupe Gascogne/Comissão, C‑58/12 P, EU:C:2013:770, n.o 56).

284    Com efeito, a proporcionalidade de uma sanção deve ser apreciada designadamente à luz do objetivo de dissuasão visado pela sua aplicação, pelo que esse valor total é necessário para efeitos dessa apreciação, de modo a tomar em consideração a capacidade económica da empresa em causa (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2016, Toshiba Corporation/Comissão, C‑373/14 P, EU:C:2016:26, n.os 83 e 84).

285    No caso em apreço, resulta das considerações acima expostas que a empresa em causa era constituída pela recorrente e pela sua sociedade‑mãe, a Servier, formando estas duas sociedades uma única entidade económica (v. n.os 206 a 234, supra). Por conseguinte, em conformidade com os princípios acima recordados no n.o 283, a Comissão baseou‑se no volume de negócios total da sociedade‑mãe do grupo Servier no período compreendido entre 1 de outubro de 2012 e 30 de setembro de 2013, para a aplicação do referido limite de 10 % de volume de negócios (considerando 3144 da decisão recorrida).

286    Sendo este volume de negócios um pouco superior a 4 mil milhões de euros, o Tribunal Geral considera que a coima de 131 532 600 euros aplicada à recorrente, solidariamente com a sua sociedade‑mãe, não excedia manifestamente este limite.

287    Por conseguinte, esta alegação deve ser julgada improcedente, assim como o presente fundamento na íntegra.

288    Resulta de todas estas considerações que se deve julgar integralmente improcedente o recurso, incluindo, tendo em conta todas as circunstâncias do caso, os pedidos de que o Tribunal Geral, no exercício da sua competência de plena jurisdição, anule a coima ou reduza o seu montante.

 Quanto às despesas

289    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Biogaran é condenada nas despesas.

Gervasoni

Madiseda

da Silva Passos

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 12 de dezembro de 2018.

Assinaturas


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*      Língua do processo: francês.