Language of document : ECLI:EU:T:2013:371

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

11 de julho de 2013 (*)

«Fundo de Coesão — Regulamento (CE) n.° 1164/94 — Projeto de saneamento de Saragoça — Supressão parcial da comparticipação financeira — Contratos públicos — Conceito de obra — Artigo 14.°, n.os 10 e 13, da Diretiva 93/38/CEE — Cisão dos contratos — Confiança legítima — Dever de fundamentação — Prazo de adoção de uma decisão — Determinação das correções financeiras — Artigo H, n.° 2, do Anexo II do Regulamento n.° 1164/94 — Proporcionalidade — Prescrição»

No processo T‑358/08,

Reino de Espanha, representado inicialmente por J. Rodríguez Cárcamo, e em seguida por A. Rubio González, abogados del Estado,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Valero Jordana e A. Steiblytė, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da Decisão C (2008) 3249 da Comissão, de 25 de junho de 2008, relativa à redução do apoio concedido ao abrigo do Fundo de Coesão ao Reino de Espanha no projeto n.° 96/11/61/018 — «Saneamiento de Zaragoza» pela Decisão C (96) 2095 da Comissão, de 26 de julho de 1996,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: L. Truchot, presidente, M. E. Martins Ribeiro e A. Popescu (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vistos os autos e após a audiência de 28 de novembro de 2012,

profere o presente

Acórdão (1)

 Antecedentes do litígio

1        Pela Decisão C (96) 2095, de 6 de julho de 1996 (a seguir «decisão de 1996»), a Comissão das Comunidades Europeias aprovou, ao abrigo do Fundo de Coesão, a concessão de um apoio financeiro de 8 850 689 euros ao projeto n.° 96/11/61/018 — «Saneamiento de Zaragoza» (a seguir «projeto de saneamento de Saragoça»). Esse projeto, destinado a melhorar e completar as instalações de saneamento e tratamento de águas residuais da cidade de Saragoça (Espanha), incluía dois grupos de operações. O primeiro grupo de operações, denominado «Plano de substituição dos esgotos» (a seguir «fase FIMMA 96»), previa a substituição de esgotos em certos bairros da cidade. O segundo grupo de operações, denominado «Programa de saneamento da zona oeste do aglomerado (bacia da estação de tratamento de la Almozara)» (a seguir «fase SPWS»), incluía, nomeadamente, a construção de coletores, de uma rede secundária de coletores e de um escoadouro de águas pluviais. O município de Saragoça era o beneficiário final do apoio financeiro e era responsável pela direção do projeto, cuja execução estava prevista para o período entre 1 de maio de 1996 e 31 de dezembro de 1998.

2        A pedido do Reino de Espanha, a decisão de 1996 foi alterada pela Decisão C (97) 2601 da Comissão, de 29 de julho de 1997 (a seguir «decisão de 1997»), para nela incluir oito operações adicionais (a seguir «fase FIMMA 97»). Sete operações eram relativas à substituição, à transformação e construção de coletores e uma operação consistia em construir uma unidade de tratamento de lamas. O prazo para o termo dos trabalhos foi prorrogado até 31 de dezembro de 1999.

[omissis]

 Decisão recorrida

13      Na decisão recorrida, a Comissão deu por provadas diversas irregularidades que afetavam oito contratos da fase SPWS e, nomeadamente, quatro contratos da fase FIMMA 97.

14      Os oito contratos da fase SPWS eram os seguintes:

―        coletor escoadouro no rio Ebro;

―        coletor do bairro de Los Palos;

―        coletor da zona Martín Arpal;

―        coletor Valles Verdes;

―        coletor de San Lamberto — Vistabella;

―        coletor estrada de Madrid;

―        rede secundária de coletores;

―        coletor zona limite do território municipal.

15      Os quatro contratos da fase FIMMA 97 eram os seguintes:

―        coletor da margem direita do rio Huerva;

―        unidade de tratamento de lamas;

―        coletores do rio Gállego;

―        coletor de conexão da estação de tratamento de la Almozara.

16      A Comissão entendeu, no considerando 20 da decisão recorrida, que, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, e do artigo 14.°, n.os 1, 10 e 13, da Diretiva 93/38, os contratos controvertidos constituíam lotes de uma única obra, cuja iniciativa cabia a uma única entidade adjudicante, e que deveriam ter sido sujeitos às disposições dessa diretiva. Considerou que esses contratos tinham sido cindidos, o que constitui uma violação das disposições dessa diretiva, e particular das disposições relativas ao limite mínimo, à publicação e à igualdade de tratamento entre proponentes.

[omissis]

18      Em primeiro lugar, para demonstrar a existência de irregularidades na aceção do artigo H do Anexo II do Regulamento n.° 1164/94, a Comissão, antes de mais, recordou as disposições do artigo 1.°, n.° 4, alínea b), do artigo 4.°, n.° 2, e do artigo 14.°, n.os 1, 10 e 13, da Diretiva 93/38 (considerandos 19 e 21 a 23 da decisão recorrida).

19      A Comissão referiu seguidamente, no considerando 24 da decisão recorrida, que, em todos os avisos de contratos publicados no Boletín Oficial de Aragón e nos meios de comunicação social locais, a Câmara Municipal de Saragoça era o organismo adjudicante a quem deveriam ser dirigidas as propostas. Referiu igualmente a semelhança da descrição dos trabalhos a executar na rede de esgotos e de tratamento das águas residuais e entendeu que os trabalhos viriam a preencher a mesma função económica e técnica. Considerou que, no caso, se tratava de um conjunto de trabalhos específicos de manutenção, aumento e reabilitação da rede de esgotos e de tratamento das águas residuais existente, cujo resultado, uma vez terminados, seria a melhoria global da rede para os utilizadores finais. A Comissão precisou que os trabalhos estavam ligados a coletores de águas residuais, a coletores escoadouros de águas pluviais, a uma unidade de tratamento de lamas e a um coletor de águas residuais entre as duas estações de tratamento de la Almozara e de la Cartuja. Entendeu que a diferença entre os diversos tipos de trabalhos era funcional, e não técnica ou económica, e que, por conseguinte, não eram necessários conhecimentos técnicos específicos para os realizar. Por último, referiu que, do ponto de vista económico, os utilizadores finais deviam pagar ao prestador de serviços consoante a sua utilização.

20      Primeiro, no que respeita aos oito projetos da fase SPWS, a Comissão entendeu, no considerando 24, alínea a), da decisão recorrida, que os trabalhos respondiam a um objetivo parecido, sendo a única diferença o facto de terem sido realizados em setores geograficamente diferenciados. Considerou que o objetivo principal dos trabalhos era fornecer ou renovar o sistema de esgotos em diferentes setores, incluindo a instalação de coletores de águas residuais e de escoadouros.

21      Segundo, quanto aos quatro projetos da fase FIMMA 97, acima referidos nos n.° 15, para os quais não se podia invocar a derrogação do artigo 14.°, n.° 10, da Diretiva 93/38, a Comissão entendeu, no considerando 24, alínea b), da decisão recorrida, que os trabalhos respondiam a um objetivo parecido, sendo a única diferença relativa à sua realização em setores geograficamente diferenciados. Considerou que o objetivo principal dos trabalhos era instalar coletores ao longo dos rios Huerva e Gállego a fim de servir as zonas que ainda emitiam os seus efluentes diretamente nos rios e de reparar as duas instalações de tratamento das águas residuais para as quais eram enviadas as águas residuais.

22      No considerando 25 da decisão recorrida, a Comissão precisou que, quanto à violação do artigo 4.°, n.° 2, e do artigo 14.°, n.° 10, da Diretiva 93/38, os contratos devem ser considerados destinados à execução de uma obra única quando estão ligados de tal forma que, como no caso, uma empresa comunitária os pode considerar uma única operação económica e apresenta uma proposta para toda a operação. A Comissão indicou que essa interpretação correspondia ao objetivo da Diretiva 93/38, que é cuidar que as empresas de outros Estados‑Membros possam responder aos concursos, quando nisso tiverem interesse, por razões objetivas ligadas ao valor dos contratos. Essa empresa poderia ter desejado ser informada do valor de todos os lotes que compunham a empreitada, mesmo que não tivesse condições para os executar todos. A Comissão acrescentou que era a única possibilidade de avaliar o âmbito exato do contrato e de ajustar os preços de acordo com o número de lotes para os quais se previa a possibilidade de apresentar propostas.

23      A Comissão concluiu, no considerando 26 da decisão recorrida, que os oito projetos da fase SPWS, em conjunto, e os quatro projetos da fase FIMMA 97, em conjunto, desempenhavam uma função económica e técnica e que, assim, as autoridades espanholas tinham fracionado artificialmente os trabalhos de manutenção, alargamento e reabilitação da rede de esgotos e de tratamento das águas residuais existente. Precisou que essa conclusão se baseava na semelhança entre as descrições dos trabalhos e nas semelhanças entre os avisos de contrato, a execução do processo e a coordenação global pela mesma entidade contratante e ainda pelo facto de os trabalhos terem sido realizados numa única zona geográfica.

[omissis]

 Tramitação do processo e pedidos das partes

28      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 3 de setembro de 2008, o Reino de Espanha interpôs o presente recurso.

29      Em 30 de novembro de 2010, o presente processo foi distribuído a um novo juiz‑relator da Segunda Secção. Na sequência de alteração da composição das Secções do Tribunal Geral, o juiz‑relator foi afetado à Oitava Secção, à qual o presente processo foi, por conseguinte, distribuído.

30      Com base no relatório do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Oitava Secção) deu início à fase oral. Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal Geral na audiência de 28 de novembro de 2012.

31      O Reino de Espanha conclui pedindo que o Tribunal se digne:

―        anular a decisão recorrida;

―        condenar a Comissão Europeia nas despesas.

32      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

―        negar provimento ao recurso na íntegra;

―        condenar o Reino de Espanha nas despesas.

 Questão de direito

[omissis]

 1. Quanto ao primeiro fundamento, relativo a erros de direito e erros manifestos de apreciação na aplicação do artigo H do Anexo II relativo às correções financeiras do Regulamento n.° 1164/94, em conjugação com o artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38

[omissis]

35      A título preliminar, refira‑se que, na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal, o Reino de Espanha precisou que, com o primeiro fundamento, invocava a violação do artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38, disposição que se deve ler em conjugação com o artigo 14.°, n.° 10, da Diretiva 93/38. Isto ficou registado na ata da audiência.

36      Por outro lado, o Reino de Espanha alega que a Comissão cometeu um erro de direito e um grave erro de apreciação na decisão recorrida ao afirmar a existência de uma infração às disposições da Diretiva 93/38. Alega que, apesar de o ónus da prova ser da Comissão, é útil fazer uma breve análise dos contratos objeto da presente lide segundo os critérios definidos pelo Tribunal de Justiça, a fim de demonstrar que não estava preenchida nenhuma da condições que permitem concluir pela existência de uma única obra. Não se pode deixar de observar que, com o presente recurso, o Reino de Espanha contesta tanto a definição pela Comissão das condições de aplicação do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, e do artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38 como a sua aplicação aos contratos em causa na decisão recorrida. Portanto, há que analisar se a Comissão concluiu erradamente pela violação das referidas disposições na decisão recorrida, o que cabe ao Reino de Espanha demonstrar em juízo.

[omissis]

 Quanto à primeira parte, relativa a erro manifesto de apreciação da Comissão no que respeita ao conceito de obra

38      Segundo o Reino de Espanha, a Comissão concluiu erradamente que o município de Saragoça tinha violado as disposições da Diretiva 93/38 ao fracionar os contratos em causa e ao não publicar qualquer aviso no Jornal Oficial. Entende infundadas as afirmações da Comissão no considerando 8, segundo parágrafo, no considerando 9, no considerando 23, alínea b), e no considerando 24 da decisão recorrida.

39      Em primeiro lugar, o Reino de Espanha alega que, para apreciar se um projeto é suscetível de conter várias obras distintas, há que efetuar, à luz da redação das disposições da Diretiva 93/38 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça, uma análise sob uma tripla perspetiva: técnico‑económica, geográfica e temporal.

40      Em segundo lugar, o Reino de Espanha invoca o caráter errado da aplicação desses critérios no presente caso. A Comissão não realizou qualquer análise objetiva das obras sob essa «tripla perspetiva», mas parece ter utilizado critérios um pouco particulares para determinar a infração das autoridades espanholas, tais como a capacidade dos proponentes potenciais ou a utilidade para eles de efetuarem alguns ou todos os contratos simultaneamente (considerando 9 da decisão recorrida). Além disso, o exame técnico‑económico não tem qualquer rigor técnico.

41      Na decisão recorrida, a Comissão considerou que as autoridades espanholas tinham cometido uma violação do artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38, lido em conjugação com os n.os 1 e 10 desse artigo, fracionando, por um lado, oito contratos da fase SPWS e, por outro, nomeadamente, quatro contratos da fase FIMMA 97. Depois de ter recordado, no considerando 23, alínea b), da decisão recorrida, a definição de obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38, aplicou‑a aos contratos controvertidos nos considerandos 24 a 26 da decisão recorrida.

[omissis]

 Quanto ao conceito de obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 na decisão recorrida

43      Segundo o seu artigo 14.°, n.° 1, alínea c), a Diretiva 93/38 aplica‑se aos contratos de valor, sem IVA, estimado igual ou superior a 5 milhões de euros no que respeita aos contratos de empreitada. Nos termos do artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38, «[a]s entidades adjudicantes não podem subtrair‑se à aplicação da presente diretiva através da cisão dos contratos ou da utilização de métodos especiais de cálculo do valor dos contratos».

44      Além disso, nos termos do artigo 14.°, n.° 10, da Diretiva 93/38, «[p]ara efeitos de aplicação do n.° 1, o valor de um contrato de empreitada deve ser calculado com base no valor total da obra», sendo o conceito de obra definido, no primeiro parágrafo dessa disposição, como «[o] resultado de um conjunto de trabalhos de construção ou engenharia civil, destinado a desempenhar, por si só, uma função económica e técnica».

45      Em primeiro lugar, refira‑se, à semelhança do Reino de Espanha e da Comissão, que o Tribunal de Justiça interpretou o artigo 14.°, n.os 10 e 13, da Diretiva 93/38 no acórdão de 5 de outubro de 2000, Comissão/França (C‑16/98, Colet., p. I‑8315). Nesse acórdão, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38 «exprime, em concreto, as obrigações que decorrem para as entidades adjudicantes do artigo 14.º, n.º 10, primeiro parágrafo, da [Diretiva 93/38] e deve, portanto, ser tomad[o] em consideração juntamente com este último a fim de apurar se estamos perante a cisão de uma obra» (n.° 31). Por outro lado, segundo o Tribunal de Justiça, «resulta da definição de obra que figura no artigo 14.º, n.º 10, primeiro parágrafo, segundo período, da [Diretiva 93/38] que a existência de uma obra deve ser apreciada relativamente às funções económica e técnica do resultado dos trabalhos em causa» (n.° 36).

46      Resulta desse acórdão que o Tribunal de Justiça, para apreciar se esses trabalhos estavam ligados entre si de forma a serem considerados uma obra única na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38, seguiu uma abordagem funcional (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de março de 2012, Comissão/Alemanha, C‑574/10, não publicado na Coletânea, n.° 37). O Tribunal de Justiça seguiu dois critérios, o critério da função económica e o da função técnica do resultado dos trabalhos.

47      Há que observar que, em consonância com o acórdão Comissão/França, já referido, a Comissão indicou na decisão recorrida que se devia aplicar os critérios da função económica e da função técnica do resultado dos trabalhos para a definição de obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 (considerandos 23 e 24). Depois de recordar os termos dessa disposição no considerando 23 da decisão recorrida, a Comissão referiu, assim, no considerando 24, que «[a] descrição do trabalho a executar na rede de esgotos e de tratamento das águas residuais era semelhante e os trabalhos deviam preencher a mesma função económica e técnica», que «[o] presente caso se refere a uma série de trabalhos específicos de manutenção, de alargamento e de reabilitação da rede de esgotos e de tratamento das águas residuais existente, cujo resultado, uma vez terminado, deveria ser a melhoria global da rede para os utilizadores finais» e que «[a] diferença entre os diferentes tipos de trabalhos [não é] técnica ou económica».

48      Assim, sem que seja necessário conhecer da questão suscitada pela Comissão, saber se os critérios da função económica e da função técnica do resultado dos trabalhos para efeitos de definir uma obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 são cumulativos, há que referir que, ao invés das alegações do Reino de Espanha, a Comissão não cometeu qualquer erro na decisão recorrida ao identificar os critérios da função económica e da função técnica do resultado dos trabalhos que devem ser aplicados para se definir uma obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38.

49      Em segundo lugar, o Reino de Espanha alega que a análise dos contratos controvertidos deveria ser feita utilizando igualmente os critérios geográfico e temporal.

50      A este respeito, refira‑se que, no acórdão Comissão/França, já referido, o Tribunal de Justiça utilizou os critérios da função técnica e económica do resultado dos trabalhos para definir uma obra única (n.os 49 a 56). Em seguida, precisou, no n.° 65, que «cada caso de adjudicação de uma empreitada deve ser apreciado em função do seu contexto e das suas particularidades». O Tribunal de Justiça acrescentou que, na situação que deu origem a esse acórdão, «[existiam] elementos importantes, como a simultaneidade do lançamento das empreitadas controvertidas, a semelhança entre os anúncios de concurso, a unidade do quadro geográfico no interior do qual essas empreitadas foram lançadas e a coordenação assegurada pelo […] organismo que re[unia] os serviços [intermunicipais] de eletrificação a nível departamental, que milita[vam] a favor do agrupamento das referidas empreitadas a es[s]e nível».

51      O Tribunal de Justiça tomou, assim, em conta, no acórdão Comissão/França, já referido, um elemento geográfico para verificar se subsistia o caráter unitário da função técnica e económica dos trabalhos para as diferentes redes locais, quer de distribuição de eletricidade (n.os 64 e 65) quer de iluminação pública (n.os 69 e 70), numa zona geográfica mais ampla e que essas redes locais podiam, portanto, ser reunidas numa rede única, com base na possibilidade de interconexão entre essas redes locais.

52      Quanto ao aspeto temporal, o Tribunal de Justiça mencionou, no acórdão Comissão/França, já referido, «a simultaneidade do lançamento das empreitadas controvertidas» (n.° 65).

53      Há que considerar que os aspetos geográfico e temporal não constituem critérios destinados a definir uma obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38, constituindo sim elementos necessários para corroborar a existência dessa obra, pois só os trabalhos que se situem num âmbito geográfico e temporal determinado podem ser considerados uma obra única.

54      Note‑se que, na decisão recorrida, a Comissão refere o elemento geográfico (considerandos 24 e 26 da decisão recorrida) e o elemento temporal com base no agrupamento de contratos relativos a projetos integrados numa mesma fase, ou na fase SPWS ou na fase FIMMA 97. Assim, a Comissão não cometeu qualquer erro ao proceder a uma análise dos contratos controvertidos mediante a aplicação dos elementos geográfico e temporal, sem os considerar critérios funcionais para definir as obras em causa.

55      Em terceiro lugar, segundo o Reino de Espanha, a Comissão parece ter utilizado critérios um pouco particulares para determinar a infração das autoridades espanholas, como a capacidade dos proponentes potenciais ou a utilidade para eles de efetuarem alguns ou todos os contratos simultaneamente (considerando 9 da decisão recorrida).

56      Na decisão recorrida, a Comissão mencionou efetivamente certos elementos sobre os potenciais proponentes na parte relativa à avaliação inicial (considerando 9).

57      A este respeito, no acórdão Comissão/França, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que a definição de obra no artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 não sujeita a existência de uma obra à reunião de elementos como o número de entidades adjudicantes ou a possibilidade de realização de todos os trabalhos por uma única empresa (n.° 43). Referiu que, embora a existência de uma única e mesma entidade adjudicante e a possibilidade de uma empresa da União realizar todos os trabalhos previstos nos contratos em causa possam, consoante as circunstâncias, constituir indícios da existência de uma obra na aceção da diretiva, em contrapartida, não podem constituir critérios determinantes a esse respeito. Acrescentou que «a pluralidade de entidades adjudicantes e a impossibilidade de realização do conjunto dos trabalhos por uma única empresa não são suscetíveis de pôr em causa a existência de uma obra quando esta conclusão se impõe em aplicação dos critérios funcionais definidos no artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, segundo período, da diretiva» (n.° 42).

58      Assim, resulta do acórdão Comissão/França, já referido, que a utilização de certos elementos, nomeadamente relativos aos potenciais proponentes, é possível, mas que não podem ser determinantes nem pôr em causa a conclusão da existência de uma obra com base na reunião dos critérios da função técnica e da função económica do resultado dos trabalhos.

59      Por conseguinte, há que analisar a aplicação desses critérios aos contratos em causa na decisão recorrida e apreciar se a Comissão os considerou acertadamente preenchidos para concluir pela existência de duas obras. Seguidamente, há que analisar de que forma foram tidos em consideração.

 Quanto à aplicação do conceito de obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 aos contratos controvertidos na decisão recorrida

60      O Reino de Espanha invoca a falta de uma análise objetiva das obras na perspetiva técnico‑económica, geográfico e temporal, o caráter errado da aplicação desses critérios ao presente caso e a aplicação de critérios particulares.

61      A Comissão entendeu, na decisão recorrida, que existiam dois grupos de obras constituídos, por um lado, de oito projetos da fase SPWS [(considerando 24, alínea a)] e, por outro, de quatro projetos da fase FIMMA 97 [(considerando 24, alínea b)]. Por conseguinte, convém examinar sucessivamente cada um desses dois grupos.

 — Quanto aos oito contratos controvertidos da fase SPWS

62      O Reino de Espanha invoca falta de rigor por parte da Comissão na apreciação técnico‑económica e procede a uma análise, nos planos técnico e económico, dos oito contratos controvertidos da fase SPWS, acima referidos no n.° 14, relativos a seis coletores de águas residuais, um escoadouro de águas pluviais e uma rede secundária de coletores, que afirma constituírem projetos independentes.

63      Em primeiro lugar, quanto à função técnica desses trabalhos, o Reino de Espanha alega que é diferente para cada um dos projetos em causa.

64      Contudo, a análise da Comissão não consistiu em examinar os diferentes trabalhos previstos nos contratos controvertidos de forma independente e apreciar a sua função técnica própria, como defende o Reino de Espanha, mas analisou, de acordo com a jurisprudência acima referida no n.° 45, se o resultado dos trabalhos apresentava a mesma função técnica.

65      Desse modo, a Comissão considerou que se tratava de trabalhos cujo resultado era o melhoramento global da rede de saneamento e que se destinavam a desempenhar a mesma função técnica (considerando 24 da decisão recorrida).

66      Por um lado, refira‑se que, quanto aos seis coletores e à rede secundária de coletores, todos recolhem águas residuais para a sua gestão no âmbito da rede de saneamento.

67      Por outro lado, quanto ao escoadouro de águas pluviais, o Reino de Espanha alega que este apresenta uma função técnica diferente, que não consiste em gerir ou tratar águas residuais, mas em evitar que ocorram inundações no caso de chuva excessiva. Contudo, não alega que, no caso, esse escoadouro não participa, com os coletores e a rede secundária de coletores, na função técnica da rede de saneamento. Como salienta acertadamente a Comissão, esse escoadouro serve para evitar o aumento inútil do volume de água a tratar por uma estação de tratamento e para limitar a poluição das águas recetoras pelas sobrecargas resultantes de chuvas abundantes, assim contribuindo para uma melhor gestão das águas residuais. Além disso, o Reino de Espanha alega que o escoadouro em causa não trata de águas residuais, mas não afirma que não descarregue águas residuais. Precisa que não é possível fazer uma separação estrita entre as águas pluviais, que passam pelo escoadouro em causa, e as águas residuais, que passam pelos coletores. Há que observar que o escoadouro em causa descarrega águas pluviais e águas residuais para aliviar os coletores de águas residuais e permitir um melhor funcionamento da rede de saneamento.

68      A este respeito, refira‑se que as autoridades espanholas indicaram, em resposta ao questionário do pedido de apoio apresentado em 1996, que o objetivo do projeto de saneamento consistia na construção de uma série de coletores destinados a completar a zona que conduzia as águas residuais à estação de tratamento de la Almozara. Refere‑se igualmente que estava prevista a construção de um escoadouro das cheias, que descarregaria no rio Ebro as águas pluviais que um coletor não pudesse encaminhar, unicamente nos momentos de forte chuva e com um adequado grau de diluição das águas residuais. Por último, precisa‑se que o objeto principal de todos os projetos era «sanear as estruturas obsoletas existentes e corrigir as deficiências do sistema, dotando o município de uma rede de esgotos capaz de encaminhar as águas residuais para os coletores principais, assim evitando as inundações, as fugas para os lençóis freáticos e as descargas descontroladas de águas residuais». A mesma descrição desse objeto principal é retomada na decisão de 1996, na ficha sinóptica em anexo, resumindo o projeto. Daí resulta que, segundo o próprio Reino de Espanha, existe uma ligação, no âmbito da rede de saneamento, entre o transporte das águas residuais e a prevenção de inundações através do escoadouro.

69      Há que concluir que os oito projetos não são independentes, como alega o Reino de Espanha, mas que pertencem todos ao mesmo projeto relativo à rede de saneamento, que, segundo o questionário do pedido de apoio apresentado em 1996 e a ficha sinóptica anexa à decisão de 1996, é a constituição de uma rede de esgotos capaz de encaminhar as águas residuais para os coletores principais, assim evitando as inundações, as fugas para os lençóis freáticos e as descargas descontroladas de águas residuais. Como acertadamente entendeu a Comissão, os trabalhos em causa da fase SPWS prosseguiram um objetivo parecido, que é o de fornecer ou renovar o sistema de esgotos em diferentes setores, incluindo a instalação de coletores de águas residuais e de escoadouros [considerando 24, alínea a), da decisão recorrida]. Constituem assim efetivamente uma série de trabalhos, cujo resultado é a melhoria global da rede de saneamento para os utilizadores finais (considerando 24 da decisão recorrida). De acordo com o artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 e com o acórdão Comissão/França, já referido, o resultado dessa série de trabalhos destina‑se a desempenhar por si mesmo uma função técnica, que é o saneamento das águas residuais.

70      Esta conclusão não é posta em causa pela argumentação do Reino de Espanha segundo a qual a Diretiva 93/38 não é aplicável aos escoadouros na medida em que estes não se destinam à evacuação das águas residuais. Por um lado, como já se referiu (v. n.° 67 supra), é errado afirmar que o escoadouro em causa só descarrega águas pluviais. Por outro, como alega acertadamente a Comissão, há que considerar que o âmbito de aplicação do artigo 6.°, n.° 2, alínea b), da Diretiva 93/38 não se limita às instalações que escoam ou tratam diretamente das águas residuais, mas que essa disposição se aplica aos contratos que «estão ligados ao escoamento ou au tratamento das águas residuais», o que inclui os escoadouros.

71      Além disso, há que rejeitar a argumentação do Reino de Espanha no sentido de contestar a argumentação da Comissão de que a equiparação a uma obra única de uma série de ações relativas a diferentes tipos de coletores de águas residuais urbanas é corroborada pela Diretiva 91/271/CEE do Conselho, de 21 de maio de 1991, relativa ao tratamento de águas residuais urbanas (JO L 135, p. 40). Com efeito, a diretiva respeita, nomeadamente, à recolha, tratamento e descarga de águas residuais urbanas, que define no seu artigo 2.°, n.° 1, incluindo as águas de escoamento pluvial. Por outro lado, mesmo admitindo que a diretiva individualizasse o regime aplicável às estações de tratamento das águas, o Reino de Espanha não explica a consequência a extrair quanto aos projetos em causa, nenhum dos quais é relativo a uma estação de tratamento de águas.

72      Em segundo lugar, o Reino de Espanha contesta a identidade das funções económicas dos projetos em causa. As águas pluviais não estão sujeitas à taxa específica sobre os serviços de saneamento das águas residuais, cobrada pelo município de Saragoça. Com efeito, não se pode cobrar uma taxa ou um imposto individualizados pelo escoadouro de águas pluviais. Além disso, em resposta à Comissão, o Reino de Espanha alega que, mesmo que essa taxa específica seja destinada a financiar os custos de exploração da rede, continua a ser insuficiente e exige injeções do orçamento do município. Isso implica que, embora a gestão das águas residuais seja efetivamente coberta em parte pelas receitas da taxa, as infraestruturas da rede destinadas à recolha e ao tratamento das águas pluviais devem ser financiadas por meio de fundos públicos. Existe uma diferença essencial entre a taxa para o tratamento de águas residuais e o pagamento de um serviço público prestado pelos escoadouros de águas pluviais, o que demonstra a inexistência de qualquer identidade no plano económico. Com efeito, a taxa pelo tratamento das águas residuais é fixada em função das emissões efetivas de resíduos de cada agregado familiar, isto é, uma taxa individualizada em função do consumo de cada sujeito passivo, ao passo que o pagamento do serviço público prestado pelos escoadouros de águas pluviais poderá eventualmente ser repercutido na população, mas sem se modular os montantes exigidos em função da utilidade retirada pelas pessoas em causa.

73      Na decisão recorrida, a Comissão considerou que, no plano económico, «os utilizadores finais [deviam] pagar ao prestador de serviços pelo que utilizam» (considerando 24).

[omissis]

75      Primeiro, na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal, o Reino de Espanha confirmou que a taxa de saneamento específica sobre os serviços de saneamento das águas residuais cobrada pelo município de Saragoça, a que se refere na petição, estava prevista no artigo 2.° do capítulo 2, intitulado «Serviço de saneamento de águas residuais», do regulamento fiscal n.° 24.25 do município de Saragoça relativo à taxa sobre os serviços de aprovisionamento de água potável e de saneamento das águas residuais, artigo esse que é citado pela Comissão nos seus articulados. Por força dessa disposição, «[o] facto tributário dessa taxa corresponde à prestação do serviço de saneamento das águas residuais quando se trata de águas pluviais e/ou residuais recolhidas nos coletores e canalizações de propriedade ou de manutenção municipal, uma vez que é então o município de Saragoça quem assume a gestão dessas águas, incluindo os custos inerentes ao seu transporte, ao seu tratamento e à sua descarga nos cursos de água naturais nas condições previstas nas autorizações de descarga passadas pela Confederação Hidrográfica do Ebro». Resulta dessa disposição que a mesma não procede a uma distinção entre as águas residuais e as águas pluviais.

76      Segundo, não se pode deixar de observar que a argumentação do Reino de Espanha relativa ao financiamento das infraestruturas da rede destinadas à recolha e ao tratamento das águas pluviais não tem fundamento, limitando‑se o Reino de Espanha a alegar que essas infraestruturas devem ser financiadas através de fundos públicos. Por outro lado, o Reino de Espanha não apresentou quaisquer elementos suscetíveis de demonstrar que essas infraestruturas não são financiadas, mesmo parcialmente, pela taxa especial de saneamento.

77      Por conseguinte, há que concluir que os trabalhos em causa da fase SPWS constituem elementos de um conjunto cujo resultado se destina a preencher por si próprio uma função económica.

78      Em face do exposto, há que considerar que o Reino de Espanha não demonstrou que a Comissão cometeu um erro ao concluir, no considerando 26 da decisão recorrida, que os trabalhos em causa da fase SPWS se destinavam a preencher uma mesma função técnica e económica na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38.

 — Quanto aos quatro contratos controvertidos da fase FIMMA 97

79      O Reino de Espanha invoca uma falta de rigor por parte da Comissão na análise técnico‑económica e procede a uma apreciação, nos planos técnico e económico, dos quatro contratos controvertidos da fase FIMMA 97, acima mencionados no n.° 15, a respeito de uma unidade de tratamento de lamas, um coletor de conexão e coletores, incluindo os do rio Gállego. Seguidamente, procede a uma análise dos contratos dessa fase e conclui que cada projeto deve ser considerado independente dos outros e que não era necessária a publicação dos avisos de contratos no Jornal Oficial.

80      Em primeiro lugar, quanto à função técnica dos projetos da fase FIMMA 97, a Comissão considerou na decisão recorrida que os quatro projetos constituíam uma única obra, o que contesta o Reino de Espanha.

81      Segundo o questionário do pedido de apoio apresentado em 1997, os projetos da fase FIMMA 97 prosseguiam três objetivos distintos. Ora, refira‑se, como faz a Comissão, que os quatro projetos controvertidos dessa fase pertenciam ao mesmo grupo, prosseguindo o mesmo objetivo, que era a «eliminação dos resíduos de águas residuais não tratadas».

82      Quanto ao coletor de conexão, o Reino de Espanha alega que «a sua função não é, como a dos outros coletores, recolher e transportar as águas residuais ou pluviais, respetivamente, para as estações de tratamento ou para os escoadouros», mas indica que, com esse coletor de conexão, «se tenta atenuar os desequilíbrios em matéria de estruturas de saneamento devidos ao crescimento assimétrico da cidade de Saragoça». Assim, ao invés do que alega o Reino de Espanha, é errado afirmar que o coletor de conexão entre as duas estações de tratamento é uma «infraestrutura totalmente independente dos outros coletores», na medida em que esse coletor se integra na rede de saneamento da cidade de Saragoça. O Reino de Espanha distingue assim a função técnica de cada um dos projetos, sem tomar em consideração o facto de se tratar de um conjunto de trabalhos, cujo resultado é a melhoria global da rede de saneamento para os utilizadores finais (considerando 24 da decisão recorrida) e se destina a desempenhar por si própria uma função técnica, que é o saneamento das águas residuais.

83      Com efeito, quanto à unidade de tratamento de lamas, o Reino de Espanha alega que, diferentemente dos coletores, não tem por função transportar águas pluviais ou residuais, mas evitar a descarga de lamas resultantes do processo de potabilização da água para efeitos de consumo pessoal, comercial ou industrial de toda a cidade no rio Huerva. Contudo, não se trata de determinar se a unidade de tratamento de lamas tem, por si própria, uma função técnica diferente da de um coletor, mas de analisar se, à luz do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38, os coletores e a unidade de tratamento de lamas pertencem a um conjunto de trabalhos cujo resultado tenha uma função técnica comum, que é o saneamento das águas residuais. Ora, o Reino de Espanha não nega que as unidades de tratamento de lamas contribuem para o saneamento das águas residuais da cidade de Saragoça.

84      Além disso, há que rejeitar o argumento do Reino de Espanha de que o perfil do proponente para o contrato relativo a um coletor é completamente diferente do relativo a um contrato e respeitante a uma unidade de tratamento de lamas, na medida em que não se trata de um dos critérios que permitem qualificar uma obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38.

85      Por último, o Reino de Espanha contesta o argumento da Comissão de que existe uma equivalência, no plano técnico, entre os coletores e as estações de tratamento de lamas, as quais têm caráter acessório relativamente ao tratamento das águas residuais. A este respeito, alega que, no caso, se trata de uma unidade de tratamento de lamas provenientes de uma unidade de potabilização de água, e não de uma estação de tratamento. Contudo, não se pode deixar de observar que o Reino de Espanha não explica a razão pela qual o facto de se tratar de uma unidade de tratamento de lamas como essa implica que não participe acessoriamente no tratamento das águas residuais, na medida em que essa unidade prossegue o objetivo de eliminação de emissões de águas residuais não tratadas, conforme precisa o questionário do pedido de financiamento apresentado em 1997.

[omissis]

87      Há que concluir que os quatro projetos não são independentes, como alega o Reino de Espanha, mas que pertencem todos ao mesmo projeto relativo à rede de saneamento. Como a Comissão acertadamente entendeu, os trabalhos em causa da fase FIMMA 97 prosseguiram um objetivo parecido, que é o de instalar coletores ao longo dos rios Huerva e Gállego, para servir as zonas que ainda enviam os efluentes diretamente para os rios, e de reparar as duas instalações de tratamento das águas residuais para as quais estas são encaminhadas [considerando 24, alínea b), da decisão recorrida]. Constituem assim uma série de trabalhos, cujo resultado é a melhoria global da rede de saneamento para os utilizadores finais (considerando 24 da decisão recorrida). De acordo com o artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 e com o acórdão Comissão/França, já referido, o resultado dessa série de trabalhos destina‑se a desempenhar por si próprio uma função técnica, o saneamento das águas residuais.

[omissis]

89      Em face do exposto, há que considerar que o Reino de Espanha não demonstrou que a Comissão tinha cometido um erro ao afirmar, no considerando 26 da decisão recorrida, que os trabalhos em causa da fase FIMMA 97 se destinavam a desempenhar uma mesma função técnica e económica na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38.

 — Conclusões

90      Portanto, quanto aos projetos em causa das fases SPWS e FIMMA 97, o Reino de Espanha não demonstrou que a Comissão tinha concluído erradamente, no considerando 26 da decisão recorrida, que esses projetos formavam, relativamente a cada uma das duas fases, uma obra fracionada artificialmente na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, e n.° 13, da Diretiva 93/38. Com efeito, por analogia com a situação que deu origem ao acórdão Comissão/França, já referido, os projetos em causa consistem em duas séries de trabalhos pontuais relativos à rede de saneamento existente e cujo resultado, uma vez terminados os trabalhos, faz parte integrante da função desempenhada por essa rede.

91      Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos do Reino de Espanha relativos aos outros critérios que invoca, isto é, os elementos geográfico e temporal, ou aos que teriam sido utilizados erradamente pela Comissão na decisão recorrida.

92      Em primeiro lugar, quanto aos aspetos geográfico e temporal, há que recordar que, segundo o artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 e sua interpretação pelo Tribunal de Justiça no acórdão Comissão/França, já referido, não são em si mesmos critérios resultantes do texto, ou mesmo da jurisprudência (v. n.° 53 supra).

93      Primeiro, quanto ao aspeto geográfico, a Comissão indicou na decisão recorrida, no considerando 24, que, «no que respeitava aos oito projetos [da fase] SPWS, […], a única diferença [era] o facto de [os trabalhos terem] sido efetuados em setores geograficamente diferenciados» e que, «no que respeitava aos quatro projetos [da fase FIMMA 97], a única diferença [era] o facto de [os trabalhos terem] sido efetuados em setores geograficamente diferenciados». A Comissão acrescentou, no considerando 26, que «os trabalhos [tinham] sido realizados numa única zona geográfica».

94      A este respeito, o Reino de Espanha invoca a existência de uma contradição na decisão recorrida, relativa ao facto de a Comissão ter afirmado de forma paradoxal simultaneamente a existência de uma dispersão geográfica e de uma única zona geográfica. Não se pode deixar de observar, porém, que o Reino de Espanha procede à mesma afirmação ao alegar que, «apesar de [as obras em causa] serem relativas a um único território, eram consideravelmente distantes umas das outras e desligadas do ponto de vista geográfico».

95      O Reino de Espanha invoca na realidade a inexistência de uma ligação física entre os trabalhos previstos nos projetos em causa, que impediria a Comissão de concluir pela existência de duas obras. Contudo, admitindo demonstrada essa inexistência de ligação física, não deixa de ser verdade que os diversos trabalhos fazem parte integrante da função desempenhada pela rede de saneamento da cidade de Saragoça, o que permite considerar que fazem parte da mesma obra. Assim, pouco importa que esses trabalhos estejam dispersos na rede, e não diretamente ligados fisicamente, na medida em que, como afirma a Comissão, sem impugnação do Reino de Espanha, se situam no interior da zona coberta pela rede de esgotos e de coletores gerida pelo município de Saragoça. Por conseguinte, como mencionou a Comissão na decisão recorrida, mesmo que sejam «efetuados em setores geograficamente diferenciados», são‑no «numa única zona geográfica». Não colhe, portanto, a argumentação do Reino de Espanha relativa a uma alegada contradição a esse respeito na decisão recorrida.

96      O argumento do Reino de Espanha que estabelece um paralelismo com a situação analisada do acórdão Comissão/França, já referido, deve, portanto, ser rejeitado. O Reino de Espanha não apresentou nenhum elemento suscetível de demonstrar que os contratos controvertidos respeitavam a redes de saneamento diferentes e sobre as quais se deveria analisar se poderiam ser agrupadas.

97      Por último, em resposta ao argumento da Comissão de que a Diretiva 91/271 utiliza o aglomerado como quadro geográfico de referência, o Reino de Espanha alega que essa referência é irrelevante para definir uma obra na aceção da regulamentação dos contratos públicos. O facto de essa diretiva utilizar a aglomeração como quadro geográfico de referência tem um sentido no âmbito do tratamento das águas residuais e da proteção da saúde pública. A este respeito, há que considerar que, na medida em que o resultado dos diversos trabalhos faz parte integrante da função desempenhada pela rede de saneamento da cidade de Saragoça, é a cobertura dessa rede que constitui a zona geográfica relevante, quer esteja ligada ao aglomerado urbano quer ao território municipal.

98      Assim, há que concluir que a argumentação do Reino de Espanha não colhe quanto à aplicação de um alegado critério geográfico que deveria ter levado a Comissão a considerar, na decisão recorrida, que os projetos em causa não constituíam duas obras na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38.

99      Segundo, quanto ao aspeto temporal, a Comissão teve em conta, na decisão recorrida, dois grupos de projetos, um para a fase SPWS e o outro para a fase FIMMA 97.

100    A este respeito, admitindo que o Reino de Espanha tenha interesse em contestar essa divisão em duas decisões, não colhe a sua argumentação de que não era possível definir dois grupos simplesmente tendo em conta o facto de os projetos terem sido aprovados em duas decisões diferentes. Com efeito, como alega a Comissão, o facto de esta ter tido em conta dois grupos de projetos resulta de uma aplicação do elemento temporal, uma vez que o agrupamento dos trabalhos estava ligado à sua pertença a duas fases, temporalmente distintas, do plano de saneamento de Saragoça.

101    Por outro lado, o Reino de Espanha põe em causa o facto de os projetos controvertidos poderem ser considerados integrados na mesma unidade de tempo, dentro de cada uma das duas fases. Contesta a análise a posteriori da Comissão, que entende não ter refutado, no procedimento administrativo, o argumento do Reino de Espanha de os contratos terem sido celebrados durante um período de catorze meses na fase SPWS e de vinte meses na fase FIMMA 97.

102    Como já se precisou (v. n.os 50, 52 e 53 supra), o Tribunal de Justiça, no acórdão Comissão/França, já referido, não definiu um critério temporal, mas tomou em consideração o aspeto temporal como um elemento de apreciação. Refira‑se que o Tribunal de Justiça não menciona a existência de uma unidade temporal, mas sim a «simultaneidade do lançamento das empreitadas controvertidas», enquanto, como alega a Comissão, o advogado geral F. G. Jacobs, nas suas conclusões no processo que deu origem ao acórdão Comissão/França, já referido (Colet., pp. I‑8341, I‑8318), se referiu a um «período determinado» (n.° 72).

103    No caso, como acertadamente refere a Comissão, os concursos foram publicados no mesmo período de tempo relativamente a cada um dos grupos de projetos em causa. Assim, sete dos oito contratos da fase SPWS foram publicados em menos de cinco meses, entre 29 de julho de 1997 e 17 de dezembro de 1997, tendo cinco deles sido publicados em duas datas, e um em 24 de julho de 1998, mas com um prazo de execução de quatro meses. Quanto aos quatro contratos da fase FIMMA 97, os concursos foram publicados em menos de sete meses, entre 13 de novembro de 1998 e 9 de junho de 1999.

[omissis]

107    Em conclusão, não colhe a argumentação do Reino de Espanha quanto à existência de um alegado critério temporal, cuja aplicação no caso permitisse considerar que a Comissão concluiu erradamente, na decisão recorrida, pela existência de duas obras.

108    Em segundo lugar, o Reino de Espanha alega que, na decisão recorrida, a Comissão se baseou em critérios um pouco particulares para determinar a infração das autoridades espanholas, tais como a capacidade dos potenciais proponentes ou a utilidade para eles de efetuarem alguns ou todos os contratos ao mesmo tempo (considerando 9 da decisão recorrida).

109    Na decisão recorrida, a Comissão mencionou efetivamente certos elementos relativos aos potenciais proponentes na parte relativa à avaliação inicial (considerando 9). Mencionou‑os igualmente na avaliação final (considerando 25), utilizando, porém, uma formulação diferente.

110    Contudo, resulta dos considerandos 24 e 26 da decisão recorrida que a Comissão concluiu pela existência de duas obras na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 por estarem reunidos os critérios funcionais técnico e económico. Assim, os elementos mencionados no considerando 25 da decisão recorrida apenas vieram confirmar uma conclusão baseada nesses critérios funcionais. Por conseguinte, a menção desses elementos não é suscetível de pôr em causa a legalidade da decisão recorrida.

111    Por acréscimo, refira‑se que, quanto às referências aos potenciais proponentes, no considerando 25 da decisão recorrida, o Tribunal de Justiça precisou, no acórdão Comissão/França, já referido, n.° 42, que «a possibilidade de uma empresa da Comunidade realizar o conjunto dos trabalhos abrangidos pelas empreitadas em causa» pode constituir um indício da existência de uma obra na aceção da Diretiva 93/38.

112    Por outro lado, no considerando 25 da decisão recorrida, a Comissão mencionou o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/38. Ora, essa disposição proíbe qualquer discriminação entre os proponentes, protegendo igualmente os que foram dissuadidos de concorrer, por estarem em desvantagem no procedimento seguido pela entidade adjudicante (acórdão Comissão/França, já referido, n.° 109). Os elementos relativos aos potenciais proponentes, no considerando 25 da decisão recorrida, são, portanto, mencionados igualmente tendo em conta o artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 93/38.

113    Em face das considerações expostas, há que concluir que o Reino de Espanha não demonstrou que a Comissão tinha cometido um erro na decisão recorrida, tanto no que respeita à definição dos critérios que permitiam qualificar uma obra na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 como no que respeita à sua aplicação ao caso. Com efeito, as duas empreitadas em causa constituem duas séries de trabalhos pontuais na rede de saneamento de Saragoça e cujo resultado, após o termo dos trabalhos, faz parte integrante da função desempenhada por essa rede. Assim, o Reino de Espanha não demonstrou que a Comissão tinha concluído erradamente pela existência de duas obras, uma para a fase SPWS e a outra para a fase FIMMA 97.

114    Por conseguinte, há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda parte, relativa a erro manifesto de apreciação da Comissão quanto à existência de um caráter intencional

115    O Reino de Espanha alega, no essencial, que a violação do artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38 pressupõe uma intenção cuja prova cabe à Comissão. Entende, a este respeito, que há que tomar unicamente em consideração a regulamentação relativa aos contratos públicos, e não o Regulamento n.° 1164/94. Afirma ainda que a Comissão não fez prova dessa intenção. De qualquer forma, o Reino de Espanha afirma ter agido com transparência e com toda a boa‑fé e em plena cooperação com a Comissão em todo o procedimento.

116    No caso, com a decisão recorrida, a Comissão considerou que as autoridades espanholas tinham violado o artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38 e impôs uma correção financeira ao Reino de Espanha, de acordo com o artigo H do Anexo II do Regulamento n.° 1164/94.

117    Como acertadamente alega o Reino de Espanha, o advogado‑geral F. G. Jacobs, nas suas conclusões no processo Comissão/França, já referidas, tinha sustentado que a redação do artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38 implicava um grau de intenção na conduta seguida (n.os 37 a 39).

118    Contudo, o Tribunal de Justiça considerou, no seu acórdão Comissão/França, já referido (n.° 31), que o artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38 exprimia de forma concreta as obrigações que resultavam para as entidades adjudicantes do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38 e devia, portanto, ser tido em consideração conjuntamente com este na decisão sobre a existência de uma cisão da obra. O Tribunal de Justiça não tentou saber se as entidades adjudicantes tinham fracionado intencionalmente uma obra única na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38.

119    Assim, há que considerar que, no presente caso, a Comissão não tinha de demonstrar, à luz do artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38, a existência de uma intenção das autoridades espanholas de fracionarem, em diferentes contratos, uma obra única na aceção do artigo 14.°, n.° 10, primeiro parágrafo, da Diretiva 93/38. Por conseguinte, não lhe cabia nenhum ónus de prova a esse respeito e não merece reparo por não ter eventualmente feito prova dessa intenção.

120    Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos do Reino de Espanha de que as autoridades espanholas cooperaram lealmente com a Comissão e agiram com transparência e boa‑fé. Com efeito, uma vez que não é necessário nenhum elemento intencional por parte das autoridades em causa para se declarar uma violação do artigo 14.°, n.° 13, da Diretiva 93/38, as considerações relativas ao comportamento das autoridades espanholas no caso são irrelevantes para efeitos de demonstração de que a Comissão concluiu erradamente pela existência de uma violação dessa disposição.

[omissis]

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      O Reino de Espanha é condenado nas despesas.

Truchot

Martins Ribeiro

Popescu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de julho de 2013.

Assinaturas


* Língua do processo: espanhol.


1 —      Apenas são reproduzidos os números do presente acórdão cuja publicação o Tribunal Geral considera útil.