Language of document : ECLI:EU:C:2020:216

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

19 de março de 2020 (*)

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Procedimentos comuns de concessão de proteção internacional — Diretiva 2013/32/UE — Artigo 46.o, n.o 3 — Análise exaustiva e ex nunc — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Direito a um recurso efetivo — Poderes e deveres do órgão jurisdicional de primeira instância — Inexistência de poder de alteração das decisões das autoridades competentes em matéria de proteção internacional — Regulamentação nacional que prevê a obrigação de decidir no prazo de 60 dias»

No processo C‑406/18,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste, Hungria), por Decisão de 4 de junho de 2018, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 20 de junho de 2018, no processo

PG

contra

Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, presidente de secção (relator), R. Silva de Lapuerta, vice‑presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juíza da Primeira Secção, M. Safjan, L. Bay Larsen e C. Toader, juízes,

advogado‑geral: M. Bobek,

secretário: I. Illéssy, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 11 de setembro de 2019,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de PG, por Sz. M. Sánta, ügyvéd,

–        em representação do Governo húngaro, inicialmente por M. Z. Fehér, G. Tornyai e M. M. Tátrai, e, em seguida, por M. Z. Fehér e M. M. Tátrai, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo alemão, inicialmente por T. Henze e R. Kanitz, e, em seguida, por este último, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por M. Condou‑Durande, A. Tokár e J. Tomkin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 5 de dezembro de 2019,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional (JO 2013, L 180, p. 60), lido à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe PG ao Bevándorlási és Menekültügyi Hivatal (Serviço de Imigração e Asilo, Hungria) (a seguir «Serviço») a respeito da decisão de este último indeferir o seu pedido de proteção internacional e ordenar o seu afastamento, acompanhada de uma proibição de entrada e de permanência pelo período de dois anos.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 18, 50 e 60 da Diretiva 2013/32 enunciam:

«(18)      É do interesse tanto dos Estados‑Membros como dos requerentes de proteção internacional que a decisão dos pedidos de proteção internacional seja proferida o mais rapidamente possível, sem prejuízo de uma apreciação adequada e completa.

[…]

(50)      Um dos princípios fundamentais do direito da União implica que as decisões relativas a um pedido de proteção internacional […] sejam passíveis de recurso efetivo perante um órgão jurisdicional.

[…]

(60)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e observa os princípios consagrados na Carta. Em especial, a presente diretiva procura assegurar o pleno respeito da dignidade humana e promover a aplicação dos artigos 1.o, 4.o, 18.o, 19.o, 21.o, 23.o, 24.o e 47.o da Carta, devendo ser aplicada em conformidade com estas disposições.»

4        De acordo com o seu artigo 1.o, a Diretiva 2013/32 tem por objetivo definir procedimentos comuns para a concessão e retirada da proteção internacional nos termos da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

5        O artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2013/32 define o «órgão de decisão» como «um órgão parajudicial ou administrativo de um Estado‑Membro, responsável pela apreciação dos pedidos de proteção internacional e competente para proferir uma decisão em primeira instância sobre esses pedidos».

6        Nos termos do artigo 46.o, n.os 1, 3, 4 e 10, desta diretiva:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os requerentes tenham direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional:

a)      Da decisão proferida sobre o seu pedido de proteção internacional, incluindo a decisão:

i)      que considera um pedido infundado relativamente ao estatuto de refugiado e/ou ao estatuto de proteção subsidiária,

[…]

3.      Para dar cumprimento ao n.o 1, os Estados‑Membros asseguram que um recurso efetivo inclua a análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva 2011/95/UE, pelo menos no recurso perante um órgão jurisdicional de primeira instância.

4.      Os Estados‑Membros devem estabelecer prazos razoáveis e outras regras necessárias para o requerente exercer o seu direito de recurso efetivo nos termos do n.o 1. […]

[…]

10.      Os Estados‑Membros podem fixar prazos para o órgão jurisdicional apreciar a decisão do órgão de decisão, nos termos do n.o 1.»

 Direito húngaro

7        O artigo 68.o, n.os 2, 3, 5 e 6, da menedékjogról szóló 2007. évi LXXX. törvény (Lei LXXX de 2007 Relativa ao Direito de Asilo) tem a seguinte redação:

«2.      O juiz deve proferir uma decisão no prazo de 60 dias a contar da receção da petição inicial no tribunal.

[…]

4.      […] O órgão jurisdicional efetua uma análise exaustiva da matéria de facto e de direito à data da adoção da decisão judicial.

5.      O juiz não pode alterar a decisão da autoridade competente em matéria de asilo.

6.      A decisão de mérito proferida pelo juiz no termo do processo é definitiva, não sendo suscetível de recurso.»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

8        PG, curdo do Iraque, apresentou‑se sem documento de identificação numa zona de trânsito da Hungria em 22 de agosto de 2017 e apresentou aí um pedido de proteção internacional em razão de alegados riscos para a sua vida no seu país de origem. As autoridades húngaras indeferiram esse pedido em 14 de março de 2018 e «declararam inaplicável a seu respeito o princípio da não repulsão». Foi adotada contra ele uma medida de regresso acompanhada de uma proibição de permanência por um período de dois anos.

9        O interessado interpôs recurso no órgão jurisdicional de reenvio contra a decisão que recusou conceder‑lhe proteção internacional.

10      Resulta dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que um órgão jurisdicional húngaro diferente do órgão jurisdicional de reenvio já anulou duas Decisões anteriores do Serviço, uma de 25 de outubro de 2017 e outra de 18 de janeiro de 2018, que indeferiram o pedido de proteção internacional desta mesma pessoa. Assim, a Decisão de 14 de março de 2018 é a terceira que indefere um pedido de proteção internacional de PG, após duas anulações sucessivas.

11      O órgão jurisdicional de reenvio refere que, a partir de 2015, o direito húngaro deixou de permitir aos juízes alterarem as decisões administrativas em matéria de proteção internacional e concederem eles próprios uma ou outra forma de proteção. Tais decisões só podem ser, eventualmente, anuladas, ficando então o interessado novamente na situação de requerente perante o Serviço. Considera que, por esse facto, o ciclo de indeferimento pelo Serviço seguido de uma anulação pelo juiz é suscetível de se repetir ad libitum. Suscitou a questão de saber se esse risco não tornava as novas regras processuais húngaras incompatíveis com as disposições da Diretiva 2013/32 em matéria de direito a um recurso efetivo.

12      Por outro lado, o órgão jurisdicional de reenvio é confrontado com o prazo máximo de julgamento de 60 dias fixado pela legislação húngara. Considera que, em determinados processos, de que o processo principal parece ser um exemplo, esse prazo não é suficiente para reunir os elementos necessários, determinar o quadro factual, ouvir o interessado e, portanto, proferir uma decisão jurisdicional corretamente fundamentada. Interroga‑se, assim, sobre a compatibilidade desse prazo com o direito a um recurso efetivo previsto na Diretiva 2013/32 e no artigo 47.o da Carta.

13      Foi nestas condições que o Fővárosi Közigazgatási és Munkaügyi Bíróság (Tribunal Administrativo e do Trabalho de Budapeste, Hungria) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Devem o artigo 47.o da [Carta] e o artigo 31.o da [Diretiva 2013/32] ser interpretados, à luz do disposto nos artigos 6.o e 13.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950], no sentido de que um Estado‑Membro pode garantir o direito à ação mesmo no caso de os seus órgãos jurisdicionais não poderem alterar as decisões proferidas em procedimentos de asilo, podendo apenas anulá‑las e ordenar a tramitação de um novo procedimento?

2)      Devem o artigo 47.o da [Carta] e o artigo 31.o da [Diretiva 2013/32] ser interpretados, novamente à luz do disposto nos artigos 6.o e 13.o da [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais], no sentido de que a legislação do Estado‑Membro que estabelece um prazo imperativo único de sessenta dias para os processos judiciais de asilo, independentemente das circunstâncias individuais e sem ter em consideração as especificidades da causa nem as eventuais dificuldades em matéria de prova, está em conformidade com essa regulamentação?»

 Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

14      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o processo fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia. Em 31 de julho de 2018, a Primeira Secção decidiu, ouvido o advogado‑geral, indeferir esse pedido.

 Quanto às questões prejudiciais

 Observações preliminares

15      Há que observar que, embora as questões prejudiciais tal como formuladas pelo órgão jurisdicional de reenvio tenham por objeto a interpretação do artigo 31.o da Diretiva 2013/32, relativo ao procedimento administrativo de apreciação dos pedidos de proteção internacional, o pedido de decisão prejudicial refere‑se, na realidade, à aplicação do direito a um recurso efetivo previsto no artigo 46.o desta diretiva. Por conseguinte, é esta última disposição, especialmente o seu n.o 3, que deve ser interpretada a fim de dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio.

 Quanto à primeira questão

16      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que confere aos órgãos jurisdicionais apenas o poder de anular as decisões das autoridades competentes em matéria de proteção internacional, excluindo o poder de as alterar.

17      Como salientou o advogado‑geral nos n.os 21 e 31 das suas Conclusões, o Tribunal de Justiça, posteriormente ao registo do presente pedido de decisão prejudicial, pronunciou‑se sobre essa questão nos seus Acórdãos de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584), e de 29 de julho de 2019, Torubarov (C‑556/17, EU:C:2019:626).

18      Assim, salientou, nos n.os 145 e 146 do Acórdão de 25 de julho de 2018, Alheto (C‑585/16, EU:C:2018:584), que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 abrange apenas a «análise» do recurso, pelo que não se aplica às consequências de uma eventual anulação da decisão que é objeto do recurso. Assim, ao adotar esta diretiva, o legislador da União não quis introduzir uma regra comum segundo a qual o órgão parajudicial ou administrativo referido no artigo 2.o, alínea f), da mesma diretiva perderia a sua competência após a anulação da sua decisão inicial sobre o pedido de proteção internacional. Por conseguinte, os Estados‑Membros continuam a poder prever que o processo, após essa anulação, seja devolvido a esse órgão para que tome uma nova decisão.

19      Nos n.os 147 e 148 do referido acórdão, o Tribunal de Justiça precisou que, dito isto, o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 ficaria privado de efeito útil se se admitisse que, após a prolação de uma sentença em que o órgão jurisdicional de primeira instância tivesse procedido, em conformidade com esta disposição, a uma apreciação exaustiva e ex nunc das necessidades de proteção internacional do requerente nos termos da Diretiva 2011/95, o órgão parajudicial ou administrativo pudesse tomar uma decisão contrária a essa apreciação, ou pudesse deixar decorrer um lapso de tempo considerável, suscetível de aumentar o risco de surgirem elementos que requeressem uma nova apreciação atualizada. Consequentemente, mesmo que a Diretiva 2013/32 não tenha por objeto instituir uma norma comum no que respeita à competência para adotar uma nova decisão sobre o pedido de proteção internacional após a anulação da decisão inicial, resulta, não obstante, do seu objetivo de assegurar um tratamento tão rápido quanto possível dos pedidos desta natureza, da obrigação de garantir um efeito útil ao seu artigo 46.o, n.o 3, bem como da necessidade, decorrente do artigo 47.o da Carta, de assegurar a efetividade do recurso que cada Estado‑Membro vinculado pela referida diretiva deve adaptar o seu direito nacional de modo que, após a anulação da decisão inicial e em caso de devolução do processo ao órgão parajudicial ou administrativo previsto no artigo 2.o, alínea f), da referida diretiva, seja adotada uma nova decisão num prazo curto e em conformidade com a apreciação constante da sentença que decretou a anulação.

20      Por conseguinte, quando um órgão jurisdicional anula uma decisão de uma autoridade administrativa na sequência de uma análise exaustiva e atualizada das necessidades de proteção internacional de um requerente à luz de todos os elementos de facto e de direito pertinentes e conclui que deve ser concedida proteção internacional a esse requerente e, em seguida, devolve o processo à autoridade administrativa para que esta tome uma nova decisão, essa autoridade administrativa é obrigada a conceder a proteção internacional pedida, sem prejuízo da superveniência de elementos de facto ou de direito que requeiram objetivamente uma nova apreciação atualizada, sem a qual o artigo 46.o, n.3, da Diretiva 2013/32, lido em conjugação com o artigo 47.o da Carta, e os artigos 13.o e 18.o da Diretiva 2011/95 ficariam privados do seu efeito útil (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 66).

21      No que respeita à fiscalização da decisão adotada pela referida autoridade administrativa na sequência de tal sentença, o Tribunal de Justiça sublinhou que, embora o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32 não obrigue os Estados‑Membros a conferir um poder de alteração aos órgãos jurisdicionais competentes para conhecer dos recursos ao abrigo desta disposição, não é menos verdade que esses órgãos jurisdicionais devem assegurar, em cada caso e tendo em conta as circunstâncias específicas do caso concreto, o respeito do direito a um recurso efetivo consagrado no artigo 47.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.os 69 e 70).

22      O Tribunal de Justiça deduziu daí, no que respeita às regras processuais aplicadas no processo principal, que, se uma decisão judicial na qual o órgão jurisdicional procedeu a uma análise exaustiva e ex nunc das necessidades de proteção internacional da pessoa em causa na sequência da qual decidiu que essa proteção lhe devia ser concedida for contrariada pela decisão posterior da autoridade administrativa competente, o referido órgão jurisdicional deve, quando o direito nacional não lhe confira nenhum meio que lhe permita fazer cumprir a sua sentença, alterar essa decisão da autoridade administrativa e substituí‑la pela sua própria decisão, deixando de aplicar, se necessário, a regulamentação nacional que o impede de proceder nesse sentido (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.os 68, 72 e 77).

23      Consequentemente, há que responder à primeira questão que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que confere aos órgãos jurisdicionais apenas o poder de anular as decisões das autoridades competentes em matéria de proteção internacional, excluindo o poder de as alterar. Todavia, em caso de devolução do processo à autoridade administrativa competente, deve ser adotada uma nova decisão num prazo curto em conformidade com a apreciação contida na sentença de anulação. Além disso, quando um órgão jurisdicional nacional declarou, após ter efetuado uma análise exaustiva e ex nunc de todos os elementos de facto e de direito pertinentes apresentados pelo requerente de proteção internacional, que, em aplicação dos critérios previstos na Diretiva 2011/95, tal proteção deve ser reconhecida a esse requerente pelo motivo que invocou em apoio do seu pedido, mas uma autoridade administrativa adota em seguida uma decisão em sentido contrário, sem demonstrar, para esse efeito, a superveniência de novos elementos que justifiquem uma nova apreciação das necessidades de proteção internacional do requerente em causa, esse órgão jurisdicional deve, quando o direito nacional não lhe confira nenhum meio que lhe permita fazer cumprir a sua sentença, alterar essa decisão não conforme à sua sentença anterior e substituí‑la pela sua própria decisão sobre o pedido de proteção internacional, deixando de aplicar, se necessário, a regulamentação nacional que o impede de proceder nesse sentido.

 Quanto à segunda questão

24      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional que fixa ao juiz que conhece do recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional um prazo de 60 dias para decidir.

25      Há que salientar que a Diretiva 2013/32 não só não prevê regras harmonizadas em matéria de prazos de julgamento como, no seu artigo 46.o, n.o 10, autoriza mesmo os Estados‑Membros a fixar esses prazos.

26      Por outro lado, como resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro estabelecer as modalidades processuais de recurso à justiça para salvaguarda dos direitos dos particulares, por força do princípio da autonomia processual, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 15 de março de 2017, Aquino, C‑3/16, EU:C:2017:209, n.o 48 e jurisprudência referida).

27      Quanto ao respeito da condição relativa ao princípio da equivalência em relação a um prazo de julgamento como o que está em causa no processo principal, há que salientar, sob reserva das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio, que não resulta dos autos de que dispõe o Tribunal de Justiça nem foi, aliás, alegado que situações semelhantes sejam regidas por disposições processuais nacionais mais favoráveis do que as previstas pela aplicação da Diretiva 2013/32 e pertinentes no processo principal (v., por analogia, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Flausch e o., C‑280/18, EU:C:2019:928, n.o 28).

28      Relativamente ao respeito do princípio da efetividade, importa recordar que o artigo 46.o, n.o 1, da Diretiva 2013/32 reconhece aos requerentes de proteção internacional o direito a interpor recurso efetivo perante um órgão jurisdicional contra as decisões proferidas sobre o seu pedido. O artigo 46.o, n.o 3, desta diretiva define o alcance deste direito, precisando que os Estados‑Membros por ela vinculados devem assegurar que o órgão jurisdicional perante o qual a decisão sobre o pedido de proteção internacional é impugnada procede a «uma análise exaustiva e ex nunc da matéria de facto e de direito, incluindo, se aplicável, uma apreciação das necessidades de proteção internacional na aceção da Diretiva [2011/95]» (v., neste sentido, Acórdão de 29 de julho de 2019, Torubarov, C‑556/17, EU:C:2019:626, n.o 51).

29      Por outro lado, segundo jurisprudência constante, qualquer decisão sobre a concessão do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária deve basear‑se numa apreciação individual (Acórdão de 25 de janeiro de 2018, F, C‑473/16, EU:C:2018:36, n.o 41 e jurisprudência referida), que visa determinar se, tendo em conta a situação pessoal do requerente, as condições para a concessão do referido estatuto estão preenchidas (Acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z, C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.o 68).

30      Além disso, há que recordar, à semelhança do advogado‑geral nos n.os 62 e 63 das suas Conclusões, que, no âmbito do recurso jurisdicional previsto no artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, são garantidos aos requerentes um certo número de direitos processuais específicos por força do artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, a saber, o direito a um intérprete, a possibilidade de comunicar, nomeadamente, com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e o acesso a determinadas informações; do artigo 20.o da referida diretiva, a saber, a possibilidade de assistência jurídica e representação gratuitas; do artigo 22.o da mesma diretiva, relativo ao acesso a um advogado; bem como dos seus artigos 24.o e 25.o, relativos aos direitos das pessoas com necessidades especiais e dos menores não acompanhados.

31      O Tribunal de Justiça teve igualmente ocasião de recordar que, em princípio, é necessário prever, na fase jurisdicional, uma audição do requerente, salvo quando estejam preenchidas determinadas condições cumulativas (v., neste sentido, Acórdão de 26 de julho de 2017, Sacko, C‑348/16, EU:C:2017:591, n.os 37 e 44 a 48). Por outro lado, pode revelar‑se útil ordenar outras medidas de instrução, nomeadamente o exame médico a que se refere o artigo 18.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2013/32.

32      No caso em apreço, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, pode acontecer que, tendo em conta o seu volume e as suas condições de trabalho ou a especial dificuldade de certos processos, o juiz que conhece de um recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional não esteja, materialmente, em condições de assegurar, no prazo de 60 dias que lhe é fixado, o respeito de todas as regras mencionadas nos n.os 27 a 31 do presente acórdão para cada um dos casos submetidos à sua análise.

33      Ao mesmo tempo, importa recordar que o órgão jurisdicional de reenvio qualificou o referido prazo de «imperativo».

34      Nessa situação, na falta de qualquer regra nacional destinada a garantir que o processo seja julgado num prazo razoável, como uma regra que preveja que, no termo do prazo de 60 dias, os autos sejam atribuídos a outro órgão jurisdicional, o princípio da efetividade do direito da União implica a obrigação de o juiz não aplicar a regulamentação nacional que considere esse prazo imperativo.

35      Todavia, importa ainda observar que a Diretiva 2013/32 prevê igualmente, no seu artigo 46.o, n.o 4, a obrigação de os Estados‑Membros estabelecerem prazos razoáveis de julgamento. Como salientou o advogado‑geral no n.o 48 das suas Conclusões, estes contribuem para a realização do objetivo global de um tratamento tão rápido quanto possível dos pedidos de proteção internacional, fixado no considerando 18 desta diretiva.

36      Assim, a obrigação de o juiz não aplicar uma regulamentação nacional que prevê um prazo de julgamento incompatível com o princípio da efetividade do direito da União não o pode eximir de qualquer obrigação de celeridade, mas impõe‑lhe apenas que considere indicativo o prazo que lhe é fixado, incumbindo‑lhe decidir o mais rapidamente possível quando esse prazo seja excedido.

37      Consequentemente, há que responder à segunda questão que o artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que fixa ao juiz que conhece de um recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional um prazo de 60 dias para decidir, desde que esse juiz possa assegurar, nesse prazo, a efetividade das regras substantivas e das garantias processuais reconhecidas ao requerente pelo direito da União. Caso contrário, o referido juiz é obrigado a não aplicar a regulamentação nacional que fixa o prazo de julgamento e, decorrido esse prazo, a proferir a sua sentença o mais rapidamente possível.

 Quanto às despesas

38      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de junho de 2013, relativa a procedimentos comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional, lido à luz do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que confere aos órgãos jurisdicionais apenas o poder de anular as decisões das autoridades competentes em matéria de proteção internacional, excluindo o poder de as alterar. Todavia, em caso de devolução do processo à autoridade administrativa competente, deve ser adotada uma nova decisão num prazo curto em conformidade com a apreciação contida na sentença de anulação. Além disso, quando um órgão jurisdicional nacional declarou, após ter efetuado uma análise exaustiva e ex nunc de todos os elementos de facto e de direito pertinentes apresentados pelo requerente de proteção internacional, que, em aplicação dos critérios previstos na Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, tal proteção deve ser reconhecida a esse requerente pelo motivo que invocou em apoio do seu pedido, mas uma autoridade administrativa adota em seguida uma decisão em sentido contrário, sem demonstrar, para esse efeito, a superveniência de novos elementos que justifiquem uma nova apreciação das necessidades de proteção internacional do requerente em causa, esse órgão jurisdicional deve, quando o direito nacional não lhe confira nenhum meio que lhe permita fazer cumprir a sua sentença, alterar essa decisão não conforme à sua sentença anterior e substituíla pela sua própria decisão sobre o pedido de proteção internacional, deixando de aplicar, se necessário, a regulamentação nacional que o impede de proceder nesse sentido.

2)      O artigo 46.o, n.o 3, da Diretiva 2013/32, lido à luz do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma regulamentação nacional que fixa ao juiz que conhece de um recurso de uma decisão de indeferimento de um pedido de proteção internacional um prazo de 60 dias para decidir, desde que esse juiz possa assegurar, nesse prazo, a efetividade das regras substantivas e das garantias processuais reconhecidas ao requerente pelo direito da União. Caso contrário, o referido juiz é obrigado a não aplicar a regulamentação nacional que fixa o prazo de julgamento e, decorrido esse prazo, a proferir a sua sentença o mais rapidamente possível.

Assinaturas


*      Língua do processo: húngaro.