Language of document : ECLI:EU:T:2002:63

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

7 de Março de 2002 (1)

«Regulamento (CEE) n.° 2377/90 - Medicamentos veterinários - Pedido de inclusão do 'altrenogest‘ na lista das substâncias a que pode ser imposto um limite máximo de resíduos provisório - Parecer do Comité dos Medicamentos Veterinários (CMV) - Recurso de anulação - Inadmissibilidade - Acção por omissão - Tomada de posição que põe termo à omissão - Inutilidade superveniente da lide»

No processo T-212/99,

Intervet International BV , anteriormente Hoechst Roussel Vet GmbH, com sede em Boxmeer (Países Baixos), representada por D. Waelbroeck e D. Brinckman, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por T. Christoforou, H. Støvlbæk e F. Ruggeri-Laderchi, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto, a título principal, um pedido de anulação de uma pretensa decisão da Comissão indeferindo um pedido da recorrente destinado à inclusão da substância «altrenogest» no Anexo III do Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho, de 26 de Junho de 1990, que prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 224, p. 1), e, a título subsidiário, um pedido destinado a obter a declaração de que a Comissão se absteve ilegalmente de preparar um projecto de medidas a tomar com vista a esta inclusão e de dar início ao procedimento previsto no artigo 8.° deste regulamento,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, J. Pirrung e A. W. H. Meij, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 6 de Novembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    O Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho, de 26 de Junho de 1990, que prevê um processo comunitário para o estabelecimento de limites máximos de resíduos de medicamentos veterinários nos alimentos de origem animal (JO L 224, p. 1, a seguir «regulamento de 1990»), comporta, nomeadamente, os considerandos seguintes:

«[1] Considerando que a administração de medicamentos veterinários a animais para produção de alimentos pode conduzir à presença de resíduos nos géneros alimentícios provenientes de animais tratados;

[...]

[3] Considerando que para proteger a saúde pública devem ser estabelecidos limites máximos de resíduos em conformidade com princípios geralmente reconhecidos de controlo de segurança, tendo em conta quaisquer outros controlos científicos de segurança das substâncias em causa que possam ter sido efectuados por organizações internacionais, em especial no Codex Alimentarius, ou, sempre que essas substâncias forem utilizadas para outros fins, por outros comités científicos criados no seio da Comunidade;

[...]

[5] Considerando que a fixação de diferentes limites máximos de resíduos pelos Estados-Membros pode criar entraves à livre circulação dos géneros alimentícios e dos próprios medicamentos veterinários;

[6] Considerando, portanto, que é necessário prever um processo de fixação, ao nível comunitário, dos limites máximos para os resíduos de medicamentos veterinários que comporte uma avaliação científica única com o maior grau possível de qualidade;

[...]

[10] Considerando que, feita a avaliação científica pelo Comité dos Medicamentos Veterinários, os limites máximos de resíduos devem ser adoptados por intermédio de um processo rápido que garanta a cooperação estreita entre a Comissão e os Estados-Membros [...]».

2.
    Em aplicação do regulamento de 1990, a Comissão fixa o limite máximo de resíduos (a seguir «LMR»). O seu artigo 1.°, n.° 1, alínea b), define esse LMR como a concentração máxima de resíduos resultante da utilização de um medicamento veterinário que a Comunidade pode aceitar como legalmente autorizada ou que é reconhecida como aceitável «à superfície ou no interior de um alimento».

3.
    O regulamento de 1990 prevê a elaboração de quatro anexos onde podem ser incluídas substâncias farmacologicamente activas destinadas a ser utilizadas em medicamentos veterinários a administrar a «animais para produção de alimentos»:

-    Anexo I, reservado às substâncias relativamente às quais se pode fixar um LMR após avaliação dos riscos que essa substância representa para a saúde humana;

-    Anexo II, reservado às substâncias não submetidas a um LMR;

-    Anexo III, reservado às substâncias para as quais não é possível fixar definitivamente um LMR, mas que, sem pôr em causa a saúde humana, podem ser sujeitas a um LMR provisório por um período de tempo determinado, que é função do período de tempo necessário para completar os estudos científicos adequados, não podendo este prazo ser prorrogado mais do que uma vez;

-    Anexo IV, reservado às substâncias para as quais não pode ser fixado nenhum LMR, pois essas substâncias representam, independentemente de qualquer consideração de natureza quantitativa, um risco para a saúde do consumidor.

4.
    O artigo 7.° do regulamento de 1990 define o procedimento que se aplica às substâncias farmacologicamente activas cuja utilização é autorizada em medicamentos veterinários à data de entrada em vigor desse regulamento.

5.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 2, primeiro parágrafo, deste regulamento, consultado o Comité dos Medicamentos Veterinários (a seguir «CMV»), a Comissão publicará um calendário para o estudo destas substâncias, bem como os prazos para apresentação das informações exigidas para fixação de um LMR. De acordo com o segundo parágrafo, os responsáveis pela comercialização dos medicamentos veterinários em questão assegurarão a apresentação à Comissão de todas as informações necessárias.

6.
    Segundo o artigo 7.°, n.° 3, deste regulamento, depois de verificar, num prazo de 30 dias, que as informações foram correctamente apresentadas, a Comissão remetê-las-á imediatamente, para análise, ao CMV, que emite o seu parecer num prazo de 120 dias renovável.

7.
    Em aplicação do artigo 7.°, n.° 4, deste regulamento, atendendo às observações formuladas pelos membros do CMV, a Comissão elaborará, num prazo máximo de 30 dias, um projecto das medidas a tomar.

8.
    De acordo com o artigo 7.°, n.° 5, deste regulamento, este projecto é comunicado sem demora pela Comissão aos Estados-Membros e ao responsável pela comercialização que apresentou as informações à Comissão. Esse responsável pode, a seu pedido, fornecer esclarecimentos, oralmente ou por escrito, ao CMV.

9.
    Nos termos do artigo 7.°, n.° 6, deste regulamento, a Comissão apresenta seguidamente as medidas propostas ao Comité para a Adaptação ao Progresso Técnico das directivas relativas aos medicamentos veterinários (a seguir «comité de regulamentação»), para aplicação do procedimento previsto no artigo 8.°

10.
    Nos termos do artigo 8.°, n.° 2, deste regulamento, esse comité emite o seu parecer sobre o projecto das medidas no prazo que o presidente fixa em função da urgência da questão.

11.
    O artigo 8.°, n.° 3, deste regulamento prevê o procedimento pelo qual a Comissão ou, se for caso disso, o Conselho adopta as medidas projectadas, tendo em conta o parecer dado pelo comité de regulamentação.

12.
    O artigo 14.° do regulamento de 1990 determina:

«A partir de 1 de Janeiro de 1997, será proibida na Comunidade a administração, a animais destinados à alimentação, de medicamentos veterinários que contenham substâncias farmacologicamente activas que não constem dos Anexos I, II ou III, excepto no caso de ensaios clínicos [...]»

13.
    Segundo o artigo 15.°, primeiro parágrafo, do regulamento de 1990, este não pode de modo algum prejudicar a aplicação da regulamentação comunitária que proíbe a utilização, na pecuária, de certas substâncias com efeitos sobre a actividade hormonal.

14.
    O Regulamento (CE) n.° 434/97 do Conselho, de 3 de Março de 1997, que altera o regulamento de 1990 (JO L 67, p. 1), adiou a data-limite prevista no artigo 14.° do regulamento, no que respeita às substâncias como a que está aqui em causa, para 1 de Janeiro de 2000.

15.
    Através do Regulamento (CE) n.° 1308/1999 do Conselho, de 15 de Junho de 1999, que altera o regulamento de 1990 a partir de 26 de Junho de 1999 (JO L 156, p. 1), os artigos 6.° e 7.° do regulamento de 1990 passaram a ter a seguinte redacção:

«Artigo 6.°

1. Para obter a inclusão nos Anexos I, II ou III de uma substância farmacologicamente activa destinada a utilização em medicamentos veterinários a administrar a animais para produção de alimentos deverá ser apresentado um pedido de estabelecimento de um limite máximo de resíduos à Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos, instituída pelo Regulamento (CEE) n.° 2309/93 [do Conselho, de 22 de Julho de 1993, que estabelece procedimentos comunitários de autorização e fiscalização de medicamentos de uso humano e veterinário e institui uma Agência Europeia de Avaliação dos Medicamentos (JO L 214, p. 1)], a seguir ['AEAM‘].

[...]

Artigo 7.°

1. Ao [CMV] referido no artigo 27.° do Regulamento [...] n.° 2309/93, [...], incumbirá a emissão do parecer da [AEAM] sobre quaisquer questões relativas àclassificação das substâncias constantes dos Anexos I, II, III ou IV do presente regulamento.

[...]

3. A [AEAM] deve assegurar que o parecer do [CMV] seja emitido no prazo de 120 dias a contar da recepção de um pedido válido.

Se as informações apresentadas pelo requerente forem insuficientes para permitir a elaboração de um tal parecer, o [CMV] pode solicitar ao requerente que transmita informações complementares num prazo determinado. O prazo para emissão do parecer será então suspenso até que as informações complementares sejam transmitidas.

4. A [AEAM] enviará o parecer ao requerente. No prazo de 15 dias após a recepção do parecer, o requerente poderá notificar por escrito a [AEAM] da sua intenção de interpor recurso. Nesse caso, transmitirá os motivos pormenorizados do seu recurso à [AEAM] num prazo de 60 dias a contar da recepção do parecer. No prazo de 60 dias após a recepção dos motivos do recurso, o [CMV] examinará se o parecer deve ser revisto, sendo as respectivas conclusões sobre o recurso anexadas ao relatório referido no n.° 5.

5. A [AEAM] enviará à Comissão e ao requerente o parecer definitivo do [CMV] no prazo de 30 dias após a sua adopção. O parecer será acompanhado de um relatório descritivo da avaliação da segurança da substância pelo [CMV] e dos motivos que fundamentam as suas conclusões.

6. A Comissão preparará um projecto de medidas tendo em conta as disposições do direito comunitário e accionará o procedimento previsto no artigo 8.° O [CMV] referido no artigo 8.° adaptará o seu regulamento interno por forma a atender às atribuições que lhe são conferidas pelo presente regulamento.»

Factos na origem do litígio

16.
    A sociedade Roussel Uclaf SA, em cujos direitos sucedeu a recorrente inicial Hoechst Roussel Vet GmbH, desenvolveu um composto farmacêutico com o nome de «altrenogest». Segundo uma carta dos advogados da recorrente inicial à Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, de 19 de Abril de 2001, todas as actividades da Hoechst Roussel Vet GmbH foram cedidas à sociedade Intervet International BV, que deve assim ser considerada a recorrente no presente processo (sendo estas três sociedades a seguir designadas «recorrente»). O altrenogest é um derivado (substância química vizinha) da progesterona, pertencente ao grupo das hormonas sexuais gestagénias. É utilizado, com fins zootécnicos, para a sincronização do estro dos mamíferos, e isto principalmente na criação de porcos, a fim de assegurar que todas as porcas tenham a ovulação aomesmo tempo, permitindo assim que os leitões nasçam e deixem as pocilgas na mesma altura.

17.
    A recorrente produz o medicamento «Regumate porcine», contendo altrenogest. Este medicamento foi primeiro autorizado em França, em 1984, em seguida na Alemanha, nos Países Baixos, na Bélgica, no Reino Unido e, mais recentemente, em Espanha, em 1993.

18.
    Por cartas de 10 de Fevereiro de 1993, a recorrente transmitiu à Comissão e aos membros nacionais do CMV as informações exigidas com vista à fixação de um LMR para o altrenogest.

19.
    Por carta de 2 de Março de 1993, a Comissão informou a recorrente do período de validade do seu processo e de que o período de 120 dias previsto para a avaliação do altrenogest pelo CMV tinha tido início em 23 de Fevereiro de 1993.

20.
    Por fax de 30 de Agosto de 1993 e de 7 de Setembro de 1993, a recorrente informou-se junto da Comissão do estado da avaliação do altrenogest.

21.
    Por carta de 9 de Setembro de 1993, a Comissão informou a recorrente de que o CMV tinha terminado a sua avaliação inicial do altrenogest. Além disso, transmitiu à recorrente algumas questões suplementares para as quais o CMV desejava obter uma resposta, precisando que os prazos ficariam suspensos até que a recorrente fornecesse uma resposta a estas questões.

22.
    As respostas às referidas questões foram transmitidas pela recorrente ao CMV, respectivamente, em 26 de Agosto de 1994, no que respeita aos porcos, e em 27 de Março de 1995, quanto aos cavalos.

23.
    Por carta de 28 de Janeiro de 1997, a AEAM comunicou à recorrente que o CMV tinha emitido o seu parecer sobre o altrenogest. Segundo este parecer, o CMV recomendava a adopção de um LMR provisório para o altrenogest, ou seja, a sua inclusão no Anexo III do regulamento de 1990, fixando um LMR de 3 microgramas/quilo, com termo em 1 de Janeiro de 1999. Além disso, o parecer do CMV continha algumas questões convidando a recorrente a apresentar, antes de 1 de Abril de 1998, algumas informações e dados que faltavam.

24.
    Por carta de 22 de Abril de 1997, a Comissão assinalou à AEAM que lhe tinham sido comunicados diferentes relatórios relativos ao ß-estradiol e à sua toxicidade no homem. Segundo a Comissão, alguns resultados destes relatórios pareciam igualmente poder-se aplicar à progesterona. À luz destes novos dados científicos, a Comissão pediu à AEAM que reavaliasse estas duas substâncias. No que diz mais especialmente respeito à progesterona, que não era ainda objecto de classificação num dos anexos do regulamento de 1990, mas para a qual existe um relatório deavaliação, a Comissão indicou desejar que tal relatório de avaliação e as suas conclusões fossem revistos e, eventualmente, alterados.

25.
    Por carta de 19 de Fevereiro de 1998, a AEAM informou a recorrente de que a reavaliação do altrenogest à luz dos novos dados científicos tinha progredido e que se esperavam conclusões no prazo de três meses. Indicou igualmente que o prazo que terminava em 1 de Abril de 1998, anteriormente fixado para responder à lista de questões, era suspenso.

26.
    Por carta de 15 de Abril de 1998, a Comissão comunicou à AEAM certos desenvolvimentos recentes, nomeadamente científicos. Assim, assinalou a existência de um relatório elaborado pela OMC no âmbito do «caso das hormonas». No plano científico, assinalou, em primeiro lugar, o lançamento pelo Governo dos Estados Unidos de um estudo sobre o cancro provocado pelos estrogénios, em segundo lugar, o início pelo Centro Internacional de Investigação do Cancro, estabelecido em Lyon (França), de uma reavaliação de algumas monografias sobre as hormonas, em terceiro lugar, o facto de a Comissão ter decidido financiar estudos por cientistas independentes sobre a utilização das hormonas, incluindo o ß-estradiol e a progesterona, como estimuladores do crescimento, e, em quarto lugar, a organização de um simpósio pelo National Institute of Health dos Estados Unidos sobre os efeitos cancerígenos relacionados com os estrogénios. Nestas circunstâncias, a Comissão considerava que era oportuno que o CMV suspendesse a reavaliação do ß-estradiol e da progesterona que a AEAM tinha iniciado na sequência da sua carta de 22 de Abril de 1997, para que os novos dados científicos estejam todos disponíveis e o CMV os possa tomar em consideração.

27.
    Por carta de 12 de Agosto de 1998, a recorrente informou-se junto da AEAM sobre o estado da fixação de um LMR provisório para o altrenogest. Sublinhou o estado de incerteza em que se encontrava e pediu à AEAM que esclarecesse a situação.

28.
    Por carta de 3 de Fevereiro de 1999, a recorrente recordou à Comissão que, em 28 de Janeiro de 1997, o CMV tinha recomendado a inclusão do altrenogest no Anexo III do regulamento de 1990. Assinalou que, desde essa data, esperava a aprovação deste LMR e a sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Sublinhou que, caso esta situação se prolongasse, não estaria em condições de comercializar os seus produtos contendo altrenogest depois de 1 de Janeiro de 2000, atendendo ao disposto no artigo 14.° do regulamento de 1990, alterado. Por fim, indicou que o volume de negócios que realiza com o altrenogest é de cerca de 7 milhões de euros e que todo e qualquer prazo suplementar do procedimento de fixação do LMR para o altrenogest é susceptível de afectar os seus interesses.

29.
    Em 23 de Abril de 1999, a Comissão pediu à AEAM para proceder à actualização da avaliação do ß-estradiol, da progesterona e do altrenogest, o mais rapidamentepossível, com vista à adopção e à publicação dos resultados desta avaliação antes de 1 de Janeiro de 2000.

30.
    Por carta de 25 de Maio de 1999, a Comissão transmitiu à AEAM o parecer do Comité Científico das Medidas Veterinárias relacionadas com a Saúde Pública (um comité interno da Comissão, a seguir «CCMVSP»), de 30 de Abril de 1999, relativo aos riscos potenciais para a saúde humana relacionados com os resíduos de hormonas na carne de bovino e nos produtos cárneos. O parecer do CCMVSP inclui uma análise dos riscos de seis hormonas, incluindo a progesterona, quando administradas aos animais como estimuladores do crescimento. Segundo o parecer, são possíveis efeitos endócrinos, genéticos, imunológicos, neurobiológicos, imunotóxicos, genotóxicos e cancerígenos para as seis hormonas. Nesta carta, a Comissão sublinhou que o CMV devia tomar em consideração os resultados deste parecer na avaliação em curso, no quadro do regulamento de 1990, de todas as hormonas sexuais.

31.
    Em 26 de Maio de 1999, por intermédio do seu advogado, a recorrente dirigiu uma carta registada à Comissão na qual a interpelou para tomar as medidas necessárias para que a substância altrenogest fosse incluída no Anexo III do regulamento de 1990, o mais rapidamente possível, e que fizesse todas as diligências necessárias para o efeito. A recorrente comunicava a sua intenção de intentar uma acção por omissão ex artigo 232.° CE se não fossem adoptadas as medidas solicitadas.

32.
    Por carta de 16 de Julho de 1999, a Comissão respondeu à recorrente, nos seguintes termos:

«Como talvez já seja do vosso conhecimento, a transmissão do projecto de decisão relativo à inclusão da hormona altrenogest nos anexos do Regulamento (CEE) n.° 2377/90 do Conselho foi adiada devido às preocupações sentidas no seio da Comissão no que diz respeito aos efeitos desta substância na saúde pública. Tais preocupações devem-se a novos dados científicos surgidos quando dos trabalhos do 'Comité Científico das Medidas Veterinárias relacionadas com a Saúde Pública‘ [CCMVSP] no seu parecer relativo à 'avaliação dos riscos potenciais para a saúde humana relacionados com os resíduos de hormonas na carne de bovino e nos produtos cárneos‘. Depois de ter examinado atentamente as novas informações existentes, a Comissão considerou que era obrigada a pedir ao CMV, em 23 de Abril de 1999, uma reavaliação do 'altrenogest‘, que tivesse em conta os novos dados científicos.

Embora este segundo envio ao CMV não seja expressamente previsto pelo Regulamento (CEE) n.° 2377/90, o Tribunal de Primeira Instância confirmou recentemente, nos acórdãos T-105/96 (Pharos/Comissão) e T-120/96 (Lilly/Comissão), que à Comissão deve - em certas condições específicas - ser reconhecido o direito de pedir um novo parecer ao CMV 'quando confrontada com uma matéria que é altamente complexa e sensível tanto científica comopoliticamente‘. Na ocorrência, novos dados científicos respeitantes aos riscos potenciais para a saúde humana resultantes de resíduos de hormonas na carne de bovino e nos produtos cárneos, que não estavam disponíveis quando da primeira avaliação do 'altrenogest‘ (1993-1997) efectuada pelo CMV, obrigaram a Comissão a transmitir-lhe de novo o processo, de modo a garantir o objectivo essencial do Regulamento (CEE) n.° 2377/90, ou seja, a protecção da saúde pública.

Logo que o novo parecer do CMV relativo ao 'altrenogest‘ seja conhecido, a Comissão cumprirá imediatamente as formalidades necessárias previstas nos artigos 6.° e 8.° do regulamento.

Pelas razões atrás indicadas, não posso subscrever a sua posição, de acordo com a qual a Comissão se absteve de agir, e peço-lhe que considere esta carta uma tomada de posição da Comissão, na acepção do artigo 232.° do Tratado que institui a Comunidade Europeia.»

Tramitação

33.
    Foi nestas condições que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Setembro de 1999, a recorrente interpôs o presente recurso.

34.
    A recorrente renunciou à apresentação da réplica.

35.
    O Tribunal adoptou medidas de organização do processo, pedindo às partes que respondessem a questões escritas. As partes acederam a tais pedidos.

36.
    Com base no relatório preliminar do juiz-relator, o Tribunal (Segunda Secção) decidiu iniciar a fase oral.

37.
    Num documento de 17 de Outubro de 2001, dirigido ao Tribunal (e comunicado, pelo secretário, à recorrente), a Comissão informou o Tribunal de alguns desenvolvimentos recentes relativos à fixação de um LMR para o altrenogest.

38.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal na audiência de 6 de Novembro de 2001.

Pedidos das partes

39.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    a título principal: anular a decisão da Comissão, constante da sua carta de 16 de Julho de 1999, pela qual informou a recorrente da sua recusa detomar as medidas necessárias para incluir o altrenogest no Anexo III do regulamento de 1990;

-    a título subsidiário: declarar, em conformidade com o artigo 232.° CE, que a Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do direito comunitário e, mais especialmente, que se absteve, depois de ter recebido o parecer definitivo do CMV, de preparar um projecto de medidas a tomar a fim de incluir o altrenogest no Anexo III do regulamento de 1990 e de dar início ao procedimento previsto no artigo 8.° do referido regulamento;

-    condenar a Comissão nas despesas.

40.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao pedido de anulação

Argumentos das partes

41.
    A Comissão contesta a admissibilidade do pedido de anulação. Em sua opinião, a carta de 16 de Julho de 1999 não constitui uma decisão susceptível de ser objecto de um recurso de anulação na acepção do artigo 230.° CE. Referindo-se ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, CSF e CSME/Comissão (T-154/94, Colect., p. II-1377, n.° 37), a Comissão sustenta que a carta de 16 de Julho de 1999 se limitava a expor as razões dos atrasos ocorridos na classificação do altrenogest num dos anexos do regulamento de 1990 e precisava que cumpriria as formalidades previstas por este regulamento logo que fosse conhecido o novo parecer do CMV. Por conseguinte, a situação jurídica da recorrente não era alterada por esta carta, que se limitava a informá-la do estado do processo. Em especial, essa carta não constituía uma decisão quanto à classificação do altrenogest num dos anexos do regulamento de 1990, mas simplesmente uma tomada de posição na acepção do artigo 232.° CE.

42.
    A recorrente conclui no sentido da admissibilidade do seu pedido. Sublinha que, por força do artigo 230.° CE, as pessoas colectivas podem interpor recurso de anulação das decisões da Comissão de que sejam destinatárias. Ora, tendo a carta de 16 de Julho de 1999 sido dirigida ao advogado da recorrente, daí resulta que esta última pode impugná-la no Tribunal de Primeira Instância.

Apreciação do Tribunal

43.
    Segundo jurisprudência constante, constituem actos ou decisões susceptíveis de recurso de anulação as medidas que produzam efeitos jurídicos vinculativos que afectem os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, CSF e CSME/Comissão, já referido, n.° 37, e de 22 de Março de 2000, Coca-Cola/Comissão, T-125/97 e T-127/97, Colect., p. II-1733, n.° 77).

44.
    Ora, como a Comissão observou acertadamente, a carta de 16 de Julho de 1999 limita-se a expor as razões dos atrasos ocorridos na classificação do altrenogest num dos anexos do regulamento de 1990 e precisa que a Comissão cumprirá as formalidades previstas por este regulamento, logo que seja conhecido o novo parecer do CMV. A carta de 16 de Julho de 1999 não contém qualquer decisão quanto à classificação do altrenogest num dos anexos desse regulamento. Pelo contrário, resulta claramente desta carta que a Comissão aguarda o segundo parecer do CMV, antes de tomar tal decisão. Por conseguinte, a situação jurídica da recorrente não é modificada por esta carta, que se limita a informá-la do estado do processo.

45.
    Nestas circunstâncias, a carta de 16 de Julho de 1999 não constitui uma decisão susceptível de ser objecto de um recurso de anulação na acepção do artigo 230.° CE.

46.
    Daqui resulta que o pedido de anulação deve ser julgado inadmissível.

Quanto ao pedido de declaração de omissão

Argumentos das partes

47.
    A recorrente alega que a Comissão, depois da recepção do parecer definitivo do CMV de 28 de Janeiro de 1997, não preparou qualquer projecto de medidas e não deu início ao procedimento do artigo 8.° do regulamento de 1990, para efeitos da adopção do acto. Mesmo depois de ter sido convidada a agir, a Comissão não fez as diligências adequadas para pôr termo a esta omissão ilegal. Segundo a recorrente, na sequência do parecer favorável do CMV, a Comissão devia agir rapidamente. De qualquer modo, era obrigada a velar por que fosse tomada uma decisão relativa à inclusão da substância em causa no Anexo III antes de 1 de Janeiro de 2000, dado que, na ausência de tal decisão, o seu produto seria excluído do mercado.

48.
    Nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, a recorrente precisou que, nomeadamente por força dos artigos 7.° e 8.° do regulamento de 1990, a Comissão era obrigada, depois de ter recebido o parecer favorável do CMV de 28 de Janeiro de 1997, a adoptar um projecto de regulamento, inscrevendo o altrenogest no Anexo III daquele regulamento, e a submetê-lo para adopção ao comité deregulamentação. Ao abster-se de adoptar tal projecto de forma expeditiva, a Comissão não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força das disposições do regulamento de 1990 e por força do princípio da boa administração.

49.
    Quanto ao seu interesse em demandar, a recorrente sustenta, nas suas respostas às questões escritas do Tribunal, que a Comissão era, de qualquer modo, obrigada, ao aproximar-se a data-limite de 1 de Janeiro de 2000, a tomar atempadamente medidas para proteger os seus direitos e que nada impedia a Comissão de fixar o termo de validade do LMR numa data posterior a 1 de Janeiro de 1999.

50.
    A Comissão alega que, nos termos do artigo 232.° CE, uma acção destinada a obter a declaração de que uma instituição da Comunidade se absteve de agir só pode ser intentada se, no termo do prazo de dois meses a contar da data do convite a agir, a instituição não tomou posição. No caso vertente, é evidente que a carta controvertida constitui uma «tomada de posição» na acepção do referido artigo, já que, na mesma, a Comissão expôs claramente as medidas que tomou quanto à fixação de um LMR para o altrenogest e às formalidades ainda a realizar a este respeito.

51.
    Além disso, no momento em que a recorrente convidou formalmente a Comissão a agir, em 26 de Maio de 1999, era «absurdo» satisfazer o seu pedido com base no parecer do CMV de 1997, dado que daí só teria podido resultar a fixação de um LMR provisório com uma «validade» limitada a 1 de Janeiro de 1999. Por conseguinte, a recorrente não teria um verdadeiro interesse em intentar uma acção por omissão. Segundo a Comissão, a recorrente teria mesmo mais interesse em que o parecer do CMV de 1997 fosse alterado a fim de prorrogar eventualmente a recomendação de classificar o altrenogest no Anexo III do regulamento de 1990.

52.
    Além disso, a Comissão alega, essencialmente, que a sua única preocupação, no procedimento de fixação do LMR para o altrenogest, foi a protecção da saúde pública, que as incertezas científicas relativas à existência de riscos para a saúde pública justificam que ela tenha adiado a sua decisão até estar plenamente informada e que não é obrigada a seguir, em todas as circunstâncias, o parecer do CMV, que só tem carácter consultivo.

Apreciação do Tribunal

53.
    Há que examinar, em primeiro lugar, a questão de saber se a recorrente tem interesse em demandar, atendendo ao facto de o parecer do CMV de 28 de Janeiro de 1997 só visar a inclusão do altrenogest no Anexo III do regulamento de 1990 até 1 de Janeiro de 1999.

54.
    Cabe aqui assinalar, antes de mais, que, na sua carta de interpelação de 26 de Maio de 1999, a recorrente recordou à Comissão que, por força do artigo 14.° do regulamento de 1990 (na redacção dada pelo Regulamento n.° 434/97), aadministração de medicamentos veterinários contendo substâncias farmacologicamente activas que não figuram nos Anexos I, II ou III, a animais destinados à produção de alimentos, é proibida na Comunidade a partir de 1 de Janeiro de 2000. Perante esta data-limite, a Comissão era interpelada para tomar as medidas necessárias para que a substância altrenogest fosse incluída no Anexo III do regulamento de 1990. A interpelação destinava-se, portanto, claramente a uma inclusão do altrenogest no Anexo III, para o período posterior a 1 de Janeiro de 2000.

55.
    Em seguida, observe-se que o período da inclusão provisória, inicialmente proposto pelo CMV no seu parecer de 28 de Janeiro de 1997, tinha já terminado, em 1999, na sequência da inacção da Comissão.

56.
    Por fim, há que assinalar que as disposições do regulamento de 1990 não se opõem a que a Comissão, eventualmente depois de ter consultado o CMV a este respeito, prepare um projecto de medidas relativo à inclusão de uma substância activa num dos anexos desse regulamento, por um período que vai para além do proposto pelo CMV.

57.
    Nestas condições, o argumento da Comissão, segundo o qual a recorrente não tem interesse em demandar, dado que o seu pedido não teria podido conduzir à fixação de um LMR por um período excedendo o prazo proposto pelo CMV, não pode ser acolhido.

58.
    Cabe examinar, em segundo lugar, a questão de saber se a carta da Comissão de 16 de Julho de 1999 constitui uma «tomada de posição» na acepção do artigo 232.° CE.

59.
    Resulta do artigo 232.°, segundo parágrafo, CE que uma acção por omissão não é admissível se, na sequência do convite a agir, a instituição em causa tiver tomado posição sobre este convite.

60.
    A carta de 16 de Julho de 1999 limita-se a expor as razões dos atrasos ocorridos na classificação do altrenogest num dos anexos do regulamento de 1990 e precisa que a Comissão cumprirá as formalidades previstas por este regulamento logo que seja conhecido o novo parecer do CMV.

61.
    Ora, uma carta de uma instituição, nos termos da qual se prossegue a análise das questões suscitadas, não constitui uma tomada de posição pondo termo a uma omissão (acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Março de 1961, SNUPAT/Alta Autoridade, 42/59 e 49/59, Recueil, pp. 99, 143, Colect. 1954-1961, p. 597, e de 22 de Maio de 1985, Parlamento/Conselho, 13/83, Recueil, p. 1513, n.° 25; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, Gestevision Telecinco/Comissão, T-95/96, Colect., p. II-3407, n.° 88).

62.
    A carta da Comissão de 16 de Julho de 1999 não pode, portanto, ser qualificada de «tomada de posição» na acepção do artigo 232.°, segundo parágrafo, CE.

63.
    Resulta das considerações precedentes que o pedido de declaração de omissão é admissível.

64.
    Todavia, em resposta às questões escritas do Tribunal, as partes comunicaram que o CMV formulou o seu segundo parecer em 8 de Dezembro de 1999 e que, nesse parecer, o CMV propôs a inclusão do altrenogest no Anexo III do regulamento de 1990 até 1 de Janeiro de 2002.

65.
    No seu documento de 17 de Outubro de 2001, a Comissão indicou que adoptou, em 25 de Julho de 2001, um projecto de regulamento sobre a inclusão do altrenogest no Anexo III do regulamento de 1990 até 1 de Janeiro de 2003, que submeteu este projecto ao comité de regulamentação em 1 de Agosto de 2001, que este comité deu um parecer desfavorável na sua reunião de 12 de Setembro de 2001 e que apresentará em breve a sua proposta ao Conselho de acordo com o procedimento previsto no artigo 8.° do regulamento de 1990. Na audiência, a Comissão precisou que submeteu efectivamente a sua proposta ao Conselho, em 16 de Outubro de 2001. A recorrente não contestou a exactidão destas informações.

66.
    Resulta destes factos, ocorridos depois da propositura da acção por omissão, que, ao adoptar um projecto de regulamento e ao submetê-lo, primeiro ao comité de regulamentação e em seguida ao Conselho, a Comissão tomou posição quanto ao convite a agir.

67.
    Segundo jurisprudência constante, quando essa tomada de posição ocorre posteriormente à propositura de uma acção por omissão, põe termo à inacção da Comissão e priva esta acção do seu objecto (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Março de 1997, Guérin automobiles/Comissão, C-282/95 P, Colect., p. I-1503, n.° 31, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Asia Motor France e o./Comissão, T-28/90, Colect., p. II-2285, n.os 34, 35 e 36).

68.
    Daqui resulta que não há lugar a decisão de mérito quando ao pedido de declaração de omissão.

Quanto às despesas

69.
    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Segundo o n.° 6 do mesmo artigo, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente quanto às despesas.

70.
    Dado que, por um lado, a recorrente foi vencida quanto ao seu pedido de anulação e, que, por outro, a tomada de posição da Comissão só ocorreu em 1 de Agosto de 2001, o Tribunal considera que será feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo-se que a Comissão suportará as suas próprias despesas, bem como metade das despesas da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1.
    O pedido de anulação é inadmissível.

2.
    Por inutilidade superveniente da lide, não há que decidir do pedido de declaração de omissão.

3.
    A Comissão suportará as suas próprias despesas, bem como metade das despesas da recorrente.

Moura Ramos
Pirrung
Meij

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 7 de Março de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: inglês.