Language of document : ECLI:EU:T:2021:92

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

17 de fevereiro de 2021 (*)

«Auxílios de Estado — Mercado francês do transporte aéreo — Moratória sobre o pagamento da taxa de aviação civil e da taxa de solidariedade sobre os bilhetes de avião devidos mensalmente durante o período de março a dezembro de 2020 no contexto da pandemia de COVID‑19 — Decisão de não levantar objeções — Auxílio destinado a reparar os danos causados por um acontecimento extraordinário — Livre prestação de serviços — Igualdade de tratamento — Critério da posse de uma licença emitida pelas autoridades francesas — Proporcionalidade — Artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE — Dever de fundamentação»

No processo T‑259/20,

Ryanair DAC, com sede em Swords (Irlanda), representada por E. Vahida, F.‑C. Laprévote, S. Rating e I.‑G. Metaxas‑Maranghidis, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, S. Noë e C. Georgieva‑Kecsmar, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

República Francesa, representada por E. de Moustier, C. Mosser, A. Daniel e P. Dodeller, na qualidade de agentes,

interveniente,

que tem por objeto, com base no artigo 263.o TFUE, um pedido de anulação da Decisão C(2020) 2097 final da Comissão, de 31 de março de 2020, relativa ao auxílio de Estado SA.56765 (2020/N) — França — COVID‑19 — Moratória sobre o pagamento de taxas aeronáuticas a favor das companhias de transporte aéreo público,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada),

composto por: M. van der Woude, presidente, A. Kornezov, E. Buttigieg (relator), K. Kowalik‑Bańczyk e G. Hesse, juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 23 de setembro de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 24 de março de 2020, a República Francesa notificou à Comissão Europeia, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 3, TFUE, uma medida de auxílio sob a forma de moratória no pagamento da taxa de aviação civil e da taxa de solidariedade sobre os bilhetes de avião devidas mensalmente durante o período entre março e dezembro de 2020 (a seguir «regime de auxílios em causa»).

2        O regime de auxílios em causa, que visa assegurar que as companhias aéreas titulares de uma licença de exploração emitida em França em aplicação do artigo 3.o do Regulamento (CE) n.o 1008/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de setembro de 2008, relativo a regras comuns de exploração dos serviços aéreos na Comunidade (JO 2008, L 293, p. 3) (a seguir «licença francesa»), possam ter liquidez suficiente até ao levantamento das restrições ou proibições de deslocação e ao regresso a uma atividade comercial normal, difere assim o pagamento desses impostos a 1 de janeiro de 2021 e reparte, em seguida, o pagamento por um período de 24 meses, a saber, até 31 de dezembro de 2022. O montante exato das taxas é determinado em função do número de passageiros transportados e do número de voos efetuados a partir de um aeroporto francês. Além disso, o regime de auxílios em causa beneficiará as empresas de transporte aéreo público titulares de uma licença francesa, o que implica que tenham o seu «estabelecimento principal» em França (v. n.o 29, infra).

3        Em 31 de março de 2020, a Comissão adotou a Decisão C(2020) 2097 final, relativa ao auxílio estatal SA.56765 (2020/N) — França — COVID‑19 — Moratória sobre o pagamento de taxas aeronáuticas a favor das companhias de transporte aéreo público (a seguir «decisão impugnada»), pela qual, após ter concluído que a medida em causa constituía um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, avaliou a sua compatibilidade com o mercado interno à luz do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

4        A este respeito, em primeiro lugar, a Comissão considerou, nomeadamente, que a epidemia de COVID‑19 constituía um acontecimento extraordinário na aceção do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE e que existia um nexo de causalidade entre os danos causados por esse acontecimento e o prejuízo compensado pelo regime de auxílios em causa, na medida em que esse último visava reduzir a crise de liquidez das companhias aéreas, devida à pandemia de COVID‑19, dando uma resposta às necessidades de liquidez das empresas de transporte aéreo público titulares de uma licença francesa.

5        Em segundo lugar, após ter recordado que decorria da jurisprudência do Tribunal de Justiça que só podiam ser compensadas as desvantagens económicas causadas diretamente por um acontecimento extraordinário e que a compensação não podia exceder o montante dessas desvantagens, a Comissão começou por considerar que o regime de auxílios em causa era proporcionado face ao montante dos prejuízos esperados, na medida em que o montante do auxílio previsional era inferior aos danos comerciais esperados devido à crise resultante da pandemia de COVID‑19.

6        Em seguida, a Comissão considerou que o regime de auxílios em causa estava claramente estabelecido de forma não discriminatória, uma vez que os beneficiários do regime incluíam todas as companhias aéreas titulares de licenças francesas. A este respeito, sublinhou que o facto de, no caso em apreço, o auxílio ser concedido através de uma moratória sobre determinadas taxas que oneravam também o orçamento das companhias aéreas titulares de licenças de exploração emitidas por outros Estados‑Membros não tinha impacto no seu caráter não discriminatório, uma vez que o regime de auxílios em causa visava claramente compensar os prejuízos sofridos pelas companhias aéreas titulares de licenças francesas. A cobertura do regime de auxílio em causa continuava proporcionada à luz do seu objetivo de compensar os danos causados pela pandemia de COVID‑19. Designadamente, o regime de auxílio em causa contribuiria para preservar a estrutura do setor aéreo para as companhias aéreas titulares de licenças francesas. Consequentemente, a Comissão entendeu que as autoridades francesas demonstraram nessa fase que o regime de auxílios em causa não excederia os danos diretamente causados pela crise devida à pandemia de COVID‑19.

7        A Comissão decidiu, portanto, tendo em conta os compromissos assumidos pela República Francesa, nomeadamente o de lhe transmitir e obter a validação de uma metodologia detalhada da forma como esse Estado‑Membro pretendia quantificar, a posteriori e para cada beneficiário, o montante dos danos relacionados com a crise causada pela pandemia de COVID‑19, não formular objeções em relação ao regime de auxílios em causa.

 Tramitação do processo e pedidos das partes

8        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 8 de maio de 2020, a recorrente interpôs o presente recurso.

9        Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral no mesmo dia, a recorrente requereu ao Tribunal Geral que julgasse o presente recurso por tramitação acelerada, nos termos do artigo 151.o e 152.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Por Decisão de 29 de maio de 2020, o Tribunal Geral (Segunda Secção) deferiu o pedido de tramitação acelerada.

10      A Comissão apresentou a contestação na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de junho de 2020.

11      Nos termos do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a recorrente apresentou, em 30 de junho de 2020, um pedido fundamentado de realização de audiência.

12      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal em 20 de julho de 2020, a República Francesa pediu para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão. Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 28 de julho de 2020, a recorrente pediu, nos termos do artigo 144.o, n.o 7, do Regulamento de Processo, que certos dados relativos ao número de reservas e ao número esperado de passageiros, contidos na petição, na versão resumida da petição e nos respetivos anexos não fossem comunicados à República Francesa. Em consequência, juntou uma versão não confidencial da petição, da versão resumida da petição e dos respetivos anexos.

13      Sob proposta da Décima Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

14      Por Despacho de 5 de agosto de 2020, o presidente da Décima Secção alargada do Tribunal Geral admitiu a intervenção da República Francesa e limitou provisoriamente a comunicação da petição, da versão resumida da petição e dos respetivos anexos às versões não confidenciais apresentadas pela recorrente, aguardando as eventuais observações da República Francesa sobre o pedido de tratamento confidencial.

15      Por medida de organização do processo de 6 de agosto de 2020, a República Francesa foi autorizada, nos termos do artigo 154.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a apresentar articulado de intervenção.

16      Em 21 de agosto de 2020, a República Francesa apresentou na Secretaria do Tribunal Geral o seu articulado de intervenção, sem formular objeções relativamente ao pedido de tratamento confidencial apresentado pela recorrente.

17      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

19      A República Francesa conclui pela inadmissibilidade do recurso na parte em que se destina a contestar o mérito da apreciação do auxílio enquanto tal e pela sua improcedência de mérito no restante. A título subsidiário, pede que seja negado provimento ao recurso na íntegra.

 Questão de direito

20      Importa recordar que o juiz da União Europeia pode apreciar, consoante as circunstâncias de cada caso específico, se uma boa administração da justiça justifica negar provimento a um recurso sem decidir previamente sobre a sua admissibilidade (v., neste sentido, Acórdãos de 26 de fevereiro de 2002, Conselho/Boehringer, C‑23/00 P, EU:C:2002:118, n.os 51 e 52, e de 14 de setembro de 2016, Trajektna luka Split/Comissão, T‑57/15, não publicado, EU:T:2016:470, n.o 84). Consequentemente, tendo em conta, em especial, as considerações que conduziram à concessão de tramitação acelerada do presente processo e da importância dada, tanto pela recorrente como pela Comissão e pela República Francesa, a uma resposta rápida quanto ao mérito, importa conhecer desde logo do mérito do recurso, sem conhecer previamente da sua admissibilidade.

21      A recorrente invoca quatro fundamentos de recurso. O primeiro fundamento é relativo, em substância, a uma violação dos princípios da não discriminação em razão da nacionalidade e da livre prestação de serviços, o segundo é relativo a um erro manifesto de apreciação na análise da proporcionalidade do regime de auxílios em causa à luz dos danos causados pela pandemia de COVID‑19, o terceiro é relativo a uma violação dos direitos processuais derivados do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e o quarto fundamento é relativo à violação do dever de fundamentação.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos princípios da não discriminação em razão da nacionalidade e da livre prestação de serviços

22      O primeiro fundamento é composto, essencialmente, por quatro partes, a saber, a violação do artigo 18.o TFUE, a violação do princípio da proporcionalidade, a existência de um erro manifesto de apreciação e a violação do princípio da livre prestação de serviços, violado de forma injustificada. Antes de proceder ao seu exame, importa verificar o cumprimento dos requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

23      Nos termos do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), do Tratado, «[s]ão compatíveis com o mercado interno: […] b) os auxílios destinados a remediar os danos causados por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários». Resulta a esse respeito da jurisprudência que essa disposição visa os auxílios que são compatíveis ipso jure com o mercado interno na condição de preencherem determinados critérios objetivos. Daí decorre que a Comissão é obrigada a declarar esses auxílios compatíveis com o mercado interno, sempre que esses critérios estejam preenchidos e sem dispor de qualquer poder de apreciação a esse respeito (Acórdão de 25 de junho de 2008, Olympiaki Aeroporia Ypiresies/Comissão, T‑268/06, EU:T:2008:222, n.o 51; v., também, neste sentido, Acórdão de 17 de setembro de 1980, Philip Morris/Comissão, 730/79, EU:C:1980:209, n.o 17).

24      Por conseguinte, só podem ser compensados, na aceção dessa disposição, os prejuízos causados diretamente por calamidades naturais ou por outros acontecimentos extraordinários. Deve existir um nexo direto entre os prejuízos causados pelo acontecimento extraordinário e o auxílio de Estado, e é necessária uma avaliação tão precisa quanto possível dos prejuízos sofridos (v. Acórdão de 23 de fevereiro de 2006, Atzeni e o., C‑346/03 e C‑529/03, EU:C:2006:130, n.o 79 e jurisprudência aí referida).

25      A Comissão deve, seguidamente, verificar se as medidas de auxílio em causa se prestam ou não a ser utilizadas para remediar os danos causados por acontecimentos extraordinários e afasta medidas de natureza geral e independente dos danos alegadamente provocados por esses acontecimentos (v, neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 2018, Larko/Comissão, T‑423/14, EU:T:2018:57, n.o 38). É igualmente necessário que o Estado‑Membro em causa limite o montante da compensação ao necessário para reparar os prejuízos sofridos pelos beneficiários da medida em causa.

26      No caso em apreço, é incontestável que a pandemia de COVID‑19 constitui um acontecimento extraordinário na aceção do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE. A decisão impugnada expõe os critérios da prática decisória da Comissão a este respeito no n.o 29 e indica em seguida por que razão a pandemia de COVID‑19 corresponde aos mesmos. A recorrente, não deixando de estar de acordo, alegou, no entanto, na audiência, que, nos seus articulados, a Comissão e a República Francesa consideravam que as medidas de restrição de transporte e de confinamento adotadas por esse Estado‑Membro constituíam o referido evento, e não a própria pandemia. Na realidade, como demonstra a Comissão no n.o 35 da contestação, esclarecido pela nota de rodapé n.o 18, a referida pandemia e as medidas tomadas pelas autoridades francesas para a enfrentar são consideradas, no seu conjunto, o acontecimento extraordinário em questão, como resulta da redação expressa dos n.os 15 e 50 da decisão impugnada. Com efeito, as referidas medidas, excecionalmente restritivas, nomeadamente no que respeita à liberdade de circulação, tanto em França como na União Europeia, só encontram a sua razão de ser na vontade de limitar a propagação da pandemia. Esta ditou as medidas em questão, tendo elas próprias produzido os seus efeitos nas companhias aéreas que operam no mercado francês. O nexo de causalidade entre o acontecimento extraordinário e o dano é, portanto, contínuo. Semelhante abordagem resulta, de resto, da jurisprudência. Assim, o Tribunal Geral salientou, no Acórdão de 25 de junho de 2008, Olympiaki Aeroporia Ypiresies/Comissão (T‑268/06, EU:T:2008:222, n.o 49), que a Comissão tinha, acertadamente, recordado o caráter de acontecimento extraordinário do encerramento do espaço aéreo dos Estados Unidos de 11 a 14 de setembro de 2001 e concluiu que não eram apenas os atentados, mas também o encerramento do espaço aéreo que eram qualificados de acontecimentos extraordinários.

27      O nexo de causalidade exigido pelo artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE está, portanto, demonstrado entre a pandemia de COVID‑19, bem como as medidas de restrição e de confinamento tomadas pelas autoridades francesas, e os danos económicos sofridos pelas companhias aéreas que operam em França, tendo caído o transporte aéreo, nomeadamente de passageiros (v. n.os 35 a 37 da decisão impugnada), para um nível quase nulo no território francês.

 Quanto às três primeiras partes do primeiro fundamento, relativas à violação do artigo 18.o TFUE, à violação do princípio da proporcionalidade e à existência de um erro manifesto de apreciação

28      No caso em apreço, em primeiro lugar, o regime de auxílios em causa consiste na concessão de uma moratória relativa ao pagamento de taxas aeronáuticas em benefício de transportadoras aéreas que dispõem de uma licença francesa, o que implica a presença do seu «estabelecimento principal» em França (v. n.o 29, infra). Esse regime é limitado no tempo, uma vez que incide sobre o montante das taxas normalmente exigíveis numa base mensal relativamente ao período entre março e dezembro de 2020. Como resulta do n.o 2, supra, a expressão «licença francesa» remete para uma licença emitida pelas autoridades francesas, nos termos do artigo 3.o do Regulamento n.o 1008/2008.

29      Em segundo lugar, nos termos do artigo 2.o, ponto 26, do Regulamento n.o 1008/2008, o «estabelecimento principal» é a sede efetiva ou a sede estatutária de uma transportadora aérea da União, situada no Estado‑Membro em que a transportadora aérea da União exerce as principais funções financeiras e a fiscalização das operações, incluindo a gestão contínua da aeronavegabilidade. O conceito de estabelecimento principal corresponde, na prática, à sede social do referido transportador (v., neste sentido, Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 66). Por conseguinte, é exato, como sustenta a recorrente, que, para uma determinada pessoa jurídica, o referido regulamento só permite a constituição de um estabelecimento principal e, consequentemente, a emissão de uma única licença, pelas autoridades do Estado‑Membro em cujo território está situado esse estabelecimento principal. Não é menos verdade que uma companhia aérea pode obter várias licenças mediante a criação de várias pessoas coletivas distintas, por exemplo através da criação de filiais.

30      Feitas estas precisões, há que recordar que, em conformidade com a jurisprudência, resulta da sistemática geral do Tratado que o procedimento previsto no artigo 108.o do Tratado não deve nunca conduzir a um resultado que seja contrário às disposições específicas do Tratado. Assim sendo, um auxílio de Estado que, em algumas das suas modalidades, viole outras disposições do Tratado não pode ser declarado compatível com o mercado interno pela Comissão. De igual modo, um auxílio de Estado que, em algumas das suas modalidades, viole os princípios gerais do direito da União, como o princípio da igualdade de tratamento, não pode ser declarado compatível com o mercado interno pela Comissão (Acórdão de 15 de abril de 2008, Nuova Agricast, C‑390/06, EU:C:2008:224, n.os 50 e 51).

31      No caso em apreço, há que reconhecer que o critério de elegibilidade da posse de uma licença francesa tem como consequência um tratamento diferente das transportadoras aéreas que têm o seu estabelecimento principal em França, suscetíveis de beneficiar da moratória concedida pelo Estado, e das que têm esse estabelecimento noutro Estado‑Membro e que operam em França, com destino a França e a partir de França ao abrigo da livre prestação de serviços e da liberdade de estabelecimento, que não podem invocar esse critério.

32      Admitindo que, como afirma a recorrente, essa diferença de tratamento possa ser equiparada a uma discriminação na aceção do artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE, importa sublinhar que, segundo essa disposição, é proibida toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade no âmbito de aplicação dos Tratados «sem prejuízo das suas disposições especiais». Por conseguinte, importa verificar se esta diferença de tratamento é permitida à luz do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, que constitui a base jurídica da decisão impugnada. Este exame implica, por um lado, que o objetivo do regime de auxílios em causa satisfaça as exigências desta última disposição e, por outro, que as modalidades de concessão do auxílio não ultrapassem o necessário para alcançar esse objetivo.

33      Em primeiro lugar, quanto ao objetivo do regime de auxílios em causa, há que observar que este, de acordo com a redação do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, é, de forma geral, remediar, no setor do transporte aéreo, o dano resultante do acontecimento extraordinário em causa. Por conseguinte, a finalidade específica do regime de auxílio em causa não é a manutenção da estrutura do mercado aeronáutico em França como tal, como sustenta a recorrente (n.o 66, in limine, da petição), mas sim, como acertadamente alega a Comissão, reduzir, pela concessão de uma moratória, os encargos das transportadoras aéreas afetadas duramente pelas medidas de restrição de transporte e de confinamento tomadas pela República Francesa para enfrentar a pandemia de COVID‑19 (v., a esse respeito, os pontos 2 e 3 da decisão impugnada, sob a epígrafe «Objetivo da medida») e, mais especificamente, pela alavanca fiscal, diferir o pagamento das duas taxas aeronáuticas em questão, devidas pelo período entre março e dezembro de 2020, em benefício das transportadoras aéreas que possuem uma licença francesa, quer dizer, não uma licença nacional, como a recorrente pretende dar a entender, mas sim uma licença de exploração da União emitida pelas autoridades francesas nos termos do Regulamento n.o 1008/2008. Na medida em que, no momento da adoção da decisão impugnada, essas medidas de restrição de transporte e de confinamento já tinham levado à imobilização de um grande número de aparelhos e, por isso, essa situação se deteriorou, levando ao encerramento de aeroportos no território francês e levando à anulação de quase todos os voos previstos no auge do período de confinamento, verifica‑se que uma medida como o regime de auxílios em causa visa efetivamente atenuar o prejuízo sofrido pelas transportadoras aéreas que operam no território em causa devido às restrições de transporte e de confinamento decididas pela República Francesa.

34      Há que considerar que, uma vez provada a existência de um acontecimento extraordinário relativo aos danos que o regime de auxílios em causa pretende reparar e que, mais especificamente, o referido regime visa aligeirar as despesas das companhias aéreas fortemente afetadas pelas medidas de restrição de transporte e de confinamento adotadas pela República Francesa para fazer face à pandemia de COVID‑19, o objetivo do regime de auxílios em causa cumpre os requisitos impostos pelo artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

35      Em segundo lugar, quanto ao exame de que as modalidades de concessão do auxílio não excedem o necessário para atingir o objetivo do regime de auxílios em causa e cumprem os requisitos impostos pelo artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, cabe fazer as seguintes considerações.

36      Em primeiro lugar, quanto ao caráter adequado do regime de auxílios em causa, há que salientar que as modalidades do regime de auxílios em causa consistem na ausência temporária de cobrança de taxas através da concessão de uma moratória às empresas elegíveis, a saber, as titulares de uma licença francesa.

37      Por conseguinte, por um lado, a reparação dos danos não se verifica ao tomar como critério de repartição, enquanto tal, a nacionalidade das vítimas desses danos, antes exige, de facto, um nexo institucional com o lugar onde ocorrem os danos causados pelas medidas de restrição de transporte e de confinamento, concretamente, o lugar do estabelecimento principal, na medida em que o critério de elegibilidade para o regime de auxílios em causa é a emissão de uma licença francesa, a qual pressupõe que o lugar do estabelecimento principal da companhia aérea se encontra em França. Por outro lado, esse nexo, na realidade, é também temporal, uma vez que, como indica a recorrente no n.o 59 da petição, não é fácil obter uma licença de outro Estado‑Membro, uma vez que uma companhia aérea deve, assim, não só transferir o lugar do seu estabelecimento principal mas ainda fazer um novo pedido de licença de exploração, ao passo que uma prestação de serviços pode cessar de um dia para o outro. É, portanto, normal que o Estado‑Membro em causa procure assegurar uma presença estável das companhias aéreas que podem beneficiar do regime de auxílio em causa, para que possam estar presentes no território francês para honrar o pagamento diferido das taxas concedido, de modo a que a inexistência de entradas fiscais seja, a médio prazo, a menor possível. Ora, o critério da posse de uma licença francesa, na medida em que implica a presença do estabelecimento principal das companhias aéreas no território francês, permite assegurar uma certa estabilidade da presença, pelo menos administrativa e financeira, destas últimas, de modo a que as autoridades do Estado‑Membro que concede o auxílio possam controlar a forma como este é utilizada pelos beneficiários, o que não seria o caso se a República Francesa tivesse adotado outro critério que permitisse a elegibilidade de companhias aéreas que operam no território francês sob uma licença emitida por um outro Estado‑Membro, à semelhança da recorrente, apresentando uma prestação de serviços um caráter mais incerto quanto à sua duração, porquanto pode terminar num prazo muito curto, para não dizer de imediato.

38      Em segundo lugar, as modalidades de concessão do auxílio, que têm caráter fiscal, refletem a possibilidade e a obrigação de as autoridades francesas procederem a um controlo financeiro dos beneficiários. Ora, essa possibilidade e essa obrigação apenas existem para as companhias aéreas detentoras de uma licença francesa, uma vez que as autoridades francesas são as únicas com competência para monitorizar a sua situação financeira, em conformidade com as obrigações decorrentes, nomeadamente, do artigo 5.o e do artigo 8.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1008/2008, como é referido no ponto 46 da decisão impugnada. Esse ponto dispõe, com efeito, que o regime de auxílios em causa «prevê também que as perdas comerciais por empresa beneficiária serão avaliadas e quantificadas a posteriori pela Direção Geral da Aviação Civil com base nas contas de exploração certificadas e auditadas para o ano de 2020 fornecidas por cada uma das companhias aéreas beneficiárias do auxílio» e que «[a] concessão dos auxílios será condicionada ao fornecimento pelas empresas de transporte público aéreo dos documentos comprovativos necessários ao cálculo dos danos». Em contrapartida, as autoridades francesas não dispõem de qualquer competência, por força do referido regulamento, para monitorizar a situação financeira das companhias aéreas que não dispõem de uma licença francesa.

39      Em terceiro lugar, embora seja verdade que o Tribunal de Justiça considerou que, na prática, o conceito de estabelecimento principal correspondia ao da sede social (v. n.o 29, supra) e que uma mudança de sede social podia ocorrer de forma relativamente rápida, não se pode deixar de ter em conta que o artigo 2.o, ponto 26, do Regulamento n.o 1008/2008 introduz outras precisões, em especial a de a gestão da aeronavegabilidade permanente dever ser efetuada a partir do local do estabelecimento principal, isto é, no caso presente, em França. Esta consideração é corroborada pelo artigo 5.o (relativo às condições financeiras da concessão das licenças de exploração), pelo artigo 7.o (relativo à prova de honorabilidade) ou pelo artigo 8.o (relativo à validade das licenças de exploração) do Regulamento n.o 1008/2008. Estas disposições estabelecem obrigações regulamentares recíprocas entre as companhias aéreas detentoras de uma licença francesa e as autoridades francesas e, assim, um vínculo específico e estável entre elas que responde de forma adequada aos requisitos previstos no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, que exigem que o auxílio se destine a sanar os danos causados por acontecimentos extraordinários. Além disso, a perda desse vínculo com o Estado‑Membro em causa que seria constituída pela transferência do estabelecimento principal para outro Estado‑Membro não se pode resumir a uma simples mudança de sede social, na medida em que, como a própria recorrente observa no n.o 59 da petição, a companhia aérea deve, além disso, cumprir todas as diligências administrativas nesse último Estado para obter uma nova licença de exploração e preencher todas as condições necessárias para esse efeito, sendo o facto de obter o reconhecimento do lugar do seu novo estabelecimento principal só um elemento.

40      Por conseguinte, é certo que, ao adotar este critério, a República Francesa procurou, em substância, assegurar‑se da existência de um vínculo duradouro entre si e as companhias aéreas beneficiárias da sua garantia, traduzida na presença de uma entidade jurídica importante, a saber, o estabelecimento principal destas últimas, no seu território, que não existiria junto de companhias que operam sob uma licença emitida por outro Estado‑Membro, na medida em que essas não estão sujeitas à supervisão financeira e à honorabilidade das autoridades francesas, nos termos do Regulamento no 1008/2008 e que, não existe, na sua situação, esse vínculo recíproco estável e específico entre o Estado‑Membro e as companhias possuidoras de uma licença de exploração que esse Estado emitiu.

41      Assim, ao limitar o benefício do auxílio apenas às companhias aéreas detentoras de uma licença francesa, devido aos vínculos estáveis e recíprocos que os ligam à economia francesa, o regime de auxílios em causa é adequado para atingir o objetivo de sanar os danos causados por um acontecimento extraordinário na aceção do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

42      Decorre destas considerações que é erradamente que a recorrente sustenta que, uma vez que o seu estabelecimento principal se situa na Irlanda, que detém no mercado de transporte de passageiros a partir de França e com destino a França uma quota de mercado significativa de cerca de 7 %, que é a terceira companhia aérea e participa na estrutura do mercado aéreo francês desde 1997 (n.o 66 da petição), a Comissão cometeu um erro de apreciação ao excluir companhias aéreas como a sua, na medida em que o Estado‑Membro em causa não dispõe junto de companhias que operam sob uma licença emitida por outro Estado‑Membro de meios que permitam proceder às verificações descritas no ponto 46 da decisão impugnada. Além disso, essa quota de mercado apenas se refere ao transporte aéreo de passageiros, com exclusão da carga, e diz respeito, por definição, a um período anterior aos acontecimentos extraordinários, quando o que se trata, segundo a jurisprudência acima referida no n.o 24, é de avaliar o mais detalhadamente possível os danos sofridos.

43      Em quarto lugar, quanto ao caráter proporcionado do regime de auxílios em causa, há que considerar que, ao adotar o critério da licença francesa, o Estado‑Membro em causa, tendo em conta, como acertadamente salienta a Comissão, o facto de os Estados‑Membros não terem recursos ilimitados, reservou o benefício do regime de auxílios em causa às companhias aéreas mais duramente afetadas pelas medidas de restrição de transporte e de confinamento adotadas por esse mesmo Estado e que têm, por definição, efeitos no seu território. Como alega a Comissão na contestação, em 2019, a Air France realizou 98,83 % dos seus voos em França, a partir de França e com destino a França, a Transavia.com 97,05 % e essa percentagem é de 100 % para a Hop!, Aigle Azur, Air Corsica, Corsair, XL Airways France, etc. Em contrapartida, os voos em França, com destino a França e a partir de França representaram uma parte menos significativa das atividades das outras companhias, a saber, por exemplo, 22,99 % para a easyJet, 8,3 % para a recorrente, 18,93 % para a Vueling airlines, etc.

44      Estes dados demonstram que as companhias aéreas elegíveis são proporcionalmente mais duramente afetadas do que a recorrente, que, tendo em conta os últimos dados fornecidos, só realizava 8,3 % da sua atividade em França, com destino a França e a partir de França, contra 100 % para algumas das companhias elegíveis.

45      Em quinto lugar, a recorrente propõe a hipótese de um regime de auxílios alternativo baseado nas quotas de mercado respetivas das companhias aéreas. Na audiência, evocou outros critérios possíveis, como o número de passageiros transportados ou as rotas.

46      Todavia, segundo a jurisprudência, a Comissão não tem de se pronunciar abstratamente sobre todas as medidas alternativas suscetíveis de serem consideradas, uma vez que o Estado‑Membro em causa, embora deva expor de forma circunstanciada as razões que presidiram à adoção do regime de auxílios em causa, em particular quanto aos critérios de elegibilidade adotados, não é obrigado a demonstrar, de forma positiva, que nenhuma outra medida imaginável, por definição hipotética, poderia permitir assegurar melhor o objetivo prosseguido. Embora o Estado‑Membro não esteja sujeito a tal obrigação, a recorrente não tem fundamento para vir pedir ao Tribunal Geral que imponha à Comissão que se substitua às autoridades nacionais nessa missão de prospeção normativa para avaliar qualquer medida alternativa a encarar (v., neste sentido, Acórdão de 6 de maio de 2019, Scor/Comissão, T‑135/17, não publicado, EU:T:2019:287, n.o 94 e jurisprudência aí referida).

47      Em todo o caso, há que salientar que, pelas razões acima indicadas nos n.os 37 a 41, a extensão do regime de auxílios em causa a companhias não estabelecidas em França não teria permitido atingir de forma tão precisa e sem risco de sobrecompensação o objetivo do referido regime, na medida em que, como foi acima sublinhado no n.o 42, a exigência de uma tomada em consideração do transporte aéreo em conexão com a França na sua globalidade não teria sido tão bem assegurada, adotando os critérios propostos pela recorrente, pelo que foi corretamente que a Comissão os não aprovou.

48      Por conseguinte, ao concentrar o regime de auxílios em causa num dos setores económicos mais afetados pelas consequências das medidas de restrição do transporte e de confinamento, a saber, o setor dos transportes aéreos, e ao visar, nesse setor, as companhias aéreas detentoras de uma licença francesa, o Estado‑Membro em causa respondeu ao imperativo jurisprudencial acima recordado no n.o 32, e a Comissão não tinha de sancionar essa delimitação, desde que a escolha desse critério de elegibilidade permitisse assegurar a proporcionalidade do regime de auxílios em causa.

49      A Comissão, na decisão impugnada, aprovou, portanto, um regime de auxílios destinado efetivamente a reparar os danos causados pelo acontecimento extraordinário constituído pela ocorrência da pandemia de COVID‑19 e as medidas de restrição e de confinamento adotadas pela República Francesa para lhe responder e que não excedia, nas suas modalidades de concessão do auxílio, o que era necessário para atingir o objetivo do referido regime. Por conseguinte, não se pode deixar de observar, à luz dos princípios acima recordados no n.o 32, que as consequências que o referido regime implica na medida em que as autoridades francesas limitaram o seu âmbito de aplicação às companhias aéreas detentoras de uma licença francesa, não violam o artigo 18.o, primeiro parágrafo, TFUE pelo simples facto de favorecer as companhias aéreas que dispõem do seu estabelecimento principal no território francês.

50      Resulta do exposto que o objetivo do regime de auxílios em causa cumpre os requisitos da derrogação prevista no artigo 107.o, n.o 3, alínea b), TFUE e que as modalidades de concessão do auxílio não vão além do necessário para atingir esse objetivo.

51      Por conseguinte, há que rejeitar as três primeiras partes do primeiro fundamento, sem que seja necessário decidir sobre a admissibilidade dos anexos A.3.1 e A.3.2 da petição, que contêm relatórios elaborados pelos peritos da recorrente, contestada pela Comissão.

 Quanto à quarta parte do primeiro fundamento, relativa à violação do princípio da livre prestação de serviços, violado de forma injustificada

52      A recorrente recorda, por um lado, que uma restrição à livre prestação de serviços é lícita se for justificada por uma razão imperiosa de interesse geral, não discriminatória, necessária e proporcionada ao objetivo de interesse geral prosseguido e, por outro, que esses pressupostos são cumulativos e que uma restrição se torna injustificada mesmo que um só deles não esteja preenchido. Entende ser o caso do processo principal. Com efeito, o regime de auxílios em causa é, em primeiro lugar, discriminatório, uma vez que trata as companhias aéreas de forma diferente em função do Estado‑Membro que emitiu a sua licença de exploração na União, quando todas as companhias aéreas da União que operem em França sofreram danos causados pela pandemia de COVID‑19, que o regime de auxílios em causa visa remediar, e fazem parte da estrutura do setor aéreo, que o referido regime visa preservar. Em seguida, o regime de auxílios em causa não é proporcionado, dado que vai além do necessário para atingir o seu objetivo, pois este, que é reparar os danos causados pela pandemia de COVID‑19 e preservar a estrutura do setor aéreo, poderia ser atingido sem prejudicar a livre prestação de serviços se beneficiasse todas as companhias aéreas que operam em França, independentemente do Estado‑Membro que tivesse emitido a sua licença de exploração da União, tendo em conta, simplesmente, a sua contribuição global para as taxas relativas ao regime de auxílio em causa.

53      Por último, o objetivo de interesse geral de compensação do setor aéreo pelas perdas devidas à pandemia de COVID‑19, a fim de preservar a estrutura deste, não torna necessário ajudar unicamente as companhias aéreas detentoras de uma licença francesa, uma vez que as companhias aéreas que operam em França ao abrigo de uma licença emitida por outro Estado‑Membro são igualmente importantes para a estrutura do setor aéreo em França e em toda a União. Em contrapartida, auxiliar as companhias aéreas nacionais implica a fragmentação do mercado interno e a eliminação dos concorrentes dos outros Estados‑Membros, enfraquece a concorrência, agrava os prejuízos causados pela pandemia de COVID‑19, acaba por prejudicar a estrutura do setor aéreo que o regime de auxílios em causa deve preservar e restringe os direitos das transportadoras da União de fornecerem livremente serviços de transporte aéreo no mercado interno, independentemente do Estado‑Membro que tenha emitido a sua licença.

54      A título preliminar, na medida em que a recorrente baseia a sua argumentação na existência de uma discriminação resultante do regime de auxílios em causa e na falta de proporcionalidade que caracteriza este último, há que remeter para o exame das três primeiras partes do primeiro fundamento.

55      Relativamente ao artigo 56.o TFUE, há que observar que, nos termos do artigo 58.o, n.o 1, TFUE, a livre prestação de serviços em matéria de transportes é regulada pelas disposições constantes do título relativo aos transportes, ou seja, o título VI do Tratado FUE. A livre prestação de serviços em matéria de transportes está, portanto, sujeita, no âmbito do direito primário, a um regime jurídico específico (Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 36). Por conseguinte, o artigo 56.o TFUE não é aplicável enquanto tal ao domínio dos transportes aéreos (Acórdão de 25 de janeiro de 2011, Neukirchinger, C‑382/08, EU:C:2011:27, n.o 22).

56      Por conseguinte, é apenas com base no artigo 100.o, n.o 2, TFUE que podem ser adotadas medidas de liberalização dos serviços de transportes aéreos (Acórdão de 18 de março de 2014, International Jet Management, C‑628/11, EU:C:2014:171, n.o 38). Ora, o legislador da União adotou o Regulamento n.o 1008/2008, com base nessa disposição, que tem precisamente por objeto definir, no setor do transporte aéreo, as condições de aplicação do princípio da livre prestação de serviços (v., por analogia, Acórdão de 6 de fevereiro de 2003, Stylianakis, C‑92/01, EU:C:2003:72, n.os 23 e 24). No entanto, não se pode deixar de observar que a recorrente não alega qualquer violação deste regulamento.

57      Em todo o caso, embora seja verdade que, devido à definição do perímetro do regime de auxílios em causa, a recorrente se encontra privada do acesso à moratória sobre a cobrança das taxas em causa concedida pela República Francesa, não demonstra em que medida essa exclusão é suscetível de a dissuadir de prestar serviços de e a partir de França. A recorrente não identificou, nomeadamente, os elementos de facto ou de direito que fazem com que o regime de auxílios em causa produza efeitos restritivos que vão além dos que desencadeiam a proibição do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, mas que, como foi declarado no âmbito das três primeiras partes do primeiro fundamento, são, no entanto, necessários e proporcionados para reparar os danos causados pelo acontecimento extraordinário constituído pela pandemia, em conformidade com as exigências do artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE.

58      Decorre do exposto que nenhuma das partes do primeiro fundamento pode ser acolhida e, portanto, que o referido fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a um erro manifesto de apreciação na análise, pela Comissão, da proporcionalidade do auxílio face aos danos causados pela crise da COVID19

59      Com o seu segundo fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão não procedeu a uma apreciação adequada do valor da vantagem concedida aos beneficiários do auxílio e que, portanto, cometeu um erro manifesto de apreciação.

60      A este respeito, a recorrente recorda, em especial, que, na decisão impugnada, a Comissão apreciou a proporcionalidade do volume do auxílio à luz dos danos causados pela crise da COVID‑19 e concluiu que o montante do volume do auxílio era de 29,9 milhões de euros. Este montante foi calculado para refletir o montante dos juros que os beneficiários do auxílio deveriam ter pago para obter um montante em dinheiro igual ao montante das taxas cujo pagamento é diferido pelo auxílio. Ora, tal raciocínio é manifestamente errado sob dois aspetos.

61      Com efeito, em primeiro lugar, resulta do n.o 47 da decisão impugnada que o cálculo do volume do auxílio pela Comissão se baseia na aplicação de uma taxa de referência Euribor (Euro interbank offered rate) acrescida de 1 000 pontos de base que, segundo a sua comunicação relativa à revisão do método de cálculo das taxas de referência e de atualização (JO 2008, C 14, p. 6), corresponde à hipótese de uma taxa de mercado para um empréstimo a um mutuário pertencente à categoria de notação de «Má/dificuldades financeiras (CCC ou inferior)» com um nível de segurança baixo. Ora, a recorrente observa, por um lado, que este cálculo se apoia na hipótese não demonstrada de que existiriam ainda mutuantes no mercado que estivessem dispostos, nas circunstâncias atuais, a fornecer liquidez a esses níveis às companhias aéreas elegíveis e, por outro, que a Comissão não explica por que razão essa hipótese é razoável. Além disso, segundo a recorrente, outra hipótese credível é que nenhum mutuante no mercado forneceu liquidez aos beneficiários do regime de auxílios em causa, o que implicaria, segundo a prática decisória estabelecida da Comissão, que o montante do auxílio a ter em conta para efeitos da compensação fosse tão elevado como o montante nominal da liquidez fornecida. Nesta base, o montante real da compensação a ter em conta é muito superior e atinge 200,1 milhões de euros.

62      Em segundo lugar, entende que o cálculo da compensação efetuada pela Comissão tem em conta o benefício da liquidez, mas deixa de lado uma outra vantagem concedida aos beneficiários do regime de auxílios em causa, a saber, a vantagem concorrencial decorrente do seu caráter discriminatório, pelo facto de o benefício do regime de auxílios em causa estar reservado às companhias aéreas detentoras de uma licença de exploração da União emitida pela República Francesa. Com efeito, proporciona‑lhes um reforço de tesouraria precisamente no momento em que o tráfego retomar, ou seja, no fim esperado da crise provocada pela pandemia de COVID‑19, em detrimento dos seus concorrentes que continuarão a ter de pagar as mesmas taxas. Assim, essa vantagem concorrencial tem igualmente um valor e traduz‑se, para os beneficiários do auxílio, na aquisição de maiores quotas de mercado do que aquelas que poderiam conquistar de outra forma.

63      Por conseguinte, segundo a recorrente, o exame pela Comissão da adequação da compensação dos danos está viciado, uma vez que um dos elementos de comparação entre os danos e a sua compensação está subavaliado. Além disso, as condições de recuperação impostas na conclusão da decisão impugnada não são suscetíveis de colmatar essa lacuna, uma vez que não fazem referência ao valor da vantagem concorrencial concedida aos beneficiários do auxílio.

64      A Comissão, apoiada pela República Francesa, contesta o argumento.

65      Antes de mais, há que remeter para as observações anteriormente desenvolvidas em resposta ao primeiro fundamento no que respeita à proporcionalidade do regime de auxílios em causa. (v., n.os 35 a 49, supra).

66      Em seguida, quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à existência de um erro manifesto de apreciação e à violação do princípio da proporcionalidade, na medida em que a Comissão apenas teve em conta, para determinar o montante do regime de auxílios em causa, o montante nominal resultante do reporte de taxas fiscais resultantes da moratória, o que leva a que o montante do regime de auxílios em causa sobrecompense os prejuízos resultantes do acontecimento extraordinário, há que referir os seguintes elementos.

67      Em primeiro lugar, a recorrente omite que o diferimento de encargos fiscais resultante da moratória apenas incide sobre as taxas aeronáuticas, e não sobre o conjunto das taxas fiscais de que são devedoras as companhias aéreas elegíveis. Ora, uma vez que os impostos, como o imposto sobre as sociedades, são pagos em 2020 a título dos resultados do exercício de 2019, as companhias elegíveis para o regime de auxílios em causa, tributáveis em França pelo facto de aí terem o seu estabelecimento principal, deverão continuar a pagar certos encargos fiscais que não recaem sobre a recorrente, agindo esta na qualidade de prestadora de serviços a partir de outro Estado‑Membro ou por via da liberdade de estabelecimento.

68      Em segundo lugar, como alega a Comissão na decisão impugnada, o montante dos prejuízos sofridos pelos beneficiários do regime de auxílios em causa devido ao acontecimento extraordinário é, com toda a probabilidade, nominalmente superior ao montante total do regime de auxílios em causa (cerca de 680 milhões de euros contra 200,1 milhões de euros), pelo que o espetro de uma eventual sobrecompensação deve ser claramente afastado.

69      Em terceiro lugar, embora seja com razão que a recorrente evoca a possível relutância ou, em todo o caso, a grande prudência das instituições bancárias no contexto da pandemia, não pode adotar como postulado uma ausência total de empréstimos por parte destas últimas. Além do facto de, como acertadamente recorda a Comissão, o ónus da prova caber à recorrente, a quem incumbe, portanto, provar o caráter não plausível da avaliação a que procedeu, não se pode deixar de observar o caráter puramente hipotético da afirmação de que não seria concedido nenhum empréstimo às companhias aéreas elegíveis. Talvez esta afirmação seja exata em relação a uma ou a outra das companhias aéreas beneficiárias do regime de auxílios em causa, mas não pode valer de forma genérica nem, em todo o caso, aceitar‑se sem o mínimo indício que lhe sirva de apoio. É mais verosímil que as instituições bancárias estejam inclinadas a apoiar estas últimas, fazendo acompanhar os empréstimos concedidos de taxas interessantes para elas. Nessas condições, a hipótese considerada pela Comissão de empréstimos acrescidos em função da margem mais elevada resultante da comunicação relativa à revisão do método de cálculo das taxas de referência e de atualização (1 000 pontos de base), correspondente à situação em que o mutuário tem má notação e dispõe de um escasso colateral, parece prudente e adequada. A Comissão não cometeu, portanto, um erro de direito relativamente a este aspeto.

70      Em todo o caso, não pode ser acolhido o argumento de que o montante dos danos que resulta para as companhias aéreas com o seu estabelecimento principal em França do acontecimento extraordinário constituído pela pandemia de COVID‑19 pode estar sobreavaliado pela concessão de uma moratória relativa às taxas aeronáuticas, quer o montante do regime de auxílio em causa seja avaliado a partir do cálculo dos juros acrescidos sobre o montante dessas taxas em função da duração do diferimento de pagamento, isto é, 29,9 milhões de euros, quer seja fixado pelo seu valor nominal total, isto é, 200,1 milhões de euros, quanto mais não seja pelas razões acima mencionadas no n.o 68. Por outro lado, as medidas de controlo adotadas e recordadas no ponto 46 da decisão impugnada visam precisamente prevenir qualquer risco de sobrecompensação e não eram possíveis junto de prestadores de serviços estabelecidos noutro Estado‑Membro, à semelhança da recorrente.

71      Além disso, há que acrescentar que a Comissão teve em conta, para declarar o regime de auxílios em causa compatível com o mercado interno, os compromissos da República Francesa de lhe fornecer uma metodologia, o que constitui uma garantia suplementar de evitar qualquer risco de sobrecompensação.

72      Improcede, pois, a primeira parte do segundo fundamento.

73      Quanto à segunda parte do segundo fundamento, basta indicar, à semelhança da Comissão, que não pode ser acolhida, uma vez que colide com a jurisprudência do juiz da União relativa à determinação do montante do auxílio, tanto na ótica da avaliação da vantagem como da avaliação da recuperação do montante de um auxílio ilegal e contrário ao mercado interno. As vantagens «de segundo nível», na realidade por serem demasiado hipotéticas e demasiado complexas para identificar de forma certa, não devem ser tomadas em consideração, o que a recorrente não podia ignorar, à luz dos termos do Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Aer Lingus e Ryanair Designated Activity (C‑164/15 P e C‑165/15 P, EU:C:2016:990, n.os 90 a 92).

74      Por todas estas razões, o segundo fundamento de recurso deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

75      Em apoio do quarto fundamento, a recorrente recorda que a Comissão está vinculada a um dever de fundamentação por força do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE e que uma violação deste dever justifica a anulação da decisão impugnada. Além disso, por força da disposição acima referida, a Comissão deve divulgar «de forma clara e inequívoca» o raciocínio seguido para adotar a medida em questão, de modo a que tanto as partes interessadas como o órgão jurisdicional competente da União compreendam as razões pelas quais o ato impugnado foi adotado. Este dever de fundamentação é ainda maior no caso presente quando a decisão impugnada foi adotada sem a abertura de um procedimento formal de investigação que dá aos interessados a possibilidade de apresentarem os seus argumentos.

76      Ora, em primeiro lugar, a Comissão não cumpriu o seu dever de fundamentação, primeiro, ao não apreciar se o auxílio era não discriminatório e respeitava o princípio da livre prestação de serviços, segundo, ao não apreciar, nem sequer de forma sucinta, o valor da vantagem concorrencial concedida às companhias aéreas que podem beneficiar do auxílio e, terceiro, ao não fundamentar o seu cálculo do montante do auxílio.

77      Em segundo lugar, afirma que a Comissão também não cumpriu o seu dever de fornecer uma fundamentação adequada. Com efeito, a decisão impugnada admite que as taxas para as quais o auxílio concede uma moratória são igualmente devidas pelas companhias aéreas cuja licença de exploração da União é emitida por outro Estado‑Membro, mas indica que essa circunstância não tem impacto no seu caráter não discriminatório, uma vez que a medida visa claramente compensar os danos sofridos por companhias aéreas titulares de licenças de exploração emitidas pela República Francesa. Ora, isso é contraditório, uma vez que equivale a afirmar que o auxílio não é discriminatório, visto que o seu objetivo principal é discriminar. Igualmente, a referência feita, na nota de rodapé n.o 23 da decisão impugnada, ao precedente resultante da sua Decisão de 12 de março de 2002 no processo n.o 854/2001 — Reino Unido — Auxílio às companhias aéreas devido ao encerramento do espaço aéreo, mais não seria do que uma tentativa falhada de encontrar sob a forma de base jurídica o que é, desde o início, um raciocínio fundamentalmente errado. Entende, assim, que o raciocínio da Comissão é inexistente ou tautológico ou contraditório. Com efeito, a contradição entre os objetivos declarados, a saber, reparar os danos causados pela pandemia de COVID‑19 e preservar a estrutura do setor aéreo para as companhias aéreas cuja licença de exploração da União foi emitida em França, e os meios desproporcionados e contraprodutivos utilizados para os atingir, concretamente, a concessão de um auxílio discriminatório, não permite aos interessados nem ao Tribunal Geral compreender qual é o objetivo da medida de auxílio de Estado em causa, além do objetivo de excluir do benefício do regime de auxílio companhias aéreas titulares de uma licença de exploração da União emitida por outros Estados‑Membros que não a República Francesa.

78      A Comissão contesta estes argumentos. A República Francesa remete a este respeito para a contestação.

79      Em primeiro lugar, embora a fundamentação de um ato da União exigida pelo artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE deva revelar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio do autor do ato em causa, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao Tribunal de Justiça exercer a sua fiscalização, não se exige, porém, que especifique todos os elementos de facto ou de direito pertinentes. Por outro lado, importa apreciar a observância do dever de fundamentação à luz não apenas do teor do ato mas também do seu contexto, assim como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdão de 7 de fevereiro de 2018, American Express, C‑304/16, EU:C:2018:66, n.o 75 e jurisprudência aí referida). Ora, o contexto é, no caso em apreço, o de uma pandemia e da urgência extrema em que a Comissão examinou as medidas que lhe tinham sido notificadas pelos Estados‑Membros e adotou as decisões relativas a essas medidas, entre as quais a decisão impugnada. A esse respeito, resulta dos n.os 1 e 3, supra, que apenas decorreram sete dias entre a notificação do regime de auxílios em causa e a adoção da decisão impugnada.

80      Ora, não obstante a excecionalidade dessas circunstâncias, refira‑se que, no caso, a decisão impugnada contém 53 pontos e permite, de forma clara e articulada, compreender os fundamentos de facto e de direito pelos quais a Comissão decidiu não formular objeções ao regime de auxílios em causa.

81      Em segundo lugar, os dados quantitativos que servem de fundamento à determinação do objetivo do regime de auxílios em causa e à forma de atingir esse objetivo (moratória sobre as taxas aeronáuticas das companhias aéreas titulares de uma licença francesa) estão precisamente expostos. Em particular, há que observar, à luz da redação do ponto 3 da decisão impugnada, que a recorrente não podia equivocar‑se sobre o objetivo do regime de auxílios em causa. Quanto à alegação relativa à impossibilidade de determinar o montante do referido regime, carece de base factual, pelas razões expostas pela Comissão, a saber, que o ponto 47 e a nota de rodapé n.o 22 da decisão impugnada, lidos à luz dos seus n.os 7 e 8, apresentam razões claras que permitem chegar ao montante de 29,9 milhões de euros.

82      Em terceiro lugar, no que respeita à fundamentação relativa às vantagens «de segundo nível», a Comissão não tinha qualquer obrigação a esse respeito, uma vez que essas vantagens não tinham de ser examinadas da perspetiva da identificação do montante do auxílio.

83      Em quarto lugar, tendo a decisão impugnada sido adotada com base no artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE, é à luz do respeito das condições impostas por esta disposição que deve ser examinada a fundamentação da referida decisão. Ora, a fundamentação da decisão impugnada demonstra um respeito escrupuloso da presença das condições jurisprudenciais, tanto no que se refere à qualificação do acontecimento de «extraordinário» como à análise do nexo de causalidade entre esse evento e os prejuízos sofridos pelos beneficiários do regime de auxílios em causa.

84      Assim, a Comissão, tendo exposto na decisão impugnada, as razões pelas quais o regime de auxílios em causa cumpria os requisitos impostos pelo artigo 107.o, n.o 2, alínea b), TFUE e, em especial, em que medida o critério de elegibilidade da posse de uma licença francesa era necessário, adequado e proporcionado, cumpriu o dever de fundamentação.

85      Consequentemente, o quarto fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma violação dos direitos processuais garantidos pelo artigo 108.o, n.o 2, TFUE

86      O terceiro fundamento, relativo ao respeito dos direitos processuais da recorrente por a Comissão não ter tomado a decisão de início do procedimento formal de investigação apesar da alegada existência de dúvidas sérias, apresenta, na realidade, um caráter subsidiário, para o caso de o Tribunal Geral não conhecer do mérito da apreciação do auxílio enquanto tal. Com efeito, decorre de jurisprudência constante que tal fundamento visa permitir a uma parte interessada ser admitida, nessa qualidade, a interpor recurso nos termos do artigo 263.o TFUE, o que lhe seria de outra forma recusado (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 48, e de 27 de outubro de 2011, Aústria/Scheucher‑Fleisch e o., C‑47/10 P, EU:C:2011:698, n.o 44). Ora, o Tribunal Geral examinou os dois primeiros fundamentos do recurso, relativos ao mérito da apreciação do auxílio enquanto tal, pelo que tal fundamento se encontra privado da sua finalidade manifestada.

87      Além disso, não se pode deixar de observar que este fundamento é desprovido de conteúdo autónomo. Com efeito, no âmbito desse fundamento, a recorrente, para efeitos da preservação dos direitos processuais de que beneficia no âmbito do procedimento formal de investigação, pode invocar unicamente fundamentos suscetíveis de comprovar que a apreciação das informações e dos elementos de que a Comissão dispôs ou podia dispor, na fase preliminar de análise da medida notificada, deveria ter suscitado dúvidas quanto à sua compatibilidade com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdãos de 22 de dezembro de 2008, Régie Networks, C‑333/07, EU:C:2008:764, n.o 81; de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.o 35; e de 24 de maio de 2011, Comissão/Kronoply e Kronotex, C‑83/09 P, EU:C:2011:341, n.o 59), como o caráter insuficiente ou incompleto do exame efetuado pela Comissão no procedimento preliminar de investigação ou a existência de denúncias provenientes de terceiros. Ora, há que referir que o terceiro fundamento reproduz de forma condensada os argumentos invocados no âmbito do primeiro e segundo fundamentos, sem pôr em evidência elementos específicos relativos a eventuais dificuldades sérias.

88      Por estes motivos, há que concluir que, tendo o Tribunal Geral examinado o mérito dos referidos fundamentos, não é necessário conhecer do mérito deste fundamento.

89      Assim, há que negar integralmente provimento ao recurso, concedendo, por outro lado, à recorrente o benefício do tratamento confidencial pedido, não tendo a República Francesa apresentado qualquer objeção a esse respeito.

 Quanto às despesas

90      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta, incluindo as correspondentes ao processo de tratamento confidencial.

91      A República Francesa suportará as suas próprias despesas, por força do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Décima Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Ryanair DAC é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia, incluindo as efetuadas no âmbito do pedido de tratamento confidencial.

3)      A República Francesa suportará as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de fevereiro de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.