Language of document : ECLI:EU:T:2024:253

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

17 de abril de 2024 (*)

«Marca da União Europeia — Processo de oposição — Pedido de marca figurativa da União Europeia in Insajderi — Marca nominativa nacional anterior INSAJDERI e marca figurativa nacional anterior Insajderi Gazetë online — Motivo relativo de recusa — Artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (UE) 2017/1001 — Alcance do exame que a Câmara de Recurso deve efetuar — Artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento Delegado (UE) 2018/625 — Não apresentação de provas — Tradução — Artigo 7.o do Regulamento Delegado 2018/625 — Direito de ser ouvido — Artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 — Possibilidade de a Câmara de Recurso aceitar provas apresentadas pela primeira vez perante si — Artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Delegado 2018/625 — Artigo 95.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001»

No processo T‑119/23,

Insider LLC, com sede em Pristina (República do Kosovo), representada por M. Ketler, advogado,

recorrente,

contra

Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), representado por D. Gája, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO

Florim Alaj, residente em Zoug (Suíça),

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto por: A. Kornezov, presidente, K. Kecsmár (relator) e S. Kingston, juízes,

secretário: V. Di Bucci,

vistos os autos,

visto as partes não terem requerido a marcação de audiência no prazo de três semanas a contar da notificação do encerramento da fase escrita do processo e tendo sido decidido, nos termos do artigo 106.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral do processo,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a recorrente, Insider LLC, pede a anulação da Decisão da Quinta Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) de 5 de dezembro de 2022 (processo R 1152/2022‑5) (a seguir «decisão impugnada»).

 Antecedentes do litígio

2        Em 16 de junho de 2020, a outra parte no processo na Câmara de Recurso do EUIPO, Florim Alaj, apresentou ao EUIPO um pedido de registo de marca da União Europeia para o seguinte sinal figurativo:

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3        A marca pedida designava os serviços da classe 41 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e que correspondem à seguinte descrição: «Fornecimento, através da Internet, de informações, notícias e comentários relacionados com a educação, o entretenimento e o desporto no domínio da atualidade».

4        A recorrente deduziu oposição ao registo da marca pedida para os serviços referidos no n.o 3, supra.

5        A oposição baseava‑se nas duas marcas anteriores seguintes, registadas no Kosovo, apresentadas em 5 de maio de 2020 e que designam serviços das classes 35, 38 e 41:

–        a marca nominativa kosovar n.o 27 062 INSAJDERI;

–        a marca figurativa kosovar n.o 27 063, representada em seguida:

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6        O fundamento invocado em apoio da oposição era o previsto no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1).

7        Em 10 de maio de 2022, a Divisão de Oposição deferiu a oposição e recusou o registo da marca pedida para todos os serviços referidos no n.o 3, supra.

8        Em 30 de junho de 2022, a outra parte no processo na Câmara de Recurso interpôs recurso da decisão da Divisão de Oposição no EUIPO.

9        Através da decisão impugnada, a Câmara de Recurso deu provimento ao recurso, anulou a decisão da Divisão de Oposição e rejeitou a oposição na íntegra, com o fundamento de que a recorrente não tinha demonstrado, antes do termo do prazo fixado para apresentar factos, provas e observações em apoio da oposição, que as marcas anteriores reivindicadas existiam e que era titular delas, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, e com o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001. Considerou, nomeadamente, que as traduções autenticadas dos certificados de registo das marcas anteriores, apresentadas pela recorrente a título de prova da existência das referidas marcas e do facto de ser titular das mesmas (a seguir «traduções»), constituíam traduções não oficiais nas quais o texto original não era visível, o que tornava impossível verificar se o certificado original mencionava informações essenciais.

 Pedidos das partes

10      A recorrente conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar o EUIPO nas despesas do processo.

11      O EUIPO conclui pedindo ao Tribunal Geral que se digne:

–        negar provimento ao recurso na íntegra;

–        condenar a recorrente nas despesas em caso de convocação das partes para uma audiência.

 Questão de direito

12      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, em substância, três fundamentos, relativos, o primeiro, à violação do artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento Delegado (UE) 2018/625 da Comissão, de 5 de março de 2018, que complementa o Regulamento (UE) 2017/1001, e que revoga o Regulamento Delegado (UE) 2017/1430 (JO 2018, L 104, p. 1), o segundo, à violação do artigo 7.o do referido regulamento delegado e dos artigos 24.o a 26.o do Regulamento de Execução (UE) 2018/626 da Comissão, de 5 de março de 2018, que estabelece as regras de execução de determinadas disposições do Regulamento 2017/1001 e que revoga o Regulamento de Execução (UE) 2017/1431 (JO 2018, L 104, p. 37), e, o terceiro, à violação do artigo 41.o, n.o 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), lido em conjugação com o artigo 94.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento 2017/1001.

13      Importa analisar desde logo o primeiro fundamento, em seguida o terceiro fundamento e, por último, se for caso disso, o segundo fundamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento 2018/625

14      A recorrente sustenta que a outra parte no processo não tinha contestado a existência das marcas anteriores perante a Câmara de Recurso. Por conseguinte, considera que, ao examinar este elemento e a autenticidade das traduções por sua própria iniciativa, a Câmara de Recurso violou o artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2018/625. A este respeito, a recorrente alega que a Câmara de Recurso não explicou por que razão este exame era necessário para garantir uma aplicação correta do Regulamento 2017/1001 nem em que medida dizia respeito a requisitos processuais essenciais na aceção do artigo 27.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2018/625. Por último, a recorrente afirma, em substância, que a questão da autenticidade das traduções é mais uma questão de facto do que uma questão de direito, pelo que o referido artigo não é aplicável a este respeito.

15      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente.

16      A título preliminar, importa recordar que existe uma continuidade funcional entre as diferentes instâncias do EUIPO, por um lado, e as Câmaras de Recurso, por outro. A fiscalização exercida pelas Câmaras de Recurso não se limita à fiscalização da legalidade da decisão objeto do recurso que lhes for submetido, mas, em razão do efeito devolutivo do processo de recurso, implica uma nova apreciação do litígio no seu todo, devendo as Câmaras de Recurso reexaminar integralmente o pedido inicial e ter em conta as provas apresentadas em tempo útil. Assim, resulta do artigo 71.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 que, devido ao efeito do recurso de que foi chamada a conhecer, é pedido à Câmara de Recurso que proceda a uma nova apreciação do mérito do processo de oposição, quer no que respeita ao direito quer no que respeita à matéria de facto [v., neste sentido, Acórdão de 7 de dezembro de 2017, Coca‑Cola/EUIPO — Mitico (Master), T‑61/16, EU:T:2017:877, n.o 115 e jurisprudência referida].

17      Como resulta do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2018/625, o oponente apresenta elementos de prova da existência, da validade e do âmbito da proteção da sua marca anterior ou do seu direito anterior, através, nomeadamente, de certificados de depósito, registo ou renovação, bem como a prova da sua legitimidade para apresentar a oposição no prazo fixado para apresentar factos, elementos de prova e argumentos em apoio da oposição. Em especial, se a oposição se basear no artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1001, o oponente apresenta elementos de prova da titularidade do oponente da marca anterior e da sua relação com o agente ou representante. Além disso, resulta do artigo 7.o, n.o 4, do Regulamento Delegado 2018/625 que qualquer certificado de depósito, registo ou renovação devem ser apresentados na língua do processo ou ser acompanhados de uma tradução nessa língua.

18      É à luz destas considerações que há que examinar se a Câmara de Recurso podia, por um lado, suscitar oficiosamente a falta de apresentação dos certificados de registo originais das marcas anteriores e examinar a existência, a validade e o âmbito da proteção das marcas anteriores, bem como o facto de a recorrente ser titular das mesmas, e, por outro, verificar oficiosamente a autenticidade das traduções.

19      A este respeito, resulta do artigo 27.o, n.o 2, segunda frase, do Regulamento Delegado 2018/625 que as questões de direito não invocadas pelas partes podem ser examinadas pela Câmara de Recurso se for necessário resolvê‑las para assegurar a correta aplicação do Regulamento 2017/1001, tendo em conta os factos, elementos de prova e argumentos apresentados pelas partes, ou se disserem respeito a requisitos processuais essenciais.

20      Decorre do artigo 7.o do Regulamento Delegado 2018/625 que a corroboração de uma oposição através dos elementos de prova da existência, da validade e do âmbito da proteção das marcas anteriores em que a oposição se baseia, bem como da legitimidade do oponente para apresentar a oposição em conformidade com o artigo 8.o do Regulamento 2017/1001, são requisitos indispensáveis ao sucesso desta.

21      Por conseguinte, foi com razão que a Câmara de Recurso examinou oficiosamente a questão da justificação da marca anterior em conformidade com o artigo 7.o do Regulamento Delegado 2018/625, uma vez que a prova da existência, da validade e do âmbito de proteção das marcas anteriores em que se baseia a oposição, bem como do facto de o oponente ser titular destas, são condições necessárias à aplicação dos motivos relativos de recusa em conformidade com o artigo 8.o, n.o 3, do Regulamento 2017/1001. Daqui resulta que esta justificação dos direitos anteriores está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 27.o, n.o 2, segunda frase, do Regulamento Delegado 2018/625.

22      Por outro lado, contrariamente ao que alega a recorrente, a questão da autenticidade das traduções constitui uma questão de direito. Com efeito, como salientado no n.o 17, supra, o respeito da obrigação de fundamentar a oposição e de fornecer a tradução na língua do processo dos elementos apresentados para esse efeito constitui uma questão que a Câmara de Recurso está obrigada a examinar, em conformidade com o artigo 7.o do Regulamento Delegado 2018/625, e que é suscetível de afetar a sua apreciação do recurso que lhe é submetido. Além disso, na impossibilidade de se certificar de que as traduções são conformes aos documentos originais, existia a possibilidade de o requerente da marca não se ter podido defender adequadamente [v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2016, Guiral Broto/EUIPO — Gastro la Soul (CAFE DEL SOL), T‑549/15, não publicado, EU:T:2016:719, n.o 28].

23      A Câmara de Recurso tinha, pois, legitimidade, por um lado, para apreciar oficiosamente a falta de apresentação dos certificados de registo originais das marcas anteriores e examinar a existência, a validade e o âmbito da proteção das marcas anteriores, bem como o facto de a recorrente ser titular das mesmas e, por outro, para verificar oficiosamente a autenticidade das traduções.

24      Daqui resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do artigo 41.o, n.o 1, da Carta, lido em conjugação com o artigo 94.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento 2017/1001

25      A recorrente alega, em substância, que, ao suscitar oficiosamente, por um lado, a falta de apresentação dos certificados de registo originais das marcas em conflito e, por outro, dúvidas quanto à autenticidade das traduções desses documentos, sem previamente a convidar a apresentar as suas observações sobre esta questão, a Câmara de Recurso violou o artigo 41.o, n.o 1, da Carta, dado que a privou do seu direito de ser ouvida.

26      O EUIPO contesta os argumentos da recorrente alegando, antes de mais, que a recorrente não apresentou, durante o procedimento administrativo, nenhum certificado original de registo das marcas anteriores, apesar de ter recebido, em 8 de março de 2021, uma comunicação na qual este sublinhava a obrigação da recorrente de fundamentar os direitos anteriores no prazo fixado. No seu entender, a Câmara de Recurso não estava obrigada a basear‑se apenas nas traduções, e não podia verificar, apenas nessa base, se informações essenciais como a data de apresentação, a titular ou a lista dos serviços estavam mencionadas no certificado original. Além disso, o EUIPO sustenta que a Câmara de Recurso não violou o direito da recorrente de ser ouvida, uma vez que a recorrente conhecia, por força do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento Delegado 2018/625, a obrigação de apresentar elementos destinados a provar a existência, a validade e o âmbito da proteção das marcas anteriores, bem como elementos que demonstrassem a legitimidade da recorrente para deduzir oposição. Por último, a Câmara de Recurso não estava obrigada a informar a recorrente das lacunas nos elementos de prova que apresentou em apoio da oposição, em conformidade com o artigo 8.o, n.os 1 e 9, do referido regulamento delegado.

27      Antes de mais, importa recordar que, segundo o artigo 94.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento 2017/1001, as decisões do EUIPO baseiam‑se apenas em motivos ou provas sobre os quais as partes envolvidas tenham tido oportunidade de se pronunciar. Esta disposição constitui uma aplicação específica do princípio geral da proteção dos direitos de defesa, consagrado, por outro lado, no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, segundo o qual as pessoas cujos interesses sejam afetados por decisões das autoridades públicas devem ter oportunidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista [Acórdão de 8 de junho de 2022, Apple/EUIPO — Swatch (THINK DIFFERENT), T‑26/21 a T‑28/21, não publicado, EU:T:2022:350, n.o 40].

28      Com efeito, todos os atos da União devem respeitar os direitos fundamentais, conforme reconhecidos pela Carta, constituindo este respeito um requisito da sua legalidade que compete ao juiz da União fiscalizar no âmbito do sistema completo de vias de recurso estabelecido pelo Tratado FUE, e o respeito da Carta impõe‑se às instituições, órgãos e organismos da União [v., neste sentido, Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.os 283 a 285, e Parecer 2/13 (Adesão da União à CEDH) de 18 de dezembro de 2014, EU:C:2014:2454, n.os 169 e 171].

29      O direito de ser ouvido em todos os processos, previsto no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, que faz parte integrante do respeito dos direitos de defesa, garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses (v. Acórdão de 27 de julho de 2022, RT France/Conselho, T‑125/22, EU:T:2022:483, n.o 75 e jurisprudência referida).

30      Além disso, o direito de ser ouvido é extensivo a todos os elementos de facto ou de direito que constituem o fundamento do ato decisório, mas não à posição final que a administração pretende adotar [v. Acórdão de 7 de fevereiro de 2007, Kustom Musical Amplification/IHMI (Forma de uma guitarra), T‑317/05, EU:T:2007:39, n.o 27 e jurisprudência referida].

31      É ao EUIPO que incumbe a obrigação de dar às partes num processo pendente nas suas instâncias a possibilidade de fazerem valer o seu ponto de vista sobre todos os elementos que constituem o fundamento das decisões dessas instâncias [v. Acórdão de 20 de março de 2019, Prim/EUIPO — Primed Halberstadt Medizintechnik (PRIMED), T‑138/17, não publicado, EU:T:2019:174, n.o 27 e jurisprudência referida].

32      No caso em apreço, não se contesta que a Câmara de Recurso rejeitou a oposição em aplicação do artigo 7.o, n.o 2, e do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/625, sem que a recorrente tenha podido tomar posição sobre o fundamento determinante dessa decisão. Com efeito, a própria Câmara de Recurso suscitou a falta de versões originais dos certificados de registo das marcas anteriores, bem como dúvidas quanto à autenticidade das traduções, daí deduzindo, apenas com base nisso, como exposto no n.o 9, supra, que a recorrente não tinha demonstrado que as marcas anteriores existiam e que era titular das mesmas, pelo que a oposição devia ser rejeitada. Como sustenta a recorrente no seu terceiro fundamento, o facto de a Câmara de Recurso ter examinado oficiosamente esta questão, sem a ter ouvido no processo em apreço sobre este aspeto, constitui uma irregularidade processual (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2016, CAFE DEL SOL, T‑549/15, não publicado, EU:T:2016:719, n.o 31 e jurisprudência referida).

33      Todavia, só pode declarar‑se a existência de uma violação dos direitos de defesa na medida em que a não tomada em consideração da posição de uma parte interessada tenha tido uma incidência concreta na possibilidade de esta se defender. No entanto, não se pode impor à recorrente que demonstre que a decisão impugnada teria tido um conteúdo diferente se a violação constatada não tivesse existido, mas apenas que tal hipótese não está inteiramente excluída uma vez que a recorrente poderia ter assegurado melhor a sua defesa se a irregularidade processual não tivesse existido (v., neste sentido, Acórdãos de 1 de outubro de 2009, Foshan Shunde Yongjian Housewares & Hardware/Conselho, C‑141/08 P, EU:C:2009:598, n.o 94 e jurisprudência referida, e de 20 de março de 2019, PRIMED, T‑138/17, não publicado, EU:T:2019:174, n.o 28 e jurisprudência referida).

34      Por conseguinte, há que verificar se não está inteiramente excluído que, caso a irregularidade processual referida no n.o 32, supra, não tivesse existido, o processo teria conduzido a um resultado diferente.

35      É o que acontece neste caso. Com efeito, se a Câmara de Recurso tivesse dado à recorrente a possibilidade de dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a questão da falta das versões originais dos certificados de registo das marcas anteriores, esta teria podido fornecê‑las, permitindo à Câmara de Recurso examiná‑las e assegurar‑se da autenticidade das traduções.

36      Por conseguinte, a decisão impugnada foi adotada em violação do direito de ser ouvido garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

37      Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos do EUIPO. Com efeito, primeiro, no que respeita ao argumento do EUIPO segundo o qual a apresentação dos referidos certificados originais nesta fase foi extemporânea, importa recordar que, nos termos do artigo 95.o do Regulamento 2017/1001, o EUIPO pode não tomar em consideração os factos que as partes não tenham alegado ou as provas que não tenham sido produzidas em tempo útil.

38      Como já declarou o Tribunal de Justiça, resulta da redação desta disposição que, regra geral e salvo disposição em contrário, a apresentação de factos e provas pelas partes continua a ser possível após o termo dos prazos a que está sujeita essa apresentação, de acordo com o disposto no Regulamento 2017/1001, e que nada proíbe o EUIPO de ter em conta factos e provas invocados ou apresentados extemporaneamente (v. Acórdão de 20 de março de 2019, PRIMED, T‑138/17, não publicado, EU:T:2019:174, n.o 46 e jurisprudência referida).

39      Com efeito, ao precisar que o EUIPO «pode» decidir não tomar essas provas em consideração, o artigo 95.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001 atribui‑lhe um amplo poder de apreciação para efeitos de decidir se deve ou não tomá‑las em conta, fundamentando a sua decisão quanto a esse aspeto (v. Acórdão de 20 de março de 2019, PRIMED, T‑138/17, não publicado, EU:T:2019:174, n.o 47 e jurisprudência referida).

40      Por outro lado, resulta da jurisprudência que não há nenhuma razão de princípio ligada à natureza do processo que segue os seus trâmites na Câmara de Recurso, ou à competência desta instância, que obste a que, para efeitos de se pronunciar sobre o recurso de que conhece, a referida Câmara tome em consideração factos ou provas apresentados pela primeira vez perante si (v. Acórdão de 20 de março de 2019, PRIMED, T‑138/17, não publicado, EU:T:2019:174, n.o 48 e jurisprudência referida).

41      Além disso, nos termos do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento 2018/625, a Câmara de Recurso apenas pode aceitar elementos de prova que lhe sejam apresentados pela primeira vez se esses elementos de prova cumprirem dois requisitos: por um lado, «parece[re]m, à primeira vista, suscetíveis de serem relevantes para a resolução do litígio», e, por outro, «não [terem sido] apresentados em tempo útil por motivos válidos, em especial quando apenas vêm complementar factos e elementos de prova de apoio que tinham já sido apresentados em tempo útil, ou são apresentados para contestar conclusões apresentadas ou examinadas oficiosamente pela primeira instância na decisão objeto do recurso».

42      No caso em apreço, uma vez que a Câmara de Recurso pôs em causa a autenticidade das traduções e considerou que, ao não fornecer as versões originais dos certificados de registo das marcas anteriores na origem da oposição, a recorrente não tinha cumprido as exigências previstas no artigo 7.o, n.o 2, e no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/625 em termos de prova da existência das marcas e do facto de a recorrente ser titular das mesmas, pelo que a sua oposição foi julgada improcedente, como foi constatado no n.o 35, supra, não se pode excluir que, se a recorrente tivesse sido ouvida sobre este aspeto, poderia ter apresentado as versões originais dos referidos certificados, que, em aplicação do artigo 27.o, n.o 4, do Regulamento Delegado 2018/625, a Câmara de Recurso poderia tê‑los admitido e que, consequentemente, o processo de oposição teria conduzido a um resultado diferente.

43      Segundo, contrariamente ao que alega o EUIPO, não se pode considerar que a sua comunicação à recorrente de 8 de março de 2021 convida esta última a tomar posição sobre a falta de versões originais dos certificados de registo das marcas anteriores ou sobre a autenticidade das traduções. Com efeito, trata‑se, no caso em apreço, de uma comunicação normalizada, que não menciona de modo algum as questões relativas à existência, à validade e ao âmbito da proteção das marcas anteriores, bem como à titularidade destas últimas, que a Câmara de Recurso tencionava suscitar oficiosamente, com base no artigo 7.o, n.o 2, e no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/625.

44      Além disso, o facto de, na fase do processo na Divisão de Oposição, a recorrente ter sido informada da sua obrigação de fundamentar as marcas anteriores no prazo fixado é indiferente para a apreciação do respeito dos direitos de defesa na fase do processo na Câmara de Recurso. Com efeito, uma vez que a competência das Câmaras de Recurso implica um reexame das decisões adotadas pelas unidades do EUIPO e que, no caso em apreço, a Câmara de Recurso suscitou por sua própria iniciativa a falta de prova da existência, da validade e do âmbito da proteção das marcas anteriores, não se pode considerar que a referida informação tenha permitido à recorrente dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista na Câmara de Recurso sobre o indeferimento da sua oposição devido à falta de apresentação das versões originais dos certificados de registo das marcas anteriores e às dúvidas quanto à autenticidade da tradução dos referidos certificados (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 13 de dezembro de 2016, CAFE DEL SOL, T‑549/15, não publicado, EU:T:2016:719, n.o 43).

45      Terceiro, decorre da redação do artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/625 que, se não forem apresentadas provas no prazo fixado ou os elementos de prova apresentados forem manifestamente irrelevantes ou manifestamente insuficientes para satisfazer os requisitos estabelecidos no artigo 7.o, n.o 2, do referido regulamento delegado, em relação aos direitos anteriores, a oposição é rejeitada por falta de fundamento. Todavia, tal conclusão não se impõe quando alguns desses elementos tiverem sido apresentados dentro do prazo ou quando não forem manifestamente irrelevantes ou manifestamente insuficientes. Ora, no caso em apreço, é pacífico que a recorrente apresentou na Divisão de Oposição, no prazo fixado, as traduções dos certificados de registo das marcas anteriores. Estes elementos não são manifestamente irrelevantes ou manifestamente insuficientes, uma vez que, na hipótese de a recorrente ter sido ouvida e ter apresentado os originais dos referidos certificados durante o processo na Câmara de Recurso, esta última não teria tido que rejeitar a oposição com fundamento no artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/625. Com efeito, o referido artigo não constitui uma regra que impeça a Câmara de Recurso de fazer uso da margem de apreciação que lhe é conferida pelo artigo 95.o, n.o 2, do Regulamento 2017/1001, uma vez que o artigo 8.o, n.o 1, do Regulamento Delegado 2018/625 deve ser interpretado de modo a torná‑lo conforme com as regras superiores de direito enunciadas no Regulamento 2017/1001 e no artigo 41.o da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2016, CAFE DEL SOL, T‑549/15, não publicado, EU:T:2016:719, n.o 38).

46      Quarto, na medida em que o EUIPO alega que não pode estar obrigado a convidar expressamente uma parte a apresentar elementos de prova, importa recordar que cabe à Câmara de Recurso assegurar‑se de que foram cumpridos os requisitos previstos no artigo 41.o, n.o 2, da Carta e no artigo 94.o, n.o 1, segunda frase, do Regulamento 2017/1001, o que não aconteceu no caso em apreço (v., neste sentido, Acórdão de 20 de março de 2019, PRIMED, T‑138/17, não publicado, EU:T:2019:174, n.o 44 e jurisprudência referida).

47      Por todas as razões que precedem, há que julgar procedente o terceiro fundamento e, sem que seja necessário decidir sobre o segundo fundamento, anular a decisão impugnada.

 Quanto às despesas

48      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

49      Tendo o EUIPO sido vencido, há que condená‑lo nas despesas, em conformidade com os pedidos da recorrente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

decide:

1)      É anulada a Decisão da Quinta Câmara de Recurso do Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO), de 5 de dezembro de 2022 (processo R 1152/20225).

2)      O EUIPO é condenado a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Insider LLC.

Kornezov

Kecsmár

Kingston

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 17 de abril de 2024.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.